versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.32 no.1 São Paulo 2020 Epub 10-Fev-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20192019017
O hipotireoidismo congênito (HC) é um distúrbio endócrino pediátrico caracterizado pela produção insuficiente de hormônios tireoidianos, causado por disgenesia ou disormonogênese tireoidiana(1-3). A incidência é de 1: 3000 a 1: 4000 recém-nascidos com prevalência de duas a três vezes maior para o sexo feminino(4-6). É a principal causa de deficiência intelectual evitável quando diagnosticado e tratado precocemente(4,7-11).
A gravidade das alterações no neurodesenvolvimento de indivíduos com HC está relacionada com a idade do diagnóstico, início do tratamento e dosagem do hormônio(4-6). Um estudo(9) sugeriu que os programas devem levar em conta a reposição do hormônio tireoidiano baseados na etiologia do HC e no início precoce do tratamento. No entanto, alterações nas habilidades do neurodesenvolvimento também foram observadas em crianças com HC, mesmo quando o diagnóstico foi precoce e o tratamento foi considerado em padrões apropriados(12-15).
Devido à grande participação dos hormônios tireoidianos no desenvolvimento do cérebro, envolvendo os processos de vascularização do sistema nervoso central, mielinização, arborização dendrítica, diferenciação celular e expressão dos genes, quanto maior o período de insuficiência hormonal, maior a gravidade e a extensão dos danos cerebrais e, quanto mais cedo a reposição hormonal é iniciada, a criança será menos afetada(9,12,16,17).
Déficits cognitivos têm sido observados em crianças, adolescentes e adultos com HC, especialmente quando o início do tratamento é tardio e/ou a alteração hormonal é mais grave(12,18-20). O déficit hormonal nas regiões cerebrais responsáveis pelas atividades cognitivas leva a alterações perceptivas(12), que podem interferir no processamento das informações e ter consequências para o desenvolvimento da linguagem. Atrasos no início da linguagem oral, dificuldades de compreensão, redução do vocabulário e alterações morfossintáticas têm sido relatados em crianças com HC(1,8,13,21,22), bem como alterações comportamentais como, hiperatividade, impulsividade, distúrbios do sono, agitação, dentre outros(1,10,14,19,23,24), que podem contribuir para déficits na aprendizagem escolar e integração da criança no ambiente social. Alterações motoras também foram relatadas referentes a atraso na inibição dos reflexos primitivos, alterações do equilíbrio estático e dinâmico e, principalmente, da coordenação motora grossa e fina(14,15,17,18,25).
Os estudos desta área são unânimes em afirmar que o tratamento precoce é um fator de proteção para a deficiência intelectual(4,7-11), embora haja lacunas para a compreensão dos efeitos do HC no desenvolvimento infantil, mesmo para aqueles que iniciaram o tratamento com reposição hormonal precocemente.
Diante do exposto, o presente estudo teve como objetivo comparar o desempenho das habilidades motora grossa, motora fina-adaptativa, linguagem, cognitiva e pessoal-social em meninas entre 36 e 70 meses com hipotireoidismo congênito tratado no período pós-natal com seus pares sem alterações tireoidianas.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Faculdade de Odontologia de Bauru, local onde o trabalho foi realizado (CAAE nº 22823913.9.0000.5417). Antes da coleta de dados, os pais ou responsáveis pelos participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os participantes foram divididos em dois grupos: Grupo Experimental (GE), composto por crianças diagnosticadas com hipotireoidismo congênito (HC) e Grupo Comparativo (GC) com crianças sem HC.
GE: Ter realizado a Triagem Neonatal para alterações metabólicas entre o 2º e 7º dia de vida; ser do sexo feminino e idade cronológica entre 36 e 70 meses; estar frequentando escola pública; receber tratamento e acompanhamento para o HC com adesão de acordo com os critérios das diretrizes do Ministério da Saúde (MS)(26); não apresentar outras alterações congênitas ou adquiridas; síndromes genéticas e/ou neurológicas comprovadas que não fazem parte do contexto específico de HC; não ter nascido prematuro ou com muito baixo peso; não apresentar deficiência intelectual (Quociente Intelectual superior a 70); ter realizado avaliação auditiva e visual com resultados normativos; não ter apresentado atraso do neurodesenvolvimento; ter níveis normativos de hormônio tireoidiano no momento do estudo (TSH entre 0,2 a 6,0 mUI / L e T4 livre> 6,1 µg / dL).
De acordo com o protocolo do MS, o monitoramento dos níveis hormonais deve ser realizado de cada quatro a seis semanas nos primeiros seis meses de vida, a cada dois meses entre seis e dezoito meses e a cada três a seis meses após esse período(26).
GC: Ter realizado a triagem neonatal com resultados normativos para todos os testes metabólicos; ser do sexo feminino; estar pareado com o GE em relação à idade cronológica, escolaridade e nível socioeconômico por meio do Critério de Classificação Socioeconômica do Brasil(27); não ter nascido prematuro e de muito baixo peso; ter realizado avaliação auditiva e visual com desempenhos normativos; ausência de história de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e apresentar Quociente Intelectual (QI) maior que 70.
Ser do sexo feminino foi uma variável considerada para minimizar os efeitos das diferenças de desenvolvimento da linguagem.
O responsável legal do participante respondeu a um questionário contendo informações a respeito da gravidez, do desenvolvimento neuropsicomotor e da história do diagnóstico e tratamento do HC (para o GE). Os pais de crianças com HC foram solicitados a trazer informações sobre a vida acadêmica e informações sobre o nível de TSH, T4 total e T4 livre, principalmente o primeiro e o último exame (realizado antes da avaliação).
A avaliação constou da aplicação dos seguintes procedimentos: Anamnese, Critérios de Classificação Socioeconômica do Brasil (CCSB)(27), Teste de Stanford-Binet Intelligence Scale (SBIS), adaptado por Terman e Merrill(28), Teste de Triagem do Desenvolvimento de DENVER-II (TTDD-II) e Teste de Vocabulário de Imagem Peabody-Revisado (TVIP-R).
O CCSB(27) considera níveis salariais, bens materiais e educação parental. A avaliação do nível intelectual foi realizada por meio do teste de Stanford-Binet Intelligence Scale (SBIS), adaptado por Terman e Merrill(28). Indivíduos que apresentaram QI acima de 70 foram remarcados para a próxima etapa do estudo. O TTDD-II(29) é uma escala de triagem de desenvolvimento que verifica o desempenho nas seguintes habilidades: pessoal-social (PS), linguagem (LG), motor fino-adaptativo (MFA) e motor grosso (MG). O TVIP-R(30) visa verificar o desenvolvimento lexical no campo receptivo do vocabulário receptivo-auditivo em uma ampla variedade de categorias semânticas. Os resultados individuais foram classificados como: baixa inferior, baixa, baixa superior, média, alta inferior, alta e alta superior.
Foram identificadas 96 crianças com HC que realizavam acompanhamento no Laboratório de Triagem Neonatal. Destas, 29 eram meninos e 67 eram meninas. Das meninas, 7 não realizaram a triagem neonatal até o 7º dia de vida e o início do tratamento foi postergado; 18 não tiveram adesão adequada ao tratamento; 7 se recusaram a participar; 11 tinham outros distúrbios genéticos e neurológicos (por exemplo, síndrome de Down, paralisia cerebral, deficiência intelectual, hidrocefalia e outros); 2 não frequentavam a escola; 2 falharam nas avaliações auditivas e/ou visuais; 3 nasceram prematuras e/ou de muito baixo peso; 2 não mostraram níveis normativos de hormônios tireoidianos na avaliação anterior ao estudo. Apenas 15 preencheram todos os critérios de inclusão.
A casuística foi composta por 30 meninas, sendo 15 do GE e 15 do GC, com idade cronológica entre 38 e 70 meses (média de 54,8); estudantes de escolas públicas e com três níveis de escolaridade: Jardim I (26,67%), Jardim II (46,66%) e pré-escolar (26,67%). Todos os participantes do GE apresentaram níveis elevados de TSH (> 10 mUI / ml) na triagem neonatal. A idade da Triagem Neonatal variou do 2º ao 7º dia (média 5,9) e o início do tratamento com medicação variou de 15 a 58 dias (média 35,2). O medicamento utilizado foi L-tiroxina na dose de 25 a 88 µg/dia.
Em relação ao nível socioeconômico(27), verificou-se que 26,66% eram da classe média; 53,34%, da classe média baixa; e 20%, da classe baixa, em cada grupo.
Com relação à anamnese, as participantes do GE tinham pesos de nascimento variando de 2580 gramas a 3280 gramas (média de 3105); as estaturas variaram de 46,5 cm a 49,5 cm (média 48,4); 26,67% nasceram por parto cesariana e 73,33% por parto normal. As participantes do GC tiveram pesos de nascimento que variaram de 3185 gramas a 4075 gramas (média 3322); as estaturas variaram de 48 cm a 51 cm (média de 49,37); 40% nasceram por parto cesariana e 60% por parto normal.
Os pais do grupo GE relataram que 100% das crianças apresentaram desatenção e 67% agitação ou hiperatividade; 80% relataram alterações no sono. Todos os participantes do estudo (GE e GC) tiveram desenvolvimento neuropsicomotor de idades normativas.
Os dados foram inseridos no programa de pacote SPSS 17. Os resultados da avaliação foram analisados quanto à média, valor mínimo e máximo e desvio padrão, nas variáveis quantitativas, além da apresentação da frequência dos resultados no TVIP-R. Inicialmente foi aplicado o teste de normalidade Shapiro-Wilk. Deste modo, foram utilizados dois testes estatísticos: Mann-Whitney (comparação entre os grupos no TVIP-R – para distribuição não normal) e o “t” de Student (na comparação entre os grupos no SBIS e TTDD-II – para distribuição normal). Foi adotado o nível de significância de p <5%.
A Tabela 1 apresenta os valores de média, desvio padrão, mínimo e máximo, na comparação dos grupos GE e GC nos instrumentos TVIP-R e teste de QI pelo Stanford-Binet Intelligence Scale (SBIS).
Tabela 1 Resultados do TVIP-R e QI obtidos pela SBIS na comparação do GE e GC
GE | CG | Valor de p | |||
---|---|---|---|---|---|
Média ± DP | Mín-Máx | Média ± DP | Mín-Máx | ||
TVIP | 92,46 ± 18,35 | 65-135 | 118,66 ± 10,56 | 97-135 | <0,000* |
SBIS | 98,06 ± 6,55 | 97-109 | 104,86 ± 2,06 | 100-108 | <0,000* |
*Estatisticamente significante; Nível de significância: p<0,05
Legenda: TVIP: Teste de Vocabulário por Imagens Peabody; GE: Grupo Experimental; CG: Grupo Comparativo; DP: Desvio Padrão; Mín: mínimo; Máx: máximo; Teste de Mann-Whitney (comparação entre os grupos no TVIP-R) e “t” de Student (na comparação entre os grupos no SBIS)
Houve diferença estatisticamente significante entre o GE e o GC. Deve-se notar que o GE não se comportou de forma homogênea, como pode ser observado pelos valores mínimo, máximo e desvio padrão. Ao comparar o QI obtido na SBIS, houve diferença estatisticamente significante entre o GE e o GC, embora todos os participantes tenham obtido escores de QI nos índices normativos.
A Tabela 2 apresenta os resultados da análise qualitativa do TVIP-R na comparação entre os grupos GE e GC.
Tabela 2 Resultados da análise qualitativa do TVIP-R na comparação entre os grupos
Grupo | Classificação | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | |
GE | 6,67% | 20% | 20% | 40% | 6,67% | 6,67% | 0% |
CG | 0% | 0% | 0% | 13,33% | 80% | 6,67% | 0% |
Legenda: GE: Grupo Experimental; CG: Grupo Comparativo; 1= Baixa Inferior; 2= Baixa; 3= Baixa Superior; 4= Média; 5= Alta inferior; 6= Alta; 7= Alta Superior
A Tabela 3 apresenta os valores de média, desvio padrão, mínimo e máximo, na comparação entre GE e GC de todas as áreas testadas no TTDD-II, (Pessoal-Social, Motor Fino-Adaptativo, Linguagem e Motor Grosso)
Tabela 3 Resultado do TTDD-II na comparação do GE e GC
GE | CG | Valor de p | |||
---|---|---|---|---|---|
Média ± DP | Mín-Máx | Média ± DP | Mín-Máx | ||
PS | 61,00 ± 10,81 | 36-71 | 64,13 ± 5,30 | 50-71 | 0,322 |
MFA | 64,86 ± 10,21 | 49-72 | 70,80 ± 3,36 | 60-72 | 0,041* |
LG | 58,66 ± 5,85 | 50-68 | 69,40 ± 5,99 | 52-72 | <0,000* |
MG | 61,26 ± 11,89 | 39-71 | 70,26 ± 2,34 | 62-71 | <0,007* |
*Estatisticamente significante. Teste “t” Student; Nível de significância: p<0,05
Legenda: GE: Grupo Experimental; CG: Grupo Comparativo; PS: Pessoal-Social; MFA: Motor Fino-Adaptativo; LG: Linguagem; MG: Motor Grosso; DP: Desvio Padrão; Mín: mínimo; Máx: máximo
Houve diferença estatisticamente significante entre os grupos para as áreas Motor Fino-Adaptativo, Linguagem e Motor Grosso.
No presente estudo, observou-se que o desenvolvimento lexical no campo receptivo, avaliado pelo TVIP-R (Tabela 1) de crianças com HC, apresentou-se defasado quando comparado a indivíduos sem a alteração metabólica. Verificou-se desempenho heterogêneo no GE (Tabela 2), no qual cerca de 46,67% apresentaram resultados abaixo da média quando comparados ao GC.
Pesquisas têm apresentado diferenças nas habilidades de linguagem em crianças com HC(9,13-15,18,25), embora haja resultados controversos quanto à linguagem desta população(16,17). Bulus e Tiftik(17) não encontraram diferenças estatisticamente significantes na comparação de indivíduos com HC e sem HC na área da linguagem.
O TVIP-R pode ser usado como medida não verbal de QI(30). No entanto, essa habilidade (vocabulário receptivo) envolve outras dimensões que devem ser observadas, ou seja, a aquisição de vocabulário também guarda relações com as experiências das crianças nos diferentes ambientes sociais que frequentam, nas oportunidades oferecidas no intercâmbio dessa criança com diferentes interlocutores, além das condições anatomofuncionais do sistema nervoso central.
A literatura também aponta que o nível socioeconômico e o nível educacional das mães influenciam o desenvolvimento e o desempenho em tarefas que envolvem habilidades de linguagem e comunicação, como no desenvolvimento de vocabulário. Assim, ter baixo nível socioeconômico também aumenta o risco de atraso na aquisição e desenvolvimento da linguagem(7,13,15). O presente estudo foi cuidadoso no controle dessa variável, uma vez que os grupos foram pareados por nível socioeconômico e a educação materna também foi observada como parte dos critérios socioeconômicos utilizados(27).
Ao analisar o QI dos participantes, foi possível observar que mesmo os indivíduos com HC (GE) com escores de QI dentro dos critérios normativos (conforme os critérios de inclusão) eram mais modestos que o GC. A literatura aponta para essa questão, afirmando que o diagnóstico e tratamento precoces são de extrema importância para a prevenção da deficiência intelectual(7-9,15,20). No entanto, a literatura mostra que crianças com HC podem ter os resultados de testes cognitivos deprimidos em relação aos seus pares(7,12,18). Um estudo mostrou que crianças com HC, apesar de não apresentarem deficiência intelectual, exibiram escores mais baixos quando comparadas aos irmãos sem esse tipo de alteração metabólica(12).
O diagnóstico e o tratamento precoces de crianças com HC representam enorme benefício para a família e para a comunidade, evitando custos sociais, emocionais e financeiros pela prevenção da deficiência intelectual(4). Entretanto, apesar de os programas de diagnóstico precoce para HC demonstrarem ser efetivos para a redução da deficiência intelectual, a questão primordial é a identificação de sequelas neurocognitivas, mesmo que sutis que podem persistir, apesar do tratamento precoce(2,4-6,9,11,19). Estudos relataram que indivíduos com HC poderão apresentar distúrbios da atenção, da memória, visocognitivos e visoespaciais e psicomotores(1,10,12,14,18-20,24). Yang et al.(24) mostraram que crianças com HC apresentam maior possibilidade de sintomas de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade. Os pais do grupo GE relataram que suas crianças apresentaram falta de atenção, agitação e/ou hiperatividade. Devido à relação entre transtornos de atenção e desempenho nas atividades de aprendizagem, é importante considerar o déficit potencial desse processo cognitivo em crianças com HC.
Os resultados da comparação entre o GE e GC no TTDD-II apontaram diferenças estatisticamente significantes nas áreas, motora grossa, motora fina-adaptativa e de linguagem (Tabela 3).
Vários autores reportaram que crianças com HC podem apresentar comprometimento motor(13-15,18,19,21-23,25). A área motora grossa, no TTDD-II avalia a habilidade de equilíbrio estático e dinâmico, por exemplo, segurar um pé, pular, entre outros. Dois estudos que aplicaram o TTDD-II apresentaram que houve diferença estatisticamente significante na habilidade motora grossa(14,18).
Núnez et al.(18) apresentaram que a gravidade do HC é um fator de risco para prejuízos nas habilidades motoras. Kempers et al.(20) realizaram estudo com três subgrupos de indivíduos com HC, com a classificação definida de acordo com a concentração de T4 livre no pré-tratamento. Os grupos foram divididos em leve, moderado e grave. Informaram que foram encontrados problemas motores nos três subgrupos, entretanto o grupo de HC grave apresentou déficits mais substanciais. Déficits motores são comumente observados em crianças com HC com alteração nas habilidades motoras grossas e finas, coordenação motora e equilíbrio(18).
A habilidade motora fina-adaptativa verifica a capacidade da criança na organização de estímulos, o manuseio de objetos em tarefas cotidianas, entre outros. A exploração do meio ambiente, manipulação de objetos, repetição de ações, controle da imagem corporal e relações estabelecidas em situações vivenciadas possibilitam a aquisição de conhecimentos, mostrando que processos cognitivos e linguísticos estão integrados à atividade motora(14). Há resultados conflitantes quanto à ocorrência de alteração motora fina em indivíduos com HC. Alguns estudos encontraram diferenças significantes na comparação de grupos de indivíduos com e sem HC(14,25) e outros que não encontraram esta diferença(15,18).
O estudo de Frezzato e colaboradores(25) detectou alterações do domínio da linguagem associadas a problemas motores. Informaram que as crianças com HC apresentaram desempenho pior nas habilidades motoras finas. Relataram associação entre motricidade fina e linguagem, demonstrando que houve uma inter-relação dessas habilidades, sendo que o grupo com HC apresentou duas vezes mais chances de alterações na linguagem expressiva quando a motricidade fina estava comprometida.
Quanto à linguagem avaliada pelo TTDD-II, verificaram-se diferenças estatisticamente significantes. Outros estudos apresentaram resultados semelhantes(9,13-15,18,19,26).
Oerbeck et al.(19) informaram que o escolares e adolescentes com HC podem apresentar escores mais baixos nas áreas de linguagem receptiva e expressiva, motricidade fina e motricidade grossa em comparação com crianças saudáveis. Nesta casuística, infere-se que o fato de os participantes terem iniciado o tratamento com adesão pode ter impedido a deficiência intelectual, mas não os efeitos deletérios do HC, como as dificuldades encontradas no presente estudo. Verificou-se que houve crianças que não iniciaram o tratamento antes do primeiro mês de vida, conforme as normativas do ministério da saúde(26). O início do tratamento medicamentoso, nesta casuística variou de 15 a 58 dias (média 35,2). Um estudo(17) apresentou que o número de pacientes com resultados anormais nas habilidades do desenvolvimento foi maior quando o início do tratamento foi superior a 15 dias. O momento ideal para o diagnóstico do HC é, sem dúvida, o período neonatal, pois é sabido que a partir da segunda semana de vida a deficiência de hormônios tireóideos poderá causar danos, implicando alterações para o desenvolvimento infantil.
Komur et al.(15) relataram que há correlação importante entre os efeitos do desenvolvimento neurológico e o início da idade do tratamento, dosagem do medicamento no início do tratamento, gravidade do HC, tempo de normalização do hormônio estimulante da tireoide e o nível socioeconômico.
Uma questão digna de nota é que nenhuma das crianças, participantes desta casuística, realizou procedimentos de monitoramento ou intervenção nas áreas de desenvolvimento. Considera-se como ponto frágil deste estudo não ter tido acesso a todos os exames de acompanhamento do tratamento médico e, com a transferência do serviço de atendimento para outra cidade, muitas das famílias reportaram dificuldades para o acompanhamento das dosagens de hormônio de suas filhas, ao longo do tempo. A manutenção dos níveis normativos dos hormônios tireoidianos é fundamental, assim, a função da tireoide deve ser avaliada e a dose do medicamento ajustado regularmente para atingir e manter o eutireoidismo consistente(4,5,26). Outro ponto de limitação refere-se ao tamanho da casuística.
Infere-se que a heterogeneidade clínica verificada em indivíduos com HC poderia ser explicada por mecanismos epigenéticos e fatores ambientais que levariam à variabilidade na expressão do fenótipo no HC(3). Desta forma, cabe considerar a idade do diagnóstico e início do tratamento, a etiologia e gravidade do HC, a efetividade da dosagem medicamentosa, o acompanhamento ao longo dos anos quanto à manutenção dos índices metabólicos normativos e o seguimento da trajetória do desenvolvimento infantil em programas de estimulação. Estas são algumas das variáveis que poderiam explicitar a variabilidade clínica nas alterações do desenvolvimento infantil.
Considera-se de extrema importância o acompanhamento longitudinal do desenvolvimento de crianças com HC, nas áreas motora grossa, motora fina-adaptativa, cognitiva e de linguagem, com o objetivo de contribuir para a prevenção de efeitos deletérios do HC nas diferentes áreas do desenvolvimento, que certamente trarão benefícios sobre os processos de aprendizagem e qualidade de vida das crianças e suas famílias.
Crianças com HC são de risco para alterações do desenvolvimento. O diagnóstico precoce e o acompanhamento do desenvolvimento infantil são fundamentais para prevenir efeitos deletérios do HC. Ressalte-se que o Programa Nacional de Triagem Neonatal não prevê o profissional fonoaudiólogo como membro da equipe de acompanhamento multidisciplinar especializado(26).
Estes resultados confirmam os achados de vários estudos sobre a interferência do HC no desenvolvimento infantil, observando que indivíduos com HC, mesmo diagnosticados e tratados precocemente, podem apresentar alterações no seu desenvolvimento, afetá-los e interferir nas relações que estes estabelecem com a família, a escola e a sociedade.
O presente estudo confirmou a interferência do Hipotireoidismo Congênito no desenvolvimento infantil, quanto ao desempenho nas áreas motora grossa, motora fina-adaptativa, linguagem e cognição.