versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.3 Rio de Janeiro mar. 2020 Epub 06-Mar-2020
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020253.16372018
As doenças transmitidas por alimentos (DTA), comuns no Brasil, são subnotificadas. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1/3 da população adoeça de DTA anualmente, mas apenas uma pequena parte proceda a notificação1-3. Segundo o Centers for Disease Control and Prevention (CDC), 48 milhões de pessoas adoecem, a cada ano, de DTA, nos Estados Unidos da América (EUA). Em 2014, o CDC relatou 864 surtos, resultando em 13.246 doenças, 712 hospitalizações e 21 mortes4. No Brasil, entre 2000 e 2015, registraram-se 11.241 surtos. Desses, 218.507 pessoas adoeceram e 2.121.110 estiveram expostas. 15% dos surtos estavam relacionados com os alimentos consumidos em restaurantes e padarias e 8,2%, com alojamentos e trabalho5. A contaminação alimentar pode ocorrer ao longo de toda a cadeia de produção e o gerenciamento dos riscos representa um maior controle higiênico-sanitário, imprescindível para se evitá-la6,7. Parte considerável dos surtos alimentares advém da associação entre o consumo de alimentos contaminados por manipulação inadequada e a conservação ou distribuição imprópria8,9.
A regulamentação técnica mais antiga do controle sanitário ocorre com o Codex Alimentarius (CA), criado pelo Fundo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura e pela OMS10. Em 1993, o Comitê de Higiene de Alimentos do CA publicou um guia para aplicação do sistema de Análise de Perigos e Pontos Críticos de Controle (APPCC), cuja aplicação, no Brasil, se dá a partir da Portaria nº 1.428/199311,12, do Ministério da Saúde (MS). No Brasil, a publicação da RDC nº 216/2004 representa um marco no controle sanitário, estabelecendo condições mínimas para os serviços de alimentação e nutrição, mas sem um modelo de roteiro de inspeção13. O Estado da Saúde de São Paulo publicou a Portaria CVS 5/201314, complementando os procedimentos da RDC nº 216/2004, definindo um roteiro de inspeção com abrangência estadual.
A tecnologia de inspeção sanitária assume destaque como instrumento de gerenciamento de risco, avaliando, em toda a cadeia alimentar, o atendimento à legislação sanitária7. Os roteiros de inspeção sanitária usuais avaliam os serviços utilizando variáveis dicotômicas com indicadores atribuídos como conforme e não conforme, que demonstram o atendimento ou não à legislação, sem juízo de valor da criticidade dos itens analisados, a exemplo do Roteiro de Avaliação das Condições Higiênico-Sanitárias em Serviços de Alimentação15. O Manual Integrado de Prevenção e Controle de Doenças Transmitidas por Alimentos7, publicado pelo MS prevê um roteiro de inspeção que define um critério para classificar os indicadores baseado na relevância do risco de cada um, em relação à quantidade e segurança do produto e à do trabalhador. A Lista de Verificação Boas Práticas na Alimentação Escolar (BPAE)16 pondera o potencial de consequência de cada indicador. Em 10 de maio de 2013, o MS aprovou a Portaria nº 817/2013, com as diretrizes nacionais para elaboração e execução do Projeto Piloto de Categorização dos Serviços de Alimentação17, implantado nas cidades-sede da Copa do Mundo FIFA 2014, prevendo a classificação de cada indicador quanto à criticidade, consequências em relação à saúde e segurança, grau de associação em relação às falhas associadas a surtos, além de ponderação para estabelecer valores18.
A vigilância sanitária possui três conjuntos de práticas, com noções de risco variáveis em função da estratégia. As ações de promoção da saúde voltadas para educação coletiva visam ao aumento da qualidade de saúde da população, não se relacionando com um fator de risco específico. As ações preventivas de riscos ou danos agem sobre fatores específicos, fundamentados no risco epidemiológico, para reduzir ou eliminar novas ocorrências. As ações de proteção da saúde buscam reforçar as defesas. Lidam com o risco como possibilidade de ocorrência de eventos que poderão prejudicar a saúde19. Considerando sua natureza dinâmica, faz-se necessária a busca de novas tecnologias que contemplem a complexidade e a transversalidade dos processos, capazes de gerenciar o risco sanitário20. Todos os roteiros para inspeção sanitária encontrados na literatura15,16,18,21 estão baseados no conceito de risco probabilístico. Para abarcar a complexidade de um conceito de risco, foi assim proposto o conceito de risco potencial, de grande relevância na área de vigilância sanitária22.
O risco potencial possui duas características importantes que o diferenciam do conceito de risco clássico, relacionando-se com a possibilidade e não com a probabilidade de ocorrência do inesperado. O risco clássico tem suas bases de avaliação em eventos ocorridos, enquanto o risco potencial volta-se aos que estão ocorrendo e aos efeitos que poderão ou não ocorrer. O risco potencial pode ser quantificado e classificado em níveis de aceitabilidade e sua operacionalização permite o acompanhamento e a comparação de diversos objetos sob controle da vigilância sanitária. Nesse contexto, foi desenvolvido o Modelo de Avaliação de Risco Potencial (MARP), possibilitando a quantificação do risco e sua classificação em um espaço de aceitabilidade19. Classifica o risco potencial em aceitável, tolerável e inaceitável através de um formalismo matemático. A aplicação do MARP é particularizada a partir dos indicadores de controle de riscos, com base numa escala de aceitabilidade definida, classificada em duas categorias: críticos e não críticos22.
Este estudo objetivou o desenvolvimento do IQIS, para área de serviços de alimentação de grande porte, baseado no MARP e legislação brasileira. A utilização do conceito de risco potencial demonstrou avanços no gerenciamento do risco sanitário em áreas afins como serviços de hemodiálise20 e radiodiagnóstico22. Sua aplicação na área de serviços de alimentação e nutrição representa uma inovação tecnológica, possibilitando a antecipação do risco e a proteção da saúde.
Foi desenvolvido de outubro de 2015 a maio de 2016, com as seguintes etapas: i) Elaboração do instrumento por profissionais da área; ii) Avaliação IQIS quanto à validade do conteúdo através da submissão ao Comitê de Especialistas, assim como à validade externa e confiabilidade pela realização de Pré-teste e Teste, aplicados em serviço de alimentação e nutrição de grande porte, em São Sebastião do Passé, Bahia, Brasil, que produz diariamente 2.541 refeições: 276 cafés, 1.393 almoços, 243 ceias e 629 lanches, atendendo trabalhadores. A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. A Figura 1 resume o processo de desenvolvimento e validação do IQIS.
Figura 1 Fluxograma do processo de elaboração e validação do Instrumento Quantitativo de Inspeção Sanitária - IQIS.
Essa etapa contou com um grupo de sete profissionais, sendo que 28,6% são doutores em saúde pública e pesquisadores em gerenciamento de riscos; 28,6%, ergonomistas e gestores em saúde do trabalhador; 28,6%, nutricionistas com especialização em saúde pública e experiência em nutrição coletiva; e 14,2%, especialistas em vigilância sanitária, com atuação na área de gerenciamento de risco. A revisão de literatura possibilitou a análise dos instrumentos e métodos existentes, assim como o embasamento teórico para a decisão e elaboração de um novo instrumento. Seguiu a identificação de fontes primárias, revisão de fontes secundárias, leitura crítica e resumo da literatura, sendo utilizadas palavras-chaves ou descritores: “risco”, “risco sanitário”, “risco epidemiológico”, “risco potencial”, “vigilância sanitária”, “inspeção sanitária”, “inspeção sanitária de alimentos”, “roteiro inspeção sanitária”, “roteiro de inspeção sanitária em restaurantes”, “roteiro de inspeção sanitária cozinha industrial”, “inspeção sanitária validação, questionários”, “instrumentos avaliação e elaboração validação instrumento”21,23-28.
O IQIS está fundamentado no MARP, cujo formalismo matemático é detalhado por Navarro22, aplicado a serviços de alimentação e nutrição. Esse modelo propõe subprocessos, conforme o fluxo natural do inspecionador. Para cada um desses, são definidas as principais atividades que representam risco potencial e, para cada uma delas, os indicadores de controle de riscos. Finalmente, cada indicador é classificado como crítico (IC) e não crítico (INC) e associado a uma escala intervalar de 0 a 5, onde zero representa controle de risco inexistente ou inadequado e cinco representa controle de risco excelente, com a seguinte graduação: 0 - inexistente ou inadequado; 1 - sofrível; 2 - razoável; 3 - bom; 4 - ótimo e 5 - excelente.
Para reduzir a subjetividade do avaliador, foi desenvolvida a codificação de respostas fechadas para cada índice da escala, com seis possibilidades para cada indicador. O fluxo de produção dos alimentos foi utilizado como critério para definir as dimensões, as quais foram desmembradas em atividades, áreas ou equipamentos que geram risco potencial, chamadas de módulos. Estes foram desdobrados em indicadores de controle de riscos e associados aos índices com as variáveis quantitativas, codificadas em respostas fechadas. Foram 14 encontros de oito horas com os profissionais, que utilizaram a RDC nº 216/2004. Os requisitos para atendimento à resolução foram considerados no índice 3 de cada indicador e as graduações inferiores e superiores definidas a partir da experiência e literatura pesquisada.
Para a classificação dos indicadores como críticos e não críticos, foi desenvolvido um painel com os profissionais, que utilizaram seu conhecimento para classificação e, num segundo momento, foi utilizada a tabela de associação de fatores de riscos para a ocorrência de surto, elaborado por especialistas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária18. O painel foi desenvolvido a partir de três encontros de oito horas, nos quais cada membro opinava sobre o indicador em pauta, obtendo-se consenso do grupo.
Muitas formas de validade e confiabilidade são mencionadas na literatura de pesquisa29-32 e, para a condução metodológica, optou-se pelas definições que estabelecem validade como sendo o quanto um teste mede o que de fato se deseja medir e que confiabilidade está relacionada à acurácia e precisão do procedimento de mensuração33.
Para validação do conteúdo, foi constituído um Comitê de Juízes, formado por três nutricionistas, com experiência profissional nas áreas de segurança dos alimentos e vigilância sanitária de 17 anos em média; um atuava como docente e dois no Conselho Regional de Nutricionistas. Um possuía mestrado e dois, especializações em vigilância sanitária. A primeira versão do IQIS foi apresentada ao Comitê de Juízes, junto com a planilha eletrônica para avaliação do conteúdo, quanto aos atributos da aplicabilidade, clareza e relevância. A aplicabilidade foi avaliada em escala com quatro alternativas: 1 - concordo plenamente, 2 - concordo parcialmente, 3 - sem opinião, e 4 - discordo. A clareza foi avaliada em escala com três alternativas: 1 - alta, 2 - regular e 3 - baixa, para observar se os indicadores foram redigidos de forma compreensível. A relevância, em escala com três alternativas: 1 - importante, 2 - não importante e 3 - não se aplica, notando-se se os itens realmente refletiam os conceitos envolvidos e se eram adequados para atingir os objetivos propostos. Para cada conjunto de dimensão, módulo, indicador e índice, foi criado um código com oito caracteres para organizar o banco de dados gerado nessa etapa. Os especialistas, reunidos por dois dias, em ambiente tranquilo e sem interrupções, responderam as 1.344 avaliações, orientados a não trocar informações entre si. Foi aplicado o Coeficiente de Kappa, para análise dos resultados, considerados k > 0,80 - 1,00, excelente concordância; k > 0,60 - 0,79, boa concordância; k > 0,40 - 0,59, concordância moderada; k > 0,20 - 0,39, concordância fraca e k > 0 - 0,19, sem concordância34. Foram aceitos todos os resultados com o Coeficiente de Kappa acima de 0,60, i.e., reveladores de boa concordância.
O Pré-teste verificou se todos os itens eram compreensíveis para os membros da população destinada. Para isso, foram convidados cinco nutricionistas, que tinham, em média, 42 anos de idade, 14 anos de experiência na área, todos com especialização em vigilância sanitária ou áreas afins. A aplicação do IQIS foi realizada no mesmo dia, por observação direta para todos os indicadores de controle de riscos, exceto para os documentais, respondidos por entrevista com responsáveis pelo setor, sendo realizada em oito horas, no horário administrativo do serviço de alimentação. Os avaliadores receberam o instrumento impresso e foram orientados a avaliar os módulos ao mesmo tempo, assim como a não trocar informações entre si, para evitar influência nas respostas. Na análise do Pré-teste, foram utilizados testes estatísticos de frequência interobservadores, discutidos os resultados num processo interativo entre pesquisadores e nutricionistas para esclarecer pontos controversos. Para eliminar ou ajustar indicadores e índices ambíguos ou com juízos de valor, foram analisados todos os itens com percentual de acordos inferior a 80%. Foi avaliado se os conceitos estavam redigidos de forma compreensível ao que se esperava medir e adequados para os objetivos propostos. Os documentos e suas propostas de modificação foram analisados e acatados, gerando a segunda versão do IQIS.
O Teste teve como principal objetivo avaliar as características psicométricas do instrumento. Para isso, foram convidados sete nutricionistas com, em média, 38 anos de idade e 11 anos de experiência na área de produção de alimentos. Todos possuíam especialização em vigilância sanitária ou áreas afins, que aplicaram a segunda versão do IQIS no mesmo serviço de alimentação e nutrição do Pré-teste, seguindo as mesmas condições anteriores. Os dados foram coletados com os formulários impressos e importados para o programa computacional SPSS, versão 24.0, para realização das análises35.
Foi feito o tratamento estatístico dos dados através de análises descritivas e exploratórias para investigar a exatidão da entrada, a distribuição de casos omissos e a distribuição de frequências. Para comparar os percentuais de adequação das condições higiênico-sanitárias do serviço de alimentação e nutrição, foi utilizada a análise de variância não paramétrica, sendo aplicado o Teste de Kruskal-Wallis e considerado o nível de significância de 5% em todas as análises36. Utilizando os mesmos dados do Teste, o Coeficiente de Correlação Intraclasse foi aplicado para verificar a confiabilidade e a capacidade de utilização do instrumento em outros contextos, considerando que, no CCI ≥ 0,75, a confiabilidade deve ser considerada excelente; no CCI entre 0,40 - 0,75, há confiabilidade satisfatória; e considerada pobre quando o CCI < 0,4037. Por fim, para a verificação da confiabilidade interna, foi calculado o coeficiente Alpha de Cronbach para cada dimensão, considerados aceitáveis valores de α ≥ 0,70 e de alta confiabilidade os α ≥ 0,8038,39.
A partir dos requisitos da RDC nº 216/200413 e no fluxo do processo de produção, o IQIS foi definido em sua primeira versão, contendo 12 dimensões e 41 módulos, desdobrados em 76 indicadores de controle de riscos e 1.344 índices associados a variáveis quantitativas. Além disso, foram associados, a cada dimensão e módulo, os indicadores e índices para avaliação do respectivo risco sanitário, resultando em 224 itens de verificação diferentes. Cada combinação de dimensão-módulo-indicador-índice caracteriza um item do IQIS. O Quadro 1 apresenta um exemplo de Item de Verificação do IQIS.
Quadro 1 Exemplo de Item de Verificação do IQIS.
Dimensão | Módulo | Indicador de Controle de Risco | Índices | |
---|---|---|---|---|
Manipuladores de alimentos | Cocção | Lavagem das mãos | 0 | Manipuladores não realizam lavagem e antissepsia (higienização) das mãos e/ou não possui lavatório exclusivo, posicionado estrategicamente em relação ao fluxo de preparo dos alimentos. |
1 | Manipulador não usa sabonete líquido inodoro antisséptico ou sabonete líquido inodoro e produto antisséptico e/ou toalhas de papel não reciclado ou outro sistema higiênico e seguro de secagem das mãos e/ou descarta em coletor de papel sem acionamento manual ou não realiza higienização com a frequência adequada. | |||
2 | Higienização das mãos adequadamente, mas não tem disponível cartaz para sua orientação sobre a lavagem e antissepsia das mãos. | |||
3 | Realiza higienização das mãos em lavatório exclusivo, posicionado estrategicamente em relação ao fluxo de preparo dos alimentos, com a frequência adequada (chegar ao trabalho, antes e após manipular alimentos, após interrupção do serviço, após tocar materiais contaminados, após usar sanitários), e sempre que se fizer necessário, com sabonete líquido inodoro antisséptico ou sabonete líquido inodoro e produto antisséptico, usa toalhas de papel não reciclado ou outro sistema higiênico e seguro de secagem das mãos, e descarta em coletor de papel sem acionamento manual. Tem disponível cartaz para sua orientação sobre a lavagem e antissepsia das mãos. | |||
4 | Mesma condição anterior sem acionamentos manuais (torneira e porta papel toalha). | |||
5 | Mesma condição anterior, com frequência de lavagem, de mãos sistematizadas a cada 60 minutos. |
O painel de especialistas classificou inicialmente 42% dos 76 indicadores como críticos. Após o Pré-teste e avaliação do percentual de concordância, foram redefinidos 57 indicadores, avaliados à luz da tabela de fatores de riscos para a ocorrência de surto18. Para a validação do conteúdo, foi utilizado o Coeficiente de Kappa. Os itens do IQIS foram avaliados quanto à aplicabilidade, clareza e relevância e os resultados demonstraram que o instrumento possui alta concordância interobservadores, conforme Tabela 1.
Tabela 1 Coeficiente de concordância Interobservadores - Comitê de Juízes - Salvador, 2016.
Dimensões | Total de Itens | Aplicabilidade | Clareza | Relevância | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|
N1 | Kappa | N2 | Kappa | N3 | Kappa | ||
I. Edificação, instalações, equipamentos, móveis e utensílios | 150 | 120 | 0,80 | 138 | 0,92 | 141 | 0,94 |
II. Higienização de instalações, equipamentos, móveis e utensílios | 354 | 269 | 0,76 | 280 | 0,79 | 326 | 0,92 |
III. Controle integrado de vetores e pragas urbanas | 06 | 04 | 0,67 | 04 | 0,67 | 06 | 1,00 |
IV. Abastecimento de água | 24 | 14 | 0,56 | 22 | 0,94 | 24 | 1,00 |
V. Manejo dos resíduos | 90 | 85 | 0,94 | 89 | 0,99 | 86 | 0,95 |
VI. Manipuladores de alimentos | 186 | 166 | 0,89 | 167 | 0,90 | 180 | 0,97 |
VII. Matérias-primas, ingredientes e embalagens | 276 | 204 | 0,74 | 237 | 0,86 | 229 | 0,83 |
VIII. Preparação de alimentos | 78 | 65 | 0,83 | 64 | 0,82 | 78 | 1,00 |
XI. Armazenamento e transporte do alimento preparado | 42 | 38 | 0,9 | 38 | 0,9 | 42 | 1,00 |
X. Exposição ao consumo do alimento preparado | 102 | 64 | 0,63 | 79 | 0,77 | 84 | 0,82 |
XI. Documentação e registro | 24 | 14 | 0,60 | 20 | 0,83 | 23 | 0,97 |
XII. Responsabilidade | 12 | 04 | 0,33 | 05 | 0,44 | 07 | 0,61 |
Total Itens | 1344 | 1047 | 1143 | 1226 | |||
Média | 0,72 | 0,82 | 0,92 | ||||
% | 78% | 85% | 91% |
N1 = Número de itens com a concordância dos especialistas no critério alta aplicabilidade; N2 = Número de itens com a concordância dos especialistas no critério alta clareza; N3 = Número de itens com a concordância dos especialistas no critério importante relevância.
O atributo aplicabilidade obteve 78% da opção concordo plenamente na resposta dos juízes. A clareza foi avaliada como alta, obtendo 85% das respostas. O atributo relevância teve a opção importante com 91% das respostas. O IQIS foi considerado validado com excelente concordância para os atributos de clareza e relevância, com k = 0,82 e k = 0,92, respectivamente e boa concordância para o atributo de aplicabilidade, com k = 0,78. As sugestões para alteração nos textos dos índices (30%), analisados e acatados, deram origem à segunda versão do IQIS, ajustada ao parecer do Comitê. Os resultados da aplicação foram analisados quanto ao percentual de concordância entre eles. Das 224 respostas de cada avaliador, 115 tiveram um percentual de concordância inferior a 80%, as quais foram reavaliadas pelos pesquisadores e ajustadas, dando origem à segunda versão. Após a validação de conteúdo, o IQIS foi reestruturado com 12 dimensões, 41 módulos, 57 indicadores, sendo 30 críticos e 27 não críticos, 252 itens e 1.512 índices.
O teste de Kruskal-Wallis foi aplicado aos dados resultantes da avaliação dos sete nutricionistas no Teste e mostrou não haver diferença estatisticamente significativa (p = 0,423) entre as avaliações obtidas, tanto para o instrumento como um todo, quanto para suas dimensões. Os itens foram avaliados de acordo com o risco para a manutenção da qualidade higiênico-sanitária, classificados nas 12 dimensões, conforme se apresenta na Tabela 2.
Tabela 2 Percentual de adequação das condições higiênico sanitárias do serviço de alimentação no Teste, Salvador, 2016.
Blocos | Nutricionistas | p-valor | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | 6 | 7 | ||
(%) | (%) | (%) | (%) | (%) | (%) | (%) | ||
I. Edificação, instalações, equipamentos, móveis e utensílios | 27,10 | 21,30 | 23,50 | 23,20 | 26,60 | 25,70 | 22,80 | 0,423 |
II. Higienização de instalações, equipamentos, móveis e utensílios | 33,30 | 29,90 | 26,00 | 31,60 | 33,30 | 33,90 | 27,40 | 0,423 |
III. Controle integrado de vetores e pragas urbanas | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 0,00 | 100,00 | 0,00 | 0,00 | 0,423 |
IV. Abastecimento de água | 41,70 | 41,70 | 41,70 | 50,00 | 16,70 | 41,70 | 41,70 | 0,423 |
V. Manejo dos resíduos | 40,20 | 37,30 | 41,20 | 36,30 | 40,60 | 41,10 | 40,20 | 0,423 |
VI. Manipuladores de alimentos | 33,30 | 32,50 | 31,70 | 38,90 | 38,10 | 30,20 | 31,00 | 0,423 |
VII. Matérias-primas, ingredientes e embalagens | 35,80 | 35,40 | 28,00 | 32,70 | 36,70 | 39,30 | 28,70 | 0,423 |
VIII. Preparação de alimentos | 34,30 | 38,60 | 27,20 | 39,50 | 32,50 | 33,30 | 30,60 | 0,423 |
IX. Armazenamento e transporte do alimento preparado | 40,50 | 38,10 | 40,50 | 40,50 | 40,50 | 40,50 | 40,50 | 0,423 |
X. Exposição ao consumo do alimento preparado | 42,20 | 38,60 | 42,20 | 42,20 | 43,10 | 44,10 | 42,20 | 0,423 |
XI. Documentação e registro | 33,30 | 33,30 | 33,30 | 33,30 | 33,30 | 33,30 | 33,30 | 1 |
XII. Responsabilidade | 50,00 | 50,00 | 50,00 | 50,00 | 50,00 | 50,00 | 50,00 | 1 |
Média | 34,31 | 33,06 | 32,11 | 34,85 | 40,95 | 34,43 | 32,37 | 0,423 |
Percentual de adequação das condições higiênico-sanitárias: não foram obtidas diferenças estatisticamente significativas pelo teste Kruskal-Wallis.
Ao calcular o percentual de adequação das condições higiênico-sanitárias do serviço de alimentação e de cada dimensão, observou-se que o instrumento IQIS permitiu identificar os itens que necessitavam de correção para cumprimento dos requisitos legais, uma vez que houve concordância nas respostas indicadas. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as avaliações dos nutricionistas pelo teste Kruskal-Wallis, demostrando que há confiabilidade e reprodutibilidade do instrumento. Utilizando-se do mesmo banco de dados, foram feitas as análises estatísticas do Alpha de Cronbach e Coeficiente de Correlação Intraclasse por dimensões, para verificar a confiabilidade do IQIS, que demonstrou a existência de fidedignidade aceitável em sua totalidade. O teste de Kruskal-Wallis mostrou que não houve diferença estatisticamente significativa entre as avaliações (p = 0,423), o Coeficiente de Correlação Intraclasse mostrou-se satisfatório (CCI = 0,53), assim como o Alpha de Cronbach foi considerado aceitável (α = 0,71).
Para avaliar a faixa do risco potencial do serviço de alimentação e nutrição, foi utilizado o banco de dados do Teste e aplicado o formalismo matemático do MARP para cada dimensão do IQIS. Para avaliar sua efetividade, foram analisados os percentuais de conformidades, nas quais foram consideradas “conforme” as respostas indicadas nos índices 3, 4 e 5. A Tabela 3 mostra a classificação de cada dimensão em relação à faixa de variação do risco potencial, em aceitável, tolerável ou inaceitável. O resultado da aplicação do IQIS demonstrou que o serviço de alimentação e nutrição avaliado teve um percentual médio de conformidade de 35%, na avaliação dos indicadores de controle de risco e o risco potencial classificado na faixa de variação de risco inaceitável.
Tabela 3 Classificação do risco potencial na faixa de variação, obtido a partir das respostas dadas no Teste, Salvador, 2016.
Blocos | Nº de itens |
Nº de indicadores de risco | Nº de indicadores de risco críticos | % de Conformidade | Classificação de risco potencial |
---|---|---|---|---|---|
I. Edificação, instalações, equipamentos, móveis e utensílios | 57 | 9 | 1 | 27 | Tolerável |
II. Higienização de instalações, equipamentos, móveis e utensílios | 59 | 4 | 3 | 30 | Inaceitável |
III. Controle integrado de vetores e pragas urbanas | 1 | 0 | 1 | 14 | Inaceitável |
IV. Abastecimento de água | 6 | 1 | 5 | 38 | Aceitável |
V. Manejo dos resíduos | 17 | 1 | 1 | 67 | Aceitável |
VI. Manipuladores de alimentos | 23 | 0 | 3 | 64 | Inaceitável |
VII. Matérias-primas, ingredientes e embalagens | 27 | 2 | 4 | 61 | Inaceitável |
VIII. Preparação de alimentos | 20 | 1 | 5 | 57 | Inaceitável |
IX. Armazenamento e transporte do alimento preparado | 7 | 3 | 2 | 69 | Aceitável |
X. Exposição ao consumo do alimento preparado | 21 | 3 | 3 | 65 | Inaceitável |
XI. Documentação e registro | 3 | 2 | 1 | 33 | Aceitável |
XII. Responsabilidade | 2 | 1 | 1 | 100 | Aceitável |
Total | 27 | 30 | 35 | Inaceitável |
Para o cálculo dos valores de %, de conformidade e classificação do risco potencial, foram utilizados os dados dos sete nutricionistas.
No atual contexto social e econômico brasileiro, medidas de controle sanitário requerem gerenciamento de riscos das condições higiênico-sanitárias de serviços de alimentação e nutrição como fator essencial para redução da incidência das DTAs. Dessa forma, a elaboração e validação de um instrumento quantitativo para inspeção de serviços de alimentação e nutrição de grande porte, baseado no MARP, subsidiam as medidas de prevenção e controle. Para corroborar isso, o IQIS foi desenvolvido e testado quanto a sua validade, com resultados consistentes que permitem aplicação imediata. Sua elaboração contemplou na íntegra a RDC nº 216/200413, o que contribui para uniformização da terminologia, além de garantir que todos os requisitos legais nacionais sejam considerados. Estudos similares como a Lista de Avaliação para Categorização dos Serviços de Alimentação18 e o BPAE16 utilizaram métodos para priorização dos itens da RDC nº 216/200413, com maior relevância para o controle do risco sanitário, assim como desenvolveram seus respectivos métodos para classificação do risco no final da aplicação das listas. Apesar das metodologias diferentes para classificação dos indicadores de controle de riscos entre críticos e não críticos, observa-se similaridade entre os indicadores críticos do IQIS e a Lista de Avaliação para Categorização dos Serviços de Alimentação18. O MARP aplicado aos serviços de alimentação e nutrição assemelha-se ao APPCC em seu propósito de garantir a segurança alimentar, mas apresenta aspectos metodológicos diferentes, haja vista que este é utilizado para análise de potenciais perigos das operações, apoiado no conceito de risco probabilístico. Já o MARP trabalha com o risco potencial, quanto à possibilidade de ocorrência de um agravo à saúde, sem necessariamente descrever o agravo e sua probabilidade de ocorrência. É um conceito que expressa o juízo de valor sobre a exposição em potencial a um possível risco19 e isso é um avanço na garantia da segurança alimentar.
Embora usual, a utilização do instrumento de inspeção sanitária para levantamento de não conformidades nos serviços de alimentação e nutrição requer a utilização de métodos de classificação dos indicadores de controle de riscos, definindo suas respectivas criticidades, para o adequado gerenciamento do risco sanitário. A análise de dados da Tabela 3 mostrou que o percentual de não conformidades em cada dimensão nem sempre é equivalente ao grau de criticidade dessas. Observou-se que as dimensões VII. Matérias-primas, Ingredientes e embalagens, VIII. Preparação de alimentos e X. Exposição ao consumo do alimento preparado, apesar de mais de 60% dos seus itens avaliados com as condições higiênico-sanitárias adequadas, foram classificadas com risco potencial inaceitável, colocando em risco todo o sistema. O MARP possibilita a comparação entre os riscos potenciais avaliados, direcionando importantes etapas do gerenciamento do risco, assim como a implementação de medidas corretivas em casos de falha. Estudo semelhante avalia a classificação de riscos dos serviços de alimentação e nutrição como uma estratégia confiável para a comunicação de riscos e promoção da segurança alimentar, contribuindo grandemente para a redução de doenças veiculadas pelos alimentos40.
A validação de instrumentos quantitativos, com visão de gerenciamento de risco para o controle da segurança de alimentos na alimentação e nutrição coletiva, além de útil, ganha significado substancial por subsidiar os diversos profissionais no campo da pesquisa e da prática, possibilitando um olhar apurado para as questões mais críticas, sem perder de vista os demais itens exigidos na legislação. O IQIS demonstrou-se um instrumento de aplicação viável, com diminuição do grau de interferência do avaliador devido às opções de respostas objetivas, apropriado para uma inspeção detalhista e rigorosa, o que demanda tempo para seu preenchimento em serviços de alimentação e nutrição de grande porte. Ressalta-se que a diferença desse tempo na aplicação do IQIS e de instrumentos dicotômicos não é significativa, o que reforça sua aplicabilidade por nutricionistas da esfera privada, assim como por instituições reguladoras ligadas à vigilância sanitária.
A inexistência de estudos de validação envolvendo instrumentos de avaliação quantitativos para serviços de alimentação e nutrição - que contemplem todos os itens exigidos na RDC nº 216/200413 - e a ausência de um padrão-ouro se projetaram como dificuldades no delineamento do presente estudo, o que empreendeu a combinação de diversas estratégias metodológicas para garantir a validação do IQIS. Dentre as limitações da pesquisa, destaca-se o tamanho da amostra restringido pela necessidade de o grupo de avaliadores aplicar o IQIS no mesmo momento, visto que a realidade da produção de alimentos é dinâmica e altera suas condições higiênico-sanitárias nos respectivos setores em função do fluxo de produção ao longo do dia.
Os resultados do IQIS indicam que possui validade de conteúdo, podendo ser utilizado com boa confiabilidade e reprodutibilidade por nutricionistas para avaliar as condições higiênico-sanitárias dos serviços de alimentação e nutrição de grande porte e gerenciar os riscos prioritários, auxiliando na adoção das boas práticas de manipulação de alimentos e favorecendo a prevenção de doenças. As contribuições evidenciaram a importância do desenvolvimento do IQIS, atendendo à necessidade dos nutricionistas de contarem com uma inovação tecnológica específica para o segmento da alimentação coletiva, que contemple as exigências da RDC nº 216/200413 e possibilite o gerenciamento do risco sanitário, abarcando toda sua complexidade. Trabalhos semelhantes permitirão gerar conhecimentos e ferramentas que assegurem a gestão do risco sanitário nos serviços de alimentação e nutrição, contribuindo, consequentemente, para a oferta de uma alimentação segura com menor possibilidade de incidência de doenças veiculadas pelos alimentos. Destaca-se também, como importante benefício do trabalho, a administração de recursos na hierarquização das melhorias, fundamental no atual contexto socioeconômico de crise e recursos limitados. Recomenda-se que a aplicação técnica do IQIS seja ampliada para outros serviços de alimentação e nutrição, além de se vislumbrar a possibilidade de sua utilização por órgãos reguladores como a Vigilância Sanitária. Como perspectiva para estudos futuros, sugere-se a elaboração de material instrutivo para melhor entendimento do instrumento por parte dos profissionais que utilizarão o IQIS, além de versão mais objetiva e apropriada para aplicação em realidades com disponibilidade reduzida de recursos ou situações emergenciais de saúde.