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Depressão, ansiedade, estresse e motivação em fumantes durante o tratamento para a cessação do tabagismo

Depressão, ansiedade, estresse e motivação em fumantes durante o tratamento para a cessação do tabagismo

Autores:

Maritza Muzzi Cardozo Pawlina,
Regina de Cássia Rondina,
Mariano Martinez Espinosa,
Clóvis Botelho

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.41 no.5 São Paulo set./out. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/S1806-37132015000004527

INTRODUÇÃO

O tabagismo é agora considerado uma doença crônica causada pela dependência da nicotina e é um dos principais fatores de risco de diversas doenças. A exposição à fumaça do tabaco, por meio do consumo direto de tabaco ou de seus derivados ou no ambiente (tabagismo passivo), causa cerca de 6 milhões de mortes por ano e é considerada um problema mundial de saúde. (1) Apesar da alta prevalência do tabagismo em alguns países, tem havido uma diminuição global do número de fumantes nas últimas décadas, possivelmente em virtude da implantação de certas políticas públicas e do aumento do acesso à prevenção e ao tratamento do tabagismo. Foram relatadas reduções anuais da prevalência do tabagismo: 0,6% no Japão; 0,7% nos Estados Unidos e 0,8% no Reino Unido. No Brasil, a prevalência do tabagismo caiu de 32% em 1989 para 17,1% em 2008, o que representa uma redução de 0,78% por ano.(2)

Apesar dos avanços gerais no controle do tabagismo, as elevadas taxas de fracasso do tratamento em programas de cessação do tabagismo são motivo de preocupação. (3) Dentre os diversos fatores complicadores estão os altos níveis de ansiedade, depressão e estresse e o baixo nível de motivação para a mudança nos pacientes que procuram tratamento por meio de programas de cessação do tabagismo.(3-5) A maioria das formas de tratamento do tabagismo atualmente disponíveis tem alguns pontos fracos, e os pesquisadores vêm buscando novas abordagens a fim de melhorar as taxas de sucesso de programas de cessação do tabagismo.

Consensos e diretrizes a respeito de intervenções para a cessação do tabagismo sugerem que a combinação de apoio psicológico com o uso de farmacoterapia de primeira linha (terapia de substituição de nicotina, bupropiona ou vareniclina) aumenta as chances de sucesso do tratamento. (3) A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma intervenção psicológica importante para o tratamento da dependência de nicotina em si e desempenha um papel fundamental no sucesso do tratamento de fumantes e da reestruturação de suas vidas.(6)

Os fumantes que decidem parar de fumar, mas não conseguem fazê-lo por conta própria são os que procuram os serviços de saúde para tratamento. Apenas 3% deles conseguem parar de fumar sem o auxílio de TCC e medicação, e há sempre uma proporção significativa de pacientes que sofrem recaídas.(3) Para os fumantes que procuram tratamento em centros especializados, o processo de cessação é árduo, especialmente ao lidar com a ambivalência relativa à dependência da nicotina. Eles estão cientes do mal que o tabagismo causa, mas continuam a fumar por causa de sua grande dependência da droga.(3)

Alguns pacientes conseguem parar de fumar com pouquíssimo sofrimento, ao passo que outros tentam várias vezes e não conseguem parar. Provavelmente, certas características individuais, tais como aquelas relacionadas com o estado psicológico do paciente, sejam responsáveis por esses diferentes perfis. É possível que haja mudanças nos níveis de ansiedade, depressão, motivação para a mudança, e estresse dos pacientes durante o processo de cessação do tabagismo. (5) Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar a influência das intervenções comumente empregadas (medicamentos e TCC) sobre fatores que, segundo se acredita, tornam a cessação do tabagismo mais difícil.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de coorte no qual os pacientes avaliados tinham mais de 18 anos de idade e espontaneamente procuraram o programa de cessação do tabagismo em um dos seguintes centros de saúde na cidade de Cuiabá (MT): o Centro de Saúde do Campo Velho; o Hospital Universitário Júlio Müller; a Policlínica do Coxipó e a Policlínica do Planalto. Todos os fumantes que se inscreveram em um desses programas entre maio e agosto de 2012 foram convidados a participar deste estudo.

Inicialmente concordaram em participar do estudo 216 fumantes. Desses 216 fumantes, 74 (34,26%) abandonaram o programa antes do término dos seis meses de duração do estudo e 142 (65,74%) completaram o tratamento nesse período e, portanto, constituíram a população do estudo. Como mostra a Figura 1, os pacientes foram avaliados em três momentos diferentes: a avaliação inicial (no momento da inclusão no estudo), denominada avaliação 1 (A1), a avaliação realizada no meio do tratamento (após 45 dias de tratamento com medicamento e TCC), denominada avaliação 2 (A2), e a avaliação realizada no fim dos seis meses de duração do estudo, denominada avaliação 3 (A3).

Figura 1 Número de pacientes participantes de sessões de terapia cognitivo-comportamental (TCC) ao longo de um programa de seis meses de tratamento para a cessação do tabagismo na cidade de Cuiabá (MT) Brasil, 2013. A1: avaliação inicial (basal); A2: avaliação no meio do tratamento (após 45 dias de tratamento com medicação e TCC); e A3: avaliação final (no fim do período de tratamento). 

Durante a entrevista inicial, os pacientes foram avaliados pelo médico responsável pelo programa e, em seguida, receberam a medicação apropriada. Foram também submetidos a uma avaliação psicológica inicial realizada pelo pesquisador principal (uma psicóloga), que aplicou os diversos instrumentos psicométricos, aconselhou os pacientes em relação ao plano de tratamento proposto e agendou a primeira sessão de TCC.

Após a coleta de dados na A1, os pacientes foram convidados a participar de quatro sessões semanais de 90 min de TCC em grupo (com 10-15 pacientes por sessão). Como recomendado,(7) foi oferecida aos pacientes a opção de participar de cinco sessões de acompanhamento, 15, 30, 60, 90 e 180 dias após as quatro semanas iniciais de tratamento.

Os instrumentos empregados foram os seguintes:

  • um questionário padronizado, em duas partes: Parte I - perfil sociodemográfico; Parte II - tabagismo, incluindo dados relativos à carga tabágica, número de cigarros fumados por dia e idade de início do hábito de fumar

  • o Fagerström Test for Nicotine Dependence (FTND, Teste de Fagerström para Dependência de Nicotina)(8,9); pacientes com pontuação acima da média foram considerados altamente dependentes de nicotina

  • a escala University of Rhode Island Change Assessment (URICA),(10,11) que é usada para avaliar os pacientes quanto ao nível de motivação para mudar (estágio de mudança), classificado no presente estudo em estágio de pré-contemplação/contemplação e de preparação/ação

  • Beck Anxiety Inventory (BAI, Inventário de Ansiedade de Beck),(12,13) que consiste em uma lista de 21 sintomas comuns característicos de ansiedade, classificada em mínima/leve e moderada/grave no presente estudo

  • Beck Depression Inventory (BDI, Inventário de Depressão de Beck),(13,14) que compreende 21 itens pontuados em uma escala de quatro pontos; uma pontuação de 0-3 corresponde a graus crescentes de depressão, classificada em mínima/leve e moderada/grave no presente estudo

  • o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL),(15) elaborado para uso no Brasil, que (com base em sintomas físicos e psicológicos) identifica o estresse e o divide em fases (alerta, resistência, quase exaustão e exaustão); no presente estudo, os pacientes foram dicotomizados em dois grupos, isto é, o grupo de pacientes com estresse e o grupo de pacientes sem estresse

Na segunda e terceira avaliações (fases 2 e 3, respectivamente), os mesmos instrumentos psicométricos (URICA, BAI, BDI e ISSL) foram novamente aplicados.

O FTND, a escala URICA, o BAI e o BDI foram todos traduzidos para o português e validados para uso no Brasil.(9,11,13) Embora a escala URICA tenha sido validada em usuários de drogas ilícitas,(11) também pode ser considerada válida para fumantes no Brasil.

Os dados foram verificados e duplamente digitados no programa EpiData, versão 3.1 (EpiData Association, Odense, Dinamarca). Em seguida, foram analisados nos programas estatísticos STATA, versão 13.0 (StataCorp LP, College Station, TX, EUA) e Statistical Package for the Social Sciences, versão 17.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). Os dados foram inicialmente analisados de forma descritiva, com medidas de posição e variação (média, mediana e desvio-padrão), bem como com gráficos do tipo box plot. Em seguida, uma análise inferencial foi realizada, e a distribuição dos dados foi observada. Para as variáveis contínuas sem distribuição normal, foram usados testes não paramétricos (como o teste de Wilcoxon, por exemplo) para fazer comparações pareadas. O teste de Wilcoxon para amostras pareadas foi usado a fim de determinar se as medidas da posição de duas amostras eram iguais, caso as amostras fossem dependentes. (16) Em todas as comparações, foi adotado um nível de significância de 0,05 (p < 0,05). Para comparar a falha do tratamento com o sucesso do tratamento (cessação do tabagismo), foi realizada uma análise inferencial dos dados, comparando duas proporções (quando a distribuição era normal) e calculando os respectivos intervalos de confiança de 95%. Para determinar a magnitude da diferença entre duas proporções, foi usado o teste de duas proporções, com um nível de significância de 0,05 (a < 0,05).(17,18)

Este estudo foi avaliado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller (Protocolo nº 0106612.6.0000.5541 e 19548). Todos os pacientes participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

RESULTADOS

Todos os participantes foram tratados com o mesmo protocolo: terapia de substituição de nicotina, bupropiona e TCC. Dentre os que completaram o protocolo de seis meses de tratamento, a taxa de sucesso do tratamento foi de 57,04%.

Dos 142 participantes do estudo, 100 (70,42%) eram do sexo feminino; 90 dos participantes (63,38%) tinham entre 40 e 59 anos de idade; 79 (55,63%) não tinham parceiro fixo; 127 (89,44%) tinham filhos; 101 (71,13%) tinham mais de 8 anos de escolaridade e 81 (57,04%) estavam empregados. No tocante à renda familiar mensal, 66 (46,48%) dos participantes ganhavam menos de três salários mínimos por mês; no momento da entrevista, o salário mínimo nacional era de R$ 622,00. Dos 142 pacientes avaliados, 114 (80,28%) fumavam há 20 anos ou mais; 56 (39,44%) fumavam de 11-20 cigarros/dia e 98 (69,01%) obtiveram pontuação ≥ 6 no FTND (indicando dependência de nicotina elevada ou muito elevada).

Dos 142 pacientes que completaram o protocolo de seis meses de tratamento, 81 (57,04%) conseguiram parar de fumar. Desses 81 pacientes, 53 (65,4%) escolheram parar abruptamente.

A Figura 2 mostra a distribuição dos pacientes de acordo com o estágio de mudança (baseado na pontuação obtida na escala URICA) nos três momentos de avaliação. Na A1, 20,42% da amostra (29 pacientes) estavam nos estágios de preparação/ação, e essa proporção havia aumentado para 82,39% (117 pacientes) na A3. Além disso, a proporção de pacientes com pontuação na escala URICA indicativa dos estágios de pré-contemplação/contemplação foi significativamente menor na A2 e na A3 do que na A1 (p < 0,001 para ambas), embora a diferença entre a A2 e a A3 não tenha sido significativa (p = 0,499).

Figura 2 Distribuição dos pacientes de acordo com o nível de motivação (estágio de mudança, baseado na pontuação obtida na escala University of Rhode Island Change Assessment) nos três momentos de avaliação durante um programa de seis meses de tratamento para a cessação do tabagismo na cidade de Cuiabá (MT) Brasil, 2013. 

Como mostra a Figura 3, a média da pontuação no BAI nas fases 1, 2 e 3 foi de 17,58 ± 11,44 (mediana de 16,00), 13,02 ± 10,22 (mediana de 11,00) e 12,61 ± 10,75 (mediana de 10,00), respectivamente. Em comparação com a pontuação obtida no BAI na A1, a pontuação registrada na A2 e na A3 foi significativamente menor (p < 0,001 para ambas), embora não se tenha observado essa diferença entre a A2 e a A3.

Figura 3 Distribuição dos pacientes de acordo com o nível de ansiedade (baseado na pontuação obtida no Inventário de Ansiedade de Beck) nos três momentos de avaliação durante um programa de seis meses de tratamento para a cessação do tabagismo na cidade de Cuiabá (MT) Brasil, 2013. *Valor discrepante. 

A Figura 4 mostra a pontuação no BDI em todos os três momentos de avaliação. A média da pontuação no BDI na A1, na A2 e na A3 foi de 16,01 ± 9,99 (mediana de 14.00), 11,87 ± 9,13 (mediana de 10,00) e 10,55 ± 9,58 (mediana de 8,00), respectivamente. A pontuação foi significativamente menor na A2 e na A3 do que na A1 (p < 0,001 para ambas), além de ter sido significativamente menor na A3 do que na A2 (p = 0,003).

Figura 4 Distribuição dos pacientes de acordo com a gravidade da depressão (baseada na pontuação obtida no Inventário de Depressão de Beck) nos três momentos de avaliação durante um programa de seis meses de tratamento para a cessação do tabagismo na cidade de Cuiabá (MT) Brasil, 2013. *Valor discrepante. 

A Figura 5 mostra a distribuição dos pacientes agrupados de acordo com o nível de estresse (com estresse vs. sem estresse, com base na pontuação obtida no ISSL) nos três momentos de avaliação. Em comparação com a A1, a proporção de pacientes no grupo com estresse foi significativamente menor na A2 e na A3 (p = 0,002 e p = 0,025, respectivamente). No entanto, a diferença entre a A2 e a A3 não foi significativa (p = 0,662).

Figura 5 Distribuição dos pacientes de acordo com o nível de estresse (com ou sem estresse), baseado na pontuação obtida no Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL), nos três momentos de avaliação durante um programa de seis meses de tratamento para a cessação do tabagismo na cidade de Cuiabá (MT) Brasil, 2013. 

A Tabela 1 detalha as diferenças entre os pacientes que continuaram a fumar e aqueles que não o fizeram, ao longo do tratamento, divididos de acordo com o desfecho do tratamento (isto é, se o tratamento afinal teve ou não teve êxito), quanto ao nível de motivação para mudar (pontuação na escala URICA), nível de ansiedade (pontuação no BAI), gravidade da depressão (pontuação no BDI) e nível de estresse (pontuação no ISSL). Como se pode observar na tabela, a probabilidade de falha do tratamento era maior se os pacientes permanecessem nos estágios de preparação/ação até a A3 (p < 0,001; ΔURICA: −40,98), continuassem a apresentar ansiedade mínima/leve até a A3 (p = 0,0007; ΔBAI: −18,80) ou exibissem sintomas mínimos/leves de depressão na A2 (p = 0,0007; ΔBDI: −19,61) ou na A3 (p = 0,0007; ΔBDI: −17,99). No entanto, o nível de estresse (pontuação no ISSL) não teve um efeito estatisticamente significativo no desfecho do tratamento ou na propensão para a recaída dos fumantes ao longo do período de tratamento. Embora parar de fumar tenha aparentemente contribuído para as reduções significativas dos sintomas, o aumento absoluto das diferenças entre a A1 e as avaliações subsequentes indica que os efeitos das intervenções também foram significativos.

Tabela 1 Comparação entre os pacientes nos quais o tratamento para a cessação do tabagismo afinal teve êxito e aqueles nos quais o tratamento falhou, quanto aos níveis de motivação, ansiedade, depressão e estresse ao longo de seis meses de tratamento na cidade de Cuiabá (MT) Brasil, 2013.  

Variável Tempo Categoria Desfecho do tratamento Δ a p
Fracasso Sucesso
(dias) n % n %
Motivaçãob 0 Pré-contemplação/contemplação 52 85,24 61 75,31 −9,94 0,132
Preparação/ação 9 14,75 20 24,69
45 Pré-contemplação/contemplação 17 27,87 4 4,94 −22,93 < 0,001*
Preparação/ação 44 72,13 77 95,06
180 Pré-contemplação/contemplação 25 40,98 0 0,00 −40,98 < 0,001*
Preparação/ação 36 59,02 81 100
BAI 0 Moderada/grave 28 45,90 26 32,10 −13,80 0,093
Mínima/leve 33 54,10 55 67,90
45 Moderada/grave 19 31,15 12 14,81 −16,34 0,022
Mínima/leve 42 68,85 69 85,19
180 Moderada/grave 19 31,15 10 12,35 −18,80 0,007
Mínima/leve 42 68,85 71 87,65
BDI 0 Moderada/grave 22 36,07 21 25,92 −10,15 0,196
Mínima/leve 39 63,93 60 74,08
45 Moderada/grave 21 34,42 12 14,81 −19,61 0,007
Mínima/leve 40 65,58 69 85,19
180 Moderada/grave 17 27,87 8 9,88 −17,99 0,007
Mínima/leve 44 72,13 73 90,12
ISSL 0 Com estresse 42 68,85 51 62,96 −5,89 0,461
Sem estresse 19 31,15 30 37,04
45 Com estresse 36 59,02 39 48,15 −10,87 0,195
Sem estresse 25 40,98 42 51,85
180 Com estresse 38 62,30 38 46,91 −15,39 0,065
Sem estresse 23 37,70 43 53,09

BAI: Beck Anxiety Inventory (Inventário de Ansiedade de Beck); BDI: Beck Depression Inventory (Inventário de Depressão de Beck); e ISSL: Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp. aDiferença estimada entre proporções. bEstágio de mudança (nível de motivação para mudar), avaliado por meio da escala University of Rhode Island Change Assessment. *Teste exato de Fisher.

DISCUSSÃO

No presente estudo, observou-se que o número de pacientes que foram dos estágios de pré-contemplação/contemplação da mudança para os estágios de preparação/ação foi maior entre a A1 e a A2, período em que a TCC foi mais intensa (sessões semanais). Portanto, é possível que a TCC, e não a bupropiona, tenha sido responsável por essa mudança. Outros autores que avaliaram a eficácia da TCC no tratamento do tabagismo sugeriram o mesmo.(19)

Nossos achados servem para alertar os profissionais de saúde que inscrevem e tratam pacientes em programas de cessação para a necessidade de se concentrar na motivação do paciente, pois a maioria dos fumantes que procuram ajuda não está realmente pronta para deixar de fumar. O fortalecimento da motivação do paciente é essencial para incentivar mudanças de comportamento, e é fundamental se concentrar no comportamento ambivalente dos fumantes que querem parar de fumar, mas, ao mesmo tempo, se sentem incapazes de fazê-lo.(20) Portanto, sugere-se que os profissionais de saúde envolvidos na dinâmica do processo de cessação realizem uma entrevista motivacional, usando intervenções terapêuticas personalizadas para fumantes que estejam desmotivados ou despreparados e ambivalentes, incentivando-os a refletir sobre seu comportamento e a mudá-lo para que possam avançar para o estágio de ação. (21) Miller & Sanchez definiram seis elementos motivacionais que são essenciais para realizar tais mudanças: feedback (dar feedback); responsabilidade (ênfase na responsabilidade do paciente); conselho (aconselhamento direto para conseguir mudanças); menu (alternativas, opções e escolhas); empatia e autoeficácia (os pacientes devem acreditar em sua própria capacidade de mudar).(22) Isso está de acordo com o modelo transteórico de mudança de comportamento, cuja principal suposição é a de que mudanças autoiniciadas que têm êxito estão relacionadas com a aplicação das estratégias certas (isto é, dos processos certos) no momento certo (isto é, nos estágios certos).(23)

Outro achado importante do presente estudo foi a mudança da pontuação obtida no BAI ao longo do tratamento para a cessação do tabagismo (redução da A1 para a A2 e da A1 para a A3). Há poucos estudos sobre mudanças no nível de ansiedade em fumantes durante o processo de cessação, o que dificulta a comparação de nossos resultados com os de outros autores. Embora um estudo tenha relatado uma redução semelhante na ansiedade do paciente durante a cessação do tabagismo, o estudo em questão envolveu apenas um paciente.(24) Além disso, verificou-se que a diferença entre os pacientes que conseguiram parar de fumar e aqueles que não o fizeram, quanto ao nível de ansiedade, foi maior na A3 do que na A1. Outros estudos com pacientes em programas de cessação do tabagismo mostraram que os níveis de ansiedade pós-tratamento são mais baixos naqueles que conseguiram parar de fumar do que naqueles que continuaram a fumar.(25-27) Por outro lado, outro estudo mostrou que a cessação do tabagismo resulta em um aumento do nível de ansiedade do paciente. (28) A relação entre tabagismo e ansiedade é bastante complexa. Em comparação com a população geral, indivíduos com transtornos de ansiedade são duas vezes mais propensos a fumar, e esses transtornos são mais comuns em fumantes do que em não fumantes.(4,29) Um dos motivos dessa associação é que o tabagismo pode ser uma forma de automedicação para tratar sintomas de ansiedade, pois a nicotina reduz as emoções negativas e é ansiolítica.(30,31) Além disso, fumantes ansiosos têm mais dificuldade em abandonar sua dependência e apresentam, portanto, elevadas taxas de recaída e falha do tratamento.(4,29,30) A ansiedade pode ser definida como um estado emocional, com componentes psicológicos e fisiológicos, que faz parte do espectro normal da experiência humana e motiva o desempenho. Pode ser patológica quando é desproporcional à situação que a desencadeia ou quando é voltada para algo ou alguém que não exista.(32) Portanto, é importante lembrar-se do papel que a ansiedade desempenha em fumantes durante o processo de cessação do tabagismo e tentar ajudá-los a superar esses sintomas.

Tal como aconteceu com a ansiedade dos pacientes no presente estudo, a gravidade da depressão, quantificada pela pontuação obtida no BDI, foi menor após o tratamento do tabagismo. Esse desfecho é provavelmente atribuível aos efeitos combinados do tratamento farmacológico (com bupropiona, que é um antidepressivo) e da TCC. O tratamento farmacológico funciona como adjuvante à abordagem comportamental no estágio durante o qual os fumantes apresentam sintomas da síndrome de abstinência, pois facilita a abordagem aos pacientes, que foram gradualmente incentivados e aconselhados a lidar com sua dependência e a tentar quebrar as associações condicionadas estabelecidas com o cigarro.(5) Pesquisas mostram que parar de fumar não aumenta o risco de apresentar um problema de saúde mental,(25,27,33) o que apoia nosso achado de que, no decorrer do tratamento, a pontuação obtida no BDI foi menor nos pacientes nos quais o tratamento afinal teve êxito. A categoria ampla de depressão inclui diversos transtornos, tais como transtorno depressivo maior, distimia e depressão bipolar. Embora a comorbidade entre tabagismo e depressão tenha sido documentada, os mecanismos dessa associação são controversos, pois fatores biológicos, psicológicos e sociais poderiam ser fatores contribuintes.(34) No entanto, há fortes evidências de comorbidade entre o tabagismo e transtornos depressivos, e muitos dos indivíduos que sofrem de depressão usam a nicotina para aliviar seus sintomas.(30,34)

Verificou-se que, assim como os de ansiedade e depressão, o nível de estresse também diminuiu significativamente ao longo do tratamento para a cessação do tabagismo. Aparentemente, após a fase inicial do processo de cessação, quando os sintomas de abstinência são mais pronunciados, os níveis de estresse do paciente podem ser reduzidos. Sabe-se que a prevalência de estresse é maior em fumantes do que em não fumantes.(35) Os fumantes alegam que fumar é relaxante e alivia o estresse. Segundo relatos, é uma das principais razões para fumar, pois o tabagismo é considerado um verdadeiro anestésico para sentimentos e conflitos emocionais.(36) Paradoxalmente, embora os fumantes relatem que fumar os ajuda a relaxar, os níveis de estresse são maiores em fumantes do que em não fumantes. Além disso, a dependência da nicotina aumenta o estresse, e o aparente efeito relaxante do tabagismo é rápido e transiente, refletindo apenas o nível de circulação da droga. Logo depois de fumar (quando a nicotina foi metabolizada), a tensão e a irritabilidade retornam, fazendo com que os fumantes sintam a necessidade de tornar a consumir a droga para que se sintam relaxados novamente.(35) No entanto, apesar do aumento dos níveis de estresse no período inicial do processo de cessação, os pacientes tornam-se menos estressados após 14 dias de abstinência.(37) Ao longo do presente estudo, observou-se um aumento absoluto das diferenças entre os pacientes nos quais o tratamento afinal teve êxito e aqueles nos quais o tratamento falhou, no tocante ao nível de estresse, embora a associação não tenha sido estatisticamente significativa.

A limitação mais importante de nosso estudo é a falta de dados sobre as contribuições proporcionais da terapia medicamentosa e da TCC para os resultados obtidos. São justificáveis mais estudos, com grupos de controle para determinar os efeitos que as diferentes formas de intervenção têm nas variáveis estudadas aqui.

Podemos conjeturar que a TCC desempenhou um papel importante em nossos resultados, pois as variáveis modificadas pelas intervenções aplicadas foram medidas novamente após o fim da intervenção, dando a impressão de que foi de fato uma mudança de comportamento, e não apenas os efeitos químicos da droga, que desaparecem alguns dias depois do fim do esquema de tratamento medicamentoso. Além disso, a cessação do tabagismo pode, por si só, reduzir os níveis de ansiedade, depressão, e estresse,(26) tornando-se um fator com um efeito aditivo que pode ter contribuído para as melhorias observadas em nosso estudo, no qual houve redução dos níveis de ansiedade, depressão e estresse e aumento da motivação ao longo do tratamento, mudanças que foram mais pronunciadas nos pacientes nos quais o tratamento afinal teve êxito (isto é, naqueles que pararam de fumar).

Nossos achados indicam que a grande maioria dos fumantes começa o processo de cessação do tabagismo com baixa motivação e que isso muda após a aplicação das intervenções no âmbito do programa de cessação. Os efeitos de medicamentos (diminuindo os sintomas de abstinência), associados à TCC e às técnicas aplicadas a fim de provocar uma mudança no comportamento dos fumantes, parecem ser decisivos para o sucesso ou o fracasso do tratamento para a cessação do tabagismo.

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