versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.6 São Paulo out./dez. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.10.021
A cirurgia endonasal guiada por endoscópio rígido nasal (chamada de cirurgia endoscópica nasal) é utilizada no tratamento das doenças dos seios paranasais, cavidades nasais e doenças da base do crânio. O conhecimento detalhado da anatomia nasal é necessário para a realização do procedimento, sendo a tomografia computadorizada dos seios da face e a videonasolaringoscopia indispensáveis ao tratamento. A anatomia dos seios paranasais sofre variações individuais.1-3
A cirurgia endoscópica nasal é utilizada para o tratamento da rinossinusite crônica, associada ou não à polipose nasal; ressecção de tumores nasais e dos seios paranasais; malformações da cavidade nasal, como atresia coanal; diversas doenças inflamatórias e infecciosas da cavidade nasal e seios paranasais; e doenças da base do crânio, com menor morbidade e menor índice de complicações. Cirurgias na base de crânio e poliposes revisionais com anatomia alterada são aquelas com maior necessidade de referências anatômicas precisas.4-6
O conhecimento de medidas fixas, que variam pouco com características como gênero, etnia, idade, peso e altura, como a distância da parede posterior do seio maxilar ao Δ90º (ponto onde inicia a deflexão da base do crânio para formar a parede anterior do esfenoide), na base anterior do crânio, daria maior segurança aos cirurgiões, evitando iatrogenias aos seios posteriores. Essas medidas não foram descritas na literatura e serão apresentadas.7-9
O objetivo deste estudo foi medir as distâncias em três pontos da parede posterior dos seios maxilares dos lados direito e esquerdo à base anterior do crânio (Δ90º), e compará-las com as características sociodemográficas de interesse; definir outros pontos de referência para acesso cirúrgico endoscópico; comparar as variações anatômicas dos pontos de referência medidos em relação ao gênero, altura, peso, idade e etnia em cadáveres; e detalhar um novo ponto de referência anatômico para realizar com maior segurança cirurgias dos seios paranasais e da base anterior do crânio.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição sob o parecer número 0591.0.203.000-8.
As cavidades nasais, direita e esquerda, foram dissecadas em 60 cadáveres com de diferentes idades (acima de 17 anos), etnias, alturas e de ambos os gêneros. A parede medial do seio maxilar foi aberta e os seios etmoidais anteriores e posteriores e do seio esfenoide dissecados para identificação do ponto onde inicia a deflexão da base do crânio para formar a parede anterior do esfenoide, chamado de ângulo de 90 - Δ90º (fig. 1), e medir a distância desse ponto aos pontos superior, médio e inferior da parede posterior dos seios maxilares.
Figura 1 Cavidade nasal direita (CM, corneto médio; CI, corneto inferior); A, Início da dissecção; B, Processo uncinado; C, Bula etmoidal; D, Exposição do seio maxilar; E, Exposição do seio etmoide; F, Exposição do seio esfenoidal. A seta aponta para o ângulo de 90º.
A dissecção foi feita, com material microcirúrgico, por endoscopia nasal, com óptica de 0º em câmera acoplada e gravada em DVD.
A estrutura para o estudo foi montada na sala de necropsia com câmera de vídeo, notebook, aspirador, fonte de luz, instrumentais cirúrgicos, óptica de zero grau e cabo de luz. Os cadáveres, após necropsia, foram submetidos a dissecção dos seios paranasais e as medidas realizadas.
As seguintes medidas foram realizadas (fig. 2): pontos superior, médio e inferior da parede posterior do seio maxilar até o ângulo de 90º, baseado em protocolo previamente estipulado.
Figura 2 Realização das medidas nos cadáveres - Δ90º (ponto no quel inicia a deflexão da base do crânio para formar a parede anterior do esfenoide).
As covariáveis altura, peso, idade, índice de massa corporal (IMC), gênero e etnia foram avaliados em relação às três medidas estudadas.
Os resultados descritivos apresentados na seção de resultados foram obtidos com o uso de frequências e porcentagens para as características das diversas variáveis categóricas e da obtenção de medidas de tendência central (média e mediana) e medidas de dispersão (desvio padrão) para as quantitativas.
O coeficiente de correlação de Pearson (r) foi utilizado para comparar as medidas e características nas formas quantitativas (idade, altura, peso e índice de massa corporal - IMC).
Foram utilizados os testes t Student para as comparações das medidas na forma quantitativa com gênero e etnia, uma vez que as suposições usuais deste teste foram atendidas (normalidade - teste de Shapiro-Wilk e homocedasticidade - Levene).10
As três medidas selecionadas foram dicotomizadas em dois grupos: maior ou igual a dois e menor que dois, pois, na prática operatória, observou-se que as distâncias eram, em geral, maiores ou iguais a dois.
As frequências de indivíduos do sexo masculino (55%) e raça branca (78,3%) foram maiores. A média da idade, altura, peso e o IMC dos cadáveres foram de 64 anos; 1,70 m; 67,1 kg e 22,5, respectivamente. As frequências de cadáveres com idades entre 48 e 88 anos, altura entre 1,70 e 1,75 m, peso entre 60 e 80 quilos e IMC de 18 a 26 foram maiores.
Os cadáveres tinham, do lado direito, média de 2,1 cm, do Δ90º até a parede posterior superior do maxilar; 1,9 cm do Δ90º até a parede posterior média do maxilar; e 1,7 cm do Δ90º até a parede posterior inferior do maxilar. Do lado esquerdo, estas medidas foram de 2,2;1,7 e 1,6 cm, respectivamente (tabela 1).
Tabela 1 Estatísticas descritivas das características dos lados direito e esquerdo do Δ90º até as paredes posterior superior (PPS), média (PPM) e inferior (PPI) do maxilar dos cadáveres
Características | n | Média | DP | Mín. | 1°Q | Média | 3°Q | Máx. |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Lado direito | ||||||||
Δ90º (PPS) | 60 | 2,1 | 0,3 | 1,5 | 2,0 | 2,0 | 2,5 | 3,0 |
A90° (PPM) | 60 | 1,9 | 0,5 | 1,0 | 1,5 | 2,0 | 2,0 | 3,0 |
Δ90º (PPI) | 60 | 1,7 | 0,5 | 0,5 | 1,5 | 1,5 | 2,0 | 2,5 |
Lado esquerdo | ||||||||
Δ90º (PPS) | 60 | 2,2 | 0,4 | 1,5 | 2,0 | 2,0 | 2,5 | 3,0 |
Δ90º (PPM) | 60 | 1,7 | 0,4 | 1,0 | 1,5 | 2,0 | 2,0 | 2,5 |
Δ90º (PPI) | 60 | 1,6 | 0,4 | 0,5 | 1,5 | 1,5 | 2,0 | 2,5 |
n, número de observações; DP, desvio padrão; Mín, mínimo; 1°Q, 1° quartil; Med, mediana, 3°Q, 3° quartil, Máx, máximo.
A medida do Δ90º até a parede posterior superior do maxilar mostrou que, em ambos os lados, em 91,7% dos cadáveres essa medida era maior ou igual a 2 cm. A diferença entre o Δ90º até a parede posterior média do maxilar e do Δ90º até a posterior inferior do maxilar por lado mostrou que 61,7% dos cadáveres tinham no lado direito, e 51,7% no esquerdo; a distância do Δ90º até a parede posterior média do maxilar era maior ou igual a 2 cm. Além disso, a distância do Δ90º até a parede posterior inferior do maxilar foi maior ou igual a 2 cm em 46,7 e 41,7% dos lados direito e esquerdo dos cadáveres, respectivamente (tabela 2).
Tabela 2 Descrição categorizada do Δ90º até as paredes posterior superior, média e inferior do maxilar dos lados direito e esquerdo dos cadáveres
Características | Frequência | ||||
---|---|---|---|---|---|
Lado direito | Lado esquerdo | ||||
n | % | n | % | ||
Δ90° superior | |||||
< 2 | 5 | 8,3 | 5 | 8,3 | |
≥ 2 | 55 | 91,7 | 55 | 91,7 | |
D90° média | |||||
< 2 | 23 | 38,3 | 29 | 48,3 | |
≥ 2 | 37 | 61,7 | 31 | 51,7 | |
Δ90° inferior | |||||
< 2 | 32 | 53,3 | 35 | 58,3 | |
≥ 2 | 28 | 46,7 | 25 | 41,7 |
n, número de observações.
Ao todo, dez (16,7%) dos 60 cadáveres apresentaram a medida do Δ90º até a parede posterior superior do maxilar inferior a 2 cm e superior a 1,5 cm.
A medida do Δ90º até a parede posterior média do maxilar variou entre os lados com menor valor do lado esquerdo que do direito, sendo a diferença entre essa característica de 0,2 cm (1,9-1,7), ocorrendo diferença com significância estatística. Não houve diferença em relação às outras duas medidas (tabela 3).
Tabela 3 Comparação do Δ90º até as paredes posterior superior, média e inferior do maxilar dos lados direito e esquerdo dos cadáveres
Características | Lado | Valor-p | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Direito | Esquerdo | |||||||
Média | DP | Med. | Média | DP | Med. | |||
Δ90° superior | 2,1 | 0,3 | 2,0 | 2,2 | 0,4 | 2,0 | 0,277a | |
Δ90° média | 1,9 | 0,5 | 2,0 | 1,7 | 0,4 | 2,0 | 0,020a | |
Δ90° inferior | 1,7 | 0,5 | 1,5 | 1,6 | 0,4 | 1,5 | 0,4172 |
DP, desvio padrão; Med, mediana.
aTeste t-pareado.
O coeficiente e os valores de p da correlação de Pearson (r) mostraram não haver associação entre as medidas do Δ90º até as paredes posterior superior, média e inferior dos maxilares dos lados direito e esquerdo, com a idade, altura, peso, IMC, gênero e etnia dos cadáveres (p > 0,05) (tabela 4).
Tabela 4 Resumo das comparações entre as três medidas avaliadas e as características de interesse
Variáveis respostas | Características de interesse (valor de p) | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Lado | Idade | Altura | Peso | IMC | Gênero | Raça | |
Δ90º até parede posterior superior do maxilar (categórico ou quantitativo) | Direito | 0,814 | 0,681 | 0,217 | 0,081 | 0,482 | 0,987 |
Esquerdo | 0,762 | 0,225 | 0,976 | 0,415 | 1,00 | 0,304 | |
Δ90° até parede posterior média do maxilar (categórico ou quantitativo) | Direito | 0,268 | 0,643 | 0,746 | 0,916 | 0,585 | 0,802 |
Esquerdo | 0,480 | 0,342 | 0,194 | 0,347 | 0,517 | 0,501 | |
Δ90° até parede posterior inferior do maxilar (categórico ou quantitativo) | Direito | 0,068 | 0,295 | 0,967 | 0,502 | 0,317 | 0,800 |
Esquerdo | 0,389 | 0,338 | 0,313 | 0,551 | 0,916 | 0,083 |
A medida do Δ90º até as paredes posterior superior, média e inferior dos maxilares dos lados direito e esquerdo não apresentaram associação com a idade, altura, peso, IMC, raça e gênero dos cadáveres (p > 0,05).
Esta pesquisa foi desenvolvida após a observação durante aproximadamente dez anos, em cirurgias endoscópicas nasais, de que as medidas anatômicas discutidas eram constantes. As medidas do ângulo de 90º até a parede posterior do maxilar foram semelhantes, independentemente do gênero, etnia, idade, peso ou altura, mas outras variaram com tais características. Observações na prática cirúrgica levaram à realização dessas medidas anatômicas em cadáveres para comprovar ou excluir essas observações, pois a literatura médica não apresenta definições sobre as mesmas. A comprovação da regularidade das medidas permitiria uma referência anatômica mais precisa e constante, e provavelmente maior segurança na abordagem dos seios paranasais posteriores, principalmente pelo fato de essa região apresentar grande variação anatômica. Em casos onde há distorção da anatomia, como reoperações, a medida se torna ainda mais útil.
Outras medidas realizadas nas cavidades nasais de 60 cadáveres mostraram influência das características pessoais. No entanto, a medida do ângulo de 90º até a parede posterior superior do maxilar não variou, comprovando o observado na prática clínica. Foi observado que 10% das medidas do Δ90º até a parede posterior superior do maxilar estavam abaixo de 2 cm e superiores a 1,5 cm, o que ocasionou a mudança da medida fixa para maior ou igual a 1,5 cm.
Nas medidas do Δ90º até a parede posterior inferior e média do maxilar foram encontrados valores abaixo de 1,5 cm como outlines. Tais medidas são pouco exatas para serem realizadas durante a cirurgia, devido a sua posição anatômica em relação ao Δ90º, não sendo viável a realização dos procedimentos cirúrgicos. Sendo assim, optou-se por utilizar a medida de 1,5 cm em relação ao ponto superior da parede posterior do maxilar ao Δ90º, por ser mais viável e não apresentar outlines.
Em casos cirúrgicos onde não ocorra a abordagem do seio maxilar, outras estruturas anatômicas deverão ser utilizadas.
As análises dos dados apresentados no texto nos permitem afirmar que há uma medida fixa entre a parede posterior superior do seio maxilar e o ângulo de 90º. A medida encontrada foi sempre superior a 1,5 cm, o que pode facilitar a abertura dos seios paranasais posteriores com segurança durante as cirurgias endoscópicas nasais, onde há abordagem dos seios maxilares. As medidas dos pontos inferior e médio em relação à parede posterior do maxilar não devem ser utilizadas na prática cirúrgica, devido à dificuldade de medição por sua posição anatômica.
Não se observa associação estatística da diferença entre a medida do Δ90º até as paredes posterior superior, média e inferior do maxilar, tanto na forma categórica quanto na quantitativa em nenhuma das características avaliadas, ou seja, as medidas não sofrem influência de idade, peso, estatura, etnia ou gênero.
A definição da medida fixa na anatomia dos seios paranasais em uma região onde há maior chance de iatrogenias poderia permitir maior segurança aos cirurgiões e um menor número de complicações nas cirurgias endoscópicas nasais.