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Desigualdades regionais na mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil: tendências e projeções até o ano 2030

Desigualdades regionais na mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil: tendências e projeções até o ano 2030

Autores:

Isabelle Ribeiro Barbosa,
Dyego Leandro Bezerra de Souza,
María Milagros Bernal,
Iris do Céu Clara Costa

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.21 no.1 Rio de Janeiro jan. 2016

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015211.03662015

Abstract

The scope of this article is to analyze the temporal trends of cervical cancer mortality in Brazil and calculate the projection of mortality through to the year 2030. Deaths that occurred within the 1996-2010 period were analyzed (Mortality Information System). Mortality trend analysis utilized the Joinpoint regression, while Nordpred was utilized for the calculation of projections. For Brazil, decreasing trends were identified (APC = 1.7% CI95%-2.2; −1.1 p < 0.05). The Midwest region presented a significant reduction trend (APC = −1.3% per year), along with the Southeast (APC = −3.3%) and South (APC = −3.9%) regions. The North and Northeast regions presented stable trends. The states of Acre (APC = −6.5%) and Rio Grande do Sul (APC = −4.1%) presented the most pronounced reduction trends. Analysis of the mortality projections revealed a reduction in mortality rates, starting from the first projected period, with a considerable reduction for the South region. Mortality rates through to the year 2030 are explained, principally, by reductions in the riskof the disease. Cervical cancer mortality presents reducing trends, however these are unequally distributed throughout the country, where the North and Northeast regions present the highest mortality rates.

Keywords Cervical neoplasms; Mortality; Projections; Trends

Introdução

A terceira causa de câncer mais incidente em mulheres em todo mundo é o de colo de útero, representando cerca de 9% dos casos, e nos pa-íses em desenvolvimento é a causa mais comum nesse grupo1. Com a estimativa de 529.000 casos e 275.000 óbitos por ano em todo o mundo, a carga do câncer de colo de útero varia consideravelmente entre os países, com mais de 85% dos casos da carga global da doença distribuída nos países de baixa ou média renda2. A diferença entre as taxas de incidência observada entre os países e as diversas regiões do planeta reflete a prevalência da infecção pelo human papilloma vírus (HPV) e da qualidade e da cobertura dos programas de screening que utilizam o Papanicolaou como método de rastreamento3.

O entendimento de que, em geral, o câncer de colo de útero está associado à infecção por uma linhagem oncogênica do HPV gerou diversas correlações entre o comportamento e a incidência por essa doença4. A partir desse conhecimento, um fator importante foi a introdução de vacinas profiláticas para infecção pelo vírus HPV colocadas à disposição na última década3. Além disso, o uso de contraceptivos orais, as doenças sexualmente transmissíveis, a multiparidade, os múltiplos parceiros sexuais desprotegidos, a atividade sexual de início precoce e o tabagismo são considerados fatores de risco para o câncer de colo de útero5.

No Brasil, para o ano de 2014, foram estimados 15.590 novos casos de câncer de colo do útero com cerca de 5000 óbitos6. A ampliação de acesso, diagnóstico de qualidade e tratamento em tempo oportuno para o câncer de colo de útero estão incluídos entre os 16 Objetivos Estratégicos do Ministério da Saúde para o período 2011-20157.

Apesar das mudanças nos padrões de mortalidade por câncer resultarem de variações na incidência da doença e de seus principais determinantes, a mortalidade é também influenciada pelos casos fatais, que são determinados, por sua vez, pelo diagnóstico no início e disponibilidade de melhores tratamentos e cuidados. Então, torna-se claro que a mortalidade por câncer de colo de útero é um complexo indicador resultante de variações internacionais e, principalmente, da organização interna dos sistemas de saúde dos países8.

Em vista da importância dessa doença e seu potencial para a ação dos sistemas de saúde, o monitoramento das tendências da mortalidade ao longo do tempo e o conhecimento da carga desta no futuro é de grande relevância para planejar e avaliar as políticas de controle do câncer, assim como os métodos de triagem que possam ser implementados de forma mais efetiva para detecção precoce e tratamento, direcionadas às áreas de maior vulnerabilidade e risco9. Dessa forma, o objetivo deste estudo foi analisar as tendências temporais da mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil, regiões e estados brasileiros no período de 1996 a 2010 e realizar as projeções de mortalidade até o ano de 2030.

Métodos

Estudo ecológico de série temporal, baseado em dados secundários coletados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus). Foram analisados os óbitos decorrentes da neoplasia maligna de colo de útero no Brasil, regiões e estados brasileiros no período de 1996 a 2010.

Além da análise dos óbitos com a codificação C53 (Câncer de colo de útero, International Classification of Disases, 10th Revision), foi realizada a distribuição daqueles registrados em porção não especificada (C55), considerando que parte destes teve como causa básica o câncer de colo de útero. O método aplicado neste estudo para re-distribuir os casos de câncer de útero em porção não especificada foi distribuir proporcionalmente os óbitos não especificados para os cânceres de corpo de útero e de colo de útero, de acordo com ano, faixa etária e localização geográfica10,11.

Foi analisada a tendência temporal da mortalidade nesse período e calculadas as projeções por quinquênio para os períodos de 2011-2015, 2016-2020, 2021-2025 e 2026-2030.

Para analisar as tendências de mortalidade, foi realizada a análise de regressão Joinpoint, utilizando o software Joinpoint Regression Program (National Cancer Institute, Bethesda, Maryland, USA), Versão 4.1.0. O objetivo da análise foi identifcar a ocorrência de possíveis joinpoints onde uma mudança significativa na tendência ocorra.

O método aplicado identificou joinpoints baseado no modelo com no máximo 3 pontos de mudança. O modelo final selecionado foi o mais ajustado, com o Annual Percentage Change (APC) baseado na tendência de cada segmento, estimando se esses valores são estatisticamente significativos a um nível de confiança de 95%. Os testes de significância utilizados baseiam-se no método de permutação de Monte Carlo e no cálculo da variação percentual anual da razão, utilizando o logaritmo da razão.

Para quantificar a medida resumo da tendência ao longo do período fixo pré-determinado, foi calculado o Average Annual Percentage Change (AAPC). O AAPC é calculado baseado na média ponderada dos coeficientes angulares da linha de regressão com pesos iguais ao comprimento de cada segmento ao longo do intervalo.

Na descrição, os termos “aumento” ou “redução” significam que a tendência é estatisticamente significativa (p < 0,05). Para as não significativas, foi usado o termo “estável”.

As predições foram feitas para cada período utilizando o modelo idade-período-coorte do programa Nordpred (Cancer Registry of Norway, Oslo, Norway), inscrito no programa estatístico R. Os dados foram compilados em blocos de 5 anos e o grupo de idade limite considerado para a análise foi o primeiro com mais de 10 casos para o período combinado.

Os resultados das predições estão apresentados por grupos de idade (20-29 anos, 30-49 anos, 50-69 anos e > 70 anos) e para o total de óbitos observados e esperados para cada período para o Brasil e as 5 regiões brasileiras. Para cada período, foram calculadas as taxas de mortalidade ajustadas com base na população padrão mundial para comparações globais, expressas por 100.000 mulheres por ano (ASW/100.000 hab)12.

Foram calculadas as mudanças anuais no número de casos no último período projetado (2026-2030) comparado ao último observado (2006-2010), no qual a proporção desta ocorreu em termos dos riscos ou demográficos (tamanho ou estrutura da população). Esses dois componentes podem ser diferentes de zero e apresentar uma direção positiva ou negativa. O cálculo pode ser expresso como segue13:

onde Δ tot é a mudança total, Δ risk é a mudança em função do risco, Δ pop é a mudança em função da população, Nooo é o número de casos observados, Nfff é o número de casos projetados, e Noff é o número de casos esperados quando as taxas de mortalidade aumentam durante o perí-odo observado.

Os dados de população para o Brasil, os estados brasileiros e o distrito Federal utilizados no cálculo das taxas de mortalidade no período de 1996 a 2010 e para o das projeções até 2030, foram obtidas das informações dos Censos (2000 e 2010), Contagem (1996) e projeções intercensitárias segundo faixa etária e sexo, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Para a produção dos mapas de distribuição das taxas de mortalidade observadas e projetadas, divididas por quartis e por estado brasileiro, foi utilizado o programa Tabwin 3.6.

Resultados

De 1996 a 2010, foram registrados no Brasil 89.764 óbitos por neoplasia maligna de colo de útero. A taxa de mortalidade padronizada à população mundial para o Brasil variou de 8,04 óbitos/100.000 habitantes, no ano de 1996 a 6,36 óbitos/ 100.000 habitantes, no ano de 2010. As maiores taxas de mortalidade foram apresentada pelo estado do Amazonas (18,62 óbitos/100.000 hab, no ano de 2010), seguido dos estados de Roraima (16,39 óbitos/100.000 hab, no ano de 2010) e Amapá (17,55 óbitos/100.000 hab, no ano de 1996) (Figura 1).

Figura 1 Taxas padronizadas de mortalidade por câncer de colo de útero para o Brasil e unidades federativas no período de 1996 a 2010. Brasil-2014. 

Na série histórica das taxas de mortalidade para o Brasil, a análise pelo Joinpoint verificou tendência de redução (APC = 1,7% IC95%-2,2; −1,1 p < 0,05). A tendência foi de redução significativa para a região centro oeste (APC = −1,3% ao ano), sudeste (APC = −3,3%) e sul (APC =-3,9%), sem ocorrência de Joinpoints para referidas regiões. A região norte apresentou estabilidade das taxas; todavia, a região nordeste apresentou tendência de aumento até o ano de 2006, seguido de uma de estabilidade. Os estados do Maranhão (APC = 7,1%) e Roraima (APC = 5,7%) apresentaram as maiores tendências de aumento nas taxas entre todos os estados brasileiros, enquanto os estados do Acre (APC = −6,5%) e Rio Grande do Sul (APC = −4,1%) as maiores de redução (Tabela 1).

Tabela 1 Tendência temporal da mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil e regiões: Annual Percentage Change (APC), intervalo de confiança (IC 95%) e ano do Joinpoint. Brasil, 2014. 

Unidade Federativa APC1 IC 95% Joinpoint APC2 IC 95% Joinpoint APC3 IC 95%
Brasil -1,7* [-2,2; −1,1]
Norte 0,6 [-0,2; 1,5]
Nordeste 2,9* [1,8; 4,0] 2006 -3,2 [-7,2; 0,9]
Sudeste -3,3* [-3,9; 2,8]
Sul -3,9* [-4,7; −3,0]
Centro Oeste -2,0* [-3,6; −0,3]
Acre -6,5* [-10,6; −2,2]
Amapá -3,4* [-6,2; −0,5]
Rondônia 0,1 [-3,0; 3,4]
Roraima 5,7* [1,6; 10,0]
Pará 0,6 [-0,6; 1,8]
Amazonas -0,9 [-7,7; 6,4] 2003 3,7 [-3,4; 11,3]
Tocantins 3,5* [1,1; 6,1]
Alagoas 2,9* [0,3; 5,5]
Sergipe 7,5* [4,0; 11,1] 2005 -5,4 [-12,7; 2,6]
Rio Grande do Norte -1,3 [-2,8; 0,3]
Pernambuco -3,2* [-5,8; −0,5] 2002 2,8 [-5,2; 11,6] 2006 -6,2* [-11,0; −1,2]
Bahia 0,4 [-0,9; 1,7]
Ceará 0,8 [-1,1; 2,7]
Maranhão 7,1* [4,8; 9,5]
Paraíba -8,1 [-24,9; 12,5] 1999 17,0* [9,3; 25,3] 2006 -7,8 [-18,8; 4,8]
Piauí 5,1* [3,0; 7,2]
São Paulo 1,4 [-6,4; 9,8] 1999 -5,1* [-6,1; −4,1]
Rio de Janeiro -2,3* [-2,9; −1,7]
Minas Gerais -2,7* [-3,4; −1,9]
Espírito Santo -2,0* [-3,2; −0,7]
Rio Grande do Sul -4,1* [-5,0; −3,2]
Paraná -3,8* [-5,2; −2,5]
Santa Catarina -3,4* [-4,5; −2,3]
Mato Grosso -0,7 [-5,2; 3,9] 2006 -8,6 [-24,2; 10,2]
Mato Grosso do Sul -0,9 [-2,6; 0,9]
Distrito Federal -2,9* [-5,4; −0,4]
Goiás -2,2* [-4,1; −0,3]

APC: annual percentage changes; 95% CI, 95% confidence intervals.

*estatisticamente significativa p<0.05.

Seis estados brasileiros apresentaram mudança na característica da tendência durante o período analisado: São Paulo, Paraíba, Amazonas, Sergipe, Pernambuco e Mato Grosso. Desses, apenas o estado de São Paulo apresentou tendência de redução quando analisado pelo AAPC (AAPC = −3,7% IC95% −5,3; −2,2 p < 0,05); os demais apresentaram tendência de estabilidade: Paraíba (AAPC = 3,8% p = 0,2), Amazonas (AAPC = 1,4 p = 0,5), Sergipe (AAPC = 2,7% p = 0,1), Pernambuco (AAPC = −2,4 p = 0,1) e Mato Grosso (AAPC = −3,1 p = 0,3). Observa-se que a região nordeste (AAPC = 1,1%; IC95% −0,1; 2,4 p = 0,1) apresentou tendência de estabilidade na variação anual das taxas de mortalidade.

A Tabela 2 apresenta as taxas ajustadas para o período observado e as projeções para os quinquênios de 2011-2015, 2016-2020, 2021-2025 e 2026-2030 para o Brasil e regiões. Nas análises dos dados para o Brasil, observa-se que haverá uma redução das taxas de mortalidade a partir do primeiro período projetado. Essa redução será mais marcante para a região sul, de 41,3% entre a última taxa observada e a última projetada, fazendo dessa região a menor no Brasil em 2030. Para o Brasil e todas as regiões brasileiras, o maior número de óbitos será registrado nas faixas etárias de 50 a 69 anos.

Tabela 2 Mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil e regiões: número de óbitos observados e projetados por idade e taxa de mortalidade padronizada à população mundial (ASW/100.000 mulheres). 

1996-2000 2001-2005 2006-2010 2011-2015 2016-2020 2021-2025 2016-2030
Brasil
20-29 anos 611 688 756 752 654 603 572
30-49 anos 9091 9533 9825 10151 10929 11900 12829
50-69 anos 11738 12691 13773 14498 15125 16084 17633
≥ 70 anos 5918 6821 8319 9012 10198 11828 13789
Total 27358 29733 32673 34413 36907 40415 44823
ASW 7,74 7,26 6,48 5,85 5,43 5,21 5,17
Região Nordeste
20-29 anos 141 218 227 264 280 294 304
30-49 anos 2017 2488 2898 3524 4024 4392 4477
50-69 anos 2621 3345 4067 4869 5587 6258 6920
≥ 70 anos 1320 1758 2767 3385 4243 5194 6091
Total 6099 7809 9959 12042 14133 16137 17791
ASW 11,07 10,91 11,72 12,37 12,74 12,84 12,69
Região Norte
20-29 anos 88 84 104 117 133 147 154
30-49 anos 787 973 1227 1551 1796 1980 2131
50-69 anos 757 937 1286 1707 2209 2750 3262
≥ 70 anos 325 378 606 729 965 1293 1697
Total 1957 2372 3223 4104 5103 6171 7244
ASW 6,54 7,35 7,73 8,06 8,17 8,10 7,83
Região Centro Oeste
20-29 anos 39 61 76 64 57 54 51
30-49 anos 719 752 784 808 882 1004 1118
50-69 anos 852 949 1043 1083 1109 1165 1310
≥ 70 anos 342 467 568 632 729 853 1014
Total 1952 2229 2471 2587 2777 3075 3492
ASW 10,08 9,55 7,91 6,64 5,82 5,40 5,28
Região Sudeste
20-29 anos 209 207 233 211 157 130 116
30-49 anos 3675 3615 3391 3142 3243 3515 3900
50-69 anos 5307 5290 5260 5056 4916 5014 5449
≥ 70 anos 2982 3142 3302 3208 3303 3616 4124
Total 12173 12254 12186 11617 11619 12275 13589
ASW 7,36 6,38 5,16 4,24 3,72 3,52 3,58
Região Sul
20-29 anos 134 120 118 100 74 60 51
30-49 anos 1901 1709 1524 1306 1267 1309 1404
50-69 anos 2199 2161 2078 1853 1672 1601 1660
≥ 70 anos 932 1049 1039 1075 1134 1234 1380
Total 5166 5039 4759 4335 4146 4203 4495

As variações nas taxas de mortalidade por estado brasileiro podem ser visualizadas na Figura 2, onde estão apresentados os quartis nos períodos observados e nos projetados. Nos períodos observados, as maiores taxas de mortalidade foram registradas nos estados do norte e parte do centro oeste e sul do Brasil. Ao longo dos períodos projetados, observa-se que haverá redução das taxas de mortalidade nos estados do sul, sudeste e centro oeste, com as maiores registradas nos das regiões norte e nordeste.

Figura 2 Quartis das taxas de mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil nos períodos observados e projetados. Observados: A-1996-2000; B- 2001-2005. C- 2006-2010; Projetados: D-2011-2015; E- 2016-2020; F- 2021-2015; G- 2026-2030. 

A Figura 3 mostra o percentual que os condicionantes ‘fatores de risco’ e ‘mudanças demográficas’ exercem na explicação para o número de óbitos no ano 2030. Esse cálculo mostrou que, em 2030, o número de óbitos esperados serão explicados em grande medida pela redução dos riscos para a doença, com exceção das regiões norte e nordeste, para as quais as mudanças demográficas explicarão o aumento das taxas de mortalidade até o ano 2030.

Figura 3 Mudança relativa devido ao risco e devido às mudanças na estrutura e tamanho da população na explicação das taxas de mortalidade em 2030. Brasil, 2014. 

Discussão

Foi observada uma tendência de redução das taxas de mortalidade por câncer cervical para o Brasil no período compreendido entre 1996 e 2010, com importantes variações regionais. Comparadas às taxas de mortalidade por câncer de colo do útero das regiões de mais alta e baixa mortalidade do mundo, as do Brasil mostram-se em valores intermediários4,14,15.

Na análise do câncer cervical para 187 países, entre 1980 e 2010, foi observado que o número de casos tem aumentado na taxa de 0,6% ao ano, enquanto o número de óbitos tem crescido na proporção de 0,46% ao ano, gerado pelo aumen-to da população e as mudanças demográficas, respectivamente. Em diversas partes do mundo, a incidência e o risco da mortalidade por câncer de colo de útero tem decrescido9.

Em pesquisa realizada para identificar a carga de câncer de colo de útero em 2008, as menores taxas de mortalidade foram observadas na Austrália (1,4 por 100.000 mulheres), na América do Norte (1,7 por 100.000 mulheres), e no Oeste Europeu (2 por 100.000 mulheres), enquanto que as maiores foram registradas no Leste da África (24 por 100.000 mulheres), Sudeste da África (14,8 por 100.000 mulheres) e na porção Sul-central da Ásia (10,8 por 100.000 mulheres)1.

A tendência de redução da mortalidade por câncer cervical observada no presente estudo corroborou os achados da pesquisa realizada para o estado de Minas Gerais (Brasil), que observou redução de cerca de 1,93% ao ano no período com-preendido entre 1980-2005, com diminuição gradativa no período estudado, passando de 9,18/100 mil em 1980 para 5,70/100 mil em 2005, sendo também constatada uma redução da mortalidade para cada um dos estratos etários analisados16.

Tendências semelhantes foram encontradas em outros estudos que analisaram a mortalidade por esse câncer nos estados brasileiros. Em Rio Branco, no Acre, a mortalidade por essa neo-plasia apresentou tendência decrescente: entre os anos de 1994 e 2000 observou-se diminuição acentuada na taxa, com variação anual percentual negativa de 10,7. Após esse período, a taxa se estabilizou em aproximadamente 11 mortes por 100 mil mulheres17. Todavia, quando analisados por estratos socioeconômicos, estudos realizados nos estados do Paraná18 e em São Paulo19 verifcaram que para os estratos sociais que possuíam os piores indicadores socioeconômicos, a tendência na mortalidade era crescente.

Os países desenvolvidos reduziram em aproximadamente 80% o número de novos casos como resultado de um efetivo programa de de-tecção e tratamento das lesões pré-cancerígenas20. A exemplo dos Estados Unidos, que implementa-ram o teste Papanicolaou em meados da década de 1950, resultou na detecção precoce das lesões pré-cancerígenas tratáveis e redução nas taxas de incidência da doença21.

No Brasil, as distintas características econômico-culturais, regionais e mesmo intraurbanas encontradas são capazes de gerar um padrão em que coexistem fatores relacionados à pobreza e ao desenvolvimento. A baixa condição socioeconô-mica interfere no acesso a serviços de prevenção, rastreamento regular, diagnóstico e tratamentos oportunos. Consequentemente, as limitações de acesso a serviços de saúde não somente impedem as mulheres pobres de serem diagnosticadas, mas também impossibilitam a oportunidade de receberem tratamento adequado a tempo de se obter a cura22.

A distribuição de níveis hierárquicos de cui-dado ao paciente com câncer dentro do Brasil é desigual, mostrando uma disparidade entre as áreas que têm melhores estruturas urbanas (regiões sudeste e sul), com a presença de sistemas de saúde bem equipados e ordenadamente distribuídos no território, em contraponto com aquelas com ausência de níveis hierárquicos intermediários (no norte e nordeste). As regiões norte e centro oeste têm a ocupação do território de forma esparsa, o que impacta na organização e distribuição da oferta de serviços de saúde. Apesar da ocupação territorial consolidada no nordeste, há cidades que tradicionalmente concentram o aparato de equipamentos e serviços, com raros centros de cuidado em saúde de níveis intermediários23.

Estudos que avaliaram a tendência da mortalidade por câncer de colo de útero nas capitais brasileiras e nos municípios do interior dos esta-dos mostraram que, notadamente, estes últimos apresentam padrão diferenciado de evolução e não indicam queda ou estabilidade nas taxas. Isso pode ser explicado, em parte, pelo menor alcance das ações de prevenção ao câncer nas cidades do interior e pela dificuldade de acesso a serviços de diagnóstico e tratamento para a população residente fora dos grandes centros urbanos. Sabe-se que a maior oferta de serviços de quimioterapia e radioterapia se concentra nas capitais das regiões sudeste e sul do Brasil24,25.

Para que haja um impacto epidemiológico na diminuição das taxas de incidência e mortalidade pelo CA de colo de útero, os programas de rastreamento devem cobrir 85% das mulheres. No Brasil, a cobertura de tais programas foi descrita como sendo precária: cobre cerca de 8% a 10% da população feminina em torno dos 20 anos de idade18.

Em 1994, 37% das mulheres brasileiras de 35 a 49 anos nunca haviam realizado o exame Papanicolaou. Após a implantação do Programa Nacional de Controle do Câncer do Colo do Útero em 1998, intensificou-se a oferta e foi ampliado o acesso ao exame de rastreamento. O resultado foi a ampliação da cobertura de 68,7% em 2003 para 84,5% em 2008 do preventivo ginecológico entre mulheres com 25 anos ou mais26.

Na tentativa de estimar o número de exames Papanicolaou realizado por cada mulher na faixa etária de 25 a 49 anos, observa-se que em muitos estados brasileiros a média de 0,3 ao ano não é alcançada. Outro aspecto que deve ser analisado é a adequabilidade das lâminas, que em algumas análises por estado foram registrados percentuais acima de 5% insatisfatórias27.

A explicação para os achados deste estudo podem ser fundamentados na estruturação dos programas de triagem do câncer de colo de útero nas regiões brasileiras. Com o aumento da cobertura do exame citológico, dois fenômenos diferentes, intimamente ligados às diferenças nas condições de acesso, uso e desempenho dos serviços de saúde, podem ser observados. Por um lado, queda da mortalidade em regiões onde as condições sociais e de saúde podem garantir o tratamento e o seguimento para todas as pacientes com exames al-terados, possibilitando a cura da doença. Por outro, aumento da mortalidade em regiões menos desenvolvidas, onde a cura não pode ser garantida, ou ainda onde a adesão da população-alvo é limitada, determinando que parte das pacientes sejam atendidas em fase já avançada da doença, com poucas possibilidades de cura28.

Além dos aspectos estruturais dos serviços de saúde, a prevalência dos fatores de risco na população pode ser determinante para explicar as taxas de mortalidade no presente e no futuro. No Brasil, estão registradas, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, a vacina quadrivalente contra as linhagens do HPV 6, 11, 16 e 18, desenvolvida para a prevenção de infecção pelos tipos virais mais comuns nas verrugas genitais (HPV 6 e 11) e no câncer do colo do útero (HPV 16 e 18), e indicada para mulheres com idade de 9 a 26 anos; e a vacina bivalente contra HPV tipos 16 e 18, associados ao câncer do colo do útero, e indicada para as mulheres de 10 a 19 anos27.

A incorporação da vacina contra HPV no Programa Nacional de Imunizações do Brasil deu-se a partir do ano de 2014 para o público alvo de meninas de 11 a 13 anos29. Essa medida profilática poderá alterar as perspectivas futuras para a incidência e a mortalidade pelo câncer do colo do útero nos estados no Brasil, servindo de ferramenta ao controle desse tipo de câncer30.

De acordo com os resultados deste estudo, a projeção da mortalidade indica redução das taxas nas regiões sul, sudeste e centro oeste do Brasil. As regiões norte e nordeste apresentam tendência global de aumento das taxas ao longo dos 15 anos analisados, apesar desta última ter apresentado um ponto de mudança na tendência de mortalidade, com um descenso significativo nos últimos quatro anos, embora para confirmar a concretização dessa redução se necessite de uma série temporal mais longa para ser analisada. A perspectiva do aumento da mortalidade nas regiões mais pobres do Brasil revela a magnitude do desafio frente ao controle desse câncer no país.

O câncer de colo de útero, que está intimamente relacionado às regiões menos desenvolvidas e com os menores níveis socioeconômicos, requer a formulação de estratégias de controle como a organização e o desenvolvimento de serviços de saúde, mecanismos de formulação de políticas públicas e mobilização da sociedade31. Uma das consequências do aumento da mortalidade por esse câncer nas regiões mais pobres é o grande custo social e econômico que afeta os serviços de saúde já tão desestruturados.

A descentralização dos serviços de diagnóstico e os centros de referência para o tratamento do câncer reduziria a iniquidade no acesso e se configuraria numa importante estratégia de controle da incidência e da mortalidade. A tentativa de minimizar o impacto da mortalidade por esse câncer no Brasil, no futuro, deverá permear o adequado planejamento dos serviços, além da identifcação dos centros de referência, a regionalização do tratamento, a redução das distâncias que os pacientes têm que se deslocar e a organização da demanda de tratamento por região32.

A mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil apresenta tendência de redução significativa. A partir dos dados projetados até o ano de 2030, as taxas de mortalidade deverão continuar a apresentar esse padrão de redução. O quadro mais significativo são as diferenças regionais para a mortalidade por esse câncer, já que as regiões mais pobres do Brasil apresentam as taxas mais elevadas, enquanto as sul e sudeste, as mais desenvolvidas do Brasil, as mais baixas. Cabe ressaltar que essa discrepância será aprofundada até o ano de 2030, para o qual as regiões mais desenvolvidas deverão seguir reduzindo suas taxas, e, em contrapartida, as mais pobres, como o norte e nordeste do Brasil, deverão ter incremento. A partir da descrição desse cenário brasileiro, as políticas de saúde voltadas à compreensão desse fenômeno no Brasil poderão focalizar a observação de fatores de risco e traçar hipóteses para o controle da incidência da doença bem como do aparato necessário para reduzir as mortes consideradas evitáveis, tendo em vista que o carcinoma do colo do útero mostra incidência mais alta em populações urbanas que nas rurais, em classes sociais mais baixas do que nas mais altas, em áreas em desenvolvimento do que nas áreas mais desenvolvidas.

Uma das limitações deste estudo é o curto período de série temporal para realizar a análise de tendência e projeção de mortalidade: 15 anos. Sobre o registro de óbitos no Brasil, deve-se mencionar que no passado houve problemas com a confiabilidade dos dados, especialmente nas regiões norte e nordeste, porém, o ganho de qualidade e os avanços no sistema de informação sobre mortalidade vêm obtendo notoriedade desde o ano 2000. As projeções de câncer devem ser analisadas levando-se em consideração as atuais condições de diagnóstico e tratamento, as quais podem ser alteradas no futuro e, consequentemente, alterar as tendências de mortalidade. Entretanto, os métodos geralmente usados estão sendo validados e alguns autores pontuam que existam apenas diferenças entre 10% e 20% nas estimações.

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