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Desfechos clínicos de 11.436 transplantes renais realizados em centro único - Hospital do Rim

Desfechos clínicos de 11.436 transplantes renais realizados em centro único - Hospital do Rim

Autores:

José Medina Pestana

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.39 no.3 São Paulo jul./set. 2017 Epub 28-Ago-2017

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170043

Introdução

O Brasil desenvolveu modelos bem-sucedidos de assistência médica pública de alta complexidade e de alto custo, que está além das expectativas de um país em desenvolvimento. O sistema de saúde brasileiro é composto por um grande sistema público, administrado pelo governo (SUS), que atende a maioria da população, e um setor privado, administrado por fundos de seguro de saúde e empresas privadas.1

O programa nacional de transplante é superado apenas pelos Estados Unidos, em números absolutos. Dentro do sistema nacional de transplante, cada um dos 27 estados brasileiros tem um Escritório Central de Notificação, Doação e Buscas (ECNDB), localizado na Secretaria Estadual de Saúde, que coordena uma ou mais organizações de busca de órgãos (OBO), dependendo do tamanho da população do estado.2 Este programa adequadamente organizado e financiado permitiu o estabelecimento e o crescimento de muitos centros de transplantes em todo o país.

O Hospital do Rim (Hrim) é um desses centros de transplante, inaugurado no final de 1998, com a finalidade de desenvolver um modelo singular de assistência médica, com o objetivo de realizar pelo menos um transplante renal por dia. O progressivo desenvolvimento e o aperfeiçoamento deste modelo resultaram em um crescimento constante no número anual de transplantes ao longo deste período de 18 anos, atingindo mais de 850 transplantes de rim realizados todos os anos desde 2009.3 Atualmente, pacientes de todas as regiões do país são encaminhados para transplante no Hrim, e mais de 90% dos procedimentos são pagos pelo SUS.4

O transplante de rim é uma área terapêutica complexa onde o aumento de volume e aumento progressivo de complicações se acumulam ao longo do tempo, desafiando o manuseio clínico, mesmo em sistemas de cuidados médicos altamente organizados. Aqui, fornecemos dados robustos que mostram que esse modelo único de atenção à saúde, não só permite aumentar o número de transplantes ao longo do tempo, mas também está associado à melhoria progressiva nos desfechos de sobrevida, bem como à qualidade dos cuidados.

Métodos

Formato do estudo

Este é um estudo retrospectivo realizado em um único centro de transplante. Os dados foram obtidos através de busca em banco de dados eletrônicos fornecidos pelo Estudo Colaborativo de Transplante (Heidelberg, Alemanha).5 Os dados de acompanhamento foram coletados até julho de 2016. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) local da UNIFESP, sob registro CAAE ID: 57254216.0.0000.5505.

Casuística e objectivos

Para esta análise, foram incluídos todos os receptores consecutivos de transplante de rim ou rim/pâncreas entre 18/08/1998 e 31/12/2015. Os transplantes simultâneos de pâncreas e rim não foram considerados um grupo individual para análise. Descrevemos características demográficas, imunossupressão, incidência de rejeição aguda, perda do enxerto, óbito e função renal. Além disso, comparamos mudanças ocorridas ao longo do tempo para cada um desses parâmetros, estratificadas por tipo de doador.

Definições

A função retardada do enxerto foi definida como a necessidade de diálise já na primeira semana após o transplante. Os doadores de critérios ampliados foram aqueles com mais de 60 anos ou aqueles entre 50 e 59 anos que apresentavam pelo menos dois dos seguintes critérios: hipertensão, morte cerebrovascular e creatinina sérica final acima de 1,5 mg/dL. Todos os episódios de rejeição aguda tratados foram incluídos na análise, incluindo aqueles confirmados ou não por avaliação histopatológica. A perda de enxerto foi definida como a necessidade de retorno permanente à diálise. A perda de seguimento foi definida pela falta de informação por mais de 6 meses consecutivos.

Análise estatística

As variáveis ​​contínuas foram apresentadas em termos de média e desvio padrão, e as variáveis ​​categóricas em termos de frequência e porcentagem. As diferenças entre os grupos foram identificadas utilizando-se o teste-t de Student ou o teste do Qui quadrado, respectivamente. As diferenças na sobrevida acumulada obtidas pelas curvas Kaplan-Meier foram identificadas pelo teste Log Rank.

Para analisar mudanças nas características demográficas e imunossupressão, comparamos os dados de 1998-2000 com aqueles de 2015. Para analisar as alterações na função renal comparamos dados de 1998-2000 com aqueles de 2013-2014. Duas coortes de pacientes (1998-2000 e 2013-2014) foram usadas para comparar mudanças dependentes do tempo em desfechos-chave específicos de eficácia.

Como o primeiro transplante simultâneo de rim/pâncreas foi realizado em 2002, as duas coortes de pacientes utilizadas para comparar as mudanças dependentes do tempo em desfechos-chave específicos foram de 2002-2005 e 2014. Todas as análises estatísticas foram realizadas usando-se o software SPSS versão 18 (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA) e as diferenças foram consideradas significativas para valores de p < 0,05.

Resultados

Número anual de transplantes

De 18 de agosto de 1998 a 31 de dezembro de 2015 foram realizados 11.436 transplantes de rim, 5.348 (45,7%) transplantes de rim de doador vivo, 3.614 (30,9%) transplantes de doadores falecidos critério padrão, 1.618 (13,8%) de doadores de critérios ampliados, 856 (7,3%) transplantes de rins pediátricos e 271 (2,3%) transplantes simultâneos de rim-pâncreas (Figura 1). De 1998 a 2009 houve um aumento progressivo no número de transplantes, principalmente devido ao aumento da doação de falecidos. Como consequência, a proporção de transplantes de rim a partir de doador vivo foi reduzida de 70% em 1998-2000 para 23% em 2015.

Figura 1 Número anual de transplantes de rim feitos no Hrim de 1998 a 2015, segundo a origem do transplante. * Número de transplantes de agosto a dezembro, 1998. 

Características demográficas

As características demográficas da população de transplantes estão mostradas na Tabela 1. Foram 5.348 transplantes de rins de doadores vivos. De 1998 a 2000 (n = 643) até 2015 (n = 205), não houve diferenças na idade do receptor (38,1 ± 11,1 vs. 37,8 ± 11,7 anos, p = 0,702) e tempo em diálise (23,5 ± 20,9 vs. 21,3 ± 24,6 meses, p = 0,227), mas a idade do doador aumentou significativamente (42,5 ± 11,8 e 45,3 ± 10,4 anos, p = 0,002).

Tabela 1 Características demográficas da população transplantada segundo a origem do transplante 

Variável Doadores vivos Falecidos critério padrão Falecidos crit. expandidos Transplantes Pediátricos
(N = 5348) (N = 3614) (N = 1618) (N = 856)
Idade do receptor, anos (média ± DP) 38,8 ± 11,5 46,2 ± 12,8 49,6 ± 11,8 12,2 ± 4,1
Gênero do receptor, masculino, N (%) 3358 (63%) 2120 (59%) 993 (61%) 482 (56%)
Etnia do receptor, N (%)
Branco 3457 (64,6%) 1906 (52,7%) 808 (49,9%) 519 (60,6%)
Negro 1086 (20,3%) 840 (23,3%) 353 (21,8%) 154 (18%)
Miscigenado 640 (12%) 614 (17%) 315 (19,5%) 153 (17,9%)
Outro 165 (3,1%) 254 (7%) 142 (8,8%) 30 (3,5%)
Causa da doença renal crônica, N (%)
Glomerulonefrite 1387 (25,9%) 657 (18,2%) 274 (16,9%) 245 (28,6%)
Hipertensão 82 (1,5%) 146 (4,0%) 60 (3,7%) 0 (0,0)
Nefroesclerose 289 (5,4%) 369 (10,2%) 171 (10,6%) 4 (0,5%)
Diabetes Mellitus 355 (6,6%) 494 (13,7%) 266 (16,4%) 1 (0,1%)
Doença Renal Policística 354 (6,6%) 292 (8,1%) 154 (9,5%) 28 (3,3%)
Indeterminado 2207 (41,3%) 1216 (33,6%) 543 (33,6%) 267 (31,2%)
Outro 674 (12,6%) 440 (12,2%) 150 (9,3%) 311 (36,3%)
Tempo em diálise, meses (média ± DP) 23,7 ± 26,9 59,8 ± 47,2 55,5 ± 43,5 21,3 ± 21,2
Tipo e tratamento, N (%)
Hemodiálise 4362 (81,6%) 3254 (90,1%) 1458 (90,2%) 508 (59,3%)
Diálise peritoneal 289 (5,4%) 167 (4,6%) 89 (5,5%) 212 (24,8%)
Conservador 629 (11,8%) 28 (0,8%) 13 (0,8%) 75 (8,8%)
Hemodiálise e peritoneal 66 (1,2%) 163 (4,5%) 57 (3,5%) 61 (7,1%)
Painel de anticorpos reativos, (%)
Classe I (média ± DP) 4,5 ± 15,4 10,6 ± 23,5 7,3 ± 18,9 4,9 ± 15,7
Classe II (média ± DP) 3,7 ± 14,5 6,3 ± 18,9 5,3 ± 17,5 2,1 ± 11,1
Estado do diabetes, N (%) 247 (8,1) 438 (15,5) 251 (17,6) 5 (0,9)
Estado sorológico da IgG CMV, N (%)
Doador (+) /Receptor (+) 2795 (72,7) 1132 (43) 600 (44,3) 235 (39,3)
Doador (+) /Receptor (-) 245 (6,4) 122 (4,6) 59 (4,4) 66 (11,0)
Doador (-) /Receptor (+) 124 (3,2) 276 (10,5) 178 (13,1) 65 (10,9)
Doador (unk) /Receptor (+) 573 (14,9) 1000 (38,0) 464 (34,2) 195 (32,6)
Doador (-) /Receptor (-) 56 (1,5) 22 (0,8) 14 (1,0) 9 (1,5)
Doador (unk) /Receptor (-) 49 (1,3) 80 (3,1) 41 (3,0) 28 (4,7)
Idade do doador, anos (média ± DP) 44,3±10,7 37,8±11,9 59,3 ± 6,5 20,6 ± 14,9
Gênero do dador, masculino, N (%) 2191 (41%) 2219 (61,4%) 825 (51%) 490 (57,2%)
Etnia do doador, N (%)
Branco 3123 (66,4%) 1830 (60,2%) 849 (60,3%) 473 (67%)
Negro 843 (17,9%) 476 (15,7%) 204 (14,5%) 96 (13,6%)
Miscigenado 654 (13,9%) 677 (22,3%) 323 (22,9%) 130 (18,4%)
Outros 83 (1,8%) 55 (1,8%) 32 (2,3%) 7 (1,0%)
Tempo de isquemia fria, horas
(média ± DP)
Não aplicável 23,1 ± 6,6 23,9 ± 6,2 22,1 ± 6,1

Dos 5.232 transplantes de rim de doador falecido, 3.614 (69%) eram critério padrão e 1.618 (31%) de doadores de critérios expandidos. De 1998 a 2000 até 2015, o número de transplantes de doadores falecidos ​​aumentou de 253 (224 padrão, 29 expandidos) para 617 (418 padrão, 199 expandidos).

Entre os transplantes de rim de doadores falecidos critério padrão de 1998-2000 a 2015, a idade do doador (31,7 ± 12,8 vs. 39,6 ± 11,4 anos, p <0,001), bem como a idade do receptor (42,3 ± 10,9 vs. 46,7 ± 12,9 anos, p < 0,001), e o tempo de isquemia a frio (20,4 ± 8,3 vs. 23,8 ± 6,6 horas, p <0,001), aumentaram, respectivamente, mas a proporção de retransplantes diminuiu (16,1% vs. 10,5%, p = 0,043).

Do mesmo modo, entre os transplantes de rim de doadores falecidos com critérios expandidos de 1998-2000 a 2015, a idade do doador (56,6 ± 3,9 vs. 60,3 ± 6,5 anos, p <0,001), a idade do receptor (41,5 ± 11,8 vs. 50,3 ± 11,4 anos, p <0,001), e o tempo de isquemia fria (20 ± 8,5 contra 23,5 ± 6,2 horas, p < 0,039) aumentaram, mas o tempo em diálise (84,9 ± 37,5 vs. 49,9 ± 39,3 meses, p <0,001) e retransplantes (13,8% vs. 4 %, p = 0,028) diminuíram nesse período.

Entre 856 transplantes pediátricos, 238 (28%) eram de doadores vivos e 618 (72%) de doadores falecidos. Não houve diferenças significativas no número anual de transplantes de rim pediátricos, variando de 24 a 74 por ano, mas a proporção de doadores vivos diminuiu entre 1998-2000 e 2015 (71,2% para 8,3%, p < 0,001), respectivamente. A idade dos doadores vivos (40,9 ± 9,2 e 43,0 ± 8,2 anos, p = 0,638) não apresentou idade de doador diferente, mas idade de doador falecido (18,3 ± 15,8 e 11,3 ± 6,5 anos, p <0,001) e tempo em diálise (22,4 ± 19,6 vs. 13,5 ± 11,8 meses, p = 0,013) diminuíram, enquanto o tempo de isquemia fria entre os doadores falecidos (9,8 ± 5,4 e 23,9 ± 6,8 horas, p < 0,039) aumentou comparando as coortes de 1998-2000 e 2015.

Após o primeiro transplante simultâneo de rim/pâncreas em 2002, observou-se um aumento no número anual para até 42 transplantes em 2011, com diminuição subsequente para cerca de 16 transplantes por ano. Embora não tenham sido observadas alterações na idade do doador (25,8 ± 10,2 vs. 23,1 ± 5,3 anos), a idade do receptor (38,5 ± 7,8 versus 37,1 ± 7,6 anos) e a função retardada do enxerto renal (14,3% versus 25%), pacientes transplantados em 2015 tiveram mais tempo em diálise (34,7 ± 45,3 vs. 59,8 ± 20,4 meses, p = 0,047) em comparação com 2002-2005. Além disso, observou-se uma diminuição significativa nos tempos de isquemia fria no rim (18 ± 15 vs. 10 ± 3, horas, p = 0,045) e pâncreas (14,8 ± 4,8 vs. 9,5 ± 3,1 horas, p = 0,045).

Imunosupressão

Em geral, a terapia de indução foi utilizada em 14,1% dos receptores de rins de doadores vivos, em 53,3% dos receptores de doadores falecidos critério padrão, 82,6% nos receptores de doadores falecidos de critério expandido e 76,2% nos receptores pediátricos. O uso da terapia de indução aumentou de 1998-2000 a 2015 em todos os tipos de transplantes (doador vivo: 2% a 83% [79% r-ATG, 4% anti-IL2R], falecido padrão: 4% a 99% [96 % R-ATG, 3% anti-IL2R], falecido expandido: 7% a 100% [100% r-ATG] e receptores pediátricos: 11,5% a 96% [8% r-ATG, 88% anti-IL2R]) (Tabela 2).

Tabela 2 Imunossupressão inicial dos receptores de transplante segundo a origem do transplante 

Doadores vivos Falecidos critério padrão Falecidos expandidos Transplantes pediátricos
(N = 5348) (N = 3614) (N = 1618) (N = 856)
Terapia de indução, n (%)
rATG 293 (5,5%) 1244 (34,4%) 1055 (65,2%) 40 (4,7%)
Anti IL2R 460 (8,6%) 684 (18,9%) 281 (17,4%) 612 (71,5%)
Nenhuma 4596 (85,9%) 1686 (46,7%) 282 (17,4%) 204 (23,8%)
Imunossupressão inicial, n (%)
TAC+Pred+AZA 1982 (37,1%) 1603 (44,4%) 231 (14,3%) 590 (68,9%)
TAC+Pred+MPA 681 (12,7%) 1295 (35,8%) 1096 (67,7%) 88 (10,3%)
CsA+Pred+AZA 1550 (29,0%) 203 (5,6%) 26 (1,6%) 133 (15,5%)
CsA+Pred+MPA 298 (5,6%) 147 (4,1%) 36 (2,2%) 31 (3,6%)
TAC+Pred+EVR 112 (2,1%) 162 (4,5%) 92 (5,7%) 0 (0,0)
CsA+Pred+EVR 120 (2,3%) 8 (0,2%) 0 (0,0) 0 (0,0)
TAC+Pred+SRL 121 (2,3%) 20 (0,5%) 5 (0,3%) 1 (0,1%)
CsA+Pred+SRL 224 (4,2%) 15 (0,4%) 1 (0,1%) 4 (0,5%)
Outros 260 (4,9%) 161 (4,5%) 131 (8,1%) 9 (1,1%)

Anti IL2R: receptor anti-interleucina-2; AZA: Azatioprina; CsA: Ciclosporina; EVR: Everolimus; MPA: Ácido micofenólico; Pred: Prednisona; rATG: globulina antitimócitos de coelho; SRL: Sirolimus; TAC: Tacrolimus.

Ao longo do tempo, houve uma substituição gradual da ciclosporina por tacrolimus e azatioprina por micofenolato. Embora o uso de ciclosporina, combinado com azatioprina e prednisona tenha predominado em 1998-2000 (72% dos vivos e 86% do transplantados de doadores falecidos critério padrão), o uso de tacrolimus aumentou ao longo do tempo atingindo 65% dos vivos e 92% dos doadores falecidos critério padrão em 2015, sempre associados a azatioprina (56%) ou micofenolato (36%).

Enquanto 93,1% dos receptores de rins de doadores falecidos com critérios expandidos estavam recebendo ciclosporina, prednisona, azatioprina em 1998-2000, 84% estavam recebendo tacrolimus, prednisona, ácido micofenolato em 2015. De forma semelhante, 88,5% dos receptores pediátricos de transplante renal receberam ciclosporina, azatioprina e prednisona em 1998-2000, enquanto 83,3% receberam tacrolimus, azatioprina e prednisona em 2015. Finalmente, mais de 92% dos receptores de transplante de rim-pâncreas receberam tacrolimus, micofenolato e prednisona de 2002 a 2015.

Eficácia

Entre os receptores de transplantes de rim de doadores vivos, a incidência geral de primeira rejeição aguda, morte e perda de enxerto durante o primeiro ano foi de 23,8%, 2,1% e 2%, respectivamente. Comparando 1998-2000 a 2013-2014, observou-se uma diminuição da incidência de morte e perda de enxerto durante o primeiro ano após o transplante (Tabela 3).

Tabela 3 Principais fatores de eficácia e função renal 1 ano após o transplante, segundo a origem do transplante 

Doadores vivos Doadores de critérios critério padrão Doadores de critérios expandidos Transplantes pediátricos
1998 - 2000 2013 - 2014 1998 - 2000 2013 - 2014 1998 - 2000 2013 - 2014 1998 - 2000 2013 - 2014
(N = 643) (N = 434) (N = 224) (N = 734) (N = 29) (N = 450) (N = 52) (N = 99)
Primeira rejeição aguda tratada, n (%) 168 (29,1%) 117 (30,1%) 82 163 (24.6%) 13 (54.2%) 85
(20.8%)
21
(42%)
27
(29%)
(42,3%) 163 (24,6%) 13 (54,2%) 85 29 (4.0%) 3 (10.3%) 21 (4.7%) 0 (0%) 2 (2.0%)
(20,8%) 21 5 (1.2%) 31 (13.8%) 29 (4.0%) 6 (20.7%) 21 (4.7%) 9 (17.3%) 4 (4.0%)
(42%) 27 17 (3.9%) 1 (0.4%) 20 (2.7%) 0 (0%) 10 (2.2%) 0 (0%) 2 (2.0%)
(29%) (N = 576) (N = 390) (N = 168) (N = 637) (N = 20) (N = 396) (N = 43) (N = 91)
Óbito, n (%) 19 (3,0%) 2 (0,5%) 24 (10,7%) 29 (4,0%) 3 (10,3%) 21 (4,7%) 0 (0%) 2 (2,0%)
Perda do enxerto, n (%) 22 (3,4%) 5 (1,2%) 31 (13,8%) 29 (4,0%) 6 (20,7%) 21 (4,7%) 9 (17,3%) 4 (4,0%)
Perda do seguimento, n (%) 26 (4,0%) 17 (3,9%) 1 (0,4%) 20 (2,7%) 0 (0%) 10 (2,2%) 0 (0%) 2 (2,0%)
Creatinina mg/dl, 1 ano, n (%) (N = 576) (N = 390) (N = 168) (N = 637) (N = 20) (N = 396) (N = 43) (N = 91)
< 1.5 mg/dl 281 (48,8) 245 (62,8) 91 (54,2) 375 (58,9) 7 (35,0) 115 (29,0) 28 (65,1) 76 (83,5)
> 1.5 < 3.0 mg/dl 278 (48,3) 141 (36,1) 68 (40,5) 246 (38,6) 12 (60,0) 241 (60,9) 14 (32,6) 14 (15,4)
> 3.0 < 4.5 mg/dl 15 (2,6) 3 (0,8) 7 (4,2) 12 (1,9) 1 (5,0) 34 (8,6) 1 (2,3) 1 (1,1)
> 4.5 2 (0,3) 1 (0,3) 2 (1,1) 4 (0,6) 0 (0,0) 6 (1,5) 0 (0,0) 0(0,0)

Entre os receptores de transplantes de rim de doadores falecidos critério padrão, as incidências globais de rejeição aguda, morte e perda de enxerto foram 26,5%, 6,8% e 6%, respectivamente. Os números correspondentes para os transplantes de rim de doador falecido de critério expandido foram de 23,2%, 8,2% e 8,5%, respectivamente. Comparando 1998-2000 a 2013-2014, observou-se uma diminuição da incidência de rejeição tratada, óbito e perda de enxerto durante o primeiro ano após o transplante para receptores de transplantes de rim de doador falecido com critério expandido. Na população pediátrica, a incidência geral de rejeição aguda, óbito e perda de enxerto foram 22%, 1,9% e 7,2%, respectivamente, com diminuição da incidência de rejeição aguda tratada e perda de enxerto de 1998-2000 a 2013 - 2014 (Tabela 3).

Função renal

A incidência de FTE foi de 63,3% para o doador falecido critério padrão, 72,1% para os transplantes de rim de doador falecido com critério expandido e 32,7% para os transplantes pediátricos de falecidos. A proporção de pacientes com excelente função renal (creatinina <1,5 mg / dl) aos 12 meses foi de 65,4% para rins de doadores vivos, 64,5% de doadores falecidos, 38% para falecidos com critério expandido e 87,9% para receptores de transplante de rim pediátrico. A proporção de pacientes com excelente função renal aumentou ou permaneceu inalterada comparando 1998-2000 e 2013-2014 (Tabela 3). A proporção de receptores de transplante de rim/pâncreas com creatinina <1,5 mg/dl ao ano foi semelhante (89% vs. 87%) comparando 2002-2005 e 2014.

Resultados da sobrevida

Observou-se um aumento progressivo nas sobrevidas em cinco anos de pacientes, enxerto e enxerto censurado comparando 1998-2002, 2003-2006, 2007-2010 e 2011-2014 em receptores de doadores vivos, falecidos padrão, falecidos expandidos e pediátricos (Tabela 4). As sobrevidas de enxerto projetadas de 15 anos para os receptores de doadores vivos (Figura 2A) e os doadores falecidos padrão (Figura 2B) confirmam as tendências observadas nos primeiros 5 anos após o transplante.

Figura 2 A: Sobrevida acumulada projetada do enxerto em 15 anos para receptores de aloenxerto de rim de doador vivo segundo 4 períodos de transplante. B: Sobrevida acumulada projetada do enxerto em 15 anos para receptores de aloenxerto de rim de doador falecido segundo 4 períodos de transplantes. 

Tabela 4 Sobrevida acumulada em 5 anos de pacientes, enxertos e enxerto descontados os óbitos entre 1998 e 2014 

Sobrevida do paciente (%) Sobrevida do enxerto (%) Sobrevida censurada do enxerto (%)
Ano do transplante
Doadores vivos
2011 - 2014 (N = 1011) 97,3 93,1 95,6
2007 - 2010 (N = 1397) 94,0 87,8 93,7
2003 - 2006 (N = 1436) 92,9 86,8 92,6
1998 - 2002 (N = 1299) 92,3 83,3 89,6
Doadores falecidos critério padrão
2011 - 2014 (N = 1380) 89,2 79,7 90,3
2007 - 2010 (N = 942) 83,7 72,6 87,2
2003 - 2006 (N = 454) 80,5 69,5 87,5
1998 - 2002 (N = 420) 79,7 60,7 77,3
Doadores com critérios expandidos
2011 - 2014 (N = 803) 85,2 71,5 86,0
2007 - 2010 (N = 421) 80,0 59,5 78,6
2003 - 2006 (N = 152) 72,7 58,6 82,0
1998 - 2002 (N = 43) 79,1 46,5 62,8
Transplantes pediátricos
2011 - 2014 (N = 220) 97,2 80,9 83,7
2007 - 2010 (N = 240) 96,6 81,2 83,8
2003 - 2006 (N = 213) 93,3 82,8 88,5
1998 - 2002 (N = 135) 99,3 79,8 80,5

Discussão

Esta grande análise retrospectiva de dados confirmou as premissas do modelo de atenção à saúde implementado e aperfeiçoado nos últimos 18 anos. Em última análise, esse modelo permitiu o aumento do número de transplantes e a mudança de vida, relacionada aos transplantes renais de doadores falecidos devido a uma política nacional e local para aprimorar a aquisição de órgãos e promover a doação de órgãos entre as famílias.6 Importante, observamos uma redução progressiva nas incidências de rejeição, perda de enxerto e óbito de 1998 a 2015, apesar das mudanças desfavoráveis ​​nas características demográficas da população, incluindo o aumento da idade dos doadores e dos receptores, e no número de doadores falecidos de critérios expandidos.7

O crescimento no número de doadores falecidos, bem como o importante progresso na assistência em diálise, nos permitiram aplicar critérios mais rigorosos para os transplantes de rim de doadores vivos.1,3 Essas restrições são baseadas no risco cirúrgico (taxa de mortalidade após a doação de rim em 3 por 10.000) e incerteza sobre os riscos de desenvolver doença renal crônica no longo prazo, considerando o aumento progressivo da expectativa de vida da população em geral.8

Esta análise de coorte inclui 11.436 transplantes de rim, produzindo atualmente mais de 8.869 pacientes em seguimento regular. O aumento no número de transplantes ocorreu devido ao aumento do número de transplantes de doadores falecidos nos últimos 8 anos, como consequência de um sistema de transplante nacional público competente e sistemático, financiado pelo governo.2

Usando mais rins recuperados de doadores falecidos com critérios expandidos, que também estão aumentando em todo o mundo, também enfrentamos conflitos pessoais devido à falta de critérios universais e estabelecidos para aceitar ou descartar esses rins, apesar dos resultados bem conhecidos de longo prazo e análise histológica regular antes do transplante ser feito.7

Em geral, 38,5% dos receptores de transplante renal receberam tacrolimus, azatioprina e prednisona, contrastando com apenas 0,8% entre os centros dos Estados Unidos.9 Tacrolimus, micofenolato e prednisona são utilizados principalmente em pacientes com alto risco imunológico, incluindo retransplantes e em receptores de rins de doadores falecidos com critérios expandidos. O uso progressivo da terapia de indução e o aumento do uso de tacrolimus e micofenolato podem estar associados à redução observada na incidência de rejeição aguda tratada.10

Embora os regimes imunossupressores com maior eficácia para a prevenção da rejeição aguda também possam contribuir para melhorar a sobrevida do paciente e do enxerto, devemos considerar os “incrementos” adicionais que ocorreram nos últimos vinte anos, incluindo o uso de regimes que poupam esteroides, o monitoramento de drogas imunossupressoras, detecção precoce de episódios de rejeição, profilaxia para uma ampla gama de infecções e uso de técnicas de laboratório eficientes para o diagnóstico de infecções.11,12

A função renal ao final do primeiro ano após o transplante tornou-se um marcador de substituição biológica para a sobrevida do aloenxerto a longo prazo.13 Apesar do aumento no uso de rins recuperados de doadores falecidos de critérios expandidos, observamos uma pequena redução na incidência de FTE ao longo do tempo.14 Importante, o tempo de isquemia a frio ainda é inaceitavelmente alto, e várias medidas foram discutidas para abordar esta importante questão. A redução do tempo de isquemia fria e a incidência de FTE, combinada com o monitoramento de medicamentos imunossupressores terapêuticos, tem sido associada à melhores função renal e sobrevida do enxerto15. É uma das principais áreas para melhorias.

A implementação de um programa de saúde local dinâmico e eficaz foi associada a um aumento progressivo do número de transplantes de rim, no número acumulado de pacientes em seguimento e à mudança de vida relacionada aos transplantes de rim de doadores falecidos, com aumento progressivo nas sobrevidas de pacientes e enxertos.

O aumento progressivo na sobrevida de pacientes e enxertos foi observado em muitos outros centros e análises de prontuários.16 No entanto, é interessante notar que essa melhora, comparável com aquelas reportados em países desenvolvidos, tem sido observada em uma população de alto risco, considerando a alta Incidência e duração da FTE e o baixo status socioeconômico da maioria dos receptores de transplante, uma nova variável-chave que tem sido implicada nos resultados a longo prazo após o transplante.

Todas as limitações relacionadas à análise de dados de prontuários também se aplicam ao nosso estudo, incluindo a extrapolação de dados para outras populações, mesmo dentro do nosso país. Esta análise foi concentrada nos principais resultados após o transplante renal, impedindo análises estatísticas rigorosas e determinação de associações ou causalidades.

Em resumo, esta análise retrospectiva de prontuários de um único centro, incluindo dados de 11.436 transplantes de rim consecutivos, mostrou que este modelo singular de atenção à saúde em larga escala fornece condições ambientais e administrativas para realizar e acompanhar uma grande quantidade de transplantes de rim com alta eficiência e resultados de melhorias progressivas. As vantagens deste modelo devem ser testadas em outras áreas médicas terapêuticas complexas.

REFERÊNCIAS

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