versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.9 Rio de Janeiro set. 2018
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018239.12782018
A promoção da saúde caracteriza-se como desafio no cotidiano dos serviços1. Nestes cenários, a educação em saúde, um dos principais dispositivos para a viabilização da promoção da saúde, muitas vezes aborda temáticas através de metodologias verticalizadas que não consideram a experiência e o conhecimento prévio dos indivíduos, se distanciando do processo de construção compartilhada do conhecimento e de troca de saberes2. Essas práticas podem ser consideradas pelos adolescentes como vazias de significado e não contributivas para a adesão a hábitos de vida mais saudáveis3.
Uma nova proposta para o cuidado integral à saúde, que inclui a educação em saúde, preconiza a realização de ações voltadas para a cidadania e o protagonismo dos adolescentes neste campo1,4. Essa perspectiva é consoante com a Pedagogia Paulo Freire, que enfoca o diálogo entre educador e educando, em uma prática educativa horizontalizada, ética e amorosa, que caminha no sentido da humanização de ambos. A educação dialógica traz conteúdos relacionados à vida dos(as) educandos(as), e assim torna-se envolvida por significados. Este processo estimula nos educandos o interesse em participar ativamente das decisões potencializando o processo de construção de autonomia5-7.
Nesse contexto, os serious games (jogos utilizados com propósito que não se restringem ao entretenimento, mas que proporcionam experiências significativas e aprendizado) podem contribuir para o alcance de objetivos pedagógicos específicos nas ações educativas no âmbito da saúde, por se configurarem como uma metodologia participativa e motivadora para os adolescentes8,9.
Todavia, apesar dos serious games serem considerados instrumentos para abordar diversos assuntos, inclusive a sexualidade, ainda são poucos os estudos englobando essa temática, principalmente os aspectos pedagógicos envolvidos9-11.
Este estudo objetivou analisar as contribuições de um serious game, o DECIDIX, para o desenvolvimento de ações educativas subsidiadas pelo referencial de Paulo Freire no campo da educação em saúde sexual e reprodutiva com adolescentes.
O DECIDIX é um jogo digital desenvolvido pelo Núcleo de Estudos e Pesquisas em Vulnerabilidade e Saúde na Infância e Adolescência (NEPVIAS) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). O jogo tem como público alvo adolescentes (11 a 19 anos) em ações de promoção de saúde sexual e reprodutiva e seu principal objetivo é promover a reflexão sobre as relações afetivas e sexuais que podem culminar (ou não) em uma gravidez não planejada, numa perspectiva de gênero.
O cenário do jogo simula a interface de um aplicativo de mensagens instantâneas, no qual uma personagem adolescente inicia um bate papo com um de seus contatos sobre uma situação afetiva/sexual que está vivenciando com outro adolescente. O contato representa o grupo de adolescentes que está jogando. Durante o jogo, os(as) participantes discutem e juntos escolhem os caminhos que os personagens devem seguir na estória, sendo problematizadas questões como responsabilização da contracepção; sexualidade; questões de gênero, consequências e responsabilidades na gravidez não planejada entre outras. Algumas perguntas-chaves no formato de “enquetes” são disponibilizadas no decorrer da estória para facilitar a abordagem das temáticas, sendo um recurso opcional para o educador. No final do jogo, os jogadores são convidados a voltarem na estória e reconstruí-la de forma a construir um novo final de forma mais crítica (Figura 1).
O DECIDIX foi delineado para ser utilizado em ações coletivas e mediados por um(a) educador(a) subsidiado(a) pedagogicamente por princípios da Pedagogia Freireana com destaque para construção de relações horizontais entre educadores(as) e educandos(as) através do diálogo; construção de relações baseadas na ética, respeito mútuo e amorosidade, potencializando o vínculo entre educador(a) e educandos(as) e construção de experiências de aprendizagem que contribuam para a autonomia dos atores envolvidos no âmbito da saúde sexual e reprodutiva.
A versão final do jogo, bem como o material de apoio que o acompanha podem ser solicitados gratuitamente pelo email: nepviasufpe@gmail.com
Este estudo é parte do projeto “Desenvolvimento e avaliação de jogos educativos em mídia digital direcionados para a promoção da saúde sexual e reprodutiva de adolescentes”.
Os dados apresentados foram obtidos durante a validação12 do jogo DECIDIX, em duas etapas independentes e concomitantes: 1) validação com adolescentes; 2) validação com profissionais de saúde e educação. As duas etapas foram aprovadas pelo Comitê de Ética e Pesquisa (CEP) da UFPE.
Na etapa 1, as ações com o DECIDIX foram conduzidas pelos pesquisadores e realizadas em 2 escolas públicas com participação de 36 adolescentes, com idade entre 11 e 19 anos. O número de adolescentes participantes foi definido por saturação teórica. Em cada grupo os/as jovens participaram da ação, responderam a um questionário de validação quantitativa e compuseram grupo focal no qual refletiram sobre a experiência educativa vivenciada. As intervenções e o grupo focal foram gravados e transcritos. Além disso, utilizou-se na coleta de dados observação participante (próprios pesquisadores) e não participante (observador externo à equipe condutora), com auxílio de um roteiro que direcionou o registro, em diário de campo, para a vivência ou não dos pressupostos pedagógicos (preconizados pelo DECIDIX) durante a ação.
Na etapa 2, as ações foram conduzidas por 18 profissionais de saúde e educação que tinham experiências junto ao público adolescente e afinidade por metodologias participativas, identificados por conveniência de acordo com os critérios de inclusão estabelecidos e por meio da técnica “Bola de Neve”13. O número de participantes seguiu as recomendações de Pasquali14. As ações foram realizadas nos espaços de trabalho dos profissionais. Inicialmente, disponibilizou-se o material de apoio do jogo (com conteúdo sobre a temática e pressupostos pedagógicos) e o arquivo do DECIDIX para exploração prévia independente. Em data e horário definido pelos profissionais, estes conduziram intervenções mediadas pelo DECIDIX que foram acompanhadas pelos pesquisadores através de observação não participante, registrada em diário de campo. Após a ação, os/as profissionais responderam a um questionário de validação quantitativa e participaram de uma entrevista semiestruturada que focou na experiência educativa vivenciada.
Considerando o objetivo deste artigo, tem-se como corpus de dados aqui analisados os dados qualitativos provenientes das transcrições, diário de campo e grupo focal com os/as adolescentes e das entrevistas e diário de campo referentes às intervenções conduzidas pelos(as) profissionais. Os dados foram inicialmente compilados, submetidos a procedimentos de decomposição e codificação com auxílio do software Atlas.ti for Windows versão 7.015. Em seguida realizou-se procedimentos de recomposição para formação de temas norteados pela identificação das aproximações ou distanciamentos com os conteúdos freireanos que fundamentaram a elaboração do jogo.
Para a garantia do sigilo e anonimato dos(as) participantes, adotou-se códigos para identificação: letra “A”: adolescentes, PS: Profissional de Saúde, PE: Profissional de Educação. Além disso, utilizou-se as siglas em relação a procedência dos dados: I: intervenção; GF: grupo focal; DC: diário de campo, E: entrevista. Os números utilizados indicam a sequência de obtenção dos dados.
Na etapa 1 do estudo participaram 36 adolescentes, divididos em 5 ações educativas conduzidas pelos pesquisadores (Tabela 1 e Quadro 1).
Tabela 1 Caracterização dos (as)adolescentes participantes da etapa 1.
Série | Meninas | Idade média de meninas | Meninos | Idade média de meninos | Número de participantes no jogo |
---|---|---|---|---|---|
8º ano do ensino fundamental | 8 | 13,5 | 10 | 13,2 | 18 |
9º ano do ensino fundamental | 5 | 15,4 | 3 | 16,3 | 8 |
1º ano do ensino médio | 6 | 15,6 | 4 | 15,2 | 10 |
Total/ Média | 19 | 14,8 | 17 | 14,9 | 36 |
Fonte: elaborado pelas autoras.
Quadro 1 Caracterização das ações educativas com os(as) adolescentes (etapa 1).
Série | Responsáveis pela condução | Local | Faixa etária dos adolescentes | Número de adolescentes | Sexo dos adolescentes | Tempo médio da ação |
---|---|---|---|---|---|---|
8º Ano do ensino fundamental | Pesquisadores | Escola Pública Municipal de Ensino Fundamental | 13 e 14 anos | 8 | Masculino | 1 h e 30 min |
8º Ano do ensino fundamental | Pesquisadores | Escola Pública Municipal de Ensino Fundamental | 13 a 15 anos | 10 | Ambos | 1h e 45 min |
9º Ano do ensino fundamental | Pesquisadores | Escola Pública Municipal de Ensino Fundamental | 15 a 17 anos | 8 | Ambos | 1h e 40 min |
1º Ano do ensino médio | Pesquisadores | Escola Pública Estadual de Referência em Ensino Médio | 15 e 16 anos | 3 | Masculino | 1h e 35 min |
1º Ano do ensino médio | Pesquisadores | Escola Pública Estadual de Referência em Ensino Médio | 15 a 17 anos | 7 | Ambos | 1h e 30 min |
Fonte: elaborado pelas autoras.
Na etapa 2, participaram 18 profissionais, sendo 10 de saúde e 8 da educação (Quadro 2).
Quadro 2 Caracterização dos(as) profissionais de saúde e educação participantes da etapa 2.
Categoria | Área de atuação | Idade/Sexo | Já utilizou metodologia participativa | Local de atuação | Tempo de atuação |
---|---|---|---|---|---|
PS1 | Terapeuta Ocupacional | 34 /F | Sim | NASF | 8 anos |
PS2 | Nutricionista | 32/F | Sim | NASF | 6 anos |
PS3 | Nutricionista | 34/F | Sim | NASF | 9 anos |
PS4 | ACS | 41/F | Sim | USF | 15 anos |
PS5 | ACS | 56/F | Sim | USF | 15 anos |
PS6 | ACS | 40/F | Sim | USF | 10 anos |
PS7 | ACS | 35/F | Sim | USF | 14 anos |
PS8 | Psicólogo | 31/M | Sim | NASF | 2,5 anos |
PS9 | Nutricionista | 27/F | Sim | NASF | 6 anos |
PS10 | Psicóloga | 27/F | Não | Residente NASF | 3 meses |
PE1 | Prof. De Biologia | 27/F | Sim | Escola Pública Estadual de Ensino Fundamental e Médio | 8 anos |
PE2 | Prof. De Português | 28/F | Sim | Escola Pública Estadual de Ensino Fundamental e Médio | 9 anos |
PE3 | Prof. De Biologia | 42/F | Sim | Escola Pública Estadual de Ensino Fundamental e Médio | 10 anos |
PE4 | Prof. De Matemática | 31/F | Sim | Escola Pública Estadual de Ensino Fundamental e Médio | 6 anos |
PE5 | Prof. De Biologia | 33/M | Sim | Escola Pública Técnica Estadual Referência em Ensino Médio | 14 anos |
PE6 | Prof. De Educação Física | 34/M | Sim | Escola Pública Estadual Referência em Ensino Médio | 10 anos |
PE7 | Prof. De Biologia | 25/M | Sim | Escola Particular de Ensino Fundamental e Médio | 7 anos |
PE8 | Prof. De Biologia | 35/F | Sim | Escola Pública Estadual de Ensino Fundamental e Médio | 11 anos |
PS: Profissional de Saúde; ACS: Agente Comunitário de Saúde; NASF: Núcleo de Apoio a Saúde da Família; USF: Unidade de Saúde da Família; PE: Profissional de Educação.
Fonte: elaborado pelas autoras.
Os profissionais conduziram 12 ações educativas mediadas pelo DECIDIX, nas quais participaram 248 adolescentes. As ações desenvolveram-se prioritariamente em escolas públicas e com composição variada nos grupos no que se refere ao número de participantes e divisão por gênero (Quadro 3).
Quadro 3 Caracterização das ações educativas dos profissionais de saúde e educação (etapa 2).
Categoria | Responsável pela Condução | Local | Faixa etária dos adolescentes | Número de adolescentes | Sexo dos adolescentes | Tempo médio da ação |
---|---|---|---|---|---|---|
AS1 | PS9 e PS10 | Escola Pública Municipal de Ensino Fundamental | 11 a 13 anos | 5 | Feminino | 50 m |
AS2 | PS7 | Escola Pública Estadual de Ensino Fundamental e Médio | 7° ano ( 11 a 14 anos) | G1: 12; G2:20 | G1: Feminino; G2: Masculino | G1: 40m; G2: 50m |
AS3 | PS4 | Centro Integrado em Saúde (Grupo de adolescentes) | 11 a 19 anos. | 6 | Ambos | 1h e 20m |
AS4 | PS1 e PS2 | Escola Pública Técnica Estadual de Ensino Médio | 2° ano (14 a 17 anos) | 45 | Ambos | 1h e 10m |
AS5 | PS3 e PS8 | Escola Pública Estadual de Referência em Ensino Médio | 14 a 17 anos | 18 | Feminino | 2h e 25m |
AS6 | PS5 e PS6 | Igreja evangélica da comunidade (Grupo de Adolescentes) | 11 a 15 anos | 4 | Ambos | 1h |
AE1 | PE1 e PE2 | Escola Pública Estadual de Ensino Fundamental e Médio | 3° ano A e 3 Ano B (16 a 19 anos) | 42 | Ambos | 1 h |
AE2 | PE3 e PE4 | Escola Pública Estadual de Ensino Fundamental e Médio | 6° ano (13 a 14 anos) | 15 | Ambos | 40 m |
AE3 | PE5 | Escola Pública Técnica Estadual Referência em Ensino Médio | 1° ano (15 a 16 anos) | 40 | Ambos | 35 m |
AE4 | PE6 | Escola Pública Estadual de Referência em Ensino Médio | 2° ano (16 a 17 anos) | 14 | Feminino | 50 m |
AE5 | PE7 | Escola Particular de Ensino Fundamental e Médio | 8° ano (13 a 14 anos) | 19 | Ambos | 35 m |
AE6 | PE8 | Escola Pública Estadual de Ensino Fundamental e Médio | 8° ano (13 a 14 anos) | 13 | Ambos | 20 m |
AS: Ação de Saúde; PS: Profissional de Saúde; G1: Grupo 1; G2: Grupo 2. AE: Ação de Educação; PE: Profissional de Educação.
Fonte: elaborado pelas autoras.
O processo de análise dos dados, provenientes das 17 seções educativas utilizando o DECIDIX, resultou em 4 temas que dialogam com o referencial freireano: Aproximação com o cotidiano adolescente; Mediação de processos de reflexão crítica; Relação educador-educando e Promoção de experiência e aprendizagem emancipatória.
Profissionais e adolescentes concordam que a situação discutida no jogo é presente no contexto de vida em que os e as jovens estão inseridos(as), sendo identificados relatos de situações semelhantes próprias ou vivenciadas por familiares durante as ações.
eu gostei [...] o tema que ele traz está dentro da vivência mesmo dos adolescentes, e os instiga para trazer pro seu próprio mundo. Seu eu. A sua vida. (E; PS4)
Elas trouxeram exemplo de casos de pessoas conhecidas, que estavam passando por essa situação. (DC; I5)
Que isso acontece muito com a gente... (A7; GF2)
Para garantir a coerência do DECIDIX aos princípios pedagógicos de Paulo Freire5-7, os pesquisadores se preocuparam em proporcionar a aproximação do conteúdo à realidade cotidiana dos/das adolescentes, construindo a história com base em diversos relatos, repetidamente acolhidos em experiências prévias16-19.
Freire5-7 defende que as ações educativas problematizem as situações concretas de vida, de forma a possibilitar reflexões críticas que contribuam para processos de transformação da realidade, uma vez que se compreende homens e mulheres como seres históricos e que fazem história, sendo condicionados pelos contextos e fatos da vida, mas não determinados por estes.
Ao propor, através do DECIDIX, a problematização de situações que encontram ressonância com experiências próprias ou conhecidas, parte-se do pressuposto de que adolescentes, principalmente os(as) que se encontram em situação de vulnerabilidade social, convivem com fatores que marcam suas vidas negativamente, mas que estes(as) trazem também consigo o potencial transformador.
No entanto, especificamente em uma das ações realizada em escola privada, alguns jovens apontaram que o início da vida sexual aos 14 anos e a situação da gravidez na adolescência (situações colocadas pelo jogo), não eram frequentes em seus cenários de vida. O educador acolheu e problematizou essa fala, o que resultou na revisão da perspectiva inicial de distanciamento dessa realidade.
em um dos momentos do jogo que fala sobre transar como prova de amor, uma das adolescentes diz: mas “peraí”, ela já vai transar com o cara? Ela só tem 14 anos., e aí o professor problematiza dizendo: certo. mas, [NOME] tem muitas meninas que com essa idade já estão grávidas. Que já são mães. Mesmo que você não conheça, [NOME], que não façam parte do seu ambiente, das pessoas que você está acostumada, isso acontece. E aí uma das adolescentes da sala diz conhecer duas adolescentes que ficaram grávidas com essa idade (DC; I5)
Embora a influência da questão socioeconômica seja fortemente presente na análise da gravidez na adolescência, compreende-se que se trata de um fenômeno complexo e multicausal que abrange fatores como precocidade da menarca, subjetividade do(a) adolescente, informação precária ou ausente a respeito de métodos contraceptivos, questões de gênero, entre outros1,4,20,21.
Neste sentido, observa-se que a experiência educativa com o DECIDIX favoreceu a construção de uma nova perspectiva para concepções partilhadas pelo grupo, favorecida pelo convite feito pelo educador para que os/as jovens “re-olhassem” o seu cotidiano e percebessem o que antes, apesar de presente, não era visto, o que pode exemplificar uma situação de uma primeira etapa de tomada de consciência no processo educativo defendido por Paulo Freire5,6.
Destaca-se que tanto adolescentes quanto profissionais apontam que a aproximação do DECIDIX com o cotidiano adolescente, e a consequente imersão no jogo, se deu não só em relação ao conteúdo, mas também da linguagem utilizada pelos personagens e ao formato do jogo (simulação de aplicativo de mensagens).
A 27: foi um jogo que parecia de verdade [...] porque parecia uma conversa no WhatsApp.
A 23: como se tivesse um amigo pessoalmente, realmente pedindo opinião, mas só que pelo jogo.
A 19: [...] Agora o bagulho é informática.
A 20: o negócio agora é tudo celular. (GF, G4)
[...] é uma forma de cotidiano deles no momento, no atual, que é essa conversa mesmo online, que eles conversam sobre tudo [...] era como se eles tivessem no celular deles... e era eles que tinham que responder... e eles respondia aquilo que vinha na cabeça e isso aconteceu. (E; PS2)
Segundo Bowen et al.8, o uso das tecnologias digitais, principalmente potencializada pelo smartphone, é uma característica presente na sociedade ocidental e comum durante a adolescência, o que reflete o potencial da aproximação da educação em saúde com as tecnologias digitais junto a este público.
Ressalta-se um diferencial do DECIDIX em relação aos jogos digitais, utilizados geralmente individualmente ou com interações virtuais, uma vez que se propõe que o jogo seja “jogado junto” e com mediação por um educador. Para Freire6, o diálogo é essência da educação libertadora e se constrói na relação entre as pessoas envolvidas de uma forma horizontalizada. Assim, ao propor o uso de uma ferramenta que faz parte do cotidiano adolescente, o educador mostra a sua disponibilidade para a construção de uma relação mais próxima com este público.
Nas ações percebeu-se que a vivência do DECIDIX ocasionou a possibilidade de refletir e desconstruir concepções que expõem jovens à vulnerabilidades e riscos na saúde sexual e reprodutiva. Os PS e PE apontam que o formato do jogo de trazer primeiro as perguntas e somente depois as possíveis alternativas a serem escolhidas estimulou o debate e a problematização dos conteúdos.
Ilustrando e corroborando essa possibilidade, adolescentes relatam que a partir da estória e dos debates, evidenciou-se a importância da prevenção através da utilização de métodos contraceptivos de forma segura e isso contribuiu para que refletissem sobre futuras atitudes no sentido de não repetirem os mesmos erros que os personagens cometeram e evitar uma gravidez não planejada/indesejada. Profissionais enfatizam que os(as) adolescentes, na coletividade, mudavam suas escolhas no jogo, optando por ações que refletiam atitudes mais críticas e saudáveis.
tem que ver se o objeto de prevenção ou o anticoncepcional que a pessoa, um dos dois usou, tá assim, é… [...] realmente seguro ou não. (A2; GF1)
[...] imagina um colega precisando de apoio e ele dando essa resposta, né? Sem parar pra pensar, sem nada. Foi o que ele fez. Depois que ele parou, que viu outra opinião.. de outra pessoa. Foi que ele voltou atrás e deu uma outra resposta... (E; PS6)
A experiência educativa também proporcionou reflexões crescentemente críticas sobre concepções de gênero, principalmente no que se refere à identificação de desigualdades vivenciadas, suas explicações e possíveis atitudes que poderiam contribuir para processos de mudança.
Achei que foi proveitoso, que eles refletiram. Se não refletiu, ficou com a pulguinha atrás da orelha para refletir depois. Na verdade, refletiu bastante aqui. (E; PE2)
PESQ: [...] E como é que a gente consegue mudar esse pensamento?
A 6: Não rotulando.
A 5: Tentando mudar o modo das pessoas de pensar também.
A6: A gente... a gente tentar ver o outro em igualdade. Eu acho que dessa forma consegue mudar. Não ver que o outro é superior ao outro, os dois estão no mesmo patamar. (I, G2)
Compreende-se que o DECIDIX se configurou como um recurso que auxiliou as/os educadoras na problematização dos conteúdos por se caracterizar como uma codificação de uma situação existencial, disponibilizada para a descodificação pelos participantes da ação educativa.
O movimento de codificação e descodificação da realidade, que caracteriza a problematização na perspectiva freireana, visa a superação de uma visão ingênua e impulsiona o educando no caminho de uma consciência crítica da realidade6,7.
Essa problematização na maioria das vezes aconteceu a partir do conhecimento prévio dos(as) adolescentes para que os(as) educadores (as) construíssem junto com eles(as) reflexões críticas. Isso está em consonância com a concepção de Paulo Freire, que compreende a importância de valorizar a leitura do mundo dos educandos na ação educativa.
Freire e Macedo22afirmam que o(a) educador(a) precisa ir “lendo” cada vez melhor a leitura do mundo que os educandos fazem do seu contexto (micro e macro) vivido, considerando a compreensão que os mesmos têm de sua própria presença no mundo, para que seja possível, não apenas, uma nova “visão de mundo”, mas, sobretudo, a transformação deste.
Além disso, percebeu-se que o debate durante o jogo possibilitou que os/as jovens
percebessem as situações-limites que os circunscrevem em situações de vulnerabilidade e identificassem outras possibilidades de ação frente a elas, não vislumbradas anteriormente, consideradas inéditos viáveis, na concepção de Freire6.
No entanto, observou-se que apesar de ratificarem em seus discursos a importância da problematização, alguns PS e PE assumiram posturas que a limitaram, com dificuldade para adaptar a estória ao contexto do grupo, para estimular que os/as jovens se colocassem no lugar das personagens, além de restringir o foco nas opções do jogo, não estimulando o debate.
Mas na hora de trazer para realidade do que as adolescentes estavam vivendo, acho que faltou um pouco desse link, de colocá-las na situação. (DC; I5)
Além das dificuldades relacionadas ao educador, observou-se também que a possibilidade de reflexão, mais ou menos crítica, não se refere somente à condução do educador, sendo condicionada também por aspectos inerentes às temáticas em discussão permeadas por concepções culturais hegemonicamente valorizadas em nossa sociedade, cuja desconstrução exige ação continuada.
Assim, em algumas ações com adolescentes percebeu-se o não avanço de concepções ingênuas para perspectivas mais críticas em virtude da “força” com que as primeiras estão presentes na realidade vivenciada pelos mesmos. Como exemplo temos a valorização de comportamentos de riscos praticados no cotidiano, como a prática do coito interrompido, e de visões “fixas” e hegemônicas em relação a construção social das relações de gênero na sociedade (mulher responsável pelo trabalho doméstico, cuidado da família; e homem pelo sustento financeiro).
PESQ: E quem é responsável por cuidar do filho?
A 11: Os dois né, mas a maioria das vezes é sempre a mãe.
PESQ: Porque isso acontece?
A 11: Porque ela tem que amamentar [...] tem a certa idade pra ela tá amamentando.
PESQ: Mas será que mesmo nessa fase de amamentar os pais não podem tá ajudando?
A 13: Pode.
A 11: Pode.
PESQ: Fazendo o que?
A 17: Comprando uma mamadeira.
PESQ: Será que o pai pode ajudar a cuidar da criança? Dando banho, (alimentação), levando na escola, trocando de roupa.
A 16: se ele tiver tempo...
A 17: Trabalha, pegando um dinheiro e (pagava uma mulher pra cuidar) (I, G3)
Entendendo a educação como processual e permanente, Freire6,7 defende uma intencionalidade educativa que desafie os educandos a se perceberem enquanto seres no e com o mundo de forma progressivamente crítica. Assim, compreende-se que o DECIDIX não se caracteriza como um recurso mágico capaz de mudar, por si só, realidades e consciências, mas configura-se como uma ferramenta em ações que estimulem o exercício da análise crítica, no nível possível, para o grupo participante.
O diálogo é categoria central no pensamento de Freire5-7 e no DECIDIX. Durante a pesquisa identificou-se alguns dos elementos concebidos por Freire imprescindíveis à relação dialógica entre o educador e o educando (relações horizontais; ética [respeito] e amorosidade e construção conjunta do conhecimento) que se materializaram, ou não, nas ações educativas mediadas pelo jogo.
Os PE e PS relataram que o jogo facilitou a quebra da “barreira” entre profissional e adolescente, pois com a sua utilização o(a) educador(a) pode contrapor-se à postura do detentor do saber, e construir uma relação horizontal entre os atores. Esta relação horizontal aconteceu a medida em que estavam atentos as falas e olhando nos olhos dos/das participantes, valorizando os conhecimentos trazidos por eles/elas e estimulando o diálogo.
[...] é me manter no mesmo nível deles, uma conversa bem horizontalizada, acolher as demandas e as falas. Trazer um pouquinho de orientação (E; PS3)
Essa construção também foi valorizada no discurso dos adolescentes na relação com as pesquisadoras, ao destacarem a utilização de uma linguagem mais próxima a deles e a criação de um espaço seguro no qual puderam dialogar, se expor e conversar.
A 5: [...] passou confiança pra gente.
A 10: Passou algumas informações que a gente não sabia.
A 6: Falou de um jeito mais... nosso!!! Pra gente poder ter liberdade de conversar. (GF; G2)
A análise dos dados provenientes do diário de campo mostrou que a construção de relações horizontais entre educador-educando, nas ações com os profissionais, foi influenciada por diferentes aspectos, como: o ambiente, que na maioria das vezes foi acolhedor com uma preparação prévia do espaço; uso de estratégias para oportunizar a aproximação, como o uso de dinâmicas iniciais e finais, que ajudaram na construção de vínculo; preocupação em relação às orientações dadas aos adolescentes para que não fossem feitas de modo prescritivas, indutivas, ou que interferissem muito no ponto de vista dos mesmos, a fim de não quebrar o vínculo estabelecido; aproximação ao modo de vestir dos adolescentes (especificamente os PS); escuta atenta aos(às) adolescentes e humildade na relação com os(as) mesmos(as).
As atitudes em busca da horizontalidade são cruciais para a efetividade do DECIDIX uma vez que na perspectiva de Freire só é possível o diálogo quando há abertura para escutar o outro, valorizando seu saber, sem imposição de pensamentos5,6.
O autor5 ressalta que escutar o outro não significa autoanulação, pelo contrário, é na abertura de escuta que o sujeito se prepara para melhor situar o seu ponto de vista, sem que para isso, precise ser autoritário. Ademais, Freire5 compreende que a escuta legítima demanda do sujeito várias qualidades, que se constituem na prática democrática do escutar como amorosidade, respeito, tolerância, humildade e abertura ao novo.
A maior parte das ações foi realizada com respeito entre os/as participantes que não precisaram levantar o tom de voz para pedir a fala ou pedir que eles/as ouvissem as falas dos amigos, além de respeitarem também as preferências desses/as adolescentes nas escolhas das alternativas do jogo.
Em nenhum momento precisaram ficar gritando, os próprios adolescentes que pediam esse silêncio da turma, e elas não precisaram alterar a voz. (DC; I 1)
Foi um grupo calmo, que conseguia se ouvir, que respeitava as regras do jogo [...] (DC; G5)
Todavia, em algumas ações realizadas pelos profissionais, nem sempre o respeito prevaleceu, com situações nas quais os/as adolescentes sobrepunham as falas, gritavam e agrediam verbalmente uns aos outros e não atendiam os pedidos de silêncio do profissional, que algumas vezes também gritavam com os/as adolescentes para impor “respeito”. Também observou-se ocasiões nas quais os PE e PS impuseram o seu conhecimento, sobrepuseram às falas dos(as) adolescentes e direcionaram atitudes que seriam “corretas” para estes(as), assumindo uma postura aderente à relações de gênero impostas pela sociedade.
Os adolescentes estavam falando muito palavrão [...]. Não diretamente para agredir o professor, mas entre os alunos, ou com o jogo. [...] existia uma falta de respeito entre os adolescentes, eles não se escutavam, faziam muito barulho. (DC; I5)
Para Freire7 a postura de respeito que existe nas relações justas, sérias, humildes, generosas, éticas, entre educador(a) e educando, autentica o caráter formador da ação educativa. No entanto, as dificuldades vivenciadas neste âmbito nas ações educativas remetem à discussão do silêncio e do silenciado no espaço da comunicação. Freire6concebe a diferença entre o espaço “silenciado”, em que o educador autoritário determina o tempo de sua fala e de escuta do outro, e o espaço “com ou em silêncio”, em que o educador democrático, aquele que aprende a falar escutando, é interrompido pelo silêncio “de quem, falando, cala para escutar a quem, silencioso, e não silenciado, fala”. Nessa perspectiva, compreende-se que o silêncio na prática educativa não deve ser imposto ao educando, mas, deve ser conquistado pelo(a) educador(a), de forma respeitosa.
A importância dessa perspectiva para a prática educativa em saúde foi corroborada pelos profissionais e adolescentes quando estes afirmam que as ações educativas mediadas pelo DECIDIX proporcionaram a construção conjunta do conhecimento. Os(as) profissionais destacaram que os(as) adolescentes participaram ativamente do debate, discutindo os conteúdos que eram apresentados, e os profissionais também se abriram à posição de aprendizes, na maioria das situações. Os(as) jovens trouxeram que, na ação com as pesquisadoras, juntos(as) puderam construir as opções da estória, se tornando um espaço de escuta e aprendizado coletivo.
Porque eles estão muito acostumados de eu chegar aqui no Blá Blá Blá... o preservativo se usa assim... então assim, eu queria falar..., mas ai eu disse: como é que se usa o preservativo? Ai ele foi lá e explicou... (E; PS1)
A 5: [...] cada um deu sua opinião e um aprendeu com o outro. (GF, G2)
A 20: foi bom porque todo mundo ajudou na resposta. (GF, G4)
No entanto, identificou-se na pesquisa com os(as) profissionais, que apesar de todos afirmarem durante a entrevista que construíram de forma conjunta o conhecimento com os/as adolescentes, as observações na atuação de alguns trouxeram situações contraditórias, revelando dificuldades nesta construção.
senti falta dessa construção conjunta – foi mais um monólogo dos adolescentes [...] ela não teve essa postura de aprender, nem de ensinar [...] Não consegui perceber uma construção conjunta, devido a essa rapidez e ausência de debate. (DC; I 6)
Para Freire7 ao estabelecer uma relação recíproca no processo educativo, o educador e o educando têm a possibilidade de aprenderem juntos. Assim, ao conduzir o DECIDIX de forma participativa e problematizadora, o educador terá a oportunidade de conhecer o universo vivenciado pelos(as) adolescentes para que possa, (re)construir, criticamente, novas concepções e refletir sobre a sua própria atuação neste campo.
Para a efetividade dessa atitude pedagógica é necessário que todos os sujeitos, educandos e educadores se corresponsabilizem pela construção do espaço educativo numa perspectiva dialógica. No entanto, salienta-se que é função do educador a tessitura inicial da construção desse diálogo, ao deixar claro com os educandos, através de falas e sobretudo atitudes, a sua intencionalidade libertadora.
Assim, ressalta-se a importância da formação, tanto inicial quanto no âmbito da educação permanente em serviço, possibilitar aos profissionais experiências educativas superadoras das perspectivas tradicionais e verticalizadas comumente experienciadas e compreendidas por Freire7 como “educação bancária”. Defende-se que a oportunidade de vivenciar processos de formação que os possibilitem experimentar outras formas de aprender e ensinar não opressoras, mas sim libertadoras, através de uma práxis verdadeira, sustentadas pela ação-reflexão sobre si e sua atuação, podem contribuir para mudanças efetivas nas práticas cotidianas dos profissionais.
Tanto os(as) adolescentes quanto PE e PS revelaram que o DECIDIX promoveu experiências importantes e sentimento de maior autonomia em relação à gravidez na adolescência. Os(as) jovens destacaram que o jogo ajudou a compreender melhor o assunto; ganhar maturidade através de partilhas e diálogos; e foi realista, permitindo que ficassem mais atentos caso as circunstâncias discutidas na intervenção acontecessem em suas vidas.
A 19: foi muito bom. Eu gostei desse jogo. Acho que se a pessoa ficar jogando esse jogo, a pessoa amadurece, fica mais esperto né.
A 28: [...] ajudou a gente a ter mais maturidade pra gente saber como resolver alguns problemas.
A 23: aprende. Fica mais experiente!
A 27: ajudou a gente a entender. (GF;G4)
Os(as) adolescentes relataram que o jogo proporcionou momentos de união e interação, sendo destacado que apesar de frequentarem a mesma sala, muitos não “se conheciam de verdade” , uma vez que não se ouviam e se respeitavam.
PESQ: teve mais alguma coisa de diferente da interação de vocês?
A 16: Teve de diferente, todo mundo respeitando a opinião dos outros.
A 17: Eu tava me perguntando, depois que esse jogo terminar dá “pra mim” falar com os outros... (GF; G3)
A revisão de literatura de Petry23 destaca a relevância dos jogos digitais no sentido de promover além de conhecimentos e experiências, a aprendizagem de habilidades socioafetivas. O fortalecimento dos laços de solidariedade é indispensável para os processos de emancipação na perspectiva freireana.
Decker24, ao discutir a categoria emancipação e suas contribuições para a educação sexual, destaca que esta é intimamente relacionada com a concepção de humanização freireana. Freire6,7 compreende que humanizar e humanizar-se são processos que se dão em comunhão, na relação dos homens/mulheres entre si e com o mundo na busca constante de ser mais. É na relação dialógica com os outros que os seres humanos constroem e transformam o mundo, o que traz à tona a importância de experiências educativas nas quais se favoreça a relação humana de forma significativa, conforme preconizado pela Política Nacional de Educação Popular em Saúde25.
Nesta mesma perspectiva, para PS e PE a experiência permitiu aos/às adolescentes expressar aspectos do potencial criativo e vislumbrar a possibilidade de uma maior assunção das “rédeas” na construção das suas histórias de vida.
A vivência de experiências que demandam tomada de decisão de forma consciente, mesmo em ambientes simulados como o proposto pelo DECIDIX, auxilia na constituição de autonomia. Para Freire “é decidindo que se aprende a decidir”, sendo que “faz parte do aprendizado da decisão a assunção das consequências do ato de decidir”, e por isso é que “a decisão é um processo responsável”5. O mesmo também chama atenção para o fato de que a autonomia não acontece de repente, mas é um processo que precisa ser estimulado por experiências respeitosas e estimuladoras da decisão e da responsabilidade.
O uso dos serious games como facilitadores na educação em saúde tem ganhado relevância junto ao público adolescente ao promoverem ambiente motivador, associado à construção de conhecimentos e experiências relevantes. As reflexões aqui construídas estimulam a continuidade de pesquisas metodológicas destinadas à validação de jogos educativos digitais, que, como identificamos, impactam positivamente as ações em saúde com os(as) adolescentes e a cada dia fazem mais parte do cotidiano destes.
O DECIDIX, fazendo parte deste contexto, traz em si, além dessas características, o embasamento da pedagogia freireana. A escolha desta perspectiva como referencial teórico e metodológico, tanto no desenvolvimento como na utilização do DECIDIX, se mostrou congruente com a perspectiva de valorização do protagonismo adolescente em relação à saúde sexual e reprodutiva.
Compreende-se que a intencionalidade educativa do DECIDIX, materializada na conduta dos mediadores da ação e objetivada nos dados que compuseram este estudo, transcende questões especificas desta temática, podendo subsidiar reflexões pertinentes a todos os “encontros” dos profissionais de saúde e educação com a juventude. Estes encontros, marcados pelas suas diversidades e condicionados pela concretude das condições de vida e trabalho de seus participantes, têm potencial para se configurarem como experiências promotoras de crítica, autonomia, solidariedade e humanização, elementos primordiais para a transformação da realidade.
No entanto, ressalta-se que apenas utilizar o jogo não confere à prática educativa, “milagrosamente” o caráter dialógico e transformador. O que se defende é que o jogo é um instrumento mediador entre profissionais e adolescentes para o estabelecimento do diálogo, cujos resultados dependem da intencionalidade de cada um desses atores para que de fato aconteça.
Conforme exposto ao longo deste estudo, observa-se a preconização de políticas e diretrizes públicas congruentes ao proposto pelo DECIDIX. No entanto, a transposição do que está escrito no “papel” para o cotidiano dos serviços de saúde e educação pressupõe a oportunização de novos processos formativos para os/as profissionais. Formações estas nas quais os(as) educadores tenham a oportunidade de refletirem criticamente sobre as situações limites vivenciadas e descobrirem novas possibilidades de ser e estar com os/as adolescentes e no mundo. Possibilidades dialógicas, como defendido por Paulo Freire, marcadas pela amorosidade, fé no potencial dos seres humanos, confiança, humildade e, sobretudo, esperança ativa e mobilizadora frente aos inúmeros desafios enfrentados cotidianamente.