versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.13 no.1 São Paulo jan./mar. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082015AO3152
A disfunção cognitiva no pós-operatório (DCPO) de cirurgias sob anestesia geral é um evento relativamente frequente, especialmente em pacientes geriátricos. Embora a maioria dos casos seja reversível, em alguns pacientes esse evento adverso pode ser definitivo. Procedimentos sob anestesia regional também podem causar, com menor frequência, disfunção cognitiva transitória no pós-operatório imediato.(1)
A DCPO é definida como deterioração da função intelectual com prejuízo da memória, da concentração e das atividades diárias.(2) A maioria dos casos de DCPO é relatada pelo paciente ou por seus familiares e se refere às alterações mnemônicas, atencionais e comportamentais, tornando o diagnóstico de disfunção cognitiva impreciso.(3) O diagnóstico de DCPO requer avaliação neuropsicológica pré e pós-cirúrgica, razão pela qual se ressalta a necessidade de avaliar o paciente no pré-operatório.(4,5) Tal avaliação deve incluir anotações sobre medicamentos utilizados previamente à cirurgia e a aplicação de uma bateria de testes neuropsicológicos específicos, que aferem as funções cognitivas e emocionais.
Fatores relacionados à DCPO são o uso de opioides após a cirurgia, a falta de atividade física, a fadiga pós-operatória, a dor pós-operatória, a depressão e a qualidade de vida.(6,7) Alguns medicamentos podem agravar a DCPO, como o uso contínuo e anterior à cirurgia de benzodiazepínicos, sedativos, antidepressivos e antiparkissonianos.(8,9)
A incidência de DCPO é elevada (40%) em pacientes com mais de 65 anos, submetidos a cirurgias de médio e grande porte e, em cirurgias cardíacas, esta porcentagem pode ser maior que 60%.(10-12) Os fatores de risco ainda não estão completamente definidos, assim como não está determinada a importância de cada um desses fatores no desenvolvimento e na evolução dessa complicação neuropsicológica que, muitas vezes, predispõe a comorbidades, aumentando a possibilidade de mortalidade do paciente cirúrgico.(13,14)
No Brasil, nas últimas décadas, ocorreu um rápido crescimento da população idosa. Em 1970, essa população representava aproximadamente 3,7% do total de habitantes do país e, em 2000, esse percentual se elevou para 5,2%. Estima-se que em 2025 os idosos perfaçam 10,4% da população total e, em 2050, esse índice alcance 18,3%.(15) O crescimento da população idosa é responsável por 42% das consultas médicas e metade das internações hospitalares. Os idosos são portadores da maior parte das enfermidades necessitando de atenção especial e, muitas vezes, de cirurgias.(16)
É necessária a adaptação de instrumentos neuropsicológicos capazes da detecção de DCPO na população idosa brasileira oferecendo subsídios para o desenvolvimento de novas pesquisas interessadas em oferecer aos idosos um melhor e mais rápido restabelecimento no período pós-operatório.
Investigar a adequação de uma bateria de testes neuropsicológicos para detectar a disfunção cognitiva no pós-operatório em pacientes idosos brasileiros candidatos à cirurgia sob anestesia geral, utilizando-se o protocolo proposto pelo International Study of Postoperative Cognitive Dysfunction.
Em 1º de agosto de 2007, o estudo foi aprovado pela Comissão de Ética para Análise de Projetos de Pesquisa (CAPPesq) da Diretoria Clínica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP). O estudo registrado sob o nº 998/06 foi desenvolvido no Instituto Central do HC-FMUSP. A análise estatística para os resultados dos testes neuropsicológicos contou com a colaboração da Duke University, na Carolina do Norte, Estados Unidos. Após a leitura e a assinatura do Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) os pacientes candidatos a cirurgias sob anestesia geral foram avaliados por neuropsicólogas. O recrutamento dos pacientes foi realizado pela técnica de amostragem não probabilística por conveniência e 80 idosos foram selecionados pela chefe de seção de saúde e encarregada da programação cirúrgica, por meio da triagem diária de pacientes candidatos à cirurgia. Esses sujeitos foram eleitos pelos critérios de inclusão, observando-se dados sociodemográficos (idade, escolaridade, tipo de cirurgia, tipo de anestesia e condições clínicas), de acordo com o sistema de agendamento cirúrgico do HC-FMUSP, para compor uma amostra suficiente para evidenciar a adequação da bateria de testes neuropsicológicos do estudo International Study of Postoperative Cognitive Dysfunction (ISPOCD1) para a população idosa brasileira submetida à cirurgia sob anestesia geral (Figura 1).
Foram incluídos 77 pacientes com idade 65 anos, submetidos a cirurgias de médio porte sob anestesia geral; foram excluídos 2 pacientes que não atingiram a pontuação mínima (>18) no Miniexame do Estado Mental (MEEM), e 1 que declinou da participação do estudo após o convite e assinatura do TCLE. Outros critérios de exclusão foram história pregressa de doença cerebral ou demência, entre outras doenças psiquiátricas que afetem a cognição, falta de domínio da língua portuguesa, e uso de corticoide ou opioide no período pré-operatório. A entrevista inicial, a aplicação do questionário sociodemográfico, o teste MEEM e o convite a participação no estudo estavam a cargo de neuropsicólogos voluntários experientes em pesquisa clínica antes da aplicação dos testes neuropsicológicos. Todos os idosos assinaram o TCLE e realizaram a avaliação pré-operatória no dia anterior a cirurgia. Todos os testes e questionários foram dirigidos por um avaliador experiente.
A avaliação pré-operatória continha um questionário sociodemográfico para a coleta de informações sobre idade, sexo, escolaridade, estado civil, ocupação e demais informações relevantes para compor o perfil da amostra, produzido para o projeto de pesquisa posterior a esse estudo preliminar, o teste MEEM e demais testes neuropsicológicos descritos a seguir. O questionário sociodemográfico foi preenchido pelo aplicador, neuropsicólogo envolvido com a pesquisa, com as respostas oferecidas pelo paciente. Os testes neuropsicológicos e o MEEM foram realizados pelo paciente por meio de respostas orais quando solicitadas e, por sua vez, anotadas pelo pesquisador na folha de respostas do teste ou pela produção gráfica ou escrita, dependendo do constructo, pelo próprio paciente na folha de resposta do teste.
O teste MEEM, que avalia o raciocínio, a orientação espaço-temporal, a memória e a escolaridade foi utilizado como triagem para a inclusão do paciente no estudo. O ponto de corte desse instrumento, para a população brasileira, é considerado para dois tipos de escolaridade: até 4 anos de estudo formal acadêmico e com mais de 4 anos de escolaridade, com ponto de corte de 18 para os menos escolarizados e com mais de 23 pontos para indivíduos com maior nível de escolaridade.(17-19)
O teste Telephone Interview for Cognitive Status (TICS) é padronizado para avaliação do funcionamento neuropsicológico e utilizado quando a avaliação do cognitivo global é impraticável ou ineficiente na forma presencial, por exemplo, em pesquisas epidemiológicas de grandes populações ou com pacientes que estão incapacitados de comparecerem ao retorno clínico. Também pode ser aplicável em pacientes com incapacidade para ler ou escrever, exigindo apenas capacidade de compreensão verbal. O teste consiste em um roteiro de entrevista com 11 itens, que avaliam as habilidades de orientação espacial e temporal, controle mental, memória, informação geral, linguagem e cálculos.(20-22)
O Verbal Learning Test (VLT) consiste em uma lista de 15 palavras para ser memorizada e recordada em três tentativas sucessivas (VLT/A-B-C), com evocação tardia após 15 a 25 minutos (VLT-D). Avaliam-se o número de palavras recordadas e o número de erros cometidos para cada apresentação. O VLT avalia as modalidades da memória: imediata, consolidada e de longo prazo.(23,24)
O Symbol Digit Modalities Test (SDMT) afere a memória de curto prazo, habilidade viso-espacial e atenção. Também avalia a capacidade do indivíduo de organizar, planejar e buscar estratégias para a realização da tarefa em menor tempo e com maior quantidade de símbolos feitos em 180 segundos, ou seja, habilidades da função executiva. O indivíduo tem que reproduzir os símbolos exemplificados em uma tarjeta nos espaços abaixo do número correspondente.(25,26)
O Trail Making Test (TMT) é composto por partes A e B. O sujeito deve traçar linhas conectando, consecutivamente, círculos numerados na parte A. Na parte B, o sujeito deve traçar linhas conectando alternadamente círculos com letras e números em uma sequência crescente. O teste envolve, além da atenção seletiva e alternada, o rastreio visual complexo e a destreza motora (Parte A) e processos executivos (Parte B). Entre os processos executivos, a capacidade inibitória e a alternância cognitiva parecem ser aquelas mais exigidas na execução da tarefa. São avaliados o tempo despendido e o número de erros cometidos em cada parte.(27,28)
O Stroop Card Word and Color Test (SCWCT) é feito apresentando-se três lâminas para o sujeito avaliado. Na primeira lâmina, o sujeito deve verbalizar os nomes das cores impressas com tinta preta. Na segunda, a verbalização é feita da cor que estão preenchidos retângulos, na mesma disposição das palavras da lâmina anterior. A terceira consiste em verbalizar as cores impressas em detrimento da palavra escrita. Ele busca avaliar a atenção seletiva, a capacidade inibitória e a flexibilidade mental. São avaliados ainda o tempo despendido e o número de erros em cada cartão.(26,29-31)
As variáveis analisadas foram a escolaridade, o valor salarial, a ocupação, o sexo, o estado civil e as funções cognitivas memória e atenção.
A análise estatística foi realizada pelos testes Shapiro-Wilk para certificar a normalidade da amostra, e pelo coeficiente de correlação de Spearman para verificar possível correlação entre os resultados dos testes neuropsicológicos com a escolaridade dos sujeitos do estudo. Os dados foram apresentados em média e desvio padrão, ou mediana e máximo e mínimo em análise descritiva simples. Foram considerados significativos os valores de p<0,05.
De acordo com a figura 1, foram recrutados 80 pacientes com perfil para participar do estudo conforme os critérios de inclusão. Foram avaliados os demais 77 pacientes por um profissional experiente em aplicação de testes neuropsicológicos e em pesquisa clínica pela bateria de teste neuropsicológica (TICS, VLT, SDMT, TMT, SCWCT).
Por ter sido o objetivo deste estudo definir uma bateria de testes neuropsicológicos aplicável à população idosa brasileira que necessitava de cirurgias sob anestesia geral, a escolaridade, o valor salarial, a situação empregatícia, o sexo e o estado civil na ocasião da avaliação foram relacionados à DCPO.
A renda familiar predominante esteve na faixa de dois a cinco salários mínimos correspondendo a 70,1% da amostra; o estado civil prevalente em 59,7% era de casados e o sexo feminino compreendeu 66,2% da amostra (Tabela 1).
Tabela 1 Dados sociodemográficos em relação ao nível escolar
Escolaridade (anos) | ≤2 | ≤5 | ≤7 | ≤9 | ≥11 | ≥15 | n (77) | Valor de p |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Salário* | 0,9 | |||||||
1 | 6 | 1 | - | - | - | - | 7 | |
2-5 | 37 | 6 | 2 | 6 | 3 | - | 54 | |
6-10 | 3 | 3 | - | 2 | 1 | 2 | 11 | |
11-15 | 2 | - | - | 2 | - | - | 4 | |
16-20 | - | - | - | - | - | 1 | 1 | |
Emprego | 0,8 | |||||||
Aposentado | 30 | 9 | 2 | 6 | 3 | 3 | 53 | |
Desempregado | 11 | - | - | 3 | - | - | 14 | |
Empregado | 2 | - | - | 1 | 1 | - | 4 | |
Eventual | 5 | 1 | - | - | - | - | 6 | |
Estado civil | 0,8 | |||||||
Solteiro | 4 | - | - | 2 | - | - | 6 | |
Casado | 28 | 5 | 2 | 7 | 1 | 3 | 46 | |
Divorciado | 5 | 2 | - | - | 1 | - | 8 | |
Viúvo | 10 | 2 | - | 1 | 1 | - | 14 | |
Amasiado | 1 | 1 | - | 0 | 1 | - | 3 | |
Sexo | 0,7 | |||||||
Homem | 15 | 4 | - | 3 | 4 | - | 26 | |
Mulher | 33 | 6 | 2 | 7 | - | 3 | 51 |
*Valor de referência salarial: R$580,00 (salário mínimo brasileiro para 2012 segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística − IBGE). Valor de p pelo teste Shapiro-Wilk.
As principais funções neuropsicológicas avaliadas foram o cognitivo global, pelos testes MEEM e TICS. As médias apresentadas pelos sujeitos foram compatíveis com resultados normativos para população mundial (25±3,3; 27,7±3,3).
A atenção sustentada foi avaliada pelos testes TMT-A e SCWT-A, e a interpretação quantitativa dos resultados desses testes foi o tempo de execução em segundos e pelo SDMT, avaliado em quantidade de dígitos corretos escritos pelo sujeito durante tempo padrão da tarefa (115,3±47,6; 83,3±42,6 e 33,8±18,9, respectivamente). Para a atenção alternada, foram utilizados os testes TMT-B e SCWT-C, e a avaliação dos resultados foi feita em relação ao tempo dispendido para a realização da tarefa (259,6±160,3; 99±35).
A memória e a capacidade de aprender novos conteúdos, bem como a função executiva para o controle inibitório e a estratégia para a solução de problemas, foram avaliadas pelos testes VLT e SCWT-B. A avaliação dos resultados foi a partir do tempo, em segundos, e pela quantidade de erros cometidos pelo indivíduo durante a execução da tarefa.
A maioria dos idosos deste estudo, quando comparados com idosos da mesma faixa etária em tabelas validadas, apresentaram escores menores. No entanto, quando comparados entre si, os valores foram semelhantes (p>0,001), possibilitando inferir que os testes são passíveis de adaptação para a população brasileira, desde que sejam adotados parâmetros normativos para avaliação e diagnóstico das funções cognitivas (Tabela 2).
Tabela 2 Principais funções cognitivas avaliadas e testes correspondentes
Teste | Função avaliada | M | DP | Mínimo | Máximo |
---|---|---|---|---|---|
MEEM | Cognitivo global | 25 | 3,3 | 16 | 30 |
TICS | Cognitivo global | 27,7 | 3,3 | 16 | 36 |
SDMT | Atenção seletiva | 33,8 | 18,9 | - | 82 |
TMT-A | Atenção focal | 115,3* | 47,6 | 15 | 273 |
TMT-B | Atenção alternada | 259,6* | 160,3 | 69 | 869 |
VLT-1 | Memória e aprendizado | 5,4** | 2,2 | 1 | 12 |
VLT-2 | Memória e aprendizado | 7** | 1,8 | 3 | 11 |
VLT-3 | Memória e aprendizado | 8,3** | 1,9 | 4 | 13 |
VLT-D | Memória e aprendizado | 6,7** | 2,8 | - | 14 |
SCWT-A | Atenção sustentada | 83,3* | 42,6 | 20 | 164 |
SCWT-B | Atenção seletiva | 51* | 18,2 | 22 | 132 |
SCWT-C | Atenção alternada | 99* | 35 | 42 | 231 |
Dados em média (DP) e mínimo e máximo. *Resultado dado em tempo (segundos); ** resultado dado em quantidade de palavras emitidas. M: média, DP: desvio padrão; MEEM: Miniexame do Estado Mental; TICS: Telephone Interview Cognitive Status; SDMT: Symbol Digit Modified Test; TMT: Trail Making Test; VLT: Verbal Learning Test; SCWT: Stroop Color Word Test.
Os resultados dos testes mostraram correlação significativa com a escolaridade e também com a idade dos sujeitos avaliados. Houve correlação positiva entre escolaridade e função mnemônica, mostrando que quanto maior a grau de instrução, maior a capacidade de armazenamento da memória (VLT-1; r=0,8; p<0,0001). No entanto, observou-se uma correlação negativa entre as funções atenção e executiva e a escolaridade (TMT-A; r-0,7; p=0,03 e SCWT-A; r=-0,7; p=0,05) (Tabela 3).
Tabela 3 Correlação entre os testes neuropsicológicos e escolaridade
Teste neuropsicológico | r | Valor de p |
---|---|---|
MEEM | 0,2** | 0,02 |
TICS | 0,7* | 0,00 |
VLT-1 | 0,8* | 0,00 |
VLT-2 | 0,6* | 0,00 |
VLT-3 | 0,6* | 0,00 |
VLT-D | 0,7* | 0,04 |
SCWT-A | -0,7* | 0,05 |
SCWT-B | -0,5** | 0,05 |
SCWT-C | -0,5** | 0,05 |
TMT-A | -0,7* | 0,03 |
TMT-B | -0,6** | 0,02 |
SDMT | 0,7* | 0,04 |
Valor de r e p pelo teste de correlação de Spearman; * r=0,7 para mais ou para menos indicou forte correlação, **r=0,3 a 0,7 positivo ou negativo indicou correlação moderada. Foi considerado significativo p>0,005. MEEM: Miniexame do Estado Mental; TICS: Telephone Interview Cognitive Status; VLT: Verbal Learning Test; SCWT: Stroop Color Word Test; TMT: Trail Making Test; SDMT: Symbol Digit Modified Test.
Muitos testes, embora utilizados em grande escala em população internacional, têm, por seus próprios autores, o consentimento da adaptação para a população em pesquisa, por existir uma variedade de resultados de população para população. Os pacientes deste estudo tiveram um desempenho no teste MEEM compatível com os pontos normativos esperado por nível escolar e idade. Para pessoas de 60 a 64 anos com até 4 anos de escolaridade, o ponto de corte é 22 (1,9); para a faixa etária de 65 a 69 anos, é esperada uma pontuação de 22 (1,7); e para os sujeitos com idades entre 70 a 74, é esperada uma pontuação de 20 (2). Com as mesmas faixas etárias, com 5 a 8 anos de escolaridade, os pontos de corte e respectivos desvios padrão são 26 (1,7), 26 (1,8) e 25 (2,1). Para indivíduos com 9 a 12 anos ou mais de escolaridade, é esperada uma pontuação de 28 (1,4), 27 (1,6), 27 (1,5), respectivamente.
Para a função executiva, o teste SDMT apresenta um corte de 46,79 (8,08) pontos para sujeitos com idade acima de 50 anos e com até 12 anos de educação formal. Para a atenção focada, o Teste de Trilhas parte A oferece, para pessoas com 64 a 69 anos de idade, uma pontuação de 24 até 60, com percentil em ordem decrescente, e, para a parte B, de 56 a 137 pontos, também com percentil 10 para maior tempo em segundos. De 70 a 74 anos, os tempos esperados para a parte A são 25 a 57 segundos e, para a parte B, 70 a 172 segundos.
Permaneceram 77 pacientes com a idade média de 67,0±6,35 anos e com 7,1±4,42 anos de estudo.
A análise estatística foi realizada a partir dos dados obtidos dos 77 pacientes. Os valores médios e respectivos desvios padrão dos escores dos instrumentos administrados no período pré-operatório imediato foram comparados com os valores esperados a partir dos escores-padrão. Os resultados dos testes foram correlacionados ao nível de escolaridade para verificar se os idosos brasileiros tinham capacidade para realizar os testes adaptados do estudo ISPOCD1.
Comparadas às normas internacionais, as médias obtidas nos testes foram semelhantes ao esperado para a idade e a escolaridade apenas no teste VLT, que avalia a memória. Todos os demais resultados mostraram-se significativamente inferiores ao esperado. O tempo utilizado no TMT partes A e B correspondeu a um percentil <10, e as pontuações obtidas, tanto no SCWT quanto no SDMT, foram além de 2 desvios padrão abaixo da média esperada.
A bateria de testes neuropsicológicos do ISPOCD1 adaptada para este estudo mostrou ser sensível para detectar DCPO em idosos. A maioria dos testes neuropsicológicos foram desenvolvidos em países de língua inglesa e, portanto, devem ser adaptados e validados à cultura do país que fará uso dos instrumentos, a fim de evidenciar, de forma fidedigna, possíveis disfunções cognitivas, bem como a preservação dessas funções.
Em um estudo sobre cirurgia de catarata, testes neuropsicológicos foram adaptados aos pacientes, pois alguns doentes tiveram problemas de leitura, assim como em outro estudo com pacientes ortopédicos, no qual a maioria dos testes que aferiu velocidade psicomotora manual foi substituída quando os pacientes tinham que receber uma infusão endovenosa no braço dominante.(5,32) Em estudos sobre DCPO, as funções cognitivas são avaliadas por vários teste neuropsicológicos. Um teste adequado é caracterizado por uma sensibilidade elevada, confirmada a partir de vários estudos, e sua aplicabilidade, ou seja, o teste deve ser capaz de detectar os efeitos de fatores reconhecidos como impactantes na função cerebral, como a medicação e idade.(33)
Os testes neuropsicológicos não foram desenvolvidos para investigar disfunção cognitiva em pacientes cirúrgicos, e muitos deles não detectam deterioração cognitiva sutil.(20,34) A sensibilidade dos testes para esses casos parece ser muito baixa e, por isso, estudos sobre DCPO usam várias baterias, com diversos testes neuropsicológicos, sem, no entanto, conseguirem detectar o declínio cognitivo pós-operatório ou qualquer diferença entre os grupos estudados; ainda não existe, assim, uma bateria específica e padronizada para a DCPO.(14,35)
Idosos apresentam uma diminuição das reservas funcionais de diversos órgãos e sistemas e, como consequência, toleram muito pouco as exigências representadas pelo estresse anestésico-cirúrgico.(36,37) Os testes utilizados neste estudo foram adequados para aferir disfunções cognitivas prévias em pacientes idosos nas cirurgias eletivas sob anestesia geral.
Ao longo deste estudo, foi possível verificar algumas características em relação à produtividade dos idosos nas baterias de testes neuropsicológicos, que, com capacidade reduzida para tolerar tarefas que exigissem raciocínio e concentração por tempo prolongado, deviam ter os instrumentos adequados para minimizar a influência da fadiga.
Os artigos pesquisados mostraram que existe uma variabilidade entre os testes utilizados e a heterogeneidade entre os critérios de seleção para os mesmos, devendo estudos e pesquisas objetivarem a eliminação de limitações metodológicas para melhor exploração dos resultados.(38)
Com exceção dos resultados do teste de memória (VLT), todos os demais resultados obtidos no estudo-piloto mostraram-se significativamente inferiores aos padrões normativos. Embora a amostra seja reduzida, o estudo evidencia a importância de serem estabelecidos os padrões nacionais, considerando as características cognitivas e culturais da população brasileira. Versões adaptadas de testes neuropsicológicos, que não passam pelo devido processo de validação, podem resultar em avaliações sem parâmetros de confiabilidade para os resultados encontrados.
Por se tratar de um estudo piloto, esta pesquisa se limitou a avaliar os pacientes no pré-operatório. Outros estudos, sob o mesmo projeto de pesquisa, foram realizados no Instituto Central do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, em parceria com a Duke University, dando continuidade ao estudo de disfunção cognitiva no pós-operatório em idosos submetidos a cirurgia sob anestesia geral. A mesma bateria de testes neuropsicológicos adaptada a população brasileira foi usada, e foram considerados outros aspectos, como profundidade anestésica, tipos de anestesia, técnicas anestésicas, grau de escolaridade de pacientes cirúrgicos, idade e uso prévio de corticoides como preventivo de disfunção cognitiva no pós-operatório. Esses estudos demonstram a eficiência e a praticidade do uso dessa bateria de testes neuropsicológicos para a detecção de disfunção cognitiva no pós-operatório.
O presente estudo demonstrou a aplicabilidade dos instrumentos na população brasileira idosa e de baixa escolaridade, mas sugeriu a necessidade de determinação de pontos de corte adequados a essa população, garantindo a correta interpretação de resultados. Tal bateria é relevante para avaliações de seguimento após a cirurgia, favorecendo o diagnóstico de disfunção cognitiva pós-operatória em pacientes submetidos a diferentes tipos de cirurgia e técnicas anestésicas.