versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239
Braz. J. Nephrol. vol.42 no.1 São Paulo jan./mar. 2020 Epub 10-Jan-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2175-8239-jbn-2018-0213
Atualmente, a hipertensão é um problema global de saúde pública. A edição de 2017 do relatório Heart Disease and Stroke Statistics revela que nos Estados Unidos cerca de 85,7 milhões (34%) de adultos americanos são hipertensos1. Na China, a prevalência ajustada de hipertensão chega a 29,6%2. Trinta e seis milhões de brasileiros sofrem com a hipertensão, patologia com prevalência estimada em 32,5% que contribui direta ou indiretamente para 50% dos óbitos por doença cardiovascular3. Portanto, o desenvolvimento de novas estratégias farmacológicas ou não para o controle da pressão arterial é de suma importância.
A pressão arterial é controlada, em grande parte, pelos nervos simpáticos, que são tonicamente ativos e definem o tônus simpático no coração, vasculatura e rins4. A inativação de regiões específicas do sistema nervoso central resulta em queda imediata da atividade dos nervos simpáticos renais, com consequente queda da pressão arterial e efeitos acentuados em modelos experimentais de hipertensão essencial5,6. A inervação renal simpática desempenha um papel importante em todos os aspectos da fisiologia renal, com a hiperatividade simpática renal desempenhando papel fundamental no desenvolvimento e progressão da hipertensão7-9. Na doença renal crônica, os nervos renais contribuem para a hipertensão, elevando a simpatoexcitação para outros alvos10.
Vários medicamentos anti-hipertensivos eficazes, incluindo antiadrenérgicos, diuréticos, inibidores da ECA, bloqueadores dos receptores da angiotensina, bloqueadores do canal de cálcio e inibidores da renina, encontram-se atualmente disponíveis. Contudo, um número significativo de pacientes com hipertensão essencial apresenta resistência medicamentosa. Em outras palavras, eles são incapazes de atingir níveis desejados de pressão arterial mesmo quando tratados com três anti-hipertensivos diferentes na dosagem apropriada11.
A necessidade de um tratamento alternativo para a hipertensão resistente grave levou ao desenvolvimento da denervação renal por radiofrequência. O procedimento consiste em aplicar radiofrequência no lúmen das artérias renais, levando à ruptura térmica dos nervos simpáticos pós-ganglionares que inervam os rins12 (Figura 1A).
Figura 1 A denervação renal (A) altera a interação simpática entre os rins e o sistema nervoso central, interrompendo a sinalização eferente e aferente (B e C). A) A energia de radiofrequência (representada pelos círculos pontilhados) é liberada na luz das artérias renais, levando à ruptura térmica dos nervos simpáticos pós-ganglionares direcionados aos rins. B) As setas/linhas representam os potenciais de ação que se deslocam ao longo das fibras eferentes e aferentes; essa sinalização é interrompida pela denervação renal. C) Aspectos funcionais da inervação renal tocantes à sinalização de fibras eferentes e aferentes intactas. A atividade eferente altera a função renal e a função renal alterada estimula sinais aferentes, levando à inibição da sinalização eferente. Veja o texto para detalhes. ANS = atividade nervosa simpática.
Mais de uma década após o primeiro paciente ter sido tratado com o sistema de cateter de radiofrequência, a eficácia da denervação renal continua a ser analisada12,13. Os achados publicados em ensaios clínicos variam bastante14, indo de reduções médias de 20 mmHg na pressão arterial sistólica ambulatorial após seis meses de tratamento, conforme relatam estudos iniciais15,16, a efeitos não significativos17. Obviamente, as diferenças entre níveis de pressão arterial, medicamentos e procedimentos utilizados nos ensaios clínicos podem explicar as discrepâncias nos resultados. Contudo, o recente estudo de prova de conceito sobre denervação renal publicado por Raymond Townsend e colaboradores pode trazer maiores esclarecimentos a essa questão. Os modestos - porém consistentes - resultados relatados (redução de 5,5 mmHg na pressão arterial sistólica ambulatorial em três meses) corroboram a correlação entre redução do tônus simpático renal e redução da pressão arterial18. É importante destacar, no entanto, que os estudos utilizam uma variedade de técnicas para denervação simpática renal (Tabela 1) e seus diferentes achados levam a conclusões diversas sobre o procedimento, o que eleva a importância da questão em pauta. Portanto, este é um momento propício para revisarmos alguns aspectos fisiológicos e clínicos do procedimento. A primeira parte desta breve revisão trata da contribuição funcional dos nervos simpáticos renais para o controle da pressão arterial. A segunda discute os prós e contras do procedimento de denervação renal para o tratamento da hipertensão resistente.
Tabela 1 Estudos experimentais e clínicos sobre denervação simpática renal
Autores | Técnica/método | Espécie/Número | Resultado |
---|---|---|---|
Kandzari DE, Böhm M, Mahfoud F, et al, em nome dos pesquisadores do estudo SPYRAL HTN-ON MED | Denervação renal | Humanos/n=80 | Este estudo mostrou diferenças significativas em favor da denervação renal relatada entre os grupos três meses após o procedimento avaliado por medições ambulatoriais de 24 horas. (Favorável) |
Azizi M, Schmieder, RE, Mahfoud F, et al, em nome dos pesquisadores do RADIANCE-HTN | Denervação renal guiada por ultrassonografia endovascular | Humanos/n=146 | O estudo concluiu que o procedimento foi capaz de reduzir significativamente a pressão arterial sistólica e diastólica entre os grupos dois meses após o procedimento avaliada por medições ambulatoriais de 24h. (Favorável) |
Townsend RR, Mahfoud F, Kandzari DE, et al. em nome dos pesquisadores do SPYRAL HTN-OFF MED (2017) | Denervação renal | Humanos/n=80 | Este estudo mostrou diferenças significativas em favor da denervação renal relatada entre os grupos em termos das alterações ocorridas três meses após o procedimento avaliadas por medições ambulatoriais de 24 horas. (Favorável) |
Bhatt DL, M.D, MPH, et al. em nome dos pesquisadores do SYMPLICITY HTN-3 (2014) | Denervação da artéria renal | Humanos/n=535 | Este estudo não demonstrou benefício da denervação da artéria renal na redução da PA ambulatorial de 24 horas ou nos períodos diurno ou noturno em comparação ao placebo (Contra) |
Fink GD, Phelps JT. (2017) | Denervação renal bilateral | Ratos/n=15 | Os dados deste experimento em animais não identificaram um modo clinicamente útil de prever a grandeza da queda da pressão arterial após a denervação renal. (Contra) |
Salman IM, Hildreth CM, Phillips JK. (2017) | Estimulação vagal aferente | Ratos/n=63 | Os dados deste estudo fornecem subsídios diretos sobre o papel do fluxo aferente vagal na regulação da função cardiovascular na doença renal crônica em machos e fêmeas (Favorável) |
Goodwill VS, Terrill C, Hopewood I, Loewy AD, Knuepfer MM (2017) | Infusão de soro fisiológico isotônico ou hipertônico | Ratos/n=56 | Esse experimento mostrou que a solução salina normal teve pouco efeito sobre a atividade nervosa aferente, enquanto a solução hipertônica provocou aumento na atividade do nervo renal aferente. (Favorável) |
Zheng H, Patel KP (2017) | - | - | Este estudo mostra que estímulo renal aferente aumentado/alterado no núcleo paraventricular em condições patológicas como insuficiência cardíaca crônica e hipertensão pode estar imbricado na produção de atividade nervosa simpática elevada, comumente observada nesses estados patológicos. (Favorável) |
Howden EJ, Esler JSLM, Levine BD (2017) | Treinamento de resistência | - | De acordo com esta revisão, o treinamento de resistência reduz claramente a atividade simpática em indivíduos com patologia simpático-excitatória. Também influencia muitos fatores que podem mediar a redução da atividade simpática. No entanto, a utilidade do treinamento de resistência como contramedida para alterar a atividade do nervo simpático em pacientes com DRC permanece indeterminada (Inconclusivo) |
Olaf Grisk (2017) | Denervação renal bilateral | - | Segundo esta revisão, mesmo que novas técnicas tenham sido aplicadas para reduzir o grau de reinervação renal, as ações benéficas da denervação renal ainda podem ser reduzidas pela hipersensibilidade à denervação. (Contra) |
Nishihara M, Takesue K, Hirooka Y (2017) | Denervação renal bilateral e microinjeção de bicuculina | Camundongos/n=101 | Segundo este estudo, a denervação renal produz efeito anti-hipertensivo sustentado, elevando os níveis de excreção urinária de sódio na fase inicial e inibindo a ANS em associação com aumento da estimulação gabaérgica no núcleo paraventricular do hipotálamo na fase tardia em camundongos hipertensos com doença renal crônica. (Favorável) |
Yao Y, Davis G, Harrison JC, Walker RJ, Sammut IA (2017) | Indução do diabetes e denervação renal bilateral | Ratos/n=27 | Os achados deste estudo corroboram as conclusões de que o tônus simpático é importante no desenvolvimento fisiopatológico do dano renal hipertensivo no diabetes. (Favorável) |
Veiga GL, Nishi EE, Estrela HF, Lincevicius GF, Gomes GN, Sato AYS, Campos RR, Bergamaschi CT (2017) | Indução de doença renal crônica e denervação renal total | Ratos/n=44 | Os dados deste estudo sugerem que hipertensão, função renal reduzida e aumento da simpatotoxicidade em relação a outros alvos são, pelo menos parcialmente, motivados pela enervação renal na DRC. (Favorável) |
O fluxo simpático neural periférico é um processo diferenciado regionalmente. Isso significa que um estímulo pode aumentar a atividade simpática em um ou mais órgãos ou regiões e diminuir ou produzir nenhum efeito em outros. Os nervos renais contêm fibras nervosas eferentes e aferentes, também chamadas de nervos renais eferentes ou aferentes19-21. Esses nervos situam-se adjacentemente à parede das artérias renais, mas não são distribuídos simetricamente. Com efeito, é necessário um profundo entendimento da microanatomia dos nervos renais para se conseguir elevar ao máximo os resultados cardiovasculares da denervação renal22. Um estudo recente em seres humanos demonstrou que 1) a artéria renal direita apresenta inervação significativamente maior que a esquerda; 2) os quadrantes anterior e superior apresentam inervação maior que os quadrantes posterior e inferior; e 3) o terço distal das artérias renais é mais inervado que seus segmentos proximais23. Portanto, a denervação eficiente elimina a hiperatividade simpática central, produzindo assim uma redução consistente e duradoura da pressão arterial.
As fibras eferentes transportam impulsos nervosos do sistema nervoso central em direção aos rins, influenciando a função renal. O principal neurotransmissor dos terminais eferentes simpáticos é a noradrenalina, que atua nas estruturas vasculares e néfrons20. Por sua vez, as fibras aferentes ou sensoriais transportam os impulsos originados nos rins até o sistema nervoso central. A maioria das fibras sensoriais aferentes está localizada na parede pélvica renal24. O tráfego de sinalização nervosa entre o sistema nervoso central e os rins é conhecido como atividade do nervo renal (Figura 1B). Portanto, a atividade do nervo renal inclui a atividade nervosa simpática (ANS) eferente e a ANS aferente. Em outras palavras, a chamada “atividade nervosa” é determinada pelo tráfego de potenciais de ação que viajam do cérebro para os rins e dos rins para o cérebro (Figura 1B). A sinalização renal eferente e aferente pode ser identificada e medida experimentalmente em mamíferos25-27.
As fibras renais aferentes respondem a diferentes estímulos químicos (ex.: mediadores inflamatórios), mecânicos (ex.: aumento da pressão pélvica) e nociceptivos (ex.: cálculos renais). De forma geral, acredita-se que alguns sinais aferentes exerçam feedback negativo sobre os sinais simpáticos eferentes, constituindo um reflexo renorrenal inibitório autonômico (Figura 1C). A elevação da pressão intrarrenal aumenta a descarga aferente e resulta em hipotensão mediada pela redução da atividade simpática eferente28. A ativação das fibras aferentes sensoriais renais deflagrada por dietas ricas em sódio diminui os sinais simpáticos eferentes, elevando assim a excreção urinária de sódio de forma a preservar a homeostase do sódio19. Experimentos em ratos demonstraram que o soro fisiológico teve pouco efeito na atividade do nervo aferente, enquanto o soluções hipertônicas de NaCl provocaram aumento na atividade do nervo aferente renal29. Por outro lado, evidências experimentais mostram que a sinalização aferente resultante de lesão renal aumenta a atividade simpática renal eferente, produzindo hipertensão30. A sinalização renal aferente aumentada ou alterada para o núcleo paraventricular em condições patológicas pode estar imbricada na elevação da atividade nervosa simpática31. Além disso, evidências indicam que a ablação funcional das fibras aferentes renais não afeta a regulação da pressão arterial em condições normais, mas pode desempenhar um papel no desenvolvimento da hipertensão sensível ao sal32. Em conclusão, há uma interação recíproca entre sinais eferentes e aferentes, e tal interação certamente depende do estímulo e da patologia renal.
Com efeito, a contribuição fisiológica da sinalização aferente recebeu pouca ou nenhuma atenção no decurso da história da denervação simpática para o tratamento da hipertensão33,34. Contudo, o advento da denervação renal por radiofrequência renovou o interesse na sinalização aferente renal para o controle da pressão arterial,20,26 e muitas novas informações deverão ser produzidas na próxima década.
As fibras simpáticas eferentes são funcionalmente específicas em certos órgãos-alvo. Evidências consistentes indicam ser este o caso do rim, onde grupos de fibras eferentes funcionalmente específicas podem inervar e controlar seletivamente os principais neuroefetores renais, a vasculatura, os túbulos e o aparelho justaglomerular35. Portanto, elevações na atividade simpática renal resultam em 1) vasoconstrição renal, o que 2) diminui o fluxo sanguíneo renal, 3) reduz a taxa de filtração glomerular, 4) aumenta a liberação de renina estimulando a formação de Ang II e 5) diminui a excreção urinária de sódio (eleva a reabsorção tubular renal de sódio)35.
De forma geral, a hipertensão ocorre em associação com a hiperatividade simpática36. Em vários contextos a hipertensão é atribuída à hiperatividade simpática, que pode ser desencadeada por sinais aferentes originários dos rins e pela redefinição do tônus simpático por via da estimulação dos centros hipotalâmicos. Também considera-se que os receptores de ATP contribuem para a hipertrofia dos vasos renais durante a hipertensão induzida por Ang II37. Com efeito, a Ang II induz a rápida liberação de ATP dos nervos simpáticos, gerando, assim, efeitos prejudiciais38. Tal efeito da Ang II foi detectado com muita intensidade em ratos sensíveis à ingestão de sal (Dahl), sugerindo que a liberação de ATP pelos nervos simpáticos renais pode contribuir para o desenvolvimento da hipertensão sensível ao sal39.
Estudos com animais e em seres humanos identificaram que a ativação crônica dos nervos simpáticos renais é fator fundamental na patogênese e perpetuação da hipertensão resistente. A denervação renal surgiu, portanto, como opção terapêutica em estados patológicos caracterizados pela hiperatividade simpática central40,41. Os nervos renais simpáticos exacerbam a ativação das células dendríticas, a infiltração de linfócitos T e os danos teciduais renais na progressão da hipertensão42. Além disso, os nervos renais simpáticos contribuem para a hipertensão por meio da retenção de sódio, estimulação da secreção de renina e aumento da atividade simpática induzida pelo sistema nervoso central. Com base em todos esses mecanismos, a denervação renal tem sido indicada para o tratamento da hipertensão, particularmente em suas formas resistentes43.
Algumas questões importantes devem ser discutidas em relação à denervação simpática renal: o procedimento provou ser eficaz em animais e humanos? Em que condições ele pode ajudar? Quais são os seus riscos? E quais são seus efeitos colaterais a curto ou longo prazo?
Estudos pré-clínicos realizados com vários modelos animais de hipertensão relataram redução da pressão arterial após denervação simpática renal44,45,46,47. Por exemplo, estudos experimentais com camundongos idosos com pressão arterial sistólica elevada identificaram queda na pressão arterial após o procedimento e persistência do efeito em questão por várias semanas44. Por outro lado, em camundongos mais jovens a queda da pressão arterial após a denervação não se manteve44. Em diferentes modelos experimentais de hipertensão a redução da pressão arterial48,45,46,47 produzida pela denervação renal foi acompanhada por queda concomitante dos níveis plasmáticos de adrenalina, noradrenalina, atividade da renina, angiotensina II e aldosterona49. Além disso, estudos também indicam que a denervação renal melhora os mecanismos de outros órgãos-alvo, incluindo função ventricular esquerda50, biodisponibilidade endotelial de óxido nítrico51, metabolismo da glicose e sensibilidade à insulina52,53. Após a denervação renal, pacientes com insuficiência cardíaca também apresentaram melhora nos sintomas e na capacidade de realizar exercícios54. Nesse sentido, Ukena e colaboradores relataram que a resposta cardiorrespiratória em pacientes submetidos a exercício não é afetada após a denervação renal55. Os benefícios da atividade física regular sobre a redução do risco cardiovascular são bem conhecidos56. Portanto, a melhora da função orgânica e a preservação da capacidade de realizar exercícios físicos após a denervação renal podem levar a melhor controle da hipertensão.
Contudo, a eficácia da denervação simpática renal não é ponto concordante entre os autores de ensaios clínicos com pacientes hipertensos. Alguns consideraram o procedimento eficaz, enquanto outros questionaram sua eficácia57. Os autores que criticam o tratamento se fundamentam nos resultados do estudo Symplicity HTN-312. O estudo em questão não encontrou benefícios da denervação da artéria renal em termos de redução da pressão arterial (PA) ambulatorial de 24 horas ou nos períodos diurnos e noturnos em relação aos indivíduos incluídos no grupo de controle17. Contudo, a análise crítica de tal estudo revela algumas falhas em sua execução. De fato, a técnica de denervação utilizada no estudo foi inconsistente para determinar a eficácia do procedimento12. A análise retrospectiva dos registros angiográficos armazenados de todas as aplicações de radiofrequência revelou que em 74% dos pacientes a aplicação de energia não atingiu a circunferência completa da artéria renal, elemento obrigatório do protocolo, e que o procedimento deveria ter sido bilateral12,58. Por sua vez, o estudo SPYRAL HTN-OFF MED (n=38 no grupo de intervenção; n=42 no grupo de controle que recebeu cirurgia placebo) indicou que a denervação simpática renal foi eficaz no tratamento de pacientes com hipertensão de leve a moderada [pressão arterial sistólica (PAS) 24h -5 mm Hg (IC 95% -9,9 a -0,2; p=0,0414); pressão arterial diastólica (PAD) 24h -4,4 mm Hg]59. No entanto, a análise crítica desse estudo sugere que, após o tratamento, os pacientes ainda necessitariam de anti-hipertensivos orais para atingir níveis adequados de pressão arterial sistólica. Além disso, esse tratamento não é recomendado para pacientes com hipertensão de leve a moderada.
Mais recentemente, dois estudos - SPYRAL HTN-ON MED60 e RADIANCE-HTN SOLO61”DOI”:”10.1016/S0140-6736(18 - investigaram a eficácia da denervação renal.
Publicado em maio de 2018, o estudo randomizado de prova de conceito SPYRAL HTN-ON MED teve como objetivo avaliar a segurança e eficácia da denervação renal por cateter em comparação com indivíduos que receberam tratamento placebo para hipertensão não controlada60. Os pacientes foram submetidos a angiografia renal e alocados aleatoriamente nos grupos controle placebo ou denervação renal. O desfecho primário foi alteração da pressão arterial em relação aos valores iniciais, com base em medições ambulatoriais da pressão arterial realizadas seis meses após o tratamento. Foram utilizados um cateter de denervação renal multieletrodo Symplicity Spyral (Medtronic, Galway, Irlanda) e um gerador de RF para denervação renal Symplicity G3 (Medtronic, Minneapolis, MN, EUA) para produzir ablação por radiofrequência circunferencial em padrão espiral nos quatro quadrantes da artéria renal e de seus ramos com três a oito mm de diâmetro. O grupo controle foi submetido a um procedimento placebo. O estudo incluiu um número pequeno de indivíduos (38 no grupo de denervação renal e 42 no de controle) e não mediu a eficiência da ablação do nervo renal, embora o número de ablações por paciente e a técnica sejam semelhantes às relatadas no estudo SPYRAL HTN-OFF MED. O estudo relatou uma mudança significativa na pressão arterial após seis meses do procedimento nas medidas de PAS e PAD de 24 horas. A PAS apresentou uma redução de 7,4 mmHg (IC 95% -12,5 a -2,3; p = 0,0051) e a PAD de 4,1 mmHg (IC 95% -7,8 a -0,4; p = 0,0292). Os resultados sugeriram efeito em pacientes aderentes e não aderentes a medicamentos anti-hipertensivos, mas devido ao pequeno tamanho da amostra, a diferença entre aderentes e não aderentes não pôde ser avaliada. Contudo, a adesão foi semelhante nos dois grupos, e as medidas ambulatoriais da PA foram obtidas apenas após a ingestão confirmada dos comprimidos por todos os pacientes. No entanto, assim como no estudo SPYRAL HTN-OFF-MED, o procedimento não resultou em níveis adequados de PAS, o que fez com que os pacientes continuassem em terapia anti-hipertensiva oral60. O estudo em questão ainda está em andamento e será concluído em dezembro de 2022 (disponível em https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT02439749).
O estudo RADIANCE-HTN SOLO, também publicado em 2018, utilizou um sistema de denervação renal guiada por ultrassonografia endovascular em pacientes com hipertensão não controlada e em sujeitos com hipertensão de leve a moderada. Os pacientes foram randomizados (1:1) para denervação renal com o sistema Paradise (ReCor Medical, Palo Alto, CA, EUA) ou procedimento placebo restrito a angiografia renal. A ablação da enervação renal foi realizada com no mínimo duas sonicações de sete segundos nos ramos principais das artérias renais direita e esquerda, separadas longitudinalmente por 5 mm. O estudo incluiu 74 pacientes submetidos à denervação renal e 72 ao procedimento placebo. A denervação renal reduziu significativamente a PAS e a PAD (-6,3 mmHg, IC 95% -9,4 a -3,1, p=0,0001; e -2,6 mmHg, IC 95% -4,6 a -0,6, p=0,01, respectivamente). O estudo avaliou apenas a segurança e a eficiência do procedimento após dois meses de sua realização, período durante o qual os pacientes permaneceram sem terapia anti-hipertensiva. Os resultados foram bons, mas ainda não justificam a interrupção permanente da terapia anti-hipertensiva oral61. O estudo tem fim previsto para agosto de 2021 (disponível em https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT02649426).
A Tabela 1 resume os estudos experimentais e ensaios clínicos que abordaram o efeito da denervação simpática renal sobre o controle da hipertensão arterial.
Embora raramente relatados na literatura, os riscos potenciais do procedimento incluem hemorragia interna, estenose arterial e aneurisma12.
Há questões a considerar no tocante aos efeitos colaterais do tratamento. Anteriormente havia um dogma62 de que o nervo simpático renal atuaria apenas sobre o fluxo sanguíneo renal em condições patológicas ou por estimulação externa, e não em condições fisiológicas. Contudo, está comprovado que o nervo renal simpático também desempenha um papel em condições fisiológicas46 e, portanto, efeitos colaterais devem ser esperados do tratamento. Por exemplo, os nervos renais fornecem proteção contra lesões isquêmicas, limitando os efeitos da isquemia e reperfusão nos órgãos suscetíveis a danos. Esse efeito é aparentemente comprometido após denervação simpática renal63.
Outros estudos indicam que pode haver efeitos colaterais relacionados ao barorreflexo cardíaco, principalmente durante exercício físico e após alterações posturais súbitas64. Em tais contextos, a pressão arterial pode sofrer uma queda súbita, potencialmente levando a perda dos sentidos e/ou hipoperfusão capilar64. Evidências recentes também sugerem que o procedimento pode afetar as respostas hemodinâmicas compensatórias à hemorragia. Singh e colaboradores relataram que a denervação renal reverteu a hipertensão em ovelhas com doença renal crônica e melhorou sua função renal. Em resposta à hemorragia, a queda da pressão arterial média foi maior no grupo que sofreu a denervação do que no grupo intacto. O aumento da frequência cardíaca e da atividade plasmática de renina foram significativamente atenuados nos animais submetidos à denervação renal em relação aos intactos65.
Além disso, a técnica utilizada permite a reinervação simpática natural. A reinervação é uma condição preocupante e está associada a um fenômeno de escape, o que contribui para o retorno da hipertensão66,67. Neoformação nervosa funcional também foi observada em ensaios com animais68. Foi sugerido que a reinervação também ocorre nos rins humanos nativos após transplante renal69. Em função do aumento da sensibilização de órgãos à adrenalina atribuída à regulação positiva dos receptores adrenérgicos, a reinervação após denervação produz um fenômeno de escape, uma vez que a pressão arterial se eleva a níveis superiores aos observados antes do procedimento cirúrgico67. Em estudos com animais, ratos desenvolveram hipersensibilidade renal à noradrenalina e reinervação funcional após denervação renal perivascular68. Essa é uma complicação crítica para pacientes com hipertensão resistente e doença renal crônica.
Embora estudos em animais frequentemente relatem efeitos benéficos da denervação simpática renal no controle da hipertensão, os resultados dos ensaios clínicos ainda são desanimadores17,70,71. A eficácia da denervação renal em reduzir a pressão arterial de indivíduos com hipertensão resistente a medicamentos é atualmente inconclusiva, embora pareça funcionar em alguns pacientes72. A principal limitação é que, mesmo após uma denervação renal aparentemente bem-sucedida, os pacientes ainda precisam recorrer a medicamentos anti-hipertensivos orais. Embora pareçam não ser relevantes, os efeitos colaterais relacionados ao procedimento devem ser levados em consideração.
Devemos mencionar, contudo, que há três ensaios clínicos em andamento. O Global Clinical Study of Renal Denervation With the Symplicity Spyral™ Multi-electrode Renal Denervation System in Patients With Uncontrolled Hypertension in the Absence of Antihypertensive Medications (SPYRAL PIVOTAL - SPYRAL HTN-OFF MED) teve início em junho de 2015 e será concluído em dezembro de 2022 (disponível em https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT02439749). O objetivo do estudo é testar a hipótese de que a denervação renal diminui a pressão arterial e é segura na ausência de medicamentos anti-hipertensivos. Os desfechos primários incluem segurança aguda e crônica através da avaliação da incidência de eventos adversos relevantes do início do estudo até um mês após o procedimento, além de alterações na PAS medidas por monitoramento ambulatorial da PA por 24 horas do início do estudo até três meses após a realização do procedimento. O RADIANCE-HTN é um estudo observacional randomizado, duplo-cego, placebo-controlado que incluiu dois grupos de pacientes (TRIO e SOLO) com o objetivo de descrever a eficácia e documentar a segurança do sistema Paradise de denervação renal em duas populações distintas de hipertensos (disponível em https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT02649426). Indivíduos com hipertensão essencial controlada por um ou dois medicamentos anti-hipertensivos ou não controlados serão incluídos na coorte Solo do RADIANCE, enquanto indivíduos com hipertensão resistente em tratamento com pelo menos três anti-hipertensivos serão incluídos na coorte Trio do RADIANCE. O desfecho primário é redução da PAS ambulatorial diurna média comparando seus valores no início do estudo e dois meses após o procedimento. O estudo RADIANCE-HTN teve início em março de 2016 e será concluído em agosto de 2021. O RADIANCE II Pivotal é um estudo randomizado delineado para testar a eficácia e a segurança do sistema Paradise em indivíduos com hipertensão estágio 2 não tratados ou tratados com até dois medicamentos no momento de assinatura do termo de consentimento livre esclarecido (disponível em https://clinicaltrials.gov/ct2/show/NCT03614260). Antes da randomização, os participantes têm que apresentar hipertensão na ausência de medicação anti-hipertensiva. Os desfechos primários são incidência de eventos adversos relevantes do início do estudo até 30 dias após o procedimento e alterações na PAS ambulatorial diurna média entre o início do estudo e dois meses após o procedimento. O estudo começou em dezembro de 2018 e será concluído em outubro de 2024. Embora se debrucem apenas sobre efeitos de curto prazo, os estudos em andamento fornecerão mais dados sobre a eficácia e segurança da denervação renal.
Finalmente, o desenvolvimento de dispositivos ou procedimentos cirúrgicos para o tratamento da hipertensão que interferem no sistema nervoso simpático renovou o interesse em torno da importância da atividade do nervo simpático em relação ao controle cardiovascular humano. Nesse sentido, a American Physiological Society publicou recentemente um conjunto de diretrizes com o intuito de oferecer recomendações para a medição da atividade simpática em humanos e outros mamíferos73. A medida ótima da atividade simpática em humanos via microneurografia pode evitar dados enganosos e conclusões incorretas relacionadas à eficácia do procedimento para um grupo específico de pacientes. Futuros ensaios clínicos que adotem protocolos padronizados para a medição da atividade simpática em pacientes submetidos a denervação simpática renal são necessários para o estabelecimento final do papel desse procedimento na hipertensão resistente a medicamentos.