versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.17 no.2 São Paulo 2019 Epub 18-Mar-2019
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019ao4156
Variações da pressão arterial (PA) podem ocorrer em curtos intervalos de tempo, sendo secundárias a reflexos cardiopulmonares,(1)fatores neuro-hormonais,(2)sono(3)ou, até mesmo, comportamentais.(4)Atualmente, é grande a procura por métodos não manuais de medida da PA, uma vez que a automatização desse processo pode contribuir para a otimização do tempo da equipe e oferecer maior conforto ao paciente. Além disso, as medidas de PA adquiridas pelos métodos automáticos são comparáveis com as medidas manuais.(1,2)
Por outro lado, em algumas situações clínicas, pequenas variações na PA podem ocorrer de forma súbita e ter grande relevância, como no reflexo vasovagal, em hemorragias e em arritmias cardíacas, dentre outros. A maioria dos equipamentos automáticos foi validada para medidas pontuais e, muitas vezes, documenta tardiamente as variações rápidas de PA. No Brasil, não existem aparelhos de tonometria arterial periférica batimento a batimento testados e validados para uso clínico; dessa forma, a monitorização contínua da PA pode contribuir para o acompanhamento desses pacientes.(4)
A tonometria arterial é realizada por um transdutor alocado sobre a arterial radial, com detecção da onda de pulso e cálculo da PA sistólica e diastólica, oferecendo a atualização da PA a cada batimento, de forma contínua e não invasiva.(5)
Durante os procedimentos de coronariografia, é mandatória a monitorização invasiva da PA, com o objetivo de detectar precocemente alterações hemodinâmicas e complicações do procedimento. Equipamentos de avaliação da PA batimento a batimento, que apresentem boa acurácia quando comparados com a PA invasiva, podem contribuir para a monitorização hemodinâmica durante procedimentos invasivos e não invasivos.
Desenvolver e validar um equipamento de monitorização de pressão arterial batimento a batimento durante a realização de coronariografia, e comparar suas medidas com as obtidas pela pressão arterial invasiva.
Foram selecionados 28 pacientes consecutivamente, com solicitação de estudo na hemodinâmica, provenientes de serviços de saúde secundários, de acordo com a central reguladora de vagas para o Setor de Cardiologia Intervencionista de um hospital universitário na cidade de São Paulo (SP), no período de fevereiro a setembro de 2016. Foram incluídos pacientes de ambos os sexos, com idade superior a 18 anos, indicação de coronariografia pela suspeita de doença na artéria coronária, de forma eletiva. Pacientes com índice de massa corporal (IMC) acima 40kg/m2, histórico de trombose de membros superiores (MMSS), amputação prévia de membro superior esquerdo (MSE), alterações dermatológicas significativas, assimetria de pulsos, arritmias, procedimentos de urgência e com instabilidade hemodinâmica foram excluídos.
Foram realizadas três sessões para discutir as necessidades e o desenvolvimento do protótipo em parceria com pesquisadores de engenharia clínica do Centro de Inovação Tecnológica do Hospital Israelita Albert Einstein, utilizando como base os preceitos da tonometria arterial periférica adaptada para a região da arterial radial esquerda. Nessa fase, foi realizado o projeto conceitual da pulseira ( Figura 1 ).
Nesta fase, foram realizados pré-testes para verificação da viabilidade das medidas e do desconforto com o uso da pulseira. Problemas relacionados às questões ergonômicas, aspectos físicos e variações decorrentes da mudança de posição foram reconhecidos e readaptados nesta fase.
A forma de apresentação dos dados, incluindo frequência cardíaca, e pressões arteriais sistólica e diastólicas, foi desenvolvido para tornar as informações de fácil visualização.
Foram realizadas reuniões com a equipe, para acesso às informações e para treinamento para uso correto do equipamento e início da fase de testes clínicos.
Todas as fases foram realizadas com a presença da equipe médica, de enfermagem e engenharia clínica.
Os participantes da pesquisa foram orientados a comparecer no Setor de Cardiologia Intervencionista, acompanhados e mantendo jejum de 8 horas. O paciente permaneceu em decúbito dorsal horizontal e, antes do início da coronariografia, foi orientado quanto ao uso da pulseira radial esquerda, para monitorização da PA batimento a batimento. O posicionamento da pulseira foi realizado de acordo com a maior amplitude de sinal adquirido no pulso radial. O paciente foi orientado a não mais movimentar o membro superior esquerdo durante o procedimento.
Após a punção da arterial femoral ou radial direita e a verificação da PA invasiva, por meio de transdutor de pressão (TEB SP12 – SP12/32, número de série: 06081004), foi realizada a calibração do sistema de tonometria arterial periférica.
A monitorização contínua da PA e da frequência cardíaca foi realizada durante todo o procedimento, incluindo as fases de injeção do contraste. As medidas pressóricas foram coletadas em seis momentos, durante a coronariografia, em intervalos regulares, e os dados foram comparados com as medidas simultâneas obtidas pelo sistema invasivo.
Foram utilizados o programa Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 20.0, e Stata®, para a análise dos dados. A reprodutibilidade entre as duas mensurações foi avaliada via correlação intraclasse. Para facilitar a visualização das duas medidas, foram apresentados gráficos de Bland-Altman. Adicionalmente, foram apresentadas correlações de Pearson, para se avaliar a associação linear entre os dois resultados. Os dados foram expressos como média e desvio padrão para as variáveis quantitativas. As variáveis categóricas estão apresentadas em percentagem. A comparação de médias das duas mensurações foi realizada utilizando-se teste t de Student para amostras pareadas. Foram ajustados modelos de regressão linear para verificar a existência de interação entre a PA sistólica mensurada via equipamento e IMC, diabetes ou hipertensão sobre a PA sistólica mensurada na forma invasiva. O mesmo foi realizado para a PA diastólica. Tanto o teste t de Student como a regressão linear apresentaram como um dos pressupostos a normalidade na distribuição dos dados, a qual foi verificado empregando-se o teste de Kolmogorov-Smirnov. Valor de p≤0,05 foi considerado significante.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), parecer 534.636, CAAE: 15481413.0.0000.5505, e todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
O desenvolvimento do protótipo e as fases de aprimoramento da pulseira estão representados na figura 2 .
Figura 2 Sistema de posicionamento da pulseira de tonometria arterial no braço esquerdo e palpação do pulso radical esquerdo
A média da idade dos pacientes foi de 61,5±9,9 anos. Dos 28 participantes, 17 eram do sexo masculino. As características da amostra analisada estão demonstradas na tabela 1 . Houve diferença significativa entre o tempo necessário para a equipe de hemodinâmica adquirir a primeira medida da PA invasiva, e o tempo da primeira medida da PA batimento a batimento (11,1±5,1 minutos versus 1,5±1,8 minutos; p<0,0001). Durante os testes clínicos, um paciente (0,3%) solicitou a retirada da pulseira, referindo dor na região do pulso esquerdo. A monitorização contínua da PA batimento a batimento não foi perdida em nenhum paciente durante a monitorização, incluindo a fase de injeção de contraste da coronariografia.
Tabela 1 Características da amostra analisada
Grupos etários | |
---|---|
Idade, anos | 61,5±9,9 |
Sexo masculino | 60,7 |
Diabetes | 35,7 |
Hipertensão | 57,1 |
Dislipidemia | 28,5 |
Delta T invasiva*, minutos | 11,1±5,1 |
Delta T equipamento†, minutos | 1,5±1,6 |
Resultados expressos por média±desvio padrão, ou %. * tempo necessário para a equipe de hemodinâmica adquirir a primeira medida da pressão arterial invasiva;†tempo da primeira medida da pressão arterial batimento a batimento.
Não houve diferença estatística entre as médias da PA sistólica com o equipamento quando comparado com a PA invasiva (130,73mmHg±15,95mmHg versus 128,79mmHg±16,24mmHg; p=0,305). Não houve diferença estatística entre as médias da PA diastólica com o equipamento quando comparado com a PA invasiva (78,26mmHg±13,23mmHg versus 77,57mmHg±12,54mmHg; p=0,677). Os coeficientes de correlação intraclasse (IC95%) da PA sistólica e da diastólica foram 0,897 (0,780-0,952) e 0,876 (0,734-0,942), indicando boa reprodutibilidade.
As figuras 3 e 4 demonstram a dispersão entre as medidas na PA sistólica e diastólica.
Os modelos de regressão linear não demonstraram efeito de interação entre IMC, diabetes ou hipertensão, tanto na PA sistólica quanto na diastólica mensuradas pelo equipamento sobre as pressões mensuradas na forma invasiva. Os valores beta da interação (IC95%) para PA sistólica e diastólica e diabetes foram, respectivamente, 1,78 (-0,11-0,97) e -0,44 (-0,75-0,44). Os valores beta da interação (IC95%) para PA sistólica e diastólica e hipertensão arterial foram, respectivamente, 0,76 (0,24-1,25) e -1,25 (0,98-0,17). Os valores beta da interação (IC95%) para PA sistólica e diastólica e IMC foram, respectivamente, -1,69 (-0,10-0,21) e -2,93 (-0,18-0,01).
O principal achado deste estudo foi o desenvolvimento de uma ferramenta capaz de monitorar a PA batimento a batimento com boa correlação com as medidas invasivas. Parece ser consenso internacional e é também preconizado pelo Encontro Multicêntrico sobre Crises Hipertensivas que, caracterizada a emergência, a situação requer sempre o uso de drogas injetáveis por um bom acesso venoso, se possível com bombas de infusão contínua e monitorização rigorosa da PA.(6)
A validação de novos equipamentos para essa finalidade não é recente. Desde 1980, vários protocolos foram propostos, mas somente em 2010 a European Society of Hypertension publicou uma revisão com o protocolo internacional de medidas de PA em adultos,(7)o que norteou muitos estudos clínicos relacionados ao desenvolvimento tecnológico e protocolos de validação. Heusdens et al., avaliaram 25 pacientes consecutivos submetidos à endarterectomia que necessitavam de monitorização da PA e compararam as medidas não invasivas por meio de sensor de dedo com a PA invasiva, demonstrando boa correlação clínica.(8)Hellman et al., avaliaram pacientes com doença de Parkinson com e sem hipotensão ortostática documentada submetidos à manobra de Valsalva pelos métodos tradicionais e pela monitorização da PA contínua, batimento a batimento. Os autores demonstraram que a avaliação contínua é mais sensível que as medidas tradicionais para o diagnóstico de hipotensão postural nessa população.(9)Achados semelhantes foram reportados por Langwieser et al., que estudaram o papel da tonometria arterial periférica em pacientes internados em unidades de terapia intensiva, demonstrando tratar-se de uma técnica com boa acurácia em comparação as técnicas invasivas, constituindo alternativa para monitorização nesses pacientes.(10)O presente estudo, de forma semelhante, não demonstrou diferenças significativas entre as medidas de PA sistólica e diastólica durante a realização de coronariografia.
Por outro lado, em estudo realizado por Gupta et al., no qual foi avaliada a monitorização contínua batimento a batimento, com as medições de PA intermitentes durante cesárea eletiva, demonstrou-se que as pacientes monitoradas com técnica contínua tiveram menor detecção de queda na PA e menor uso de ocitocina quando comparadas com o grupo com monitorização intermitente. Os autores concluíram que a monitorização contínua deve ser apenas coadjuvante a monitorização convencional.(11)
Além disso, a preocupação com o uso seguro dos equipamentos é ratificada nacionalmente no Programa de Segurança do Paciente, constituindo uma de suas metas e, por isso, a tolerância ao método também constituiu importante fator avaliado neste estudo, em que apenas um (3,6%) paciente referiu dor local com uso da pulseira.(12)
O tempo total de monitorização também pode ser fator determinante para avaliar a tolerância e, de fato, no presente estudo, o tempo de monitorização batimento a batimento foi de aproximadamente uma hora, inviabilizando comparações com monitorações com duração diferente.
O tempo de aquisição da primeira medida de pressão pela tonometria arterial foi inferior quando comparada com a pressão invasiva (11,1±5,1 minutos versus 1,5±1,8 minutos; p<0,0001). Esse fato pode ser importante em cenários de maior urgência e constitui achado promissor para futuras investigações clínicas. Outra vantagem é o fato da medida de PA batimento a batimento permanecer inalterada durante o processo de injeção de contraste, o que pode trazer informações adicionais durante o procedimento.
Além disso, o controle da PA batimento a batimento pode ser útil na disfunção miocárdica pós-parada cardiorrespiratória e no controle das crises hipertensivas, uma vez que a queda na fração de ejeção e o aumento da pressão diastólica final do ventrículo esquerdo podem evoluir horas após, com hipotensão e baixo débito cardíaco,(13)assim, o controle da PA deve ser rigoroso.(6)
Algumas limitações devem ser apontadas: o número reduzido de pacientes e a exclusão de obesos, portadores de arritmias cardíacas e com instabilidade hemodinâmica, o que implica na necessidade de novos estudos. Além disso, a reprodução desses resultados em outros setores é fundamental para a compreensão de sua usabilidade, uma vez que a população analisada foi bastante específica.
Houve correlação entre as medidas de pressão arterial observada pela técnica invasiva e pelo equipamento de pressão arterial batimento a batimento, não invasivo. Além disso, foi observada maior agilidade na obtenção da primeira medida de pressão arterial. Assim, o equipamento desenvolvido pode constituir uma ferramenta promissora para a monitorização hemodinâmica.