versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.83 no.1 São Paulo jan./fev. 2017
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.01.001
A rinossinusite crônica é uma doença muito comum e o sucesso de seu tratamento depende da cirurgia e de cuidados pós-operatórios eficazes. A cirurgia funcional endoscópica dos seios paranasais (FESS – Functional Endoscopic Sinus Surgery) passou a ser o padrão de referência para o tratamento de doenças inflamatórias benignas e de algumas doenças malignas selecionadas.1,2 Os princípios fundamentais são o restabelecimento da ventilação e a drenagem sem formação de cicatrizes, sinequias e obstrução.3–5 Para que esses resultados sejam alcançados, o meato médio é frequentemente tamponado após a cirurgia. Esse procedimento deve estabilizar a concha média, prevenir a formação de sinequias e funcionar como agente hemostático.3–7 Por outro lado, o uso do tampão nasal pode ser fonte de dor, obstrução nasal, sangramento e desconforto durante a sua remoção.5,6 Essas desvantagens são geralmente comparadas entre tampões nasais não absorvíveis.3,5–9
Recentemente, diferentes biomateriais absorvíveis têm sido vendidos para ser utilizados como material de tamponamento do meato médio após FESS.3–8,10 Esse tipo de tampão não precisa ser removido e, com isso, diminui o desconforto do paciente depois da cirurgia.3,4,7,8,10 O material previne a formação de sinequias, estabiliza a concha média e começa a se dissolver em alguns dias, pode ser eliminado por irrigação ou sucção das cavidades do nariz.5,8,10
NasoPore (Polyganics, Groningen, Holanda) é uma espuma sintética de poliuretano biodegradável e foi usada no presente estudo. As ligações de poliuretano proporcionam propriedades mecânicas compressivas iniciais, enquanto o componente hidrofílico absorve a água ou o sangue, sofre gradual fragmentação. O objetivo deste estudo foi comparar a satisfação do paciente e o desfecho clínico associados ao tamponamento com material absorvível vs. não absorvível logo após a FESS.
Trata-se de um estudo prospectivo, duplo-cego e randomizado; um lado foi tamponado com espuma de poliuretano imediatamente após cirurgia paranasal bilateral, enquanto o outro lado foi tamponado com a tradicional tira de gaze besuntada. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Bioética da Universidade Nicolaus Copernicus (KB 326/2013) e foi obtido consentimento informado de todos os participantes.
Incluímos 50 pacientes do Departamento de Otorrinolaringologia e de Oncologia Laringológica. A média de idade era de 47,5 (± 9,8) anos e participaram 22 mulheres e 28 homens. Os critérios de inclusão foram rinossinusite crônica (RSC) com ou sem presença de pólipos nasais, em conformidade com as orientações do EPOS11 e patologia simétrica entre as cavidades nasais com base na tomografia computadorizada (TC).12 Dos participantes, 38 tinham RSC com pólipos nasais e 12 RSC sem pólipos nasais. Os critérios de exclusão foram septoplastia, cirurgia das conchas nasais ou histórico de intolerância ao poliuretano. Em cada caso, a cirurgia bilateral foi feita nos mesmos moldes. O estudo foi aprovado pelo comitê de ética local e o formulário de consentimento informado foi assinado. Os pacientes foram randomizados por uma lista computadorizada para a aplicação do tampão no lado direito ou esquerdo, com NasoPore, e o outro lado tamponado com tira de gaze. Em todos os casos, os tampões foram aplicados no meato médio no fim da cirurgia.
A cirurgia foi feita sob anestesia geral por um mesmo cirurgião. Para que o sangramento fosse minimizado e também para aprimoramento do campo cirúrgico, os participantes foram pré-medicados com clonidina e anestesia intravenosa total (AIVT), conforme descrito previamente.13 No pré-operatório, todos os pacientes receberam antibióticos intravenosos (cefuroxima 1,5 g). No fim da cirurgia, o cirurgião era informado pela enfermeira sobre em qual lado deveria ser aplicado o NasoPore (o lado era designado randomicamente). O lado oposto ao da aplicação do NasoPore era então tamponado com tira de gaze não reabsorvível. Empregamos o NasoPore comum de 4 cm (Polyganics, Groningen, Holanda) e tira de gaze com 4 cm com pomada (fig. 1). Usamos 2 g da pomada Oxycort (1 g contém 310 mg de hidrocortisona e 30 mg de oxitetraciclina, além do excipiente; Jelfa, Polônia). Os pacientes e o observador não estavam informados sobre em qual lado tinha sido aplicado o tampão NasoPore ou a tira de gaze.
Nos 2º, 10º e 30º dias do pós-operatório, um médico (não o cirurgião responsável pelas operações) interrogou os pacientes com a ajuda de uma escala análoga visual e fez endoscopia nasal. O tampão não absorvível foi removido no 10º dia após a cirurgia. A coleta de dados foi feita sob o mesmo esquema empregado em estudos similares, com o uso de questionários padronizados para cada lado, para os seguintes parâmetros: sangramento, respiração pelo nariz, sensação de pressão e cefaleia.5,6,10,14 Os parâmetros foram determinados com o uso de uma escala análoga visual (EAV), com os valores de 0 (sem sintomas) a 10 (sintomas máximos). Nos 10º e 30º dias após a cirurgia e após a alta hospitalar, todos os pacientes foram medicados com antibiótico (claritromicina, 1.000 mg/dia durante 10 dias, esteroides nasais [furoato de fluticasona] 1×/dia e jatos nasais com solução salina, até 3-4 ×/dia).
Foi feita com o software Statistica, versão 10, 2011 (StatSoft Inc.). Os parâmetros foram comparados com os testes signed rank de Wilcoxon, de McNemar e de Shapiro-Wilk. O nível de significância foi definido como p < 0,05. A população em estudo foi calculada para erro inerente em um resultado de teste. O poder para o grupo em investigação foi de 80%.
Foram randomizados 50 pacientes e 100 cavidades sinusais foram tratadas. O tampão absorvível foi aplicado em 27 lados direitos e em 23 lados esquerdos das cavidades nasais. O tampão não absorvível foi igualmente aplicado em 27 lados direitos e em 23 lados esquerdos das cavidades nasais. Completaram o estudo 49 pacientes. Com relação ao paciente que não concluiu o estudo, isso se deveu à sua recusa em comparecer ao seguimento, pois se sentia bem. Os resultados da escala análoga visual (EAV) para pressão, bloqueio nasal, dor de cabeça e dor nasal estão listados na tabela 1. Com relação à sensação de pressão, foi observada uma diferença significante entre o lado com tampão de NasoPore vs. controle no 10º dia após a cirurgia (p < 0,04). Os pacientes informaram ter menor sensação de pressão no nariz no lado com aplicação de NasoPore. Não foram observadas diferenças nos 2º e 30º dias após a cirurgia. O lado tamponado com NasoPore teve escores mais baixos com relação ao bloqueio nasal pós-operatório (4,26 vs. 4,73, p < 0,04) nos 2º e 10º dias (1,81 vs. 2,29, p < 0,02) (tabela 1). Os resultados foram significantes. Por outro lado, não foi observada significância no 30º dia (0,45 vs. 0,68, não significativo). Não obstante, foram registrados, durante as visitas de seguimento, escores ligeiramente mais baixos para cefaleia e dor nasal para o grupo tratado com NasoPore, mas os resultados não foram significantes (tabela 1).
Tabela 1 Resultados do questionário EAV durante as visitas de seguimento dos pacientes
Pressão | Bloqueio nasal | Dor de cabeça | Dor nasal | ||||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | C | p | N | C | p | N | C | p | N | C | p | ||||
Dia 2 Nps = 50 |
3,03 (±3,01) | 3,26 (±2,93) | 0,15 | 4,26 (±2,98) | 4,73 (±2,79) | 0,04 | 3,41 (±3,1) | 3,48 (±2,91) | 0,79 | 3,32 (±3,29) | 3,14 (±2,99) | 0,37 | |||
Dia 10 Nps = 49 |
1,9 (±1,93) | 2,16 (±1,99) | 0,04 | 1,81 (±1,79) | 2,59 (±1,85) | 0,02 | 1,78 (±1,88) | 2,06 (±2,01) | 0,14 | 1,8 (±1,86) | 2,08 (±2,14) | 0,10 | |||
Dia 30 Nps = 49 |
0,23 (±0,58) | 0,45 (±1,22) | 0,06 | 0,45 (±0,96) | 0,68 (±1,68) | 0,62 | 0,28 (±0,55) | 0,4 (±0,78) | 0,11 | 0,38 (±0,93) | 0,4 (±0,78) | 0,49 |
C, Controle; N, NasoPore; Nps, número de pacientes.
A avaliação do sangramento por ocasião da remoção do tampão não demonstrou diferenças. Em cada grupo, observamos um sangramento mínimo em um dos casos, sem necessidade de qualquer intervenção adicional.
Retornaram 49 pacientes para a avaliação da cicatrização da mucosa nos 10º e 30º dias após a cirurgia. As observações endoscópicas de cicatrização das feridas após a cirurgia revelou formação de crosta hemática, edema e epitelização. A cicatrização da mucosa (reepitelização) foi melhor para o grupo tratado com NasoPore, tanto no 10º como no 30º dia, em comparação com o grupo controle (p < 0,001, p < 0,06). No 10º dia, a reepitelização no grupo de estudo foi de 68,1%, alcançou 95,7% no 30º dia. Quanto à epitelização do campo cirúrgico, a visualização endoscópica no 10º dia foi muito satisfatória, em comparação com o grupo de controle (apenas 32,7% demonstravam epitelização). Em ambos os grupos, no 30º dia, considerando o nível de reepitelização, mais de 90% apontavam para uma cicatrização completa. Apesar disso, a reepitelização no grupo controle alcançou um nível satisfatório no 30º dia (90,2%). Em nosso estudo, observamos formação de sinequias em três participantes no grupo tratado com NasoPore e em dois no grupo de controle (fig. 2). Não houve significância (tabela 2). Em um caso tratado com tampão não absorvível, no 30º dia de seguimento diagnosticamos infecção com rinorreia mucopurulenta.
Figura 2 NasoPore no fim da cirurgia (a) e processo de reabsorção nos 2º, 10º e 30º dias (b-d) e alguns restos do curativo 10 dias após a operação (e) e formação de sinequias (f).
Tabela 2 Resultados das sinequias, infecção e reepitelização entre grupos
Sinequias | Infecção | Reepitelização | |||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
N | C | p | N | C | p | N | C | p | |||
Dia 2 Nps = 50 |
– | – | – | – | – | – | – | – | – | ||
Dia 10 Nps = 49 |
0 | 0 | ns | 0 | 0 | ns | 68,1% | 32,7% | < 0,001 | ||
Dia 30 Nps = 49 |
3 | 2 | ns | 0 | 1 | ns | 95,7% | 90,2% | < 0,06 |
C, Controle; N, NasoPore; Nps, número de pacientes; ns, não significativo.
A absorção do tamponamento absorvível ocorreu naturalmente na maioria dos casos (fig. 2). Em três casos, registramos alguns restos do curativo no 10º dia, o que poderia resultar em formação de sinequias no seguimento mais tardio (fig. 2). Nesses casos, os pacientes não aderiram à recomendação do uso regular (3-4 vezes por dia) de irrigação nasal.
As considerações mais importantes após cirurgias FESS são o conforto do paciente, a minimização do sangramento, a diminuição do desconforto com o uso do tampão nasal e a cicatrização apropriada da mucosa. Tendo em vista que o tamponamento nasal não reabsorvível (removível) pode ser muito desagradável, os diferentes tipos de tampões absorvíveis têm sido submetidos a investigação.4–6,8,10 Alguns autores vetam absolutamente o uso do tampão nasal.6,8,10,15 Por outro lado, o tamponamento no meato médio preveniu a lateralização da concha média, a formação de sinequias e o sangramento.4,6,7,10 Com o uso de alguns materiais absorvíveis, o processo de cicatrização da mucosa pode ser mais efetivo e rápido.3,4 Em alguns casos, o material absorvível também pode estar associado a cicatrização mais lenta e formação de sinequias. Provavelmente, isso ocorra devido à possibilidade de início da osteogênese.5 Um dos materiais biodegradáveis recém-desenvolvidos para tamponamento nasal é a espuma de poliuretano NasoPore, empregada após FESS.5,10 Esse material também pode ser besuntado com esteroides ou antibióticos para diminuir o desconforto pós-operatório e obter melhores desfechos clínicos.16,17
O objetivo deste estudo foi comparar a eficácia de um tampão nasal biodegradável (NasoPore) com um tampão tradicional de tira de gaze com pomada (2 g de oxitetraciclina e hidrocortisona). A pomada foi empregada para prevenir a aderência do tampão à mucosa.
No pós-operatório, a sensação de pressão foi maior no lado controle vs. lado tamponado com NasoPore. Nos 2º e 30º dias do pós-operatório, essa observação não foi estatisticamente significante. No 10º dia, a sensação de pressão foi maior no lado controle, o que resultou em diferença significante (p < 0,04). Em nossa opinião, essa diferença foi causada pela absorção do NasoPore, pela estabilidade do tamponamento com a tira de gaze e a formação de coágulos sanguíneos em torno do material. Ao que parece, o conforto do paciente aumenta com o uso do tampão absorvível. Outros autores chegaram às mesmas observações.4,5,10
Em geral, parâmetros como bloqueio nasal, dor de cabeça e dor nasal foram inferiores no lado com NasoPore vs. lado controle. No 10º dia, observamos uma redução estatisticamente significante no bloqueio nasal (p < 0,02) no lado do NasoPore. Esse achado ocorreu devido à reabsorção do material de tamponamento com menos debris no meato médio, em comparação com um maior volume de secreção e de edema decorrentes do uso do tampão de gaze no outro lado. Contudo, não foram observadas diferenças estatisticamente significantes para os parâmetros observados durante o seguimento, mas, aparentemente, os pacientes sentiram-se muito mais confortáveis no lado tratado com NasoPore. As mesmas observações foram feitas por outros autores, que compararam o uso de diferentes materiais absorvíveis e não absorvíveis para tamponamento.3,5,6,10 O estudo demonstrou que NasoPore não diminui significativamente o risco de sangramento pós-operatório. Os mesmos resultados foram observados para outros materiais de tamponamento absorvíveis e não absorvíveis.5–7,9,10
Em nosso estudo, não observamos qualquer diferença estatisticamente significante entre os materiais de tamponamento empregados com relação à formação de sinequias ou ocorrência de infecção.5,10 Por outro lado, se o paciente não fizesse lavagens nasais frequentes no período pós-operatório imediato, a formação de sinequias seria altamente provável. O material parcialmente dissolvido e todo os debris deveriam ser succionados ou eliminados por lavagem, se permanecessem no local por mais de 10 dias. Os restos do NasoPore poderiam formar uma ponte entre a concha média e a parede lateral do nariz como ponto de formação de sinequias.8 Mas deve-se ter em mente que alguns materiais absorvíveis, ou seus remanescentes, podem ser incorporados à mucosa no processo de regeneração ou podem ativar a osteogênese e acarretar a formação de sinequias. Esse processo é responsável por uma cicatrização mais lenta da mucosa, conforme descrito por Shoman.5 Em nosso estudo, observamos um processo de reepitelização melhor (estatisticamente significante) no lado tamponado com NasoPore no 10º dia (p < 0,001) e uma epitelização praticamente completa 30 dias após a cirurgia (95,7%). Acreditamos que a remoção do material de tamponamento não absorvível pode causar sangramento pela mucosa local, provocar o prolongamento no tempo de formação de crostas hemáticas e atrasar a epitelização. Apesar disso, a diferença praticamente tinha desaparecido na última visita de seguimento (p < 0,06). Os mesmos resultados foram observados por Shoman.5
Em geral, o uso do tampão NasoPore resulta em mais conforto para o paciente e em um processo de cicatrização melhor após a FESS.
Com o emprego de um tampão NasoPore imediatamente após a FESS, pudemos reduzir significantemente a sensação de pressão e o bloqueio nasal no período pós-operatório imediato. O conforto geral do paciente foi maior, em comparação com o tradicional tampão de tira de gaze não absorvível. A cicatrização da ferida foi melhor com o uso do NasoPore, mas são necessárias futuras investigações. A aplicação intensiva de irrigação com jatos com solução salina, 3-4 vezes por dia, é imprescindível depois da cirurgia, para evitar a formação de sinequias e para uma absorção natural do tampão.