versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.32 no.2 Rio de Janeiro 2016 Epub 11-Mar-2016
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00077415
Cross-sectional data from the Pro-Health Study in 1999-2001 and 2011-2012 revealed important gender and color/race differences in the size and variation across time in educational inequalities related to abdominal obesity. Probability of obesity increased steadily in women (independently of color/race) and men (brown/black) with less schooling. These gradients were quantified according to the relative index of inequality (RII). Over the course of the decade, there was a reduction in inequality in brown/black women (ΔRII: 0.5; 95%CI: 0.2-1.1), underlying a relatively higher increase in the prevalence of abdominal obesity in women with more schooling. RII was stable in white women and brown/black men, indicating a similar increase in the prevalence of abdominal obesity in educational subgroups. The association between schooling and abdominal obesity was affected by the multiple interaction of socio-demographic factors. Our results recommend joint stratification by gender and color/race in the study of socioeconomic inequalities related to abdominal obesity.
Key words: Abdominal Obesity; Race or Ethnic Group Distribution; Gender and Health; Health Inequalities
Los análisis de datos seccionales del Estudio Pro-Salud durante los períodos 1999-2001 y 2011-2012 reveló una importante diferencia de género y color/raza en la magnitud y variación temporal de la desigualdad educacional en la obesidad abdominal. La probabilidad de estar obeso fue gradualmente mayor en mujeres (independiente de color/raza) y hombres (mulatos/negros) menos escolarizados. Tales gradientes fueron cuantificados por el índice relativo de desigualdad (IRD). A lo largo de la década, se observó una reducción de la desigualdad en mujeres mulatas/negras (ΔIRD: 0,5; IC95%: 0,2-1,1), subyacente al aumento relativamente mayor de la prevalencia de obesidad abdominal entre las más escolarizadas. Hubo estabilidad del IRD en mujeres blancas y hombres mulatos/negros, indicando crecimiento similar de la prevalencia de obesidad abdominal en los subgrupos educacionales. Asociación de la escolaridad con la ocurrencia de obesidad abdominal sufrió una interacción múltiple de factores sociodemográficos. Nuestros resultados muestran la estratificación conjunta por género y color/raza en el estudio de las desigualdades socioeconómicas en el ámbito de la obesidad abdominal.
Palabras-clave: Obesidad Abdominal; Distribución por Raza o Etnia; Género y Salud; Desigualdades en la Salud
Em países de renda média e alta, a obesidade tem afetado principalmente mulheres em desvantagem social; no grupo dos homens, a relação entre posição socioeconômica e obesidade mostra-se inconsistente 1,2,3. No Brasil, mudanças socioeconômicas ocorridas nas últimas décadas implicaram o aumento da disponibilidade de alimentos ultraprocessados e redução da atividade física 4. Observou-se tendência crescente da prevalência e incidência de obesidade associada à baixa posição socioeconômica entre mulheres 5,6.
As desigualdades socioeconômicas na ocorrência da obesidade, considerando interseção de gênero e cor/raça, assim como as respectivas variações temporais, são, ainda, inexplorados no país. Neste trabalho, estimamos magnitude e variação temporal da desigualdade educacional na ocorrência de obesidade abdominal nesses subgrupos demográficos.
Estudo seccional com dados da linha de base (1999-2001) e fase 4 (2011-2012) doEstudo Pró-Saúde (EPS), programa de investigação longitudinal de funcionários técnico-administrativos de uma universidade no Rio de Janeiro 7. Foram incluídos todos os funcionários do quadro efetivo da instituição que aceitaram participar do EPS, sendo excluídos gestantes e licenciados por motivos não relacionados à saúde.
Durante o trabalho de campo, houve 21,8% de não participação na linha de base (N = 3.253), bem como 22,3% de não participação na fase 4 (N = 2.933). Em 1999-2001, 149 indivíduos não responderam as perguntas relativas às variáveis do estudo ou não tiveram aferida sua circunferência abdominal; outros 111 indivíduos foram excluídos da análise de dados por terem mais de 65 anos ou por terem autodeclarado cor/raça amarela ou indígena. Em 2011-2012, esses valores foram, respectivamente, 75 e 247. Obtivemos informação completa de 2.993 adultos em 1999-2001 (92% dos participantes) e 2.611 adultos em 2011-2012 (89% dos participantes).
Obesidade abdominal foi definida como circunferência – aferida em duplicata no nível umbilical – maior ou igual a 88cm para mulheres e 102cm para homens 8. Questionário multidimensional, preenchido pelos próprios participantes, foi usado para avaliar escolaridade (fundamental completo; médio completo; superior completo), gênero (feminino; masculino), cor/raça (parda/preta; branca) e idade (24 a 65 anos).
Análise dos dados abarcou prevalência com intervalo de 95% de confiança (IC95%) e teste de qui-quadrado de tendência em proporções. Aplicou-se o índice relativo de desigualdade (IRD) para estimar a magnitude da desigualdade educacional na ocorrência de obesidade abdominal. Esse índice é uma medida sumária da associação monotônica entre fator social politômico e desfecho de saúde, apropriada para comparações entre populações e temporalmente. Baseia-se em regressão log-linear ponderada, em que a variável dependente concerne ao desfecho de saúde e a variável independente remete a um escore numérico, definido a partir da frequência relativa acumulada dos subgrupos educacionais 9,10,11,12. Nesta análise, o ordenamento partiu dos mais escolarizados. Variação temporal da estimativa de desigualdade entre os períodos de 1999-2001 e 2011-2012 foi analisada, criando-se uma variável (inquérito) correspondente às fases do EPS e incluindo-se um termo de interação (inquérito * escore numérico) no modelo de regressão. Todas as análises foram estratificadas por gênero e cor/raça, sendo conduzidas no software R 3.1.2 (The R Foundation for Statistical Computing, Viena, Áustria; http://www.r-project.org).
Protocolos do EPS 1999-2001 e 2011-2012 foram aprovados pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Pedro Ernesto e Instituto de Medicina Social (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
Identificaram-se subgrupos de gênero e cor/raça mais escolarizados em 2011-2012 do que em 1999-2001 (Tabela 1). A maioria das mulheres e homens brancos concluiu, pelo menos, ensino superior completo, ao passo que a maioria das mulheres e homens pardos/pretos, no máximo, completou o ensino médio, em ambos os períodos estudados. Entre aqueles com diploma universitário, observamos duas vezes mais brancos que pardos/pretos em 1999-2001 e, aproximadamente, 1,6 vez em 2011-2012.
Tabela 1 Tamanho populacional dos subgrupos educacionais por gênero e cor/raça. Estudo Pró-Saúde, 1999-2001 e 2011-2012.
Variáveis | 1999-2001 [n (%)] | 2011-2012 [n (%)] | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Parda/Preta | Branca | Total | Parda/Preta | Branca | Total | |
Mulheres | ||||||
Fundamental completo | 225 (28,1) | 85 (9,7) | 310 (18,5) | 97 (13,1) | 30 (4,0) | 127 (8,5) |
Médio completo | 319 (39,8) | 249 (28,3) | 568 (33,8) | 296 (40,0) | 163 (21,8) | 459 (30,9) |
Superior completo | 257 (32,1) | 544 (62,0) | 801 (47,7) | 347 (46,9) | 554 (74,2) | 901 (60,6) |
Total | 801 | 878 | 1.679 | 740 | 747 | 1.487 |
Homens | ||||||
Fundamental completo | 219 (36,0) | 124 (17,6) | 343 (26,1) | 135 (22,3) | 44 (8,5) | 179 (15,9) |
Médio completo | 256 (42,0) | 238 (33,8) | 494 (37,6) | 260 (42,9) | 184 (35,5) | 444 (39,5) |
Superior completo | 134 (22,0) | 343 (48,6) | 477 (36,3) | 211 (34,8) | 290 (56,0) | 501 (44,6) |
Total | 609 | 705 | 1.314 | 606 | 518 | 1.124 |
Prevalência de obesidade abdominal foi maior entre as mulheres em 1999-2001 e 2011-2012, especialmente entre as autodeclaradas pardas/pretas (Tabela 2). Entre os homens, não foram observadas diferenças de cor/raça estatisticamente significativas em ambos os períodos. Prevalência de obesidade abdominal passou de 35,1% (IC95%: 33,4-36,9) para 54,5% (IC95%: 52,6-56,5) na população do EPS, aumento verificado em todos os subgrupos demográficos.
Tabela 2 Prevalência de obesidade abdominal (%) e intervalo de 95% de confiança (IC95%) por escolaridade, gênero e cor/raça; índice relativo de desigualdade (IRD) dos subgrupos demográficos. Estudo Pró-Saúde, 1999-2001 e 2011-2012.
Variáveis | 1999-2001 [% (IC95%)] | 2011-2012 [% (IC95%)] | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Parda/Preta | Branca | Total | Parda/Preta | Branca | Total | |
Mulheres | ||||||
Fundamental completo | 66,2 (59,6-72,4) | 56,5 (45,3-67,2) | 63,5 (57,9-68,9) | 74,2 (64,3-82,6) | 83,3 (65,3-94,4) | 76,4 (68,0-83,5) |
Médio completo | 48,3 (42,7-53,9) | 45,8 (39,5-52,2) | 47,2 (43,0-51,4) | 77,0 (71,8-81,7) | 73,0 (65,5-79,6) | 75,6 (71,4-79,5) |
Superior completo | 34,6 (28,8-40,8) | 32,3 (28,4-36,5) | 33,1 (29,8-36,5) | 62,5 (57,2-67,6) | 57,8 (53,5-61,9) | 59,6 (56,3-62,8) |
Total | 48,9 (45,4-52,5) | 38,5 (35,3-41,8) | 43,5 (41,1-45,9) | 69,9 (66,4-73,2) | 62,1 (58,5-65,6) | 66,0 (63,5-68,4) |
Valor de p * | < 0,001 | < 0,001 | < 0,001 | < 0,001 | < 0,001 | < 0,001 |
IRD (bruto) | 6,4 (3,7-11,0) | 4,0 (2,3-7,0) | 5,8 (4,0-8,4) | 3,2 (1,7-5,9) | 4,8 (2,3-9,9) | 4,3 (2,7-6,8) |
IRD (ajustado) ** | 3,1 (1,7-5,5) | 2,5 (1,4-4,5) | 3,1 (2,1-4,6) | 1,7 (0,9-3,5) | 3,8 (1,8-8,0) | 2,9 (1,8-4,7) |
Homens | ||||||
Fundamental completo | 27,4 (21,6-33,8) | 21,8 (14,9-30,1) | 25,4 (20,8-30,3) | 40,0 (31,7-48,8) | 43,2 (28,3-59,0) | 40,8 (33,5-48,4) |
Médio completo | 23,0 (18,0-28,7) | 30,2 (24,5-36,5) | 26,5 (22,7-30,6) | 41,5 (35,4-47,8) | 42,4 (35,1-49,9) | 41,9 (37,2-46,6) |
Superior completo | 14,9 (9,4-22,1) | 24,2 (19,8-29,1) | 21,6 (18,0-25,6) | 30,8 (24,6-37,5) | 41,0 (35,3-46,9) | 36,7 (32,5-41,1) |
Total | 22,8 (19,5-26,4) | 25,8 (22,6-29,2) | 24,4 (22,1-26,8) | 37,5 (33,6-41,4) | 41,7 (37,4-46,1) | 39,4 (36,5-42,3) |
Valor de p * | 0,008 | 0,951 | 0,170 | 0,049 | 0,723 | 0,179 |
IRD (bruto) | 2,6 (1,3-5,3) | - | - | 1,9 (1,0-3,5) | - | - |
IRD (ajustado) ** | 2,1 (1,0-4,6) | - | - | 1,8 (0,9-3,5) | - | - |
* Valor de p do teste de qui-quadrado de tendência em proporções;
** IRD ajustado por idade (variável contínua).
Associação entre escolaridade e obesida- de abdominal foi consistente e inversa entre mulheres de ambas as categorias de cor/raça, em 1999-2001 e 2011-2012 (Tabela 2). Similarmente, tendência monotônica foi observada entre homens pardos/pretos, mas não entre homens brancos, nos dois momentos da pesquisa, indicando que cor/raça modificou o efeito da escolaridade na ocorrência de obesidade abdominal entre os homens. Deste modo, o IRD quantificou a probabilidade gradativamente maior de estar obeso entre mulheres (brancas e pardas/pretas) e homens (pardos/pretos) menos escolarizados.
Variação negativa do IRD (ΔIRD: 0,5; IC95%: 0,2-1,1) entre mulheres pardas/pretas indicou redução da desigualdade educacional na obesidade abdominal, subjacente ao crescimento relativamente maior da prevalência de obesidade abdominal entre as mais escolarizadas (Figura 1). Entre mulheres brancas e homens pardos/pretos, observou-se estabilidade da medida de desigualdade, em virtude do aumento similar da prevalência de obesidade abdominal nos subgrupos educacionais.
Prevalência de obesidade abdominal foi consistentemente maior entre mulheres, em particular entre as autodeclaradas pardas/pretas, não tendo sido encontrada diferença de cor/raça entre homens. Escolaridade esteve inversamente associada com obesidade abdominal entre mulheres de ambas as categorias de cor/raça e entre homens pardos/pretos, em 1999-2001 e 2011-2012. Observamos redução da desigualdade educacional na obesidade abdominal entre mulheres pardas/pretas e estabilidade da desigualdade entre homens pardos/pretos e mulheres brancas.
Estudos recentes documentaram que a circunferência abdominal tem maior capacidade preditiva de desfechos relacionados à obesidade em comparação com outras avaliações antropométricas 8,13. Contudo, variação quanto ao ponto de corte pode influenciar estimativas de prevalência de obesidade abdominal; portanto, definimos obesidade abdominal conforme os parâmetros de risco muito elevado 8.
Como limitações do estudo, assinalamos: população de base ocupacional que, embora contribua para validade interna, pode reduzir a generalização dos resultados para população geral; cerca de 20% dos elegíveis não participaram da linha de base e fase 4, conquanto seja esperada intercambialidade entre população de estudo e população fonte; posição socioeconômica é um construto multidimensional, e nossa análise abordou apenas a escolaridade.
Evidências seccionais e longitudinais mostram padrão de associação inversa entre posição socioeconômica e obesidade, considerando-se principalmente escolaridade e o grupo de mulheres 1,2,3,5,6. Escolaridade influencia a obesidade diretamente por meio de modos e estilos de vida relacionados à alimentação, atividade física e outras práticas de saúde 14; indiretamente, por meio da ocupação e renda. Indivíduos de maior posição socioeconômica têm mais acesso à alimentação saudável e aos meios de redução voluntária do peso corporal. Por fim, fatores ambientais associados à posição socioeconômica também podem influenciar a obesidade 1,2,14.
Poucos trabalhos enfocaram a complexa relação entre gênero, cor/raça, posição socioeconômica e obesidade 15,16,17,18,19. Nos Estados Unidos, encontraram-se diferenças na associação entre posição socioeconômica e obesidade, além de diferenças na tendência temporal da desigualdade socioeconômica na ocorrência de obesidade, segundo gênero e raça/etnicidade 15,16,17,18,19. Ferrer et al. 20 observaram redução da desigualdade educacional na ocorrência da obesidade entre mulheres mexicanas residentes de áreas urbanas, em face do aumento pronunciado da prevalência de obesidade entre as mais escolarizadas. Em nosso estudo, a associação da escolaridade com ocorrência de obesidade abdominal sofreu interação múltipla de fatores sociodemográficos. Apesar da melhoria do nível educacional em todos os subgrupos demográficos, observamos aumento da prevalência de obesidade abdominal, especialmente entre mulheres pardas/pretas com ensino superior completo. A validade de construto dos indicadores de posição socioeconômica, portanto, seu impacto, pode variar entre subgrupos de gênero e cor/raça 21. Por exemplo, experiências de discriminação racial podem estar relacionadas com excesso de peso entre mulheres pardas/pretas 22 de maior escolaridade.
Nossos resultados encorajam a estratificação conjunta por gênero e cor/raça e o uso do IRD no estudo das desigualdades socioeconômicas na ocorrência da obesidade abdominal, bem como de outras desigualdades em saúde.