versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.15 no.1 São Paulo jan./mar. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017ao3870
A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é caracterizada por degeneração neurônio motor, que leva à paralisia muscular progressiva e à disfunção funcional, com média de sobrevida de 3 a 5 anos.1 Sintomas não motores podem estar presentes, incluindo depressão e ansiedade.1,2 A prevalência de depressão e ansiedade é altamente variável entre os estudos e pode ser observada em até 44 e 30% dos pacientes, respectivamente.2 Há evidência indicando que a disfunção funcional e a depressão estão ligadas, e que a depressão reduz a qualidade de vida dos pacientes com ELA.3 Porém, alguns estudos falharam para confirmar a associação entre a gravidade de sintomas de ansiedade e depressão, e a disfunção funcional em ELA.4,5
Este estudo investigou as características clínicas e sintomas de ansiedade/depressão em pacientes brasileiros com ELA. A hipótese de nosso estudo foi que a presença de ansiedade e depressão estaria relacionada à disfunção funcional.
Investigar a frequência de ansiedade e depressão e sua associação com aspectos clínicos da esclerose lateral amiotrófica.
Trata-se de estudo transversal de série consecutiva de pacientes diagnosticados com ELA esporádica provável ou definitiva de acordo com critérios de Awaji6 conduzida de maio de 2013 a novembro de 2015. Todos os pacientes assinaram Termo de Consentimento.
O protocolo incluiu questões padronizadas em relação às características clínicas da ELA, a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (EHAD)7,8 e a ALS Functional Rating Scale Revised (ALSFRS-R).9 Um escore total para depressão acima de 8 é indicativo de depressão clinicamente significativa (depressão provável); o mesmo critério foi aplicado para ansiedade.8
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos em ambos os hospitais, Universidade Federal de Minas Gerais, CAAE: 19599813.0.0000.5149 e Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, protocolo 002B/2014.
Realizou-se teste não paramétrico (Mann-Whitney, χ2 e Spearman) utilizando o Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 22.0. Valores de p<0,05 foram considerados estaticamente significativos.
Foram selecionados 76 pacientes para o estudo. Os parâmetros clínicos estão descritos na tabela 1. Da amostra, 47 pacientes (61,8%) eram homens (relação homem/mulher: 1,6:1). Considerando a apresentação inicial, 78% dos casos eram da forma espinhal e 22% da forma bulbar.
Tabela 1 Análise descritiva dos parâmetros clínicos de pacientes com esclerose lateral amiotrófica
ELA esporádica (n=76) | Média (DP±) | Mediana | Mínimo | Máximo |
---|---|---|---|---|
Idade no início dos sintomas, anos | 55,0 (12,1) | 55 | 26 | 82 |
Idade na avaliação, anos | 58,3 (11,6) | 58 | 32 | 83 |
Duração da doença até a avaliação, anos | 3,32 (2,8) | 2 | 0 | 14 |
ELA: esclerose lateral amiotrófica; DP: desvio padrão.
Sessenta e seis pacientes (86,8%) completaram o EHAD (Tabela 2). Os outros não completaram a escala devido à recusa (n=4) ou à incapacidade grave (n=6). Ansiedade provável foi confirmada em 23 pacientes (34,8%); provável depressão foi observada em 24 pacientes (36,4%). Dos 66 pacientes, 65% eram homens, 50 (76%) tinham apresentação inicial espinhal e 16 (24%) apresentação inicial bulbar. Quinze pacientes (23%) apresentaram ansiedade e depressão, 9 (14%) apenas depressão, 8 (12%) apenas ansiedade, enquanto 34 (51%) pacientes não apresentaram sintomas significativos. Trinta pacientes utilizavam antidepressivos para tratar depressão, dor, insônia e/ou salivação excessiva. De 24 pacientes com depressão, 11 (45,8%) deles utilizavam doses efetivas de antidepressivos.
Tabela 2 Análise descritiva dos parâmetros clínicos de pacientes com esclerose lateral amiotrófica que completaram a Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão
ELA esporádica (n=66) | Média (DP±) | Mediana | Mínimo | Máximo |
---|---|---|---|---|
Idade no início dos sintomas, anos | 54,3 (12,1) | 55 | 26 | 82 |
Idade na avaliação, anos | 57,6 (11,5) | 57,5 | 32 | 83 |
Escore da ALSFRS-R | 26,9 (10,1) | 27 | 0 | 46 |
Escore da EHAD – ansiedade | 7,2 (4,4) | 6 | 0 | 17 |
Escore da EHAD – depressão | 6,7 (4,5) | 7 | 0 | 18 |
ELA: esclerose lateral amiotrófica; DP: desvio padrão; ALSFRS-R: ALS Functional Rating Scale Revised; EHAD: escala hospitalar de ansiedade e depressão.
Quando compararam-se os subgrupos de pacientes de acordo com a presença ou não de provável depressão, houve diferença significativa em relação ao escore na EHAD para ansiedade (Tabela 3). Não houve diferença significativa em relação a sexo e forma inicial.
Tabela 3 Análise comparativa de subgrupos de pacientes, de acordo com presença ou ausência de sintomas depressivos significativos (Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão ≥9)
Depressão | |||||
---|---|---|---|---|---|
|
|||||
Sim | Não | Valor de p | |||
|
|
||||
n | Média (v) | n | Média (v) | ||
Anos de estudo | 24 | 6,4 (3-19) | 42 | 7,3 (0-20) | 0,66 |
Idade no início da doença, anos | 24 | 58,1 (41-76) | 42 | 52,1 (26-82) | 0,06 |
Ansiedade | 24 | 10,8 (4-17) | 42 | 5,2 (0-15) | 0,00* |
Escore da ALSFRS-R | 24 | 25,8 (0-46) | 42 | 27,6 (4-46) | 0,44 |
Duração da doença, anos | 24 | 3,0 (0-11) | 42 | 3,4 (0-14) | 0,60 |
*p<0,05. n: números de pacientes; v: variação; ALSFRS-R: ALS Functional Rating Scale Revised.
Realizaram-se outras análises comparando os subgrupos de pacientes categorizados de acordo com a presença ou não de ansiedade e ou depressão, e não houve diferença significativa em relação a escore na escala funcional, sexo, idade no início do episódio, duração da doença e forma inicial.
Não houve correlação entre os escores EHAD para ansiedade ou depressão e escores funcionais. Uma correlação positiva entre sintomas de ansiedade e depressão foi observada (r=0,67; p<0,001).
Até onde se tem conhecimento, este é o primeiro estudo que avaliou os sintomas psiquiátricos em pacientes com ELA na América do Sul. A frequência da depressão (zero a 44%) e ansiedade (zero a 30%) na ELA varia significativamente ao longo dos estudos.2-4 Nossos resultados (cerca de 35%) estão de acordo com os dados da literatura.
A avaliação dos sintomas psiquiátricos na ELA pode ser limitada por diversos fatores, incluindo ferramentas de avaliação10 e gravidade da doença,3,11 em parte explicando a discrepância entre os estudos. Além disso, o uso de antidepressivos, que é frequente na ELA por razões diferentes,2-4,12 pode influenciar na frequência e/ou gravidade de sintomas depressivos ou de ansiedade.
Vale ressaltar que, apesar do uso de antidepressivos, os sintomas psiquiátricos são proeminentes, indicando a persistência dos sintomas mesmo com tratamento.2,3,12 Ainda há necessidade de definir se estes pacientes respondem diferentemente a antidepressivos e que fatores estão associados às respostas clínicas.
Contrário a nossa hipótese, não encontramos associação significativa entre os sintomas de ansiedade/depressão e disfunção funcional. A ausência da associação entre depressão e duração da doença e escore funcional na ELA foi relatada em estudos,4,5 porém alguns autores encontraram esta associação.3 Questões metodológicas, incluindo diferenças em critério de seleção de pacientes e na escolha de escalas funcionais e psiquiátricas podem contar para estes achados distintos. Achados controversos na literatura dificultam a conclusão precisa sobre o assunto. A realização de outros estudos podem esclarecer tais dados.
Baseado na ausência da diferença significativa nas características clínicas entre os subgrupos é possível que estes sintomas psiquiátricos possam ser atribuídos a outros motivos não relacionados à deficiência motora e funcional. Além disso, ainda há necessidade de esclarecer a razão de os sintomas de depressão e ansiedade estarem altamente correlacionados na ELA. As limitações do estudo incluem tamanho da amostra, viés do uso de antidepressivos e limitações intrínsecas à EHAD.
A frequência da ansiedade e depressão na esclerose lateral amiotrófica foi elevada e não esteve associada com duração da doença, sexo, forma de apresentação e escore funcional. Houve alta correlação entre sintomas de ansiedade e depressão na esclerose lateral amiotrófica.