Compartilhar

Derivação gástrica em Y-de-Roux: comprimento das alças e emagrecimento

Derivação gástrica em Y-de-Roux: comprimento das alças e emagrecimento

Autores:

Antonio Carlos VALEZI,
Antonio César MARSON,
Rodrigo Alves MERGUIZO,
Fernando Leão COSTA

ARTIGO ORIGINAL

ABCD. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (São Paulo)

Print version ISSN 0102-6720

ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.27 supl.1 São Paulo 2014

https://doi.org/10.1590/s0102-6720201400s100014

RESUMO

RACIONAL:

A derivação gástrica em Y-de-Roux é técnica cirúrgica amplamente empregada no tratamento da obesidade. Não está claro, porém, se o comprimento das alças biliopancreática e alimentar interfere na magnitude da perda de peso.

OBJETIVO:

Avaliar se o comprimento dessas alças tem relação com a percentagem de perda de peso, um ano após a operação.

MÉTODO:

Cento e vinte obesos foram submetidos à cirurgia entre 2009 e 2011. Eles foram inseridos, por sorteio, em qautro grupos: A) alça biliopancreática de 50 cm e alimentar de 100 cm; B) alça biliopancreática de 50 cm e alimentar de 150 cm; C) alça biliopancreática de 100 cm e alimentar de 100 cm; e D) alça biliopancreática de 100 cm e alimentar de 150 cm. Analisou-se a idade, o gênero, o índice de massa corpórea e a percentagem de perda do peso total. Os dados foram coletados no pré-operatório e um ano após a operação. Os grupos foram comparados entre si e a perda ponderal comparada entre os grupos.

RESULTADOS:

O acompanhamento ocorreu em 78,3% da casuística. A composição dos grupos foi semelhante, sem significância estatística. A média de idade foi de 43 anos nos grupos A, C e D e de 42 no grupo B. O gênero feminino predominou em todos os grupos (cerca de 60% da amostra). O índice de massa corpóreo médio foi de 46 kg/m2 para os grupos A, C e D e de 42 kg/m2no grupo B. A percentagem de perda de peso foi de 33% para o grupo A e de 34% para os grupos B, C e D. Sem diferença significante entre os grupos.

CONCLUSÃO:

Diferentes comprimentos das alças biliopancreática e alimentar não interferiram na percentagem de perda do peso total.

Palavras-Chave: Derivação gástrica em Y-de-Roux; Comprimento de alças; Obesidade; Emagrecimento

ABSTRACT

BACKGROUND:

Roux-en-Y gastric bypass is a surgical technique widely used in the treatment of obesity. It is unclear, however, if the length of the biliopancreatic and alimentary limb interferes with the magnitude of weight loss.

AIM:

To evaluate if the length of these limbs is related to the percentage of weight loss one year after surgery.

METHOD:

One hundred and twenty obese people underwent surgery between 2009 and 2011. Patients were inserted into four groups: A) biliopancreatic limb with 50 cm length and alimentary limb with100 cm length; B) biliopancreatic limb with 50 cm length and alimentary limb with 150 cm length; C) biliopancreatic limb with 100 cm length and alimentary limb with100 cm length; D) biliopancreatic limb with 100 cm length and alimentary limb with150 cm length. Age, gender, body mass index and the percentage of total weight loss were analyzed. Data were collected preoperatively and one year after surgery. The groups were compared and weight loss compared between groups.

RESULTS:

The follow-up occurred in 78.3% of the sample. The composition of the groups was similar, with no statistical significance. The average age was 43 years in groups A, C and D and 42 years in group B. The female gender predominated in all groups (about 60% of the sample). The mean body mass index was 46 kg/m2 for groups A, C and D and 42 kg/m2 in group B. The percentage of weight loss was 33% for group A and 34% for groups B, C and D. There was no significant difference among groups.

CONCLUSION:

Different lengths of the biliopancreatic and alimentary limbs did not affect the percentage of total weight loss.

Key words: Roux-en-Y gastric bypass; Limb length; Obesity; Weight loss

INTRODUÇÃO

A cirurgia bariátrica representa o melhor tratamento para os pacientes obesos, por ser método efetivo na redução e manutenção do peso no longo prazo6,17. O tratamento cirúrgico da obesidade ocasiona perda de peso e melhora das comorbidades2,18. A derivação gástrica em Y-de-Roux (DGYR) é uma das técnicas mais realizadas com essa finalidade; no entanto, não se sabe se fatores técnicos da operação, como o comprimento das alças, tem relevância nos resultados8,19. O tamanho das alças biliopancreática e alimentar e a relação com a perda de peso determinada pela DGYR é controverso, existindo dúvidas sobre qual a extensão ideal para elas16.

O objetivo deste estudo foi investigar a relação entre o comprimento dessas alças e o índice de emagrecimento, comparando diferentes extensões e a perda ponderal um ano após a operação.

MÉTODO

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina sob o número 026/2008. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi apresentado e assinado por todos os sujeitos da casuística. Os autores declaram não apresentar conflito de interesse na realização deste estudo.

Cento e vinte obesos foram submetidos à DGYR no Hospital Universitário da Universidade Estadual de Londrina, pela mesma equipe, no período de janeiro de 2009 a dezembro de 2011. A pesquisa foi delineada segundo estudo randomizado e prospectivo. Os critérios de exclusão e inclusão dos pacientes no programa de tratamento cirúrgico da obesidade, obedeceram os princípios da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica.

Para a pesquisa constituiu-se, por sorteio, imediatamente antes do procedimento cirúrgico para quatro grupos: grupo A: alça biliopancreática de 50 cm e alimentar de 100 cm; grupo B: alça biliopancreática de 50 cm e alimentar de 150 cm; grupo C: alça biliopancreática de 100 cm e alimentar de 100 cm; grupo D: alça biliopancreática de 100 cm e alimentar de 150 cm.

As variáveis analisadas compreenderam a idade, o gênero, o índice de massa corpórea (IMC) e a percentagem de perda do peso total. O seguimento da amostra foi realizado por um ano. Os grupos foram comparados entre si, quanto à sua constituição. A percentagem de perda ponderal foi aferida com um ano de pós-operatório e comparada entre os grupos nesse período.

Os dados coletados foram armazenados em planilha Excel e analisados, posteriormente, através do software Statistical Package for the Social Sciences 18.0 (SPSS). Calculou-se a média e o desvio-padrão para as variáveis quantitativas e a comparação entre os grupos se deu pela análise de variância (ANOVA). As variáveis categóricas foram comparadas pelo teste de Levene. Considerou-se, para todas as variáveis estudadas, significância estatística se p ≤ 0.05.

RESULTADOS

O acompanhamento, ao final de um ano, foi possível em 78,3% da casuística ou 94 pacientes (24 do grupo A; 25 do grupo B; 23 do grupo C e 22 do grupo D).

Analisando-se a composição de cada um dos grupos, eles mostraram-se homogêneos em relação às variáveis idade, gênero e IMC, não havendo diferença estatisticamente significante (Tabela1).

Tabela 1 Características demográficas dos grupos 

A B C D p
Idade
(anos)
43,97
DP= 10,93
42,87 DP=9,53 43,13 DP=9,50 43,73 DP=10,70 0,64
Feminino
(%)
19
(63,3)
18
(60,00)
19
(63,33)
17
(56,66)
IMC
(kg/m2)*
46,9
DP= 5,69
47,64
DP= 5,72
46,81 DP=5,50 46,10
DP= 5,39
0,92

*IMC=Índice de massa corpórea; DP=desvio-padrão

O grupo A apresentou perda de peso total de 33,27% um ano após a operação; o grupo B, 34,07%; o grupo C, 34% e o grupo D, 34% para o mesmo período. Ao comparar-se a perda do peso total entre os grupos, no período de um ano de pós-operatório, não foi encontrada significância estatística entre os grupos (Tabela 2).

Tabela 2 Percentagem de perda de peso total para os grupos 

A B C D p
% perda de peso 33,27 34,07 34,00 34,00 0,66
Desvio-padrão DP= 2,20 DP= 2,97 DP= 2,16 DP= 2,61

DISCUSSÃO

Utilizou-se a DGYR por ser a operação mais frequentemente realizada em serviço dos autores. Sabemos que ela apresenta seus resultados, não devido apenas aos fatores anatômicos impostos pela técnica, como a diminuição da ingestão alimentar pela confecção de reservatório gástrico pequeno ou diminuição da absorção, em decorrência da reconstrução em Y-de-Roux13. Seus efeitos se devem também, como resultado de alterações neuroendócrinas, que acontecem em consequência das alterações anatômicas ocasionadas pela técnica1,9,15.

Ainda não está claro se o comprimento das alças interfere no resultado da perda de peso11. Parece racional que quanto mais distal o Y-de-Roux maior será a perda. Antes de aprofundar-se no mérito, deve-se fazer a diferenciação entre Y-de-Roux de alça longa e Y-de-Roux distal. Este último caracteriza-se por anastomose no íleo distal, com alça comum de cerca de 75 cm, perda de peso mais significativa, porém com aumento considerável no índice de complicações10. O Y-de-Roux alongado tem variação na medida das alças biliopancreática e alimentar, mas com alça comum extensa4.

Neste estudo avaliou-se a percentagem de perda em relação ao peso total, não em relação ao excesso de peso. Isto torna a coleta de dados mais fácil e como toda a casuística foi avaliada da mesma maneira, a adoção desse índice não acrescenta viés ao estudo.

Em 1992 Brolin et al.3 fizeram estudo prospectivo e randomizado comparando a perda de peso em pacientes com Y-de-Roux curto (alça biliopancreática de 15 cm e alimentar de 75 cm) e Y-de-Roux longo (alça biliopancreática de 30 cm e alimentar de 150 cm) e concluíram que aqueles com anastomose mais distal apresentavam perda de peso mais significativa, aos dois anos, sem alterações nutricionais significantes. A partir de então pensou-se em alongar o Y para os superobesos ou então, nos casos com falha na perda de peso e com bolsa gástrica de tamanho normal.

Sarhan et al.14 compararam Y-de-Roux padrão e longo (250 cm de alça biliopancreática) em superobesos e não encontraram diferença; concluíram que o comprimento da alça não tem impacto na perda de peso.

Choban e Flancbaum5 compararam pacientes com diferentes comprimentos de alça alimentar (75 cm, 150 cm e 250 cm) e estratificaram a amostra de acordo com o IMC. Seus resultados mostraram perda de peso mais significativa no grupo com alça de 250 cm e superobesos, aos 18 meses de pós-operatório, diferença que desapareceu com 24 meses de seguimento.

Feng et al.7 não encontraram diferença estatisticamente significante, em um ano de acompanhamento, ao compararem um grupo com alça biliopancreática de 50 cm e alimentar de 100 cm com outro que apresentava alça biliopancreática de 100 cm e alimentar de 150 cm.

No nosso meio, Ramos12 em trabalho retrospectivo analisou pacientes diabéticos com síndrome metabólica, divididos em três grupos: alça biliopancreática de 50 cm e alimentar de 100 cm; alça biliopancreática de 50 cm e alimentar de 150 cm e alça biliopancreática de 100 cm e alimentar de 150 cm. Concluiu, em acompanhamento de 12 meses, que os diferentes tamanhos de alças não influenciaram na perda de peso e na melhora da síndrome metabólica.

Este estudo, à semelhança do estudo de Ramos12, mostrou percentual de perda de peso semelhante nos quatro grupos (em torno de 34%) sem, portanto, significância estatística.

Sabe-se que este trabalho não apresenta resultado inédito. Os achados corroboram dados de pesquisas já mostradas anteriormente. A casuística não é tão pequena e pretende-se continuá-lo para avaliar se há impacto das diferentes medidas de alça na população com diabete melito.

CONCLUSÃO

Diferentes comprimentos das alças biliopancreática e alimentar não interferiram na percentagem de perda do peso total.

REFERÊNCIAS

1. Anderwald CH, Tura A, Promintzer-Schifferl M, Prager G, Stadler M, Ludvik B, Esterbauer H, Bischof MG, Luger A, Pacini G, Krebs M. Alterations in gastrointestinal, endocrine, and metabolic processes after bariatric Roux-en-Y gastric bypass surgery.Diabetes Care. 2012; 35(12):2580-7.
2. Athyros VG, Tziomalos K, Karagiannis A, Mikhailidis DP. Cardiovascular benefits of bariatric surgery in morbidly obese patients. Obes Rev. 2011; 12(7):515-24.
3. Brolin RE, Kenler HA, Gorman JH, Cody RP. Long-limb gastric bypass in the superobese. A prospective randomized study. Ann Surg. 1992; 215(4):387-95.
4. Brolin RE, LaMarca LB, Kenler HA, Cody RP. Malabsorptive gastric bypass in patients with superobesity. J Gastrointest Surg. 2002; 6(2):195-203.
5. Choban PS, Flancbaum L. The effect of Roux limb lengths on outcome after Roux-en-Y gastric bypass: a prospective, randomized clinical trial. Obes Surg. 2002; 12(4):540-5.
6. Faria GR, Preto JR, Costa-Maia J. Gastric bypass is a cost-saving procedure: results from a comprehensive Markov model. Obes Surg. 2013; 23(4):460-6.
7. Feng JJ, Gagner M, Pomp A, Korgaonkar NM, Jacob BP, Chu CA, Voellinger DC, Quinn T, Herron DM, Inabnet WB. Effect of standard vs extended Roux limb length on weight loss outcomes after laparoscopic Roux-en-Y gastric bypass. Surg Endosc. 2003; 17(7):1055-60.
8. Gracia-Solanas JA, Elia M, Aguilella V, Ramirez JM, Martínez J, Bielsa MA, Martínez M. Metabolic syndrome after bariatric surgery. Results depending on the technique performed. Obes Surg. 2011; 21(2):179-85.
9. Kao YH, Lo CH, Huang CK. Relationship of bypassed limb length and remission of type 2 diabetes mellitus after Roux-en-Y gastric bypass. Gastrointest Endosc. 2012; 75(4):748-56.
10. Kellum JM, Chikunguwo SM, Maher JW, Wolfe LG, Sugerman HJ. Long-term results of malabsorptive distal Roux-en-Y gastric bypass in superobese patients. Surg Obes Relat Dis. 2011; 7(2):189-93.
11. Miras AD, le Roux CW. Mechanisms underlying weight loss after bariatric surgery. Nat Rev Gastroenterol Hepatol. 2013; 10(10):575-84.
12. Ramos RJ. Efeito das dimensões das derivações intestinais em pacientes obesos diabéticos com síndrome metabólica submetidos ao bypass gástrico. Porto Alegre. Tese [ Mestrado em Medicina e Ciências da Saúde] - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul;2013.
13. Sandoval D. Bariatric surgeries: beyond restriction and malabsorption. Int J Obes. 2011; 35(3):45-9.
14. Sarhan M, Choi JJ, Al Sawwaf M, Murtaza G, Getty JL, Ahmed L. Is weight loss better sustained with long-limb gastric bypass in the super-obese?. Obes Surg. 201; 21(9):1337-43.
15. Shah M, Law JH, Micheletto F, Sathananthan M, Dalla Man C, Cobelli C, Rizza RA, Camilleri M, Zinsmeister AR, Vella A. Contribution of endogenous glucagon-like peptide 1 to glucose metabolism after Roux-en-Y gastric bypass. Diabetes. 2014; 63(2):483-93.
16. Stefanidis D, Kuwada TS, Gersin KS. The importance of the length of the limbs for gastric bypass patients--an evidence-based review. Obes Surg. 2011; 21(1):119-24.
17. Stefater MA, Wilson-Pérez HE, Chambers AP, Sandoval DA, Seeley RJ. All bariatric surgeries are not created equal: insights from mechanistic comparisons. Endocr Rev. 2012; 33(4):595-622.
18. Svane MS, Madsbad S. Bariatric surgery - effects on obesity and related co-morbidities. Curr Diabetes Rev. 2014; 10(3):208-14.
19. Vines L, Schiesser M. Gastric bypass: current results and different techniques. Dig Surg. 2014; 31(1):33-9.