versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.43 no.5 São Paulo set./out. 2017 Epub 31-Jul-2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1806-37562016000000261
Estima-se que entre 28% e 53% das crianças hospitalizadas com pneumonia bacteriana apresentem complicações como derrame ou empiema pleural.1 Apesar da redução da frequência de hospitalizações por pneumonia, especialmente nos países onde há vacinação universal para o Streptococcus pneumoniae, a incidência do derrame pleural parapneumônico (DPP) tem aumentado e parece se relacionar com a emergência de cepas resistentes a antibióticos.1,2
O fator crítico no prognóstico do DPP é o intervalo entre o inicio do quadro e a instituição do tratamento adequado.1,2 Até o início da década de 90, o desbridamento cirúrgico por toracoscopia era indicado após um período de drenagem simples (DS), se não houvesse melhora clínica.3 Atualmente, há evidências de estudos retrospectivos,4-17 prospectivos,18-20 revisões sistemáticas21-25) e de uma meta-análise26 que concluíram pela superioridade da toracoscopia em relação à DS no tratamento do empiema pleural, indicando a realização da toracoscopia, especialmente quando a ultrassonografia mostra septações ou loculações.27 Porém, ainda é frequente a abordagem tardia do DPP, com demora e dificuldades no encaminhamento dessas crianças para serviços de referência.
A indicação precoce da toracoscopia apresenta como vantagem a facilidade de execução do procedimento, possibilitando melhor drenagem, menor sangramento perioperatório, menor tempo cirúrgico, menor tempo de permanência do dreno torácico e maior probabilidade de se obter a expansão total do pulmão acometido, evitando a toracotomia para decorticação pulmonar.5,8,18 A toracoscopia precoce (TP) possibilita também a redução da duração da internação hospitalar (DIH), da duração da febre e do risco de complicações com a drenagem prolongada (dor, fístula broncopleural, encarceramento pulmonar e infecção hospitalar).1,26
O presente trabalho se justifica pela necessidade de se avaliar o melhor momento para se realizar a toracoscopia, assim como a evolução e a ocorrência de complicações relacionadas a esse procedimento. O objetivo foi comparar a abordagem do DPP complicado (DPPC) na fase fibrinopurulenta por meio de TP ou toracoscopia tardia (TT).
Trata-se de um estudo comparativo, retrospectivo, com análise dos prontuários de crianças diagnosticadas com DPPC na fase fibrinopurulenta, internadas em um hospital pediátrico de referência. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (Parecer nº 353.069). Por tratar-se de um estudo retrospectivo, não houve a necessidade do uso de termo de consentimento livre e esclarecido.
O DPPC evolui em três fases: serosa, fibrinopurulenta e de organização. Na fase serosa, que compreende até 72 h do inicio de sua formação, uma DS torácica costuma ser suficiente. Porém, na fase fibrinopurulenta, que corresponde de 3 a 14 dias de seu inicio, para a limpeza correta das várias loculações na cavidade pleural, precisamos recorrer ao uso de fibrinolíticos ou ao desbridamento mecânico da toracoscopia.
Foram incluídas todas as crianças admitidas na unidade de internação diagnosticadas com DPPC que apresentavam septações, debris ou loculações à ultrassonografia de tórax e que foram submetidas à toracoscopia no período entre janeiro de 2000 e janeiro de 2013. A indicação de toracoscopia foi baseada em critérios clínicos (febre ou sintomas respiratórios persistentes) e ultrassonográficos (loculações). Em todos os casos, foi confirmada a fase fibrinopurulenta durante a cirurgia. Foram excluídos os pacientes com DPPC que, no momento da primeira avaliação pela cirurgia pediátrica, encontravam-se na fase de organização, submetidos à decorticação pulmonar por toracotomia ou com pneumonia necrosante à TC de tórax. Foram excluídos também os transferidos para outro hospital após a realização do procedimento.
No período entre 2000 e 2004, a toracoscopia foi realizada com um mediastinoscópio pela técnica de Carlens, sob anestesia geral, sem intubação seletiva, com o paciente em decúbito lateral sobre o lado do pulmão não acometido. O instrumento era introduzido na cavidade torácica por uma pequena incisão no 4º espaço intercostal na linha axilar média, e os outros instrumentos (aspirador e pinças de apreensão) eram introduzidos pelo orifício do aparelho. Um dreno torácico número 22 era introduzido na cavidade pleural após a retirada do mediastinoscópio. No período entre 2004 e 2013, a toracoscopia era realizada por videotoracoscopia também sob anestesia geral, sem intubação seletiva, com o paciente em decúbito sob o lado do pulmão normal, sendo realizada uma pequena incisão no 4º espaço intercostal na linha axilar média, por onde era introduzido o primeiro trocarte de 5 ou 10 mm e passada uma ótica de 30°; a seguir, dióxido de carbono era insuflado numa pressão de 6 mmHg, criando um pneumotórax artificial e colapsando parcialmente o pulmão, e um segundo trocarte de 5 mm era introduzido no mesmo espaço intercostal na linha axilar posterior, por onde os instrumentos (aspirador, pinças e a própria ótica) poderiam ser manipulados. As septações e coágulos de fibrina eram retirados, e a cavidade torácica era lavada com soro fisiológico. Pela incisão do primeiro trocarte era colocado um dreno torácico número 22 no final do procedimento. O tempo médio do procedimento foi de 40 min, e todos os pacientes foram submetidos à drenagem torácica ao final. Sempre que possível, o líquido pleural era coletado e enviado para exame bacteriológico.
Com o objetivo de comparação, os pacientes foram divididos em dois grupos de tratamento: grupo TP, sendo o procedimento realizado até o 5º dia a contar da data da admissão hospitalar; e grupo TT, quando o procedimento era realizado após o 5º dia de internação.
A toracoscopia secundária corresponde ao desbridamento cirúrgico após a DS. A toracoscopia primária, sem DS prévia, foi realizada quando havia alterações ultrassonográficas que a indicassem (septações, debris ou loculações).
As variáveis intervenientes estudadas foram idade, peso, gênero, duração da febre antes da internação, realização de toracocentese e DS antes da toracoscopia, necessidade de admissão em CTI, necessidade de hemotransfusão, realização de TC de tórax e ocorrência de complicações.
Para avaliar a evolução nos grupos TP e TT, as variáveis respostas foram DIH, DIH após a toracoscopia, total de dias com febre, total de dias com febre após a internação, total de dias entre a internação e o início da drenagem, total de dias com dreno e total de dias com dreno após a toracoscopia.
Os dados foram analisados com o uso do programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 14.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA). As associações entre o grupo de tratamento (TP e TT) e cada uma das variáveis de interesse foram realizadas utilizando-se o teste do qui-quadrado e do teste t de Student, assumindo a não igualdade de variâncias. Todos os resultados foram considerados significativos para uma probabilidade de significância inferior a 5% (p < 0,05).
Foram analisados os prontuários de 65 crianças, sendo que 2 foram excluídas por terem sido transferidas para outro hospital após o procedimento cirúrgico e 3 por terem sido submetidas à toracotomia para decorticação ou apresentarem pneumonia necrosante na primeira avaliação da cirurgia. A amostra final, portanto, foi de 60 pacientes. A média de idade foi de 3,4 anos, e 28 (46,7%) eram do sexo masculino. A maioria (83%) era procedente da cidade de Belo Horizonte (MG).
A ultrassonografia de tórax mostrava septações, debris ou loculações em todos pacientes, sendo que 42 (70,2%) já apresentavam essas alterações à primeira ultrassonografia. A TC de tórax foi realizada em apenas 3 pacientes (5,0%), sendo 1 no grupo TP e 2 no grupo TT (p = 0,576).
A média do tempo decorrido entre a data da admissão hospitalar e a realização da toracoscopia foi de 6,4 dias (2,9 e 9,8 dias nos grupos TP e TT, respectivamente). A média do tempo decorrido entre a data da admissão hospitalar e a realização da primeira drenagem de tórax foi de 5 dias (variação: 0-17 dias). No grupo TP, o intervalo entre o início da febre e a realização da toracoscopia foi inferior a 15 dias em todos os pacientes. No grupo TT, o intervalo entre o início da febre e a realização da toracoscopia foi superior a 21 dias em apenas 1 paciente. Assim, 59 pacientes (98,3%) realizaram a toracoscopia nas primeiras três semanas de evolução do quadro febril.
Do total de pacientes, 47 (78,3%) foram submetidos à toracoscopia como intervenção primária, sem realização de DS prévia. Quanto ao tipo de procedimento, a pleuroscopia foi realizada em 19 pacientes (31,7%) e a videotoracoscopia, em 41 (68,3%). A distribuição dos pacientes nos grupos TP e TT foi de 30 pacientes cada. A Tabela 1 mostra as características descritivas e os procedimentos realizados antes da toracoscopia na amostra total e nos dois grupos de tratamento.
Tabela 1 Medidas descritivas e comparativas dos pacientes por grupo de tratamento e na amostra geral quanto a gênero, idade, peso, tipo de toracoscopia e procedimentos pré-toracoscopia.
Variáveis | Tratamento | p | ||
---|---|---|---|---|
Precoce | Tardio | Geral | ||
(n = 30) | (n = 30) | (N = 60) | ||
Gênero, n (%) | ||||
Masculino | 11 (36,7) | 17 (56,7) | 28 (46,7) | 0,121 |
Feminino | 19 (63,3) | 13 (43,3) | 32 (53,3) | |
Idade, anos | ||||
Mediana (min-máx) | 3,0 (0,0-8,0) | 3,0 (0,0-14,0) | 3,0 (0,0-14,0) | 0,983 |
Média ± dp | 3,4 ± 2,2 | 3,4 ± 2,7 | 3,4 ± 2,5 | |
Peso, kga | ||||
Mediana (mín-máx) | 14,75 (10,50-34,00) | 15,00 (7,50-52,00) | 15,00 (7,50-52,00) | 0,972 |
Média ± dp | 17,06 ± 5,79 | 17,13 ± 8,46 | 17,10 ± 7.11 | |
Febre pré-internação, diasb | ||||
Mediana (mín-máx) | 5,5 (0,0-9,0) | 3,0 (0,0-7,0) | 4,0 (0,0-9,0) | <0,001 |
Média ± dp | 5,6 ± 2,6 | 3,2 ± 2,1 | 4,4 ± 2,6 | |
Tipo de toracoscopia, n (%) | ||||
Pleuroscopia | 8 (26,7) | 11 (36,7) | 19 (31,7) | 0,405 |
Videotoracoscopia | 22 (73,3) | 19 (63,3) | 41 (68,3) | |
Toracocentese, n (%) | ||||
Sim | 15 (50) | 21 (70) | 36 (60) | 0,114 |
Não | 15 (50) | 9 (30) | 24 (30) | |
Drenagem simples pré-toracoscopia, n (%) | ||||
Sim | 3 (10) | 10 (33) | 13 (22) | 0,057 |
Não | 27 (90) | 20 (67) | 47 (78) |
min: mínimo; e máx: máximo. aDados referentes a 27 pacientes no grupo tardio. bDados referentes a 28 pacientes no grupo precoce e a 26 pacientes no grupo tardio.
Os grupos TP e TT foram semelhantes (p > 0,05) quanto a proporção de pacientes do sexo masculino e feminino, média de idade, média de peso e tipo de procedimento utilizado para a toracoscopia. Observou-se uma maior proporção de realização de toracocentese e de DS no grupo TT, com uma tendência para uma diferença estatisticamente significativa (p = 0,057). O grupo TP apresentou maior tempo de duração da febre antes da admissão hospitalar (p < 0,001).
A Tabela 2 apresenta a evolução dos pacientes na amostra total e nos dois grupos de tratamento. Observaram-se diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (p < 0,05) quanto a média de DIH, total de dias com febre, total de dias entre a data da internação e a data do fim da febre, total de dias entre a data de internação e a data de início da drenagem e total de dias com dreno. No que se refere à DIH após a realização da toracoscopia e ao total de dias com dreno somente após a toracoscopia, os grupos TP e TT foram semelhantes, sem diferenças estatisticamente significativas.
Tabela 2 Medidas descritivas e comparativas dos pacientes quanto à evolução por grupo de tratamento e na amostra geral.
Variáveis | Tratamento | p | ||
---|---|---|---|---|
Precoce | Tardio | Geral | ||
(n = 30) | (n = 30) | (N = 60) | ||
Duração da internação, diasa | ||||
Mediana (mín-máx) | 13,0 (7,0-42,0) | 19,5 (11,0-49,0) | 16,0 (7,0-49,0) | < 0,001 |
Média ± dp | 14,5 ± 6,5 | 21,7 ± 8,2 | 18,1 ± 8,2 | |
Duração da internação após toracoscopia, dias | ||||
Mediana (mín-máx) | 10,0 (7,0-39,0) | 10,0 (4,0-30,0) | 11,8 (4,0-39,0) | 0,885 |
Média ± dp | 11,7 ± 6,3 | 11,9 ± 6,2 | 10,0 ± 6,2 | |
Febre, diasb | 21 | 22 | 43 | |
Mediana (mín-máx) | 11,0 (3,0-27,0) | 17,0 (10,0-40,0) | 14,0 (3,0-40,0) | 0,014 |
Média ± dp | 12,8 ± 5,9 | 17,6 ± 6,2 | 15,1 ± 6,4 | |
Tempo entre a internação e o fim da febre, diasc | ||||
Mediana (mín-máx) | 7,0 (0,0-23,0) | 13,0 (7,0-41,0) | 10,5 (0,0-41,0) | 0,001 |
Média ± dp | 7,8 ± 5,9 | 15,6 ± 7,8 | 11,7 ± 7,9 | |
Tempo entre a internação e o início da drenagem, diasa | ||||
Mediana (mín-máx) | 3,0 (−5,0 a 7,0) | 7,0 (0,0-17,0) | 5,0 (−5,0 a 17,0) | < 0,001 |
Média ± dp | 2,6 ± 2,3 | 7,4 ± 3,9 | 5,0 ± 4,0 | |
Tempo com dreno, diasd | ||||
Mediana (mín-máx) | 3,0 (2,0-10,0) | 3,5 (2,0-27,0) | 3,0 (2,0-7,0) | 0,027 |
Média ± dp | 3,6 ± 2,4 | 7,4 ± 6,6 | 5,5 ± 5,3 | |
Tempo com dreno após toracoscopia, diasd | ||||
Mediana (mín-máx) | 3,0 (0,0-8,0) | 3,0 (0,0-18,0) | 3,0 (0,0-18,0) | 0,330 |
Média ± dp | 3,3 ± 2,0 | 4,3 ± 4,2 | 3,8 ± 3,3 |
min: mínimo; e máx: máximo. aDados referentes a 29 pacientes no grupo precoce. bDados referentes a 21 pacientes no grupo precoce e a 22 pacientes no grupo tardio. cDados referentes a 21 pacientes nos grupos precoce e tardio cada. dDados referentes a 19 pacientes no grupo precoce e a 20 pacientes no grupo tardio.
Do total dos pacientes, 47 (78,3%) foram admitidos em CTI após o desbridamento cirúrgico. A proporção de pacientes que passou pelo CTI foi semelhante nos grupos TP e TT (76,7% e 80,0%, respectivamente; p = 0,754). Considerando-se somente os pacientes admitidos no CTI, não houve uma diferença entre os grupos no que tange ao tempo de permanência no CTI nos grupos TP e TT (4,6 vs. 7,7 dias; p = 0,310).
Oito pacientes (13,6%) apresentaram alguma complicação após a toracoscopia: fístula broncopleural, em 4 (6,8%); encarceramento pulmonar, em 2 (3,4%); fístula e encarceramento, em 1 (1,7%); e pneumotórax, em 1 (1,7%), sem diferenças significativas entre os grupos (p = 0,959). Não houve nenhum óbito entre os pacientes incluídos no estudo. Um paciente do grupo TT precisou ser submetido à toracotomia para decorticação, e 21 pacientes (35%) necessitaram de hemotransfusão em algum momento da internação. Essa proporção foi maior no grupo TT (n = 13; 43,3%) em comparação ao grupo TP (n = 8; 26,7%), mas sem diferença estatisticamente significativa (p = 0,176).
Diversos estudos mostraram que o desbridamento cirúrgico por toracoscopia é um procedimento seguro, eficaz e que possibilita uma menor DIH na abordagem do empiema pleural em relação à DS.1,23,25,26 Entretanto, poucos trabalhos compararam o momento da realização da toracoscopia (TP vs. TT) em crianças, como foi realizado no presente estudo.4-9
A TP, realizada até o quinto dia da admissão hospitalar, esteve associada à melhor evolução, caracterizada por menor DIH, menor tempo de drenagem e menor duração da febre, e não esteve associada a maior frequência de complicações e necessidade de CTI ou de hemotransfusão. O fato de os grupos TP e TT serem semelhantes quanto à idade, sexo e peso e estarem no mesmo estágio de evolução do derrame (fase fibrinopurulenta, caracterizada por ultrassonografia de tórax e pelo tempo de evolução do quadro febril) conferem maior confiabilidade aos resultados encontrados. Ressalta-se que a DIH e o tempo de drenagem após a toracoscopia foram semelhantes nos dois grupos, sugerindo que o momento da realização da toracoscopia tenha sido o determinante da evolução.
A realização da ultrassonografia de tórax por profissionais experientes na avaliação de crianças e com equipamento de qualidade em 100% dos pacientes orientou a abordagem por toracoscopia, pois há evidências de ineficácia da abordagem conservadora em derrames pleurais com septações e loculações.27 A TC raramente foi necessária, concordando com outros estudos e com a preocupação com a utilização de procedimentos que envolvam radiação, especialmente em crianças.27
O maior tempo de duração da febre antes da internação no grupo TP poderia ser a justificativa para a decisão da intervenção cirúrgica mais rápida. É interessante observar que mesmo com maior duração da febre antes da admissão, esse grupo tenha evoluído melhor, reforçando a importância da TP. Porém, como o presente estudo foi retrospectivo, outros fatores não analisados também podem ter influenciado a decisão do momento da intervenção cirúrgica, como a gravidade clínica, o tempo entre a admissão e a avaliação cirúrgica e a própria decisão do cirurgião quanto à conduta inicial. No hospital onde o estudo foi realizado, existe um protocolo que recomenda a realização de ultrassonografia de tórax em todos os casos de DPP, assim como a realização de toracoscopia nos casos com septações ou loculações. Entretanto, a equipe é composta por sete cirurgiões e é possível que isso tenha se constituído em um viés. A decisão do momento da toracoscopia cabia ao cirurgião, com variações na decisão quanto ao melhor momento dentro da equipe. Porém, observa-se que a evolução após a toracoscopia foi a mesma nos dois grupos, sugerindo que as respostas ao tratamento e, provavelmente, a qualidade da técnica operatória foram semelhantes.
A DS foi realizada em ambos os grupos (em 10% e 33% nos grupos TP e TT, respectivamente). Houve uma maior proporção de DS no grupo TT, com tendência a uma diferença estatisticamente significativa (p = 0,057). Alguns autores mostraram a superioridade da toracoscopia primária quando comparada à toracoscopia secundária, realizada após a DS.7-9 Entretanto, sabe-se que é possível que alguns casos respondam bem ao tratamento conservador (com ou sem DS) e que não é fácil distingui-los a priori dos que necessitarão de toracoscopia.27,28 O que o presente trabalho pretendeu mostrar é que a realização da toracoscopia não deve ser adiada, mesmo que outros procedimentos sejam realizados.
A DIH é a principal variável analisada quanto à evolução dos pacientes submetidos à toracoscopia para a abordagem do DPPC porque é um dado confiável, inclusive para uma análise retrospectiva, e reflete vários outros aspectos da evolução. A média de DIH relatada varia de 5,8 a 21 dias.4-11,13-20,29,30
Há trabalhos que relatam a DIH, o tempo de drenagem de tórax, a taxa de sucesso e a frequência de complicações, mas sem um grupo de comparação quanto ao momento de realização da toracoscopia.13-17,29,30
Outros autores compararam a toracoscopia primária ou a TP com outra abordagem para o DPP.10,11,18-20 Em relação ao tratamento conservador, com ou sem DS, a superioridade da toracoscopia é bem estabelecida. Avansino et al.26 mostraram, em uma meta-análise, que os pacientes submetidos a DS têm uma taxa de reintervenção cirúrgica dez vezes maior do que os submetidos a toracoscopia primária. Shah et al.11 verificaram que, além de maior DIH, o grupo DS apresentou um maior custo de hospitalização atribuído ao uso de medicamentos e de realização de exames. Em relação à drenagem com uso de fibrinolíticos (DF), estudos prospectivos recentes mostraram uma semelhança entre as duas abordagens, com menor custo e maior frequência de falha terapêutica na DF.19,20
Três estudos compararam a toracoscopia primária com a secundária, e quatro, incluindo o presente estudo, compararam o momento de realização da toracoscopia (TP vs. TT; Quadro 1). Em todos, os resultados mostraram uma menor DIH na TP e/ou toracoscopia primária (variação: 10,1-14,5 dias).4-9
Quadro 1. Toracoscopia para abordagem do derrame pleural na faixa etária pediátrica, 2004-2013. Estudos que compararam o momento da realização da toracoscopia (precoce vs. tardia ou primária vs. secundária).
Autores | Desenho | Idade, anos a | Participantes, n | Tipo de toracoscopia | DIH, dias b | DIH pós-cirurgia, dias | Dreno, dias | Complicações, % |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Kalfa et al.(5) | P | 4 (0,42-16,00) | 26 | Precoce (≤ 4 d) | 10,9 ± 4,3 | NR | 4,5 | 3,8 |
24 | Tardia | 17,0 ± 8,4 | 8,0 | 29,0 | ||||
Kalfa et al.(4) | R | 4 (0,83-15,00) | 10 | Precoce (≤ 4 d) | 11,8 (5-23) | NR | 5,3 | 0 |
10 | Tardia | 19,9 (6-40) | 9,4 | 30 | ||||
Schultz et al.(6) | R | 4 (0-17) | 49 | Precoce (≤ 48 h) | 11,5 ± 6,6 | NR | NS | NR |
76 | Tardia | 15,2 ± 8,6 | ||||||
Meier et al.(7) | R | < 18 | 107 | Primária | 10,1 | NR | NR | 13,8 |
44 | Secundária | 14,3 | ||||||
Schneider et al.(8) | R | < 17 | 31 | Primária | 10,5 | 7,4 | 4,2 | NR |
18 | Secundária | 15,0 | 10,3 | 7,7 | ||||
Aziz et al.(9) | R | 5,8c < 18,0 | 13 | Primária | 11 | NR | NR | NR |
15 | Secundária | 18 | ||||||
Presente estudo | R | 3,4 (0,58-14,00) | 30 | Precoce (≤ 5 d) | 14,5 ± 6,5 | 11,7 | 3,6 | 13,3 |
30 | Tardia | 21,7 ± 8,2 | 11,9 | 7,4 | 13,8 |
DIH: duração da internação hospitalar; P: prospectivo; d: dias; R: retrospectivo; Primária: toracoscopia como primeiro tratamento do derrame pleural; Secundária: toracoscopia realizada após a realização de drenagem simples; NR: não relatado; e NS: não significativo. aValores expressos em mediana (intervalo interquartil) ou intervalo de idade. bValores expressos em média (± dp) ou mediana (intervalo interquartil). cValor expresso em média.
Alguns estudos, comparativos ou não, mostraram resultados surpreendentes, com médias de DIH inferiores a 10 dias. Analisando esses trabalhos, observa-se que é possível que nem todos os pacientes estivessem na fase fibrinopurulenta, com algumas indicações de toracoscopia muito precoce, realizada nas primeiras 24-48 h da admissão hospitalar.12-14,18 Alguns daqueles pacientes poderiam ter se beneficiado apenas com uma DS (fase serosa).
Uma dificuldade para comparação dos resultados se refere aos critérios de seleção dos pacientes. Shah et al.11 excluíram crianças com menos de 1 ano, e a maioria dos estudos não realizou uma avaliação ultrassonográfica em todos os pacientes. A média de idade no nosso estudo foi menor do que em alguns outros,8-10 o que pode ter influenciado a DIH. A inclusão de pacientes com DPP sem avaliação ultrassonográfica, somada à indicação muito precoce da toracoscopia, pode significar uma indicação exagerada da toracoscopia e explicar a menor DIH em alguns estudos.
Existem ainda diferenças quanto ao acesso aos serviços e a organização dos sistemas de saúde, que podem interferir na variável resposta DIH. No estudo de Bishay et al.,14 por exemplo, utilizando toracoscopia primária e precoce, o tempo médio de evolução dos sintomas pré-cirurgia foi de 10 dias, e outras intervenções (toracocentese, DS e DF) foram realizadas no hospital secundário de origem, antes da admissão no centro terciário onde o estudo foi conduzido. A DIH do paciente no hospital de origem não foi contabilizada no cálculo da DIH.
É possível também que a existência de comorbidades, a gravidade clínica da pneumonia, a virulência dos agentes etiológicos e os critérios de admissão e de alta hospitalar (mais ou menos conservadores) sejam diferentes entre os diversos estudos e que essas variáveis, não analisadas, também interfiram na DIH.
As frequências de falha terapêutica e complicações foram pequenas (3,3% e 13,3%, respectivamente) e semelhantes ao relatado na literatura quando a toracoscopia é realizada na fase fibrinopurulenta, antes da fase de organização. A ocorrência de complicações pode explicar a maior DIH em alguns casos.17,30 A falha terapêutica foi menor do que a relatada em um estudo que não excluiu os pacientes na fase de organização e com pneumonia necrosante, dois fatores sabidamente relacionados a maior ocorrência de complicações e maior DIH.16
A admissão em CTI ocorreu após a toracoscopia na maioria dos casos, indicada pela instabilidade respiratória no perioperatório e pela necessidade de monitorização cuidadosa no pós-operatório, acrescidas da disponibilidade de leitos no CTI do hospital onde o estudo foi realizado. Tal cuidado pode ser um fator que tenha contribuído para a boa evolução dos pacientes.
As limitações do presente estudo se devem principalmente ao fato de ele ser retrospectivo, o que é comum à maioria dos estudos sobre esse tema, devido ao pequeno número de casos anuais em cada serviço. Para minimizar o viés da coleta retrospectiva dos dados, foram analisadas diferentes variáveis relacionadas à evolução, e os resultados foram concordantes.
Outra limitação da aplicação dos resultados no presente estudo se deve à necessidade de treinamento dos cirurgiões pediátricos na toracoscopia e à necessidade de estrutura de atendimento, visto que os procedimentos têm uma morbidade importante (13,3%). O serviço de cirurgia pediátrica do hospital onde o estudo se desenvolveu é de referência em Belo Horizonte, sendo os cirurgiões treinados para a toracoscopia, junto com anestesiologistas e equipe de terapia intensiva pediátrica. Essa, infelizmente, não é a realidade em muitos hospitais com atendimento pediátrico em nosso país, sendo ainda frequentes as tentativas de múltiplas drenagens diante do derrame loculado e septado, prolongando a internação.
Conclui-se que a indicação da toracoscopia para desbridamento cirúrgico do DPP na fase fibrinopurulenta, com septações ou loculações, deve ser precoce, nos primeiros 5 dias da admissão hospitalar. Reduzir a DIH de uma criança beneficia não apenas a própria criança, minimizando seu sofrimento físico e emocional, mas também sua família e a população como um todo, ao possibilitar a redução de custos e a liberação e oferta de leitos hospitalares. A realização de estudos prospectivos, a comparação com a abordagem inicial com o uso de fibrinolíticos e a avaliação dos custos das diferentes condutas no nosso meio devem ser desdobramentos futuros a ser realizados.