versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.28 no.2 São Paulo mar./abr. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015068
O sistema de escrita do português brasileiro apresenta base alfabética, caracterizada pela transparência e opacidade ortográfica, possuindo uma configuração mais transparente no sentido da decodificação e mais opaca no processo de codificação(1). Compreende-se como transparência ortográfica, a correlação de um fonema a um único grafema e vice-versa; já a opacidade ortográfica é caracterizada pela irregularidade com que um grafema pode corresponder a mais de um fonema e com fonemas que correspondem a vários grafemas(2). Essa característica mais opaca da língua pode gerar algumas dificuldades na aprendizagem da linguagem escrita.
No Brasil, 30% a 40% das crianças apresentam alguma dificuldade para aprender a ler e escrever nos primeiros anos escolares, sendo que 3% a 5% dessas crianças apresentam transtornos de aprendizagem(3).
Dentre esses transtornos, a dislexia do desenvolvimento (DD) é o mais comum. Assim como a DD, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) também é bastante frequente na infância, estando ambos entre as causas mais comuns de fracasso escolar(4-6).
Tanto a dislexia quanto o TDAH podem ocorrer de forma isolada como simultaneamente no indivíduo. A coocorrência entre esses transtornos é bastante comum(7-11) e alguns estudos têm demonstrado etiologias e bases cognitivas independentes, entendendo que essa coocorrência seja a soma dos déficits centrais de ambos(6,9).
Alguns autores têm encontrado um predomínio de déficit nas habilidades do processamento fonológico e na decodificação nas crianças disléxicas e alterações atencionais e de memória visuoespacial nos portadores de TDAH, enquanto que para as crianças portadoras de ambos os transtornos há uma combinação das alterações encontradas nas condições isoladas(12).
Escolares que possuem falhas atencionais ou de processamento da informação terão dificuldade para acionar o processamento visual, o que prejudicará o acesso fonológico necessário para a realização da leitura e da escrita(13).
O aprendizado da escrita não é fácil, pois pressupõe a aquisição de algumas habilidades como diferenciar o traçado das letras, compreender a conversão fonema-grafema, estabelecer correspondências quantitativas e identificar a posição do grafema na palavra, o que torna o conhecimento ortográfico um constructo multidimensional(14,15).
O conhecimento ortográfico refere-se ao entendimento de como as letras são combinadas para formar palavras, sendo adquirido por meio da exposição repetida ao material impresso, da aquisição da consciência fonológica e do conhecimento das regras para a formação do léxico mental ortográfico(15,16).
A dificuldade específica para adquirir esse conhecimento é chamada disortografia e faz parte do processo de apropriação do sistema ortográfico da língua, sendo superada no decorrer da escolarização. Entretanto, no caso em que há o transtorno de aprendizagem, a disortografia não desaparece com a progressão da escolaridade, pois esses indivíduos apresentam um sistema fonológico deficiente, ocasionando alterações na conversão fonema-grafema. As características mais comuns da disortografia são as omissões, substituições e inversões de grafemas, devido à dificuldade para fixar as formas ortográficas das palavras(2).
Pesquisas que avaliam a escrita de escolares tanto com dislexia como com dislexia e TDAH ainda são escassas, porém são necessárias para o delineamento de estratégias de intervenção que auxiliem essa população.
Uma maneira de avaliar a escrita desses escolares é por meio da tarefa de ditado balanceado de palavras. Esse tipo de tarefa permite a sondagem do desempenho ortográfico propicia a análise e classificação do tipo de erro ortográfico cometido(17,18).
Alguns pesquisadores têm classificado esses erros, por meio da semiologia, como erros de ortografia natural e de ortografia arbitrária(2,17,18).
Os erros de ortografia natural apresentam relação direta com o processamento de linguagem, sendo considerados de natureza predominantemente fonológica. Já os erros de ortografia arbitrária estão relacionados com o léxico, com a morfologia, com a memória visual e com o conhecimento das regras ortográficas(2).
Compreender a natureza dos erros ortográficos encontrados na produção escrita dos escolares com DD e com DD e TDAH traz contribuições importantes que devem ser consideradas no momento da elaboração de práticas fonoaudiológicas interventivas, sejam elas clínicas ou educacionais.
Diante disso, a presente pesquisa teve como objetivo analisar e classificar o desempenho ortográfico, segundo a semiologia dos erros, de crianças com DD e com DD e TDAH em relação a um grupo de crianças sem queixas de aprendizagem escolar, com a premissa de que os escolares com a comorbidade dos transtornos apresentariam uma maior defasagem ortográfica devido à sobreposição dos déficits.
A pesquisa foi realizada após aprovação do Comitê de Ética para Análise de Projetos da Instituição sob o n. 523/11.
Participaram da pesquisa 70 crianças, estudantes do 3º ao 5º do ensino fundamental, distribuídas em três grupos: Grupo I (GI), composto por 32 escolares sem queixa de dificuldade de aprendizagem, com média de idade de 9,5 anos; Grupo II (GII), formado por 22 escolares com dislexia do desenvolvimento, com média de idade de 10 anos; e Grupo III (GIII), composto por 16 escolares com dislexia do desenvolvimento e com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, com média de idade de 9,9.
Os sujeitos que compuseram o grupo controle, ou GI, foram selecionados de uma mesma escola do Serviço Social da Indústria, da cidade de São Paulo.
Os critérios de inclusão para o GI foram: estar cursando entre o 3º e o 5º ano do ensino fundamental, assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e entrega do questionário SNAP-IV(19), ausência de queixa relacionada ao TDAH, ausência de transtorno de aprendizagem de acordo com o relato da professora, ter desempenho dentro do esperado para idade na prova de fonologia, ter desempenho médio ou superior para a escolaridade no Teste de Desempenho Escolar – TDE(20), apresentar desempenho dentro do esperado para as provas de consciência fonológica, nomeação automática rápida, memória operacional fonológica, leitura e ortografia e possuir Quociente de Inteligência (QI) igual ou maior que 90.
Já os escolares do GII e do GIII foram selecionados a partir das listas de atendimento e/ou espera do Ambulatório de Distúrbios do Aprendizado da instituição onde foi realizada a pesquisa.
Os critérios de inclusão para a etapa inicial da pesquisa foram: estar cursando entre o 3º e o 5º anos do ensino fundamental, possuir queixa de dificuldade de aprendizagem, ausência de déficits cognitivos e de queixas auditivas e visuais, ter desempenho dentro do esperado para idade na prova de fonologia, apresentar desempenho inferior para a escolaridade no TDE nos subtestes de Leitura e Escrita, apresentar desempenho abaixo do esperado para as provas de consciência fonológica, nomeação automática rápida, memória operacional fonológica, leitura e ortografia, possuir QI igual ou maior que 90 ou apresentar laudo de outra entidade contendo o diagnóstico de DD com ou sem TDAH.
O diagnóstico dos escolares desses grupos (quando na ausência de laudo de outra entidade) foi efetuado após avaliação da equipe multidisciplinar composta por neurologista, neuropsicóloga e fonoaudióloga.
Todos os escolares passaram pela avaliação do processamento fonológico da linguagem, nas habilidades de consciência fonológica, memória operacional fonológica e nomeação, processos de leitura e ortografia, porém apenas o procedimento relacionado ao objetivo deste estudo será descrito a seguir.
Para sondagem do desempenho ortográfico dos escolares foi utilizado o subteste Ditado de Palavras do Protocolo de Avaliação do Pró-Ortografia(21), composto por 86 palavras, sendo 3 palavras monossilábicas, 33 dissilábicas, 35 trissilábicas e 15 polissilábicas, o qual foi aplicado de maneira individual, em uma única sessão.
Toda pontuação seguiu o critério estabelecido pelo teste, sendo atribuído um ponto para cada palavra codificada ortograficamente e de forma legível, incluindo a acentuação. Os erros ortográficos cometidos pelos escolares foram analisados e classificados baseados na semiologia dos erros(2). A natureza dos erros assim como a sua descrição são exibidas no Quadro 1.
Quadro 1 Classificação brasileira dos erros ortográficos baseados na semiologia dos erros
Ortografia | Número | Tipo | Significado |
---|---|---|---|
Natural | 1 | CF/G | Correspondência Fonema-Grafema Unívoca |
Natural | 2 | OAS | Omissão e Adição de Segmentos |
Natural | 3 | AOS | Alteração na Ordem dos Segmentos |
Natural | 4 | SJIP | Separação ou Junção Indevida de Palavras |
Arbitrária | 5 | CF/GDC | Correspondência Fonema-Grafema Dependente do Contexto Fonético/Posição |
Arbitrária | 6 | CF/GIR | Correspondência Fonema-Grafema Independente de Regras |
Arbitrária | 7 | APIA | Ausência ou Presença Inadequada da Acentuação (acento agudo e acento circunflexo) |
- | 8 | OA | Outros Achados (letras com problemas de traçado/espelhamento, escrita de outra palavra e/ou palavra inventada) |
Fonte: Batista(21)
Para obtenção dos resultados os dados foram submetidos à análise estatística no software Stata, versão 10.0. Para verificar se havia diferença entre os grupos foi utilizado o teste de Kruskal-Wallis, adotando-se nível de significância 5%. Para esclarecer quais grupos diferiam entre si foi utilizado o teste de Mann-Whitney com correção de Bonferroni para três comparações, resultando em um nível de significância de 0,017.
Para verificar qual palavra, da variável ditado, obteve maior porcentagem de erros e/ou acertos entre os grupos, foi usado o teste qui-quadrado.
A Tabela 1 sumariza o desempenho dos escolares em relação ao número de acertos obtido por cada grupo na escrita do ditado. Tanto os escolares do GII quanto os do GIII apresentaram uma mediana bem abaixo da obtida pelas crianças do GI. Não houve diferença estatística entre GII e GIII.
Tabela 1 Comparação do desempenho dos escolares na prova de ditado de palavras quanto ao número de acertos
Grupo | Mediana | Intervalo interquartile | Valor de P | Comparações de pares |
---|---|---|---|---|
GI | 64,5 | 57-70 | <0,001* | GI ≠ GII (p < 0,001*) |
GII | 17,5 | 5,75-32 | GI ≠ GIII (p < 0,001*) | |
GIII | 7,5 | 2,25-22,5 | GII = GIII (p = 0,078) |
*p<0,05 = valor significativo
A Tabela 2 apresenta os tipos de erro ortográfico cometidos pelos grupos avaliados e mostra significância estatística para os erros do tipo correspondência fonema-grafema unívoca (CF/G), omissão e adição de segmentos (OAS), alteração da ordem dos segmentos (AOS), correspondência fonema-grafema dependente do contexto fonético/posição (CF/GDC), correspondência fonema-grafema independente de regras (CF/GIR), ausência ou presença inadequada da acentuação (APIA) e outros achados (OA).
Tabela 2 Comparação do desempenho dos escolares na prova de ditado de palavras quanto ao número e tipo de erro ortográfico
Variável | Grupo | Mediana | Intervalo interquartil | Valor de P | Comparações de pares |
---|---|---|---|---|---|
GI | 0 | 0 | <0,001* | GI ≠ GII (p < 0,001*) | |
CF/G | GII | 8,5 | 5,5-15,25 | GI ≠ GIII (p < 0,001*) | |
GIII | 11,5 | 6-13,75 | GII = GIII (p = 0,614) | ||
GI | 2 | 1-3 | <0,001* | GI ≠ GII (p < 0,001*) | |
OAS | GII | 14 | 9,5-28,25 | GI ≠ GIII (p < 0,001*) | |
GIII | 24 | 20,25-40,5 | GII ≠ GIII (p = 0,014*) | ||
GI | 0 | 0 | <0,001* | GI ≠ GII (p < 0,001*) | |
AOS | GII | 1 | 0-2,25 | GI ≠ GIII (p < 0,001*) | |
GIII | 1 | 0-2 | GII = GIII (p = 0,951) | ||
GI | 0 | 0 | 0,866 | GI = GII (p = 0,375) | |
SJIP | GII | 0 | 0 | GI = GIII (p = 0,231) | |
GIII | 0 | 0 | GII = GIII (p = 0,739) | ||
GI | 7 | 4,25 - 8 | <0,001* | GI ≠ GII (p < 0,001*) | |
CF/GDC | GII | 23 | 16,75 - 27,75 | GI ≠ GIII (p = 0,001*) | |
GIII | 14,5 | 7 - 19,75 | GII ≠ GIII (p = 0,004*) | ||
GI | 8,5 | 5-11 | <0,001* | GI ≠ GII (p < 0,001*) | |
CF/GIR | GII | 21 | 18,75-26 | GI ≠ GIII (p < 0,001*) | |
GIII | 20,5 | 15,25-24,75 | GII = GIII (p = 0,543) | ||
GI | 8 | 6-11 | 0,002* | GI ≠ GII (p = 0,001*) | |
APIA | GII | 13 | 11,75-14 | GI = GIII (p = 0,055) | |
GIII | 12,5 | 7-14,75 | GII = GIII (p = 0,503) | ||
GI | 0 | 0-1 | <0,001* | GI ≠ GII (p < 0,001*) | |
OA | GII | 7,5 | 3-13,5 | GI ≠ GIII (p < 0,001*) | |
GIII | 17,5 | 7,25-38 | GII ≠ GIII (p = 0,015*) |
Legenda: CF/G = Correspondência Fonema-Grafema Unívoca; OAS = Omissão e Adição de Segmentos; AOS = Alteração na Ordem dos Segmentos; SJIP = Separação ou Junção indevida de Palavras; CF/GDC = Correspondência Fonema-Grafema Dependente do Contexto Fonético/Posição; CF/GIR = Correspondência Fonema-Grafema Independente de Regras; APIA = Ausência ou Presença Inadequada de Acentuação; OA = Outros Achados
*p<0,05 = valor significativo
As crianças do GI tiveram um melhor desempenho nessa tarefa e por isso cometeram menos erros ortográficos. Embora com mediana maior, o desempenho dos escolares do GIII não apresentou significância estatística nos erros do tipo CF/G, AOS e CF/GIR.
Não houve diferença de desempenho entre os três grupos no erro do tipo separação ou junção indevida de palavras (SJIP).
O desempenho inferior de GIII em relação ao GI e GII foi estatisticamente significante nos erros do tipo OAS e OA, ou seja, erros de ortografia natural. Já GII foi pior estatisticamente no erro do tipo CF/GDC. No erro do tipo APIA, o GII obteve pior desempenho estatístico apenas quando comparado ao GI. Os tipos de erro cometidos por GII indicam o predomínio dos erros de ortografia arbitrária.
A distribuição, por grupo, dos erros ortográficos de acordo com sua tipologia baseada na semiologia dos erros pode ser melhor visualizada no Gráfico 1. Nota-se que todas as crianças pesquisadas, independentemente do grupo, cometem erros ortográficos ao escreverem ditados, variando a quantidade desses erros. Os escolares do GI apresentaram mais dificuldade com a ortografia arbitrária do que com a ortografia natural (Gráfico 2).
Legenda: CF/G = Correspondência Fonema-Grafema Unívoca; OAS = Omissão e Adição de Segmentos; AOS = Alteração na Ordem dos Segmentos; SJIP = Separação ou Junção indevida de Palavras; CF/GDC = Correspondência Fonema-Grafema Dependente do Contexto Fonético/Posição; CF/GIR = Correspondência Fonema-Grafema Independente de Regras; APIA = Ausência ou Presença Inadequada de Acentuação; OA = Outros Achados
Gráfico 1 Mediana do número de erros ortográficos de cada grupo, de acordo com a tipologia de erros
A distribuição das porcentagens de acerto de cada palavra utilizada na prova de ditado pode ser verificada na Tabela 3. Observa-se que os escolares do GII e do GIII tiveram bastante dificuldade com as palavras irregulares, havendo casos em que nenhuma criança desses dois grupos conseguiu estabelecer a correta relação fonema-grafema na escrita sob ditado de algumas palavras.
Tabela 3 Distribuição das porcentagens de acertos e do valor de p de cada palavra da prova de ditado
GI Acertos |
GII Acertos |
GIII Acertos |
Valor de p | |
---|---|---|---|---|
Feliz | 96,9 | 45,5 | 31,2 | <0,001 |
Asfaltada | 81,2 | 31,8 | 12,5 | <0,001 |
Classe | 84,4 | 9,1 | 6,2 | <0,001 |
Vez | 96,9 | 31,8 | 25 | <0,001 |
Avisem | 81,2 | 18,1 | 0 | <0,001 |
Cuidava | 100 | 63,6 | 43,8 | <0,001 |
Futebol | 90,6 | 45,5 | 6,2 | <0,001 |
Bem | 96,9 | 68,2 | 31,2 | <0,001 |
Enxergando | 34,4 | 4,5 | 0 | 0,002 |
Bobagens | 87,5 | 22,7 | 6,2 | <0,001 |
Juiz | 71,9 | 18,2 | 0 | <0,001 |
Cãozinho | 71,9 | 13,6 | 12,5 | <0,001 |
Xadrez | 65,6 | 13,6 | 6,2 | <0,001 |
Dança | 96,9 | 22,7 | 25 | <0,001 |
Mesada | 100 | 77,3 | 43,8 | <0,001 |
Zoológico | 28,1 | 4,5 | 0 | 0,009 |
Colchões | 46,9 | 0 | 0 | <0,001 |
Também | 71,9 | 4,5 | 0 | <0,001 |
Exemplo | 75 | 4,5 | 6,2 | <0,001 |
Azul | 96,9 | 36,4 | 37,5 | <0,001 |
Chiques | 78,1 | 22,7 | 22,7 | <0,001 |
Desça | 21,9 | 0 | 0 | 0,010 |
Herói | 37,5 | 0 | 0 | <0,001 |
Ensinar | 84,4 | 27,3 | 6,2 | <0,001 |
Bilhete | 96,9 | 27,3 | 25 | <0,001 |
Escuro | 93,8 | 68,2 | 56,2 | 0,007 |
Garçom | 40,6 | 9,1 | 0 | 0,001 |
Examinou | 56,2 | 0 | 0 | <0,001 |
Confeccionado | 40,6 | 0 | 0 | <0,001 |
Visual | 87,5 | 27,3 | 12,5 | <0,001 |
Portuguesa | 81,2 | 27,3 | 12,5 | <0,001 |
Fósforo | 43,8 | 0 | 0 | <0,001 |
Barulho | 96,9 | 45,5 | 31,2 | <0,001 |
Ônibus | 64,5 | 18,2 | 0 | <0,001 |
Exclamaram | 46,9 | 4,5 | 0 | <0,001 |
Guerra | 100 | 13,6 | 18,8 | <0,001 |
Doente | 96,9 | 54,5 | 37,5 | <0,001 |
Hospital | 100 | 22,7 | 6,2 | <0,001 |
Mamãe | 93,7 | 50 | 12,5 | <0,001 |
Inseticida | 28,1 | 0 | 0 | 0,002 |
Jeito | 78,1 | 4,5 | 12,5 | <0,001 |
Osso | 81,2 | 31,8 | 25 | <0,001 |
Campeonato | 81,2 | 0 | 0 | <0,001 |
Lixo | 100 | 81,8 | 56,2 | <0,001 |
Macarrão | 75 | 9,1 | 18,8 | <0,001 |
Tristeza | 59,4 | 13,6 | 15,5 | <0,001 |
Inglês | 53,1 | 0 | 0 | <0,001 |
Manhãzinha | 37,5 | 0 | 0 | <0,001 |
Próximo | 34,4 | 0 | 0 | <0,001 |
Nascimento | 68,8 | 0 | 6,2 | <0,001 |
Xícara | 40,6 | 0 | 0 | <0,001 |
Jornal | 96,9 | 40,9 | 12,5 | <0,001 |
Lápis | 53,1 | 4,5 | 6,2 | <0,001 |
Fazenda | 96,9 | 40,9 | 25 | <0,001 |
Ciranda | 93,8 | 18,2 | 18,8 | <0,001 |
Anéis | 78,1 | 4,5 | 0 | <0,001 |
Morcego | 96,9 | 40,9 | 18,8 | <0,001 |
Quadrado | 100 | 31,8 | 18,8 | <0,001 |
Saudável | 18,8 | 0 | 0 | 0,020 |
Queixo | 65,6 | 18,2 | 18,8 | <0,001 |
Palhaço | 93,8 | 18,2 | 6,2 | <0,001 |
Rejeição | 43,8 | 4,5 | 0 | <0,001 |
Sujeira | 46,9 | 18,2 | 6,2 | 0,006 |
Íris | 28,1 | 0 | 6,2 | 0,009 |
Tesoura | 90,6 | 40,9 | 12,5 | <0,001 |
Sombras | 93,8 | 27,3 | 6,2 | <0,001 |
Colégio | 75 | 18,2 | 0 | <0,001 |
Maluquice | 31,2 | 4,5 | 12,5 | 0,036 |
Trouxe | 59,4 | 4,5 | 0 | <0,001 |
Sítio | 46,9 | 4,5 | 0 | <0,001 |
Aumentam | 40,6 | 0 | 0 | <0,001 |
Quebra | 93,8 | 54,5 | 6,2 | <0,001 |
Viajarão | 31,2 | 31,8 | 6,2 | 0,128 |
Faixa | 96,9 | 27,3 | 37,5 | <0,001 |
Casca | 100 | 72,7 | 62,5 | 0,002 |
Ordem | 90,6 | 40,9 | 25 | <0,001 |
Aula | 100 | 72,7 | 75 | 0,007 |
Seguida | 93,8 | 18,2 | 6,2 | <0,001 |
Garrafa | 93,8 | 4,5 | 6,2 | <0,001 |
Maçã | 75 | 9,1 | 25 | <0,001 |
Homem | 93,8 | 31,8 | 18,8 | <0,001 |
Caminhão | 90,6 | 22,7 | 25 | <0,001 |
Resfriado | 100 | 45,5 | 25 | <0,001 |
Céu | 84,4 | 36,4 | 18,8 | <0,001 |
Elegância | 15,6 | 0 | 0 | 0,041 |
Longe | 100 | 31,8 | 6,2 | <0,001 |
A avaliação ortográfica realizada neste estudo indicou que o número de acertos obtido pelos escolares do GI foi muito maior do que o obtido por escolares do GII e do GIII, sendo essa diferença estatisticamente significante. Não houve diferença estatística entre o desempenho dos grupos das crianças com dislexia.
Esse baixo rendimento ortográfico encontrado nos escolares do GII e do GIII já era esperado, uma vez que essa população apresenta um comprometimento das habilidades do processamento fonológico que favorece a defasagem da linguagem escrita(14,17,22).
Embora não tenha sido encontrada uma diferença estatística no número de acertos entre GII e GIII, os grupos diferiram na quantidade de cada tipo de erro ortográfico cometido. Esses achados possibilitam uma melhor compreensão do funcionamento ortográfico de cada grupo, contribuindo para o delineamento de intervenções específicas.
Ao se analisar cada tipo de erro cometido pelos grupos pesquisados encontrou-se um desempenho inferior do GIII nos erros do tipo Omissão e Adição de Segmentos (OAS), que é um tipo de erro de ortografia natural, e do tipo Outros Achados (OA), que não pertencem nem à categoria de ortografia arbitrária nem à de ortografia natural, mas que foram adicionados à classificação adotada nesta pesquisa devido à grande ocorrência observada no estudo original(21).
O fato de os escolares do GIII apresentarem mais erros de ortografia natural relacionados à omissão e adição de segmentos pode se justificar pela questão atencional. Pode-se dizer o mesmo para os erros do tipo OA, em que por vezes a omissão de segmentos foi tão extensa que comprometeu a inteligibilidade da palavra.
Em um estudo realizado com garotos portadores de TDAH verificou-se um maior predomínio de erros do tipo adição, substituição, transposição e omissão, relacionados com o prejuízo dos aspectos atencionais que comprometem o armazenamento da representação ortográfica das palavras(23).
O pior desempenho do GIII também pode estar relacionado com problemas na função executiva, principalmente na memória operacional, que tornam a recuperação da representação ortográfica menos automática nessas crianças(24).
Os escolares do GII tiveram um desempenho pior do que os do GIII no erro do tipo Correspondência Fonema-Grafema Dependente do Contexto Fonético/Posição (CF/GDC).Talvez uma possível explicação para esse resultado resida no fato de que os escolares do GII participantes estavam em um nível de escrita mais evoluído do que os do GIII. Dessa forma, os erros cometidos pelos escolares do GII são passíveis de serem classificados dentro de algumas categorias, enquanto que os escolares do GIII escreveram, na sua maioria, de forma ininteligível, produzindo erros, majoritariamente, do tipo OA.
No erro do tipo Ausência ou Presença Inadequada de Acentuação (APIA), o GII obteve pior desempenho estatístico apenas quando comparado ao GI. Os tipos de erro cometidos pelos escolares do GII indicam predomínio dos erros de ortografia arbitrária.
O erro do tipo APIA relaciona-se a regra ortográfica considerada complexa, que demanda do escolar um conhecimento refinado, como noção de divisão silábica ortográfica, tonicidade e classificação da palavra em oxítona, paroxítona ou proparoxítona, e por isso é de ocorrência comum(18).
Esses resultados corroboram outras pesquisas, que reportam um pior desempenho dos escolares disléxicos na escrita sob ditado, quando comparados a crianças sem dificuldades escolares, por apresentarem dificuldade na codificação de fonemas em grafemas(14).
O fato de a decodificação estar prejudicada nos escolares com dislexia acarreta uma menor exposição à leitura, o que prejudica o armazenamento das regras e o acesso ao léxico semântico(17), contribuindo para uma maior dificuldade na composição do léxico mental ortográfico observada nos escolares do GII e do GIII(25).
De modo geral, verificou-se que todas as crianças pesquisadas, independentemente do grupo, cometeram erros ortográficos ao escreverem sob ditado, variando a quantidade de ocorrência desses erros. Os escolares do GI apresentaram mais dificuldade com a ortografia arbitrária do que com a ortografia natural.
Esse dado não corrobora o de alguns estudos que encontraram maior frequência de erros de ortografia natural nos escolares sem queixa de aprendizagem, embora o esse tipo de erro tenha sido mais frequente nos anos iniciais de alfabetização(17,18).
Esses dados também diferiram de uma outra pesquisa que não observou uma categoria distinta ou específica de erros ortográficos quando diversos transtornos de aprendizagem foram estudados(26).
Na atual pesquisa, o fato de os indivíduos sem queixa já estarem cursando o 3º ano em diante, e portanto já terem passado pela fase inicial de aquisição da leitura e da escrita, justifica a presença de mais erros relacionados à aquisição das regras ortográficas do Português, visto que os erros de ortografia natural tendem a diminuir com a progressão escolar, devido ao aumento da exposição da criança à leitura(17,18).
O tipo de erro Separação ou Junção Indevida de Palavras (SJIP) não foi observado nesta pesquisa. Pesquisadores afirmam que para identificar na escrita erros caracterizados por juntura vocabular e pela segmentação indevida é necessário analisar a escrita por meio de frases e não apenas de palavras isoladas(27), o que justifica a não ocorrência desse tipo de erro neste estudo.
No que diz respeito à distribuição das porcentagens de acerto de cada palavra utilizada no ditado, observou-se que todos os escolares do grupo sem queixa escreveram corretamente as palavras: “cuidava”, “hospital”, “lixo”, “quadrado”, “casca”, “aula”, “resfriado” e “longe”, indicando facilidade da relação fonema-grafema nessas palavras e acesso ao léxico mental ortográfico preservado, principalmente nas palavras “hospital”, “lixo” e “longe”, que dependem da memória para a grafia correta. Esse conjunto de palavras poderia ser útil para a formação de um banco de dados a ser utilizado em pesquisas futuras.
Por outro lado, nenhuma criança de ambos os grupos com DD conseguiu estabelecer a correta relação fonema-grafema das palavras “colchões”, “desça”, “herói”, “examinou”, “confeccionado”, “fósforo”, “inseticida”, “campeonato”, “inglês”, “manhãzinha”, “próximo”, “nascimento”, “saudável”, “aumentam” e “elegância”, que são consideradas palavras irregulares, sendo algumas, ainda, de baixa frequência.
O baixo desempenho nesse tipo de palavra indica o pouco desenvolvimento do conhecimento lexical, uma vez que palavras irregulares, para serem escritas corretamente, exigem mais da memória operacional, auxiliando no correto estabelecimento da conversão entre fonema e grafema(28).
É sabido que as dificuldades ortográficas provocam um impacto negativo para o desempenho acadêmico geral e para a vida profissional. O sistema ortográfico, por ser convencionalmente estabelecido, não se desenvolve apenas com a maturidade mas necessita ser ensinado. Dessa maneira, a competência ortográfica da criança vai depender das estratégias a ela ensinadas(29). Pelo desempenho mostrado pelos escolares deste estudo, pode-se inferir a existência de uma falha muito grande no ensino formal da relação fonema-grafema e, posteriormente, das regras ortográficas, tanto para os escolares sem queixa de aprendizagem quanto, principalmente, para os escolares com transtornos de aprendizagem.
Os escolares do GII e do GIII apresentaram um pior desempenho na tarefa de escrita sob ditado quando comparados aos do GI.
Não houve diferença estatística entre o desempenho dos escolares do GII e do GIII quanto ao número de acertos na ortografia.
Os escolares do GIII apresentaram um pior desempenho nos erros ortográficos do tipo Omissão e Adição de Segmentos e do tipo Outros Achados em comparação aos escolares do GII.
Os escolares do GII apresentaram um pior desempenho nos erros ortográficos do tipo Correspondência Fonema-Grafema Dependente do Contexto Fonético/Posição em comparação aos escolares do GIII.