versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.5 Rio de Janeiro maio 2019 Epub 30-Maio-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018245.16512017
Em 2014 foi lançada pela UNAIDS a proposta de eliminar mundialmente a Aids até o ano 2030 pelo cumprimento da meta intitulada “90-90-90”, que significa testar 90% da população com HIV, tratar 90% dos casos positivos e manter 90% das pessoas em tratamento com carga viral indetectável1. O governo brasileiro assumiu o cumprimento dessa meta e reiterou o compromisso em 2015 no Rio de Janeiro e em Genebra em 20162.
O ‘Tratamento como Prevenção’ (TcP) foi elaborado como uma estratégia central para alcançar a meta 90-90-90 pela possibilidade de diminuição do vírus circulante na população, rompendo a cadeia de transmissão. Para tanto, o diagnóstico deve ser o mais precoce possível, seguido da disponibilização da terapia antirretroviral (TARV). A estratégia se baseia em evidências sobre a proteção dos antirretrovirais e o baixo risco de transmissão quando a carga viral é indetectável3,4. Caberia ao setor saúde promover a ampliação da testagem, especialmente para os grupos mais afetados (denominados de ‘populações-chave’), identificar os casos positivos e assegurar acesso e adesão ao tratamento.
No TcP ganham protagonismo os novos recursos biotecnológicos de testagem (teste rápido, teste via fluido oral) e as estratégias de ampliação dos locais de testagem para além dos serviços de saúde. Assim, domicílios, organizações não governamentais (ONGs) e locais de sociabilidade e interação sexual, tornam-se alternativas para realizar o teste em horários ampliados. Trata-se de uma resposta à Aids na qual a ‘farmaceuticalização’5 tanto rege o tratamento individual, como domina a racionalidade sobre a prevenção. O foco prioritário passa a ser os indivíduos já acometidos pela infecção do HIV, sendo necessário identificá-los e encaminhá-los para tratamento. A diminuição da carga viral é um objetivo não só do tratamento individual, como do controle sanitário.
Antes da formulação do TcP, as estratégias de testagem existentes, como o Voluntary Counseling Testing (VCT) e a Provider-Initiated HIV Testing and Counseling (PICT), igualmente objetivavam identificar pessoas com sorologia positiva. No caso do VCT o teste visa atender as demandas espontâneas e promover o diálogo e a reflexão sobre os contextos de risco e vulnerabilidade. Datada da década 1980, essa abordagem orientou a criação dos Centros de Testagem e Aconselhamento voluntário (CTA) para a população em geral em todas as regiões do país.
Já o PICT se define pelo encaminhamento profissional para o exame do HIV de alguns grupos populacionais que apresentam condições de vida particulares6. Foi introduzido ao longo dos anos 2000, a partir de evidências dos benefícios do diagnóstico oportuno e início da TARV, para prevenção e cuidado de determinados grupos populacionais, como gestantes, pessoas com tuberculose, DST ou infecções oportunistas e passou a coexistir com o VCT. Ilustra essa lógica a implementação, na atenção básica, do teste de HIV no pré-natal e no parto, visando a prevenção da transmissão vertical do vírus da gestante para o bebê.
Assim, desde meados da década de 1990 a política de Aids no Brasil já inclui como diretriz a promoção do diagnóstico precoce da infecção pelo HIV7. O tema passa a ganhar destaque na política nacional, identificado no plano estratégico nacional e no acordo de empréstimo entre o Governo Brasileiro e o Banco Mundial (AIDS II). Progressivamente campanhas de testagem são lançadas e amplia-se a sua oferta no Sistema Único de Saúde (SUS).
Embora a ênfase na testagem do HIV nas políticas de saúde seja prévia à introdução do TcP, existem diferenças relevantes em relação ao significado do teste em cada uma das estratégias mencionadas. O VCT orienta-se pelo paradigma da excepcionalidade do exame na identificação do HIV, fundamentado no princípio da autonomia e promoção de ações de prevenção e aconselhamento. O PICT e o TcP se caracterizam pela perspectiva de normalização da testagem, informado pela valorização dos benefícios coletivos, decorrentes do acesso ao tratamento, em detrimento do direito à autonomia individual. Aqui a testagem ocupa um lugar privilegiado, principalmente entre as populações consideradas de maior risco ao HIV, uma vez que o conhecimento do estado sorológico se torna uma condição fundamental para a prevenção e controle da epidemia pelo potencial de intervir na cadeia de transmissão do HIV. Tal perspectiva aponta para uma nova lógica da prevenção, centrada na identificação e tratamento das pessoas infectadas.
No Brasil, o conceito do TcP foi introduzido pelo governo em dezembro de 2013 a partir da aprovação8 do Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para manejo da infecção por HIV em adulto; este recomenda o início precoce da TARV entre adultos com HIV, independentemente do estágio clínico da infecção ou da contagem do CD4, respeitando o consentimento do usuário9.
Além de manter a testagem no pré-natal, parto e entre pessoas com tuberculose ou IST, como sífilis e hepatites, o Ministério da Saúde (MS) fomentou a capilaridade da testagem na rede e iniciou a oferta do teste rápido por fluido oral em unidades do SUS do país. Ademais, em 2014, por meio do projeto “Viva Melhor Sabendo”, lançou edital dirigido às ONGs para promover testagem por fluido oral entre: gays, HSHs, travestis, transexuais, profissionais do sexo e usuários de drogas. Em 2015, 47 organizações da sociedade civil de diferentes regiões do país foram contempladas por esse edital10. Em paralelo, promoveu campanhas de estímulo à testagem para jovens com o slogan #partiuteste.
No âmbito de ampliação dos locais de testagem de HIV, de 2008 a 2014, o MS e a USAID apoiaram o desenvolvimento e a avaliação do projeto Quero fazer no Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza, São Paulo e Recife. Voltado para HSHs, gays e travesti, esse projeto buscou comparar a oferta de teste entre três contextos: CTA, ONG e unidade móvel de testagem (UMT)11.
Na atualidade, organizações internacionais, como AIDS Health Care Foundation, têm apoiado governos (estaduais e municipais) e ONGs no país na implementação de UMT, priorizando as populações com maior prevalência do HIV. Em Curitiba, por exemplo, existe um projeto que oferece testes em UMT e kits de autoteste para HSHs, com apoio do Centers for Disease Control (CDC) em parceria com UNAIDS, MS, Fiocruz, governo e ONGs locais (https://www.ahoraeagora.org/). No Rio de Janeiro, uma UMT vem sendo mantida no bairro de Madureira pela Gerência Estadual de DST/Aids e pelo Laboratório de Pesquisa Clínica em DST e Aids do INI/Fiocruz.
Com o propósito de discutir os desafios da implementação do TcP no cenário brasileiro, este trabalho analisa os princípios e as justificativas dessa estratégia. A reflexão é orientada por uma revisão sistemática da literatura sobre as estratégias de captação e oferta da testagem do HIV entre HSHs, de 2005 a 2015. Ao circunscrever a revisão aos HSHs considera-se este grupo como uma unidade de análise privilegiada, haja vista seu protagonismo na construção das respostas, nacionais e globais, à epidemia.
A escolha pela revisão da literatura parte do princípio de que a construção das diretrizes globais de prevenção da Aids envolve diferentes agentes e instituições, articulados em uma densa rede de especialistas, profissionais e pesquisadores das áreas clínica, básica e epidemiológica. Desse modo, a análise da produção acadêmica sobre a testagem representa uma fonte relevante na compreensão dos fundamentos e apropriações das políticas no campo da Aids, como o TcP, na medida em que permite desvelar pressupostos filosóficos subentendidos e não explicitados. A análise de Clarke et al.12, acerca dos complexos processos e fatores multidimensionais envolvidos na transformação histórica da medicalização para a biomedicalização do HIV/Aids, atesta a contribuição do olhar das ciências sociais na compreensão da emergência de novos discursos, como as atuais diretrizes globais de controle da epidemia.
Foram seguidas as etapas de uma revisão sistemática: escolha das bases, identificação dos descritores, definição dos critérios de inclusão e exclusão e análise dos artigos por no mínimo dois pesquisadores de forma cega13,14. Foram consultadas as bases PubMed, Sociological Abstract, Lilacs, Cochrane e o portal SciELO e selecionados os artigos em inglês, espanhol e português, publicados entre 2005 e julho de 2015. O levantamento resultou da combinação dos descritores no Quadro 1.
Quadro 1 Termos identificados no MESH (Medical Subject Headings) e no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde.
Testing | testeo | Testagem |
anonymous testing | pruebas anónimas | testes anônimos |
Serologic test | pruebas serológicas | testes sorológicos, sorodiagnóstico |
Aids serodiagnosis | serodiagnóstico del sida | Não identificado no DECS |
Prevention | prevención | Prevenção |
Aids | Sida | Aids |
Counseling | consejería | Aconselhamento |
testing strategies | estrategias de testeo | Não identificado no DECS |
Termos presentes na literatura indexada, mas NÃO reconhecidos no MESH e DECS | ||
testing methods | Métodos de testeo | Métodos de testagem |
mobile HIV testing | _____________ | _____________ |
mobile testing | _____________ | _____________ |
mobile unit | _____________ | _____________ |
treatment as prevention | _____________ | _____________ |
combination HIV prevention | _____________ | _____________ |
HIV prevention | Prevención del VIH | Prevenção do HIV |
HIV prevention strategies | _____________ | _____________ |
POC Point of Care | _____________ | _____________ |
home-based | _____________ | _____________ |
self-testing | ||
community-based | ||
community mobilization | ||
MSM | HSH | HSH |
Homosexual | homosexual | homossexual |
Bisexual | bisexual | bissexual |
assessment | acceso | acesso |
Barriers | barreras | barreiras |
willingness | aceptabilidad | aceitabilidade |
A seleção dos artigos considerou como critérios de inclusão: teste voluntário em diferentes locais; uso de diagnóstico rápido; estratégias de captação de indivíduos para o teste; efeitos da testagem e do aconselhamento; prevenção vinculada à testagem; custo-efetividade; avaliação; efeitos do estigma nos serviços de testagem e população HSH. Os critérios de exclusão abarcaram estudos sobre técnicas laboratoriais ou outras doenças infeciosas não sexualmente transmissíveis e análises que não abordavam o acesso ou a frequência da testagem entre HSHs.
O levantamento gerou 167 resumos. A exclusão daqueles presentes em mais de uma base resultou em 133 resumos. Após leitura, selecionamos apenas os artigos sobre formas de captação de HSHs para o teste e estratégias de oferta do teste. Tal seleção totalizou 65 referências, listadas no Quadro 2, sendo três sobre o contexto brasileiro15-17. A produção nacional identificada, embora limitada, aponta para a preocupação com a melhora das condições de vida e acesso aos serviços de saúde de populações vulneráveis ao HIV. Ademais, revela a escassez de estudos sobre o TcP no Brasil, ainda de recente implementação no país.
Quadro 2 As 65 referências bibliográficas analisadas.
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Da análise dos 65 artigos emergiram como categorias de análise: Racionalidade das políticas globais de testagem do HIV; Importância do preservativo; Diversificação dos locais de testagem e metodologia de captação da população; Tipo de participação de ONGs e movimentos comunitários nas políticas de prevenção e testagem.
No início da epidemia, diante da ausência de medicamentos eficazes, predominavam ações de testagem e aconselhamento voluntário, segundo a estratégia do VCT (Voluntary Counseling Testing), na qual a oferta do teste era concebida como parte dos direitos do sujeito de conhecer seu estado sorológico. Aqui, a vinculação da testagem ao aconselhamento parte da premissa de que as reflexões suscitadas pelo diálogo entre aconselhador e usuário/a favorecem mudanças de atitudes e práticas de sexo seguro. A articulação do teste ao processo de aconselhamento constitui uma oportunidade de informar e estimular práticas de prevenção, desfazer mitos e preconceitos e dar suporte aos casos positivos. No VCT, o exame se enquadra no paradigma da excepcionalidade ao centrar-se na busca espontânea e não no teste de rotina. Tal abordagem se insere num conjunto de respostas à Aids que consideram a saúde na perspectiva dos direitos humanos18,19 referendada pelo Brasil20.
Dos trabalhos revisados, o VCT foi identificado em 18 artigos como estratégia exclusiva, caracterizada pelo aconselhamento pré e pós-teste, pelos princípios do consentimento informado, confidencialidade e pela oferta de apoio emocional frente ao resultado e suas consequências21. Houve predomínio das modalidades extramuros, como ações de testagem em saunas22,23, ONGs e iniciativas comunitárias24-27. São também abordados a interação entre usuários e equipes dos serviços de saúde, a qualidade do aconselhamento pré e pós-teste e os significados da repetição da testagem22,24. Nota-se uma preocupação com o direito à informação e os efeitos positivos do diagnóstico para os indivíduos e seus/suas parceiros/as.
No marco do TcP a testagem é vinculada ao tratamento como uma ferramenta de prevenção. O teste se torna o ponto de partida e condição necessária para o sucesso da estratégia 90-90-90, equacionada pela sequência “testagem-tratamento-carga viral indetectável-não transmissão”3. Em tal abordagem, a testagem perde, no plano social e programático, o seu caráter de excepcionalidade6; ou seja, passa a vigorar o princípio da normalização do exame, visando torná-lo mais corriqueiro. Ainda nesse marco, o aconselhamento perde importância na dinâmica dos serviços. Enquanto no VCT a testagem aparece, mais frequentemente, associada à oportunidade de “tomada de consciência” sobre os riscos e a adoção de práticas de proteção, no TcP o teste tende a ser concebido como uma medida essencialmente sanitária de identificação de casos, na qual o aconselhamento ganha outro significado.
Os fundamentos e as estratégias do TcP foram identificados, de forma exclusiva, em 19 artigos, incluindo estudos sobre crenças acerca da carga viral, gestão de risco e procura de teste28 e a relação do teste de rotina com a revelação da orientação sexual29. Outros trabalhos identificam associações entre autoteste e fatores de risco individuais30 ou a efetividade das estratégias de captação para testagem entre grupos específicos. Nesta direção, discute-se barreiras individuais e estruturais para a realização de teste entre HSHs e sua oferta em locais alternativos, redes sociais e serviços convencionais de testagem31.
Na lógica do TcP argumenta-se que as oportunidades para realizar a testagem podem ser maximizadas no contexto de parcerias estáveis32 e em unidades especiais de testagem, gerenciadas por ativistas ou ONGs33. Nessa perspectiva, saber o resultado positivo, iniciar a TARV e monitorar a carga viral pode trazer benefícios aos sujeitos e suas parcerias sexuais, desde que haja adesão ao tratamento consistente.
O reconhecimento do preservativo como principal recurso de prevenção foi um dos aspectos mais expressivos do coletivo de pensamento34 formado por profissionais e ativistas nas três primeiras décadas da epidemia. Entretanto, na literatura analisada da última década, há menos referência ao preservativo, sugerindo a perda de sua importância nas ações de prevenção associadas à testagem.
Nos artigos analisados encontram-se questionamentos sobre a efetividade do preservativo, ao mesmo tempo em que o teste passa a se apresentar como um recurso alternativo para a prevenção do HIV. Há argumentos de que o teste rápido antes das interações sexuais pode ter um efeito mais benéfico na diminuição das taxas de transmissão do HIV do que o preservativo32.
Há artigos que buscam demonstrar empiricamente a relação entre conhecimento do estado sorológico e adesão a práticas sexuais protegidas, afirmando que um dos efeitos positivos da testagem é o uso do preservativo35. Tal relação igualmente aparece nos trabalhos sobre serosorting (seleção de parceiros segundo sua sorologia) e usos do teste rápido. Nos casos de negociação sexual para o não uso do preservativo, o teste caseiro é avaliado pelos pesquisadores como mais efetivo para a prevenção do que o relato do parceiro sobre sua condição sorológica. Sob essa perspectiva, o resultado do teste se torna um recurso para a gestão de risco, dando suporte à decisão de prescindir do preservativo36. Encontramos na literatura o entendimento de que a testagem levaria a mudanças nas práticas sexuais e o tratamento reduziria as chances de infecção, mesmo em situações de exposição ao vírus. Gradualmente a não testagem torna-se um problema e a testagem uma solução, relativizando-se a importância do uso do preservativo.
A promoção do uso do preservativo enquanto tecnologia de prevenção pressupõe o reconhecimento da agência individual dos sujeitos. Nesse marco, o sujeito social da prevenção tem sido historicamente debatido, em função de sua capacidade de agência na escolha e manejo dos recursos de prevenção37, seja em termos potenciais ou ideais. Na literatura revisada, está ausente uma discussão mais aprofundada sobre racionalização e reflexividade dos sujeitos ou dos grupos sociais acerca da adoção de práticas sexuais seguras, embora haja análises sobre as motivações e condicionantes envolvidos na decisão de realizar ou não o teste.
Na literatura revista, as ações de testagem parecem desconectadas do incentivo ao uso do preservativo. A prescrição do preservativo, antes repetida à exaustão, vai dando passo na discussão dos especialistas à intensificação na autovigilância do estado sorológico, a partir do estímulo à testagem rotineira. Parte dos artigos sublinha que as normas sanitárias progressivamente vêm instituindo a testagem de rotina para grupos específicos em serviços de emergência e atendimentos clínicos, como a proposta do PICT referida na introdução. Assim, o estimulo à decisão individual e voluntária para o teste passa a coexistir definitivamente com a prescrição médica da testagem.
Os artigos revisados permitem ver como sujeitos com práticas homossexuais vêm se tornando alvo privilegiado das discussões sobre a pertinência da testagem periódica. Nos trabalhos sobre TcP o teste não é proposto em função de avaliação individual do risco e sim mediante uma regularidade baseada na categorização de risco no nível coletivo. Diversos estudos mencionam que o intervalo ideal de retestagem para homens gays e outros HSHs vêm progressivamente diminuindo28,31,32,38-40. Segundo estudos, na população gays, bissexuais, HSHs afro-americanos, os que apresentam menores taxas de testagem são os com maior exposição ao HIV31,41,42, especialmente os que não se identificam como gays43.
A meta de ampliação da testagem associada ao TcP traz como novidade no campo programático a diversificação da oferta do teste em locais privados e públicos, para além dos serviços de saúde. Assim, passa a ser uma preocupação dos estudos as implicações e os desafios da expansão do teste em termos de estratégias de captação e do seu alcance e integração com os sistemas de saúde vigentes.
A racionalidade do modelo preventivo do TcP pode ser ilustrada pelas pesquisas acerca das diferentes modalidades de teste, incluindo a aceitabilidade do autoteste28,30,44,45 e seu uso enquanto estratégia de prevenção36,46. Nesses trabalhos, a testagem é entendida como recurso para a adoção de comportamentos sexuais seguros. As redes e os contextos de interação sexual, outrora abordados para entender a vulnerabilidade ao HIV e orientar as respostas sociais, voltam à cena nos artigos sobre testagem. Todavia, os locais de sociabilidade e encontro sexual assumem outro enfoque, voltado para a avaliação de alternativas de oferta de testagem.
Nessa linha, autores referem o uso de metodologias para mapeamento dos locais e fluxos de interação para definição dos contextos de oferta de testagem22,23,47. Chama atenção a diversidade de recursos empregados nas intervenções para alcançar e captar sujeitos para testagem, como o rastreamento via web e a oferta do teste nas farmácias48,49. No entanto, pouco se discute os direitos humanos da pessoa testada e as determinações sociais que definem os contextos de vulnerabilidade ao HIV, mesmo quando se trata de populações mais suscetíveis ao preconceito, à violência e à exclusão social. Prevalece o enfoque no risco, centrado apenas nos fatores comportamentais.
Os investimentos na diversificação da oferta de testagem trazem à tona ainda ressignificações sobre o papel da sociedade civil nas respostas à Aids. A menção aos ativistas como produtores legítimos e autônomos de discursos preventivos foi encontrada apenas em alguns artigos que correspondem à lógica da VCT. Este é o caso do artigo sobre a importância de pares e profissionais não clínicos nas ações de aconselhamento, de modo a diminuir as barreiras culturais e o estigma do HIV/Aids e valorizar a consciência do estado sorológico e do diagnóstico precoce25. Outro estudo descreve uma experiência na Tailândia que envolveu ONGs, proprietários de locais de sociabilidade homossexual e lideranças comunitárias; o que favoreceu o diálogo entre pesquisadores e a população alvo sobre temas relevantes para prevenção50. Além da descrição ou avaliação de intervenções envolvendo testagem, encontramos trabalhos em que as ONGs colaboram no desenho e condução da pesquisa25,41,43,51. Em alguns casos, membros das ONGs são coautores do artigo22,43,51.
Todavia, em outros trabalhos, as ONGs assumem somente um papel auxiliar nas estratégias de prevenção, ajudando na captação de sujeitos para testagem, haja vista sua experiência e acesso com HSHs e PVHA22,24,30,49. Ademais, espaços comunitários e sedes de organizações passam a ser alternativas para realizar testagem em horários ampliados e para além dos serviços de saúde. Há artigos em que as ONGs são coadjuvantes na revisão de instrumentos e captação de participantes para os estudos30,51-54. Tal enfoque sugere o predomínio de uma perspectiva de prevenção que concentra o savoir-faire nos profissionais de saúde, atribuindo às ONGs uma função secundária, restrita ao seu capital de acesso aos sujeitos considerados chave, como HSHs, homens negros e latinos. Depreendemos que as ONGs ganham um novo status quando se aborda o tratamento como prevenção. Valoriza-se menos o que elas têm a dizer sobre prevenção e sexualidade e destaca-se sua importância na aproximação aos grupos para captação para a testagem ou pesquisas.
Fan55 analisa criticamente a relação entre testagem do HIV e organizações comunitárias ao abordar a contratação, pelo governo, de ONGs na China para ampliar a realização de testes em HSHs. O trabalho mostra como a testagem se mercantiliza na relação entre o Estado e as ONGs, possibilitando a emergência de novas formas de vigilância por parte do Estado e um novo tipo de atuação comunitária. Nesse processo de terceirização, a testagem realizada pelas ONGs promove uma espécie de coming out, pois revela a prática homossexual de sujeitos antes contabilizada pelo governo como transmissão heterossexual.
Numa perspectiva crítica, a participação das ONGs apenas como suporte às ações de testagem, promovidas pelo Estado, compromete o papel do ativismo na construção de ações de prevenção e controle social56. Em um contexto em que a testagem é informada por avanços tecnológicos e pela retórica técnico-econômica, é preciso observar detidamente como as ONGs enfrentarão o desafio de agir perante tal dispositivo sem descaracterizar sua função de controle social. Como vem se verificando no caso brasileiro, o recente financiamento público para ONGs/Aids têm se centrado na ampliação da oferta de teste. Num cenário de escassos recursos internacionais, tal fato colabora para mudanças no seu papel tradicional de controle social e advocacy57, reforçando sua potencialidade de auxiliar nas ações de diagnóstico conduzidas por equipes biomédicas.
As principais diferenças entre as estratégias do VCT e do TcP, identificadas na literatura sobre testagem do HIV na última década e sistematizadas no Quadro 3, atestam a emergência de um novo paradigma preventivo, centrada no TcP. Este caracteriza-se pela expansão e diversificação da oferta de testagem, visando ampliar o diagnóstico e a testagem de rotina passa a ser prescrita como estímulo às práticas preventivas. Na literatura, as considerações de tipo sociológico ou psicossocial sobre a prevenção são reduzidas a discussões pontuais acerca das motivações ou barreiras para testagem e tratamento. O aconselhamento articulado à testagem, centrado na reflexão e diálogo entre aconselhador e usuário/a, presente na racionalidade do VCT58-61, perde seu protagonismo; a repetição do teste se torna uma meta, diferenciando-se da concepção da repetição do teste como uma falha de prevenção individual ou programática.
Quadro 3 Diferenças entre as estratégias do VCT e do TcP.
Testagem e Aconcelhamento Voluntário | Tratamento como Prevenção |
---|---|
Prevenção focada na testagem voluntária e no aconselhamento, orientado para conscientização das condições de vulnerabilidade ao HIV e estimulo a prevenção, principalmente pelo aconselhamento e estimulo ao uso do preservativo | Prevenção focada na testagem de rotina, visando início do tratamento para reduzir carga viral e interromper cadeia de transmissão do HIV; perda do protagonismo do aconselhamento e redução da importância do uso preservativo |
Paradigma da excepcionalidade do exame na identificação do HIV, fundamentado no princípio da garantia da decisão informada e voluntaria | Paradigma da normalização do teste: valorização dos benefícios coletivos, decorrentes do acesso ao tratamento, em detrimento do direito a autonomia individual |
Oferta testagem voluntaria nos serviços de saúde (ex. CTA) e atividades extramuros | Oferta teste em locais privados e públicos, para além dos serviços de saúde e ênfase nas estratégias de captação nos grupos mais vulneráveis ao HIV |
Participação de ONG e movimento social no controle social e formulação de politicas | Atuação de ONG e movimento social no suporte às estratégias de captação para testagem das populações com mais risco ao HIV |
Diante da efetivação do TcP no contexto brasileiro, citada na introdução, cabe refletir sobre suas potenciais implicações, tendo em vista que os principais aspectos dessa política se contrapõem às diretrizes históricas da resposta nacional ao HIV/Aids, como: a promoção do preservativo, o ideário dos direitos das PVHA e o enfrentamento do estigma da Aids e das desigualdades sociais, de gênero e sexuais.
A implementação do modelo preventivo da meta 90-90-90 colide com a tradição da resposta brasileira ao HIV/Aids, uma vez que sugere uma superposição entre prevenção e assistência, designando maior peso aos conhecimentos e práticas biomédicos e psicológicos, em detrimento da combinação desses com os saberes sociais. A prevenção deixa de ser um compromisso de todos e de cada um, pautada na criação de condições para a escolha de formas de proteção e passa a priorizar a identificação e o tratamento das pessoas infectadas. A testagem de rotina ocupa um lugar privilegiado, uma vez que a prevenção baseada no tratamento oportuno depende do conhecimento do estado sorológico. Tal abordagem se opõe à estratégia de testagem voluntária e aconselhamento, focada na divulgação de informações, diálogo e reflexão dos contextos de vulnerabilidade, que orientou as políticas de enfrentamento da epidemia desde os primeiros anos desta6,58-60.
Embora baseada em modelos matemáticos, que lhe oferecem uma suposta coerência interna, a proposta do TcP tem sido objeto de críticas, seja pela eventual falta de suporte para quem se testa ou pelo fato do teste positivo não garantir o início imediato e a adesão ao tratamento62. Ademais, a implementação do TcP depende do funcionamento eficiente do setor saúde para garantir o acolhimento e retenção do usuário no serviço, incluindo pronto atendimento, manejo dos efeitos adversos da medicação e busca ativa dos faltosos. O contexto atual de crise do Sistema Único de Saúde (SUS), caracterizado pela rotatividade dos profissionais, serviços sucateados e com eventuais problemas de abastecimento de medicações, podem implicar dificuldades para a efetividade do TcP no país63. Demais obstáculos para a efetividade do TcP referem-se às falhas no sistema de notificação, ao sub-registro de casos e à subestimação das tendências da epidemia no país7.
Questiona-se ainda a não incorporação de vários atores na construção de uma resposta multifacetada à prevenção, capaz de dar conta da complexidade sociocultural e humana da epidemia64. Consideramos que a reconfiguração das ações de prevenção decorrentes da priorização dos investimentos no diagnóstico e no tratamento deva ser vista com cautela. O incentivo ao diálogo entre parceiros para uso do preservativo, a atuação política dos grupos afetados, o enfrentamento do estigma e das desigualdades sociais e de gênero e a luta pelos direitos das PVHA, que caracterizaram a resposta brasileira ao HIV/Aids, ficam ameaçados no contexto do TcP diante da falta de apoio e recursos.
Questionamentos acerca das implicações operacionais, éticas e políticas das novas diretrizes de prevenção também têm sido assinalados em âmbito internacional. Segundo pesquisadores e ativistas, as práticas preventivas tendem a se reduzir à esfera assistencial, em detrimento do enfrentamento dos contextos de vulnerabilidade que facilitam a infecção em determinados grupos ou populações56,65,66.
As mudanças sobre o papel da testagem no modelo preventivo do TcP revelam o predomínio de uma lógica mais tecnocrata e biomédica das intervenções, centrada nas barreiras de acesso ao diagnóstico e tratamento e na testagem como estímulo a práticas de sexo seguro. Tal enfoque não contempla o enfrentamento dos fatores responsáveis pela maior vulnerabilidade ao HIV de sujeitos ou grupos populacionais e do estigma da Aids e, consequentemente, compromete a garantia dos direitos humanos, a participação de ativistas e PVHA como produtores autônomos de ações e discursos preventivos e o combate da discriminação e das desigualdades sociais e de gênero. A falta de reflexões críticas acerca das implicações negativas do processo de biomedicalização12, que caracteriza a atual política global de Aids56,66, pode comprometer conquistas históricas nas respostas do Brasil a epidemia, reconhecidas internacionalmente.
Argumentamos que a expansão do acesso à testagem e aos benefícios do tratamento na redução da carga viral deve contemplar o potencial de sinergia entre as estratégias de prevenção históricas e atuais e considerar a riqueza das contribuições com a sociedade civil67. Tal articulação favorece a proposição de abordagens mais potentes e inovadoras para a oferta dos serviços de saúde, incluindo a testagem para o HIV, paralelo ao enfrentamento do estigma e das condições de vulnerabilidade dos grupos sociais. Como historicamente demonstrado, as ações de mobilização comunitária e do ativismo social são igualmente necessárias para o sucesso das respostas de prevenção de caráter biomédica66.
A presente reflexão buscou indicar os limites e os problemas da nova lógica da prevenção, centrada no diagnóstico e tratamento, visando discutir suas distorções, equívocos e lacunas. Nessa direção, cabe problematizar o uso do termo ‘populações-chave’ ao invés de grupos mais vulneráveis ao HIV, centrado nos determinantes sociais que definem a maior suscetibilidade à infecção do HIV. Sua semelhança com o já criticado termo ‘grupo de risco’, nos remete para os efeitos negativos da associação do HIV a grupos socialmente marginalizados e dos alcances limitados da hegemonia da biomedicina na definição da prevenção e cuidado das PVHA.
O êxito das respostas sociais à epidemia no Brasil dependeu da participação ativa das pessoas e comunidades afetadas pelo HIV na definição e implementação de políticas e ações de prevenção e cuidado68. No atual cenário de acesso a tecnologias de diagnóstico diversificadas é preciso considerar: os problemas estruturais da rede pública de saúde para manejo dos casos positivos diagnosticados, a fragilização dos movimentos sociais e o contexto de desigualdades sociais e de gênero. A análise da crítica sobre testagem permite reconhecer seus aspectos positivos, como a ampliação do acesso ao diagnóstico entre populações mais vulneráveis ao HIV, bem como apontar os efeitos negativos que precisam ser superados. Diante da liderança já ocupada pelo Brasil na definição de políticas internacionais e do fato do TcP ser recente no contexto nacional, futuras atualizações desta revisão irão possibilitar uma análise dos efeitos dessa estratégia global no país.