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Depressão, ansiedade e psicopatia: um estudo correlacional com indivíduos privados de liberdade

Depressão, ansiedade e psicopatia: um estudo correlacional com indivíduos privados de liberdade

Autores:

Fernanda de Vargas,
Fernanda Xavier Hoffmeister,
Priscila Flores Prates,
Silvio José Lemos Vasconcellos

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Psiquiatria

versão impressa ISSN 0047-2085versão On-line ISSN 1982-0208

J. bras. psiquiatr. vol.64 no.4 Rio de Janeiro out./dez. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/0047-2085000000088

ABSTRACT

Objective

Evaluate the levels of correlation between depression, anxiety and psychopathy in 25 prisoners in a city of Rio Grande do Sul.

Methods

To collect the data, we used Beck Depression Inventory and Beck Anxiety Inventory as well as the Hare Psychopathy Scale. The interviews were conducted individually in a prison house.

Results

We found statistically significant correlation between depression and anxiety, and the total score of psychopathy was not correlated with anxiety, only with depression. On the other hand, the factor 2 of the scale, related to the behavioral aspect of the disorder, correlated with anxiety and depression.

Conclusion

Although some data were consistent with the literature, this research has shown results which were not obtained in previous studies. Thus, it highlights the need for further studies in the area.

Key words: Depression; anxiety; psychopathy; prisoners

INTRODUÇÃO

As alterações no humor são comuns na maioria dos sujeitos. Contudo, quando existem frequência e intensidade que possam resultar em sofrimento e prejuízos pessoais e sociais, essas alterações podem ser consideradas patológicas1. Dessa forma, os transtornos depressivos podem implicar significativos prejuízos no funcionamento do sujeito, entre eles diminuição da autoestima e desesperança2,3. Esses transtornos são considerados um problema de saúde pública de acordo com variáveis como diminuição de tempo de trabalho, diminuição da qualidade de vida, custos referentes à assistência médica, implicações na família, entre outras4-6.

Já os transtornos de ansiedade caracterizam-se pelas sensações de medo e ansiedade excessiva e perturbação comportamental. O que diferencia os transtornos de ansiedade do medo e da ansiedade adaptativos e necessários à sobrevivência é a intensidade, pois são sentimentos excessivos e persistem além do período apropriado ao nível de desenvolvimento humano. Sendo assim, sinalizam, da mesma forma que os transtornos depressivos, prejuízos pessoais e sociais para os indivíduos7.

Embora poucos estudos investiguem os transtornos depressivos e os transtornos de ansiedade em homens e em populações minoritárias como a de indivíduos em situação de aprisionamento8, diversos fatores presentes no contexto carcerário reforçam a hipótese de que essa população apresenta índice elevado de sintomas depressivos. Fatores como privação do convívio social, privação de liberdade, estrutura rígida e de controle sobre os sujeitos, mudança de ambiente e situações de tensão poderiam contribuir para a incidência de transtornos de ansiedade e transtornos depressivos5.

Por conseguinte, torna-se relevante realizar um estudo que consiga avaliar esses transtornos e suas implicações. Nesse sentido, justifica-se a realização de um estudo que busque investigar também a associação entre os transtornos depressivos e de ansiedade com a psicopatia, já que estudos atuais evidenciam uma associação entre algumas características da psicopatia e o suicídio9,10.

A literatura da área destaca, ainda, a associação entre psicopatia e baixa ansiedade, ou seja, psicopatas possuem déficits em respostas emocionais relacionadas à ansiedade, diferentemente de indivíduos sem o transtorno11-13. Nesse sentido, um dos modelos que busca explicar essa fraca associação é o modelo dual-déficit, que sugere que indivíduos com o transtorno psicopático, quando colocados em situações de risco, apresentam baixa ansiedade social devido a um funcionamento deficitário no behavioral inhibition system (BIS). Essa compreensão coaduna-se com pressupostos da Psicologia Evolucionista, uma vez que níveis mais baixos de ansiedade poderiam contribuir para uma maior manifestação de dominância nos nichos sociais nos quais a espécie se desenvolveu14.

O presente estudo objetivou investigar se existe correlação entre sintomas depressivos, sintomas ansiosos e psicopatia entre apenados que cumprem pena em regime fechado, em uma instituição prisional de um município do Rio Grande do Sul. Acredita-se que os resultados podem auxiliar no que se refere à proposta de colaborar com o trabalho dos profissionais que atuam nesses locais, possibilitando, assim, intervenções precoces e tratamentos adequados a essa população.

MÉTODOS

A presente pesquisa caracteriza-se como transversal e quantitativa; a pesquisa quantitativa permite testar teorias objetivas, examinando a relação de variáveis. Essas variáveis podem ser medidas por meio de instrumentos, possibilitando a análise dos dados numéricos mediante procedimentos estatísticos15. O estudo transversal é caracterizado pela limitação do tempo, ou seja, a coleta dos dados é realizada em determinado momento, sem se prolongar por longo período16.

Participaram da pesquisa 25 apenados, maiores de 18 anos, do sexo masculino, que cumprem pena em regime fechado em uma penitenciária de um município do estado do Rio Grande do Sul. A média de idade foi de 33,4 (DP = 8,9). Identificou-se que a maioria dos apenados, 18 deles, apresentava baixa escolaridade (ensino fundamental incompleto), 15 eram solteiros e 10 já haviam se envolvido em mais de três crimes. Ainda sobre a questão jurídica dos apenados, identificou-se que 18 deles eram reincidentes, e somente sete eram réus primários.

Nenhum dos participantes estava em processo de avaliação para progressão de pena durante a realização da coleta de dados, nem apresentou sintomas psicóticos, de acordo com testagem específica. Eram sujeitos alfabetizados, de forma que conseguiram ler e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

De acordo com os objetivos do estudo, foram aplicados os instrumentos:

Mini-International Neuropsychiatric Interview (MINI-Plus): questionário breve, compatível com os critérios do DSM-III/IV e da CID-10, que se configura como uma entrevista diagnóstica para transtornos mentais, sendo organizada por módulos independentes. Nesse estudo, foi aplicado o Módulo Transtornos Psicóticos para a verificação de presença dos sintomas ou não17.

– Escala Hare (Hare Psychopathy Checklist-Revised – PCL-R): desenvolvida para avaliação da psicopatia em contexto carcerário. O instrumento consiste em uma entrevista semiestruturada com o participante, mensurando características afetivas, interpessoais e comportamentais. Configura-se como uma escala psicométrica composta por 20 itens pontuados por meio de uma escala ordinal de três pontos (0 – ausente; 1 – parcialmente presente; 2 – presente), considerando, para tanto, o grau com que o comportamento e a personalidade do avaliando se equiparam à descrição apresentada no manual18,19.

– Escala Beck de Depressão (BDI): escala de autorrelato, a qual inclui alternativas que descrevem como o indivíduo está se sentindo no dia da administração do instrumento e, também, na última semana, para que possam ser percebidos traços mais persistentes. Contém 21 itens, cada um com quatro alternativas, de acordo com graus crescentes dos sintomas de depressão20.

– Escala Beck de Ansiedade (BAI): escala de autorrelato, constituída por 21 itens que apresentam afirmações que descrevem sintomas de ansiedade. O sujeito responde em relação à presença de cada sintoma: absolutamente não, levemente, moderadamente, gravemente, constituindo, assim, uma série escalar de 0 a 3 pontos20.

Salienta-se que foi realizada consulta à equipe técnica da instituição citada (assistentes sociais, psicólogas e advogado), bem como as triagens/prontuários dos apenados, com intuito de verificar algumas informações. A consulta aos prontuários foi realizada com o objetivo de verificar a situação jurídica dos participantes, ou seja, foram coletadas informações como delito, presença ou não de regressão de pena, reincidência criminal e data prevista para a progressão de pena.

A consulta às psicólogas deu-se com intuito de verificar se os níveis de depressão e ansiedade encontrados nos instrumentos também eram observados nas interações clínicas dos apenados que recebiam atendimento psicológico na penitenciária. No que se refere à Escala Hare, a consulta foi realizada tanto com as psicólogas quanto com as assistentes sociais e o advogado, pois o próprio instrumento prevê a coleta de informações colaterais de diferentes fontes, como familiares, equipe institucional e prontuários18,19. Para a realização da referida pesquisa, o projeto foi submetido à entidade responsável pelas casas prisionais do estado do Rio Grande do Sul, que autorizou a realização da coleta de dados nas dependências da penitenciária. Posteriormente, o projeto foi enviado e aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade à qual os pesquisadores estão vinculados. Como a pesquisa envolveu seres humanos, ela respeitou os preceitos que norteiam tais estudos, conforme descrito nas Diretrizes e Normas Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos (Resolução nº 466/12 do Conselho Nacional de Saúde)21.

Somente após a aprovação do Comitê de Ética (Parecer nº 718.898), foi realizado contato com a direção da referida casa prisional para combinar horários e procedimentos a serem adotados durante a pesquisa. Dessa forma, com auxílio do advogado da instituição, foi realizada uma primeira triagem, de acordo com os critérios de inclusão/exclusão, para a seleção dos participantes. Em um segundo momento, os apenados selecionados foram chamados individualmente e, a eles, foram explicados todos os preceitos éticos que envolviam a pesquisa, bem como seus objetivos, além da leitura do TCLE.

Aqueles que aceitaram participar assinaram o termo e, então, a coleta iniciou-se.

A aplicação dos instrumentos durou em média 90 minutos e ocorreu nas dependências da penitenciária. Esse procedimento foi realizado até ser alcançado o número de 25 participantes. Para a realização da análise dos dados, foi utilizada estatística descritiva. Após a realização do Teste de Normalidade (Kolmogorov-Smirnov Test), optou-se por utilizar a correlação de Pearson.

RESULTADOS

No que concerne à pontuação nas Escalas Beck e na Escala Hare, e a respeito da pontuação nos fatores 1 e 2 do PCL-R, a tabela 1 apresenta os principais resultados. Salienta-se que, em relação especificamente aos fatores do PCL-R, foi utilizada a estrutura de dois fatores. Nesse modelo, o fator 1 representa os sintomas emocionais e interpessoais do transtorno, e o fator 2 está relacionado aos sintomas do desvio social desses indivíduos, seu estilo de vida22.

Tabela 1 Médias das pontuações nos instrumentos e consistência interna 

Escalas M (n = 25) DP Alpha de Cronbach
BDI 12,7 8,8 0,82
BAI 7,7 7,4 0,84
PCL-R 18,6 8,1 0,89

M: média; DP: desvio-padrão.

Referente à presença de sintomas de psicopatia, a pesquisa possibilitou identificar quatro apenados com sintomas do transtorno, considerando pontuação 30 para o ponto de corte do PCL-R18. Ao analisar a tabela 2, observa-se que o nível mínimo para sintomas depressivos é mais frequente entre os participantes, seguido do nível leve, moderado; somente um participante apresentou o maior nível (grave). No que se refere às frequências na escala de transtornos de ansiedade, observa-se, da mesma forma, maior número de sujeitos com nível mínimo, entretanto nenhum apresentou nível grave.

Tabela 2 Número de participantes em cada nível de sintomas nas Escalas Beck 

Nível BDI BAI
Mínimo 13 18
Leve 09 04
Moderado 02 03
Grave 01 00
Total 25 25

Fonte: Dados coletados pelos autores.

A respeito das manifestações relacionadas aos quadros e seu tratamento, dentro da instituição onde a pesquisa foi realizada, destaca-se que, após consulta à equipe técnica, se verificou que, dos 25 participantes, 17 não estavam tendo acompanhamento psicológico no período em que a pesquisa foi realizada. Dos oito sujeitos que eram acompanhados por psicólogas, quatro apresentavam sintomas depressivos ou ansiosos, de acordo com as psicólogas responsáveis pelos atendimentos. Os demais recebiam atendimentos por outras demandas. Desses pacientes identificados com sintomas, dois apresentaram sintomas depressivos durante a entrevista, e um deles apresentou sintomas ansiosos em nível moderado. A partir das correlações realizadas, observou-se uma correlação positiva, estatisticamente significativa, entre sintomas depressivos e ansiosos. O presente estudo também encontrou correlação positiva, estatisticamente significativa, entre os escores totais de psicopatia e de transtorno depressivo. A correlação entre transtornos de ansiedade e psicopatia foi fraca e sem significância.

É possível observar na tabela 3 que os escores totais do BDI e BAI não se correlacionaram de forma significativa com os escores referentes ao fator 1 da Escala Hare. No entanto, os escores do fator 2 da Escala Hare apresentaram correlação estatisticamente significativa com os escores das escalas que avaliam sintomas de transtornos depressivos e sintomas de transtornos ansiosos. Não houve correlação significativa entre o fator e os sintomas de depressão quando controlada a variável ansiedade (r = 0,32; p > 0,05), não havendo também correlação significativa entre o citado fator e os sintomas de ansiedade quando controlada a variável depressão (r = -0,13; P > 0,05).

Tabela 3 Correlações dos escores nos instrumentos 

BDI BAI
BDI 0,689**
PCL-R 0,447* 0,256
Fator 1 0,239 0,100
Fator 2 0,594** 0,428*

* p < 0,05; ** p < 0,01.

DISCUSSÃO

No que se refere ao diagnóstico de psicopatia, os resultados citados no presente estudo concordam com a literatura científica relacionada à temática. De acordo com Patrick23, no contexto carcerário, estima-se um percentual de 15% a 25% de diagnósticos do transtorno. Uma pesquisa internacional que ratifica esses achados encontrou um percentual de 20,5% de psicopatia entre os participantes31.

Os resultados do presente estudo não demonstraram um número significativo de participantes com sintomas depressivos, nem com sintomas de ansiedade nesse mesmo contexto. Esses resultados se assemelham muito aos encontrados na pesquisa de Araújo et al.8, a qual investigou a ocorrência de transtornos depressivos e transtornos de ansiedade em 60 presidiários. Os autores encontraram baixos níveis dos transtornos entre os participantes.

Por outro lado, a pesquisa de Tavares et al.24 encontrou um índice significativo de presidiários com transtorno depressivo maior (63%). Outra pesquisa que vai ao encontro desse resultado é a de Perez et al.25, realizada com 34 indivíduos encarcerados na Colômbia, que encontrou dados indicativos de alta prevalência de sintomas depressivos em população carcerária (56% de indivíduos evidenciando a presença de sintomas moderados a severos). Outro estudo internacional que corrobora esses achados é o de Stinson et al.26. As autoras aplicaram instrumentos para verificação dos sintomas depressivos e ansiosos em 68 criminosos sexuais e encontraram um percentual de 35% de participantes com sintomas depressivos clinicamente significativos e 22% de criminosos com sintomas de ansiedade.

Gardner e Bell27 assinalam que os sintomas dos transtornos de ansiedade e dos transtornos depressivos podem aparecer em circunstâncias reais de ameaça, como também em outros momentos, estando relacionados a alterações ambientais, como mudanças econômicas e sociais. No entanto, a partir dos resultados do presente estudo, é possível inferir que os fatores de risco apresentados na literatura parecem não ser determinantes para o desenvolvimento de transtornos depressivos e ansiosos nessa população, e sim a forma como esses indivíduos interpretam os acontecimentos/eventos de sua vida.

Essa afirmação equivale a dizer que, embora exista influência do meio, o fator que mantém o transtorno começa no indivíduo, ou seja, na sua forma distorcida de perceber a si próprio, o ambiente e o futuro. Essa postulação vai ao encontro da teoria de Aaron Beck, que afirmou que, na infância, são desenvolvidos esquemas cognitivos (distorções cognitivas e pensamentos automáticos), que poderiam predispor o indivíduo a interpretar de forma negativa os eventos vivenciados em seu cotidiano28.

Conforme Fonseca29, é alta a probabilidade de identificar, em penitenciárias, sujeitos com transtornos mentais que não recebem acompanhamento adequado, mesmo que antes da situação de privação e liberdade esses sujeitos tenham realizado algum tratamento para transtornos depressivos, ansiosos, entre outros. Assim, ressalta-se a importância do atendimento psicológico dentro de contextos prisionais.

Acerca da associação encontrada entre sintomas depressivos e ansiosos, uma pesquisa realizada pela Associação de Transtornos de Ansiedade da América30 mostrou que 50% dos pacientes que foram diagnosticados com transtornos de ansiedade também foram diagnosticados com transtornos depressivos. Embora sejam distúrbios diferentes, os sintomas podem aparecer de forma conjunta. Nesse sentido, outros estudos confirmam esses achados, encontrando forte relação entre os sintomas dos transtornos31,32.

O trabalho de Torkelsen e Myklebust33 não encontrou associação entre psicopatia e transtornos depressivos nem entre psicopatia e transtornos de ansiedade em uma população de detentos, embora os autores tenham utilizado outras escalas para investigar a associação entre o transtorno psicopático e afetividade negativa. Por outro lado, a pesquisa de Stinson et al.26 evidenciou que 26,5% dos participantes apresentavam psicopatia e também características depressivas, assim como 15% dessa mesma população investigada apresentaram psicopatia e sintomas consistentes com um diagnóstico de transtorno de ansiedade.

O presente trabalho, considerando o tamanho da amostra investigada, a sua heterogeneidade e os instrumentos utilizados, não objetivou testar o assim chamado “dual deficit model” no que se refere à etiologia da psicopatia. Entretanto, o controle da variável ansiedade realizado a partir de uma análise complementar sugere que, em estudos mais amplos, pode ser adequado considerar uma menor manifestação de sintomas ansiosos em quadros de psicopatia propriamente ditos, considerando, para tanto, outras comorbidades. Faz-se necessário, nesse caso, mensurar manifestações de ansiedade diretamente relacionadas a traços da personalidade, com base na utilização de instrumentos elaborados e validados para esse fim. O presente estudo mensurou ansiedade utilizando um instrumento capaz de identificar sintomas mais recorrentes, porém não necessariamente atrelados a tendências comportamentais específicas que perfazem a personalidade.

De outro modo, a respeito da correlação entre fator 2 e sintomas depressivos e ansiosos, encontrada nesse trabalho, a pesquisa de Stinson et al.26 obteve resultados bastante semelhantes. As autoras investigaram a correlação entre os transtornos e descobriram que indivíduos que apresentaram sintomas mais recorrentes vinculados a transtorno de humor pontuavam mais no fator 2 do que no fator 1 da Escala Hare. Uma das hipóteses que se apresenta com base nos resultados obtidos é a de que tal relação sintomática pode ser identificada em níveis mais moderados, ainda que socialmente problemáticos, no que se refere à manifestação de comportamentos antissociais medidos pela Escala Hare. Dito de outro modo, é importante ressaltar que a amostra para o presente estudo foi composta por um número significativamente maior de indivíduos que não obtiveram pontuação suficiente para o diagnóstico de psicopatia. Esse fato demanda maior relativização no que se refere à possibilidade de comparação com trabalhos anteriores. Ao mesmo tempo, tais achados são, por si só, sugestivos quanto à necessidade de trabalhos mais amplos no Brasil, valendo-se de outros instrumentos ou mesmo de uma análise de classes latentes no que se refere à psicopatia, permitindo uma melhor investigação sobre a relação desta com diferentes transtornos de humor. Apesar dos resultados encontrados, Sareen et al.34 destacam que os profissionais que atuam na elaboração de políticas em saúde precisam considerar a coocorrência de transtornos de ansiedade e comportamentos antissociais. Essa relação não está circunscrita à manifestação da psicopatia, mas a uma série de tendências antissociais no sentido mais amplo da expressão.

CONCLUSÕES

Os achados deste trabalho permitiram observar que, embora alguns dados tenham sido concordantes com a literatura, por exemplo, a correlação entre sintomas depressivos e ansiosos, e a associação entre sintomas ansiosos e sintomas depressivos com o fator 2 da Escala Hare, os dados referentes a sintomas ansiosos e transtorno psicopático vão de encontro ao que a maior parte da literatura descreve. Além disso, ainda são poucos os estudos que encontram correlação entre transtorno psicopático e transtornos depressivos, não encontrando associação com sintomas ansiosos, como foi o caso desta pesquisa.

É necessário, ainda, destacar as limitações do estudo; uma dessas limitações diz respeito ao tamanho da amostra. Acredita-se que um número maior de participantes poderia resultar em dados mais consistentes. Outra limitação encontrada foi em relação aos instrumentos utilizados. Quanto às limitações das Escalas Beck (BDI e BAI), infere-se que, por não serem instrumentos de diagnóstico, somente foi possível oferecer especulações acerca dos sintomas afetivos em psicopatas, salientando-se, então, a importância da utilização de instrumentos que averiguassem profundamente a presença desses sintomas na população estudada. Além disso, utilizou-se o modelo de dois fatores do PCL-R, considerando que ele é condizente com as adaptações do instrumento feitas para a realidade brasileira, porém não mais com os novos estudos fatoriais com essa escala22.

Como principais contribuições, acredita-se que a presente pesquisa demonstra a importância de serem realizados mais estudos na área, a fim de possibilitar mais discussões sobre uma temática ainda pouco discutida no Brasil. Considera-se, ainda, que os resultados podem fomentar a realização de pesquisas com outros instrumentos e outras populações, oferecendo, assim, uma maior diversidade metodológica.

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