versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.6 São Paulo jun. 2019 Epub 08-Abr-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190061
Hiperatividade simpática de repouso e uma reativação parassimpática diminuída pós-exercício têm sido descritas em pacientes com insuficiência cardíaca (IC). No entanto, a associação dessas alterações autonômicas em pacientes com IC sarcopênicos ainda não são conhecidas.
O objetivo deste estudo foi avaliar o impacto da modulação autonômica sobre sarcopenia em pacientes com IC do sexo masculino.
Foram estudados 116 pacientes com IC e fração de ejeção ventricular esquerda inferior a 40%. Todos os pacientes foram submetidos ao teste de exercício cardiopulmonar máximo. A frequência cardíaca máxima foi registrada, e o delta de recuperação da frequência cardíaca (∆RFC) foi avaliado no primeiro e no segundo minuto após o exercício. A atividade nervosa simpática muscular (ANSM) foi registrada por microneurografia. A Absorciometria Radiológica de Dupla Energia foi usada para medir composição cpororal, e a sarcopenia definida como a soma da massa muscular apendicular (MMA) dividida pela altura em metros ao quadrado e força da mão.
A sarcopenia foi identificada em 33 pacientes (28%). Os pacientes com sarcopenia apresentaram maior ANSM que aqueles sem sarcopenia - 47 (41-52) vs. 40 (34-48) impulsos (bursts)/min, p = 0,028). Pacientes sarcopênicos apresentaram ∆RFC mais baixo no primeiro [15 (10-21) vs. 22 (16-30) batimentos/min, p < 0,001) e no segundo [25 (19-39) vs. 35 (24-48) batimentos/min, p = 0,017) minuto que pacientes não sarcopênicos. Observou-se uma correlação positiva entre a MMA e a ANSM (r = -0,29; p = 0,003).
Um desequilíbrio simpático-vagal parece estar associado com sarcopenia em pacientes com IC do sexo masculino. Esses resultados destacam a importância de uma abordagem terapêutica em pacientes com perda muscular e fluxo simpático periférico aumentado.
Palavras-chave: Insuficiência Cardíaca; Sarcopenia; Hiperatividade Simpática; Reativação Vagal Embotada
Resting sympathetic hyperactivity and impaired parasympathetic reactivation after exercise have been described in patients with heart failure (HF). However, the association of these autonomic changes in patients with HF and sarcopenia is unknown.
The aim of this study was to evaluate the impact of autonomic modulation on sarcopenia in male patients with HF.
We enrolled 116 male patients with HF and left ventricular ejection fraction < 40%. All patients underwent a maximal cardiopulmonary exercise testing. Maximal heart rate was recorded and delta heart rate recovery (∆HRR) was assessed at 1st and 2nd minutes after exercise. Muscle sympathetic nerve activity (MSNA) was recorded by microneurography. Dual-energy X-ray absorptiometry was used to measure body composition and sarcopenia was defined by the sum of appendicular lean muscle mass (ALM) divided by height in meters squared and handgrip strength.
Sarcopenia was identified in 33 patients (28%). Patients with sarcopenia had higher MSNA than those without (47 [41-52] vs. 40 [34-48] bursts/min, p = 0.028). Sarcopenic patients showed lower ∆HRR at 1st (15 [10-21] vs. 22 [16-30] beats/min, p < 0.001) and 2nd min (25 [19-39] vs. 35 [24-48] beats/min, p = 0.017) than non-sarcopenic. There was a positive correlation between ALM and ∆HRR at 1st (r = 0.26, p = 0.008) and 2nd min (r = 0.25, p = 0.012). We observed a negative correlation between ALM and MSNA (r = -0.29, p = 0.003).
Sympatho-vagal imbalance seems to be associated with sarcopenia in male patients with HF. These results highlight the importance of a therapeutic approach in patients with muscle wasting and increased peripheral sympathetic outflow.
Keywords: Heart Failure; Sarcopenia; Sympathetic Hyperactivity; Blunted Vagal Reactivation.
Mudanças na composição corporal têm um papel importante na patogênese e na progressão da insuficiência cardíaca (IC) crônica.1 A sarcopenia, caracterizada por uma redução na massa e na força muscular esquelética, afeta 19,5% dos pacientes ambulatoriais com IC, 2 e está associada com várias alterações tais como disfunção endotelial, redução na distância percorrida no teste de seis minutos de caminhada, e atenuação no pico de VO2.2,3 Apesar de a sarcopenia ter sido frequentemente descrita em pacientes idosos, como consequência do processo de envelhecimento, ela também pode estar presente em pacientes mais jovens com IC.4
A simpatoexcitação de repouso é um marco da IC crônica.5 Além disso, evidências mostram que essa desregulação autonômica está altamente associada com maior morbidade e mortalidade.5 Em condições normais, o sistema nervoso exerce ação anabólica sobre o músculo esquelético via receptores adrenérgicos beta 2,6 mas em modelo experimental da IC, a atividade exacerbada do sistema nervoso simpático contribui para a diminuição dessa ação, favorecendo a atrofia do músculo esquelético e a perda de peso.7
A atividade parassimpática reduzida também tem sido relatada em pacientes com IC. 8,9 Binkley et al.,10 mostraram atividade parassimpática reduzida, avaliada pela variação da frequência cardíaca, em pacientes com IC. Além disso, a recuperação da frequência cardíaca (RFC), um importante mecanismo de desaceleração após um esforço máximo, também pode ser usada para avaliar a atividade parassimpática imediatamente após um teste de exercício máximo.11 Ainda, a RFC consiste em um método fácil, de baixo custo para a avaliação clínica da reativação vagal, além de fornecer informação prognóstica adicional.12-14
A atividade nervosa simpática muscular (ANSM) e a RFC, como medidas da atividade simpática e parassimpática, respectivamente, não foram estudadas em pacientes com IC sarcopênicos. Portanto, o objetivo do presente estudo foi avaliar o impacto da modulação autonômica avaliado pela ANSM (pela técnica de microneurografia) e RFC imediatamente após o teste máximo de exercício em pacientes com IC e sarcopenia.
Entre 01 de maio de 2016 e 31 de dezembro de 2017, 116 pacientes ambulatoriais com IC crônica estável foram recrutados prospectivamente. Os critérios de inclusão foram: (1) idade entre 18 e 65 anos; (2) diagnóstico de IC há pelo menos um ano; (3) fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) menor que 40% medida por ecocardiografia; (4) etiologia não isquêmica e isquêmica; (5) IC compensada recebendo tratamento otimizado há pelo menos três meses antes do estudo; e (6) New York Heart Association (NYHA) classe I a IV.
Não foram incluídos pacientes com neuropatia diabética autonômica, insuficiência renal com hemodiálise, transplante cardíaco, marcapasso, distrofia muscular (i.e., distrofia muscular de Duchenne), paciente em qualquer tipo de tratamento hormonal, pacientes com história de câncer, infecção, e pacientes submetidos à intervenção coronária percutânea por infarto do miocárdio no período de até seis meses antes de entrarem no estudo.
A ANSM foi diretamente registrada a partir do nervo peroneal pela técnica de microneurografia.15,16 Registros da atividade nervosa simpática pós-ganglionar de músculo multiunitário foram realizados utilizando um microeletrodo de tungstênio posicionado no nervo peroneal próximo à extremidade fibular. Sinais nervosos foram amplificados por um fator de 50000 a 10000 e filtrado por um filtro passa-faixa (700 a 2000 Hz). Para registro e análise, a atividade nervosa foi retificada e integrada (constante de tempo = 0,1 segundo) para obter uma média de voltagem da atividade nervosa simpática. A ANSM foi expressa em frequência de chegada de impulsos (bursts) por minuto.
Todos os pacientes foram submetidos ao teste cardiopulmonar de exercício limitado por sintoma (Vmax Encore 29 System; VIASYS Healthcare Inc., Palm Springs, Califórnia, EUA) realizado utilizando um cicloergômetro (Ergometer 800S; SensorMedics, Yorba Linda, California, USA), protocolo de rampa e aumentos de carga de 5 a 10 Watts por minuto. O consumo de oxigênio (VO2) e a produção de dióxido de carbono (VCO2) foram medidos por troca gasosa a cada respiração e expressos em médias (a cada 30 segundos). Incialmente, os pacientes foram monitorados por 2 minutos em repouso, sentados no cicloergômetro. Em seguida, foram orientados a pedalarem a 60-70 rpm, e o teste era concluído quando atingissem o estado de fadiga, mesmo recebendo incentivo verbal para continuarem. Todos os pacientes alcançaram uma razão de troca respiratória (RER, do inglês respiratory exchange ratio) maior que 1,10. A frequência cardíaca (FC) foi monitorada continuamente durante a fase de recuperação, utilizando-se um eletrocardiograma digital de 12 derivações (CardioSoft 6,51 ECG/CAM-14, GE Medical Systems Information Technologies, Wisconsin, USA).17
Após atingir a carga máxima, os pacientes continuaram a pedalar a 10 watts por 2 minutos, e em seguida permaneceram sentados por 4 minutos no cicloergômetro. Esse período de 6 minutos foi considerado como a fase de recuperação. O delta da RFC (∆RFC) foi calculado subtraindo-se os valores da FC no primeiro (∆RFC1) e no segundo (∆RFC2) minuto da fase de recuperação do pico de FC.12
As medidas de composição corporal - massa magra e massa gorda - foram avaliadas por Absorciometria Radiológica de Dupla Energia (DXA) (Lunar iDXA; GE Medical Systems Lunar, Madison, EUA). Em seguida, o índice de massa muscular esquelética (IMME) foi calculado como a soma da massa muscular apendicular de ambos os braços e ambas as pernas, dividido pela altura em metros quadrados.18
A força muscular foi avaliada pela força da mão, usando um dinamômetro (Model J00105; Jamar Hydraulic Hand Dynamometer), após o ajuste da sua posição. A avaliação foi realizada da mão dominante, em posição de supinação, com o cotovelo flexionado a 90 graus. Houve um intervalo de 1 minuto entre as medidas, e o valor máximo das três tentativas foi usado nas análises.19
Sarcopenia foi definida como um IMME e força muscular inferiores a 7,26kg/m2 e 30 kg, respectivamente.20
As amostras de sangue foram coletadas pela manhã após jejum de 12 horas. As medidas incluíram níveis de peptídeo natriurético tipo-B (BNP; pg/mL) plasmático, sódio sérico (mEq/L), potássio sérico (mEq/L), creatinina (mg/dL), hemoglobina (g/dL), proteína C reativa ultrassensível (PCR-us; mg/L), perfil lipídico (triglicerídeos, colesterol total, lipoproteína de baixa densidade; mg/dL), e glicose de jejum (mg/dL).
Os dados estão apresentados em média ± desvio padrão, e mediana com quartil inferior e quartil superior (IC 95%). O teste de Kolmogorov-Smirnov de uma amostra foi usado para avaliar a normalidade da distribuição das variáveis estudadas. O teste t de Student e o teste Mann-Whitney foram usados para comparar variáveis paramétricas e não paramétricas, respectivamente. O teste de qui-quadrado e a correlação de Spearman foram usados conforme apropriado. As análises foram realizadas usando o programa Statistical Package for the Social Sciences, versão 23 (SPSS Inc., Chicago, Illinois, EUA). Um valor de p menor que 0,05 foi considerado como estatisticamente significativo.
Incluímos prospectivamente 116 pacientes do sexo masculino (Tabela 1) com IC crônica estável, 33 (28%) com sarcopenia. Os pacientes sarcopênicos apresentaram idade mais avançada, maior concentração de BNP e menor de hemoglobina em comparação a pacientes sem sarcopenia. Não observamos diferença entre pacientes com e sem sarcopenia quanto à dosagem de betabloqueadores (20 ± 9,6 vs. 23 ± 10,5 mg b.i.d., p = 0,39; respectivamente) e medicamentos em geral (Tabela 1).
Variáveis | Todos os pacientes (n = 116) | Pacientes com sarcopenia (n = 33) | Pacientes sem sarcopenia (n = 83) | Valor de p |
---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 55 ± 9 | 59 ± 6 | 54 ± 9 | 0,002 |
Peso (kg) | 71,1 ± 14,4 | 59,4 ± 7,4 | 75,8 ± 13,8 | < 0,001 |
Altura (m) | 1,67 ± 0,07 | 1,66 ± 0,07 | 1,67 ± 0,07 | 0,401 |
IMC (kg/m2) | 25,5 ± 4,5 | 21,6 ± 2,5 | 27,1 ± 4,2 | < 0,001 |
Etiologia (Isquêmica /não-isquêmica) | 30/86 | 8/25 | 22/61 | 1,000 |
Classe NYHA (I/II/III/IV) | 40/41/28/7 | 9/11/11/2 | 31/30/17/5 | 0,500 |
FEVE (%) | 28 ± 8 | 26 ± 7 | 29 ± 8 | 0,124 |
BNP (pg/mL) | 773 ± 877 | 1159 ± 924 | 621 ± 816 | 0,006 |
Sódio (mEq/L) | 139 ± 3 | 138 ± 4 | 139 ± 3 | 0,383 |
Potássio (mEq/L) | 4,6 ± 0,4 | 4,6 ± 0,3 | 4,6 ± 0,4 | 0,535 |
Creatinina (mg/dL) | 1,24 ± 0,39 | 1,27 ± 0,47 | 1,23 ± 0,35 | 0,568 |
Haemoglobina (g/dL) | 13,9 ± 1,7 | 13,3 ± 1,6 | 14,1 ± 1,7 | 0,022 |
PCR-us (mg/L) | 8,96 ± 16,0 | 12,4 ± 13,6 | 7,6 ± 16,7 | 0,147 |
Triglicerídeos (mg/dL) | 118 ± 68 | 96 ± 38 | 127 ± 75 | 0,031 |
Colesterol (mg/dL) | 170 ± 45 | 159 ± 37 | 174 ± 48 | 0,111 |
HDL (mg/dL) | 44 ± 15 | 47 ± 16 | 44 ± 14 | 0,306 |
LDL (mg/dL) | 103 ± 35 | 95 ± 25 | 106 ± 38 | 0,155 |
Glicose de jejum (mg/dL) | 108 ± 21 | 106 ± 24 | 109 ± 20 | 0,510 |
Medicação | ||||
β-bloqueadores | 33 (100) | 78 (94) | 0,319 | |
Estatinas | 18 (55) | 49 (59) | 0,682 | |
IECA/BRA | 31 (94) | 76 (92) | 1,000 | |
Diuréticos | 26 (79) | 62 (75) | 0,811 | |
Anticoagulantes | 12 (36) | 32 (39) | 1,000 | |
Hidralazina | 6 (18) | 18 (22) | 0,802 | |
Isossorbida | 6 (18) | 18 (22) | 0,802 | |
Espironolactona | 24 (73) | 58 (70) | 0,824 |
Dados apresentados em média ± SD ou %. Os valores de P referem-se ao teste t de Student e teste qui-quadrado para o uso de medicamentos. IECA: inibidores da enzima conversora de angiotensina; BRA: bloqueadores de receptores de angiotensina; IMC: índice de massa corporal; BNP: peptídeo natriurético tipo B; HDL: lipoproteína de alta densidade; PCR-us: proteína C-reativa ultrassensível; LDL, lipoproteína de baixa densidade; FEVE: fração de ejeção do ventrículo esquerdo; NYHA: New York Heart Association.
Os pacientes com sarcopenia apresentaram maior ANSM (Figura 1) e ∆RFC1 e ∆RFC2 mais baixos comparados aos pacientes não sarcopênicos. Não houve diferença estatística na FC de repouso e no pico da FC entre pacientes sarcopênicos e não sarcopênicos.
A correlação de Spearman mostrou uma correlação positiva entre a massa muscular apendicular e ∆RFC1 e ∆RFC2 (Figuras 3A e 3B, respectivamente). Ainda, observamos uma correlação negativa entre a massa muscular apendicular a ANSM (Figura 3C).
Os valores absolutos e relativos do pico de VO2 e pico de carga de trabalho foram significativamente mais baixos em pacientes com sarcopenia que em pacientes sem sarcopenia. Os pacientes sarcopênicos também apresentaram maior inclinação do equivalente ventilatório de CO2 (VE/VCO2), e maior espaço morto e volume corrente (pico de VD/VT) em comparação a pacientes sem sarcopenia, ao passo que o pico de VE foi mais baixo em pacientes com sarcopenia que naqueles não sarcopênicos.
O índice de massa corporal foi mais baixo nos pacientes sarcopênicos que nos não sarcopênicos, com redução significativa da massa muscular apendicular, massa magra total, massa gorda, porcentagem de gordura (Tabela 2). O IMME e a força muscular da mão avaliada pelo dinamômetro foram mais baixos em pacientes sarcopênicos em comparação aos sem sarcopenia.
Variáveis | Todos os pacientes (n = 116) | Pacientes com sarcopenia (n = 33) | Pacientes sem sarcopenia (n = 83) | Valor de p |
---|---|---|---|---|
Pico de VO2 absoluto(L/min) | 1,43 ± 0,48 | 1,09 ± 0,31 | 1,58 ± 0,47 | < 0,001 |
Pico de VO2 relativo(mL/(kg/min) | 20,1 ± 6,3 | 18,3 ± 5,3 | 21,0 ± 6,5 | 0,036 |
Pico de carga de trabalho (Watts) | 103 ± 47 | 77 ± 27 | 115 ± 51 | < 0,001 |
FC de repouso (batimentos /min) | 72 ± 13 | 75 ± 16 | 71 ± 12 | 0,254 |
Pico de FC (batimentos /min) | 134 ± 27 | 130 ± 27 | 135 ± 28 | 0,323 |
Inclinação VE/VCO2 | 35 ± 7 | 37 ± 8 | 33 ± 7 | 0,015 |
Pico VD/VT | 0,17 ± 0,02 | 0,19 ± 0,04 | 0,16 ± 0,04 | < 0,001 |
Pico de VE(L/min) | 62,5 ± 18,3 | 53,5 ± 14,1 | 66,4 ± 18,4 | < 0,001 |
Composição corporal e força | ||||
MM Total (kg) | 49,6 ± 8,4 | 43,0 ± 5,2 | 52,5 ± 8,0 | < 0,001 |
MMA (kg) | 22,2 ± 4,3 | 18,3 ± 2,3 | 23,9 ± 3,8 | < 0,001 |
IMME (kg/m2) | 7,97 ± 1,21 | 6,63 ± 0,58 | 8,54 ± 0,92 | < 0,001 |
Massa gorda (kg) | 18,2 ± 8,5 | 12,9 ± 4,9 | 20,5 ± 8,8 | < 0,001 |
Gordura (%) | 26 ± 8 | 22 ± 7 | 27 ± 8 | < 0,001 |
Força da mão (kg) | 33 ± 8 | 26 ± 3 | 36 ± 8 | < 0,001 |
Dados apresentados em média ± desvio padrão ou %; valores de p referem-se ao teste t de Student; MMA: massa muscular apendicular; FC: frequência cardíaca; MM: massa magra; IMME: índice da massa muscular esquelética; VE: ventilação; VE/VCO2: equivalente ventilatório de CO2; VD/VT espaço morto e volume corrente; VO2: consumo de oxigênio.
Os principais e novos achados deste estudo é o fato de que pacientes sarcopênicos com IC apresentam ANSM de repouso aumentada e reativação vagal após o teste de exercício máximo em comparação aos pacientes sem sarcopenia. Além disso, a massa apendicular parece estar associada com maior ANSM e discreta RFC. Ainda, similar ao demonstrado previamente,2 nossos resultados também confirmaram a redução na tolerância do exercício (pico de VO2 e pico de carga de trabalho reduzidos) em pacientes com IC e perda de massa muscular.
A IC é uma doença complexa associada a várias comorbidades. Uma das principais comorbidades observadas em pacientes com IC crônica avançada é a sarcopenia, a qual está associada com baixo prognóstico.21 Apesar de a etiologia da sarcopenia ser multifatorial, vários mecanismos têm sido sugeridos para explicar tal redução na massa muscular dos pacientes com IC , tais como perfil inflamatório 22 e estresse oxidativo 23 aumentados, superativação da via da ubiquitina-proteossoma,24 e aumento do fragmento C-terminal da agrina (CAF).25 Essas alterações, atuando de maneira independente ou combinada, pode levar à degradação muscular excessiva e síntese reduzida de proteína muscular.
Além dos mecanismos mencionados acima, a atividade nervosa simpática exacerbada parece ser uma característica fisiopatológica importante na IC, levando à perda de músculo esquelético.6 Em um modelo experimental da IC, Bacurau et al.,6 demonstraram que a hiperatividade simpática contribui para o desenvolvimento de miopatia esquelética pela mudança na morfologia muscular. Receptores adrenérgicos beta 2 exercem um importante papel na regulação da massa muscular esquelética tanto no estado anabólico como catabólico.26 Contudo, a hiperatividade simpática crônica pode ser tóxica ao músculo esquelético,27 o que favorece a perda de peso e a sarcopenia em pacientes com IC. Além disso, um fluxo simpático aumentado está associado com maior chance de arritimias,28 e remodelamento adverso do coração. 29
Vale destacar que o tratamento farmacológico da IC baseia-se no bloqueio da atividade simpática, principalmente utilizando betabloqueadores cardiosseletivos e não seletivos.30 Tratamentos com betabloqueadores podem aumentar a massa corporal de gordura e a porcentagem de gordura corporal em pacientes com IC, sem melhora aparente na massa muscular. 30,31 Neste estudo, não observamos diferenças entre os grupos quanto ao tratamento com betabloqueadores e dosagem. Neste contexto, ensaios clínicos randomizados são necessários para avaliar o real impacto da terapia com betabloqueador sobre a massa de músculo esquelético em pacientes om IC.
Estudos prévios mostraram que a RFC tem um importante valor prognóstico na população geral 12 e em pacientes com IC. 32 Além disso, a RFC é uma maneira muito simples e fácil para avaliar indiretamente a reativação do sistema nervoso parassimpático imediatamente após o esforço máximo no teste de exercício cardiopulmonar.11 Muitos pesquisadores mostraram que a cinética da RFC em um período de recuperação de 6 minutos estava reduzida em pacientes com IC 33 e essa redução parece ser independente da terapia com bloqueador beta-adrenérgico. 34 Ushijima et al.,35 mostraram uma associação entre a noradrenalina e a RFC em pacientes com infarto do miocárdio, afirmando que uma excitação simpática aumentada no exercício máximo pode suprimir a reativação parassimpática máxima, levando à atenuação da RFC.35
Assim, a disfunção simpático-vagal em pacientes com IC está associada com pior desfecho, e esse desequilíbrio autonômico pode agravar a perda da massa muscular nesses pacientes. De fato, mostramos maior ANSM e menor diminuição na RCF no primeiro e no segundo minuto pós-exercício em pacientes com IC sarcopênicos. Além disso, uma massa muscular apendicular reduzida correlacionou-se com menor RFC1 (r = 0,26), RFC2 (r = 0,25) e maior SNSM (r = 0,29).
Nosso estudo teve limitações que devem ser reconhecidas. O estudo incluiu somente pacientes do sexo masculino, de modo que não podemos generalizar esses resultados a pacientes com IC do sexo feminino. Mais estudos são necessários para investigar a influência da sarcopenia sobre as diferenças relacionadas ao sexo. Como não tivemos acesso à data quando a IC foi diagnosticada nos prontuários médicos dos pacientes, incluímos somente pacientes com pelo menos um ano de diagnóstico. Nós avaliamos a atividade parassimpática usando a RFC como marcador da reativação vagal. Apesar de nosso estudo ter uma aplicabilidade clínica, mais estudos utilizando a variação da FC contribuiriam para esclarecer o papel do controle autonômico cardíaco na sarcopenia em pacientes com IC.
Um desequilíbrio simpático-vagal parece estar associado à sarcopenia em pacientes do sexo masculino com IC. Esses resultados destacam a importância de uma abordagem terapêutica em pacientes com perda muscular e fluxo simpático periférico aumentado.