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Desigualdades sociais do impacto das quedas de idosos na qualidade de vida relacionada à saúde

Desigualdades sociais do impacto das quedas de idosos na qualidade de vida relacionada à saúde

Autores:

Mariana Mapelli de Paiva,
Margareth Guimarães Lima,
Marilisa Berti de Azevedo Barros

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.5 Rio de Janeiro maio 2020 Epub 08-Maio-2020

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020255.34102019

Introdução

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geo­grafia e Estatística (IBGE), de 2004 a 2015 o contingente da população idosa no país passou de 9,8% para 14,3%, e as projeções indicam que em 2070 o número de idosos representará 35% da população total1.

Com o rápido envelhecimento populacional são cada vez mais presentes as discussões relacionadas aos problemas de saúde e aos fatores que ocasionam impactos na qualidade de vida dos idosos1,2. Neste contexto, um dos problemas de saúde relevantes na atualidade são as quedas – que são muito mais frequentes neste subgrupo etário da população. Entre os idosos, a literatura aponta que esses acidentes são mais prevalentes no sexo feminino, naqueles com idade mais avançada, nos que apresentam maior número de morbidades e que utilizam maior número de medicamentos3,4. As quedas, ocasionando lesões mais ou menos graves, mesmo que não coloquem a vida do idoso em risco e que não deixem sequelas, podem comprometer de forma importante o estado de saúde5,6 e a qualidade de vida dos afetados7.

O processo de envelhecimento, com os declínios biológicos da senescência, implica em aumento de vulnerabilidades de natureza biológica que interagem com contextos socioeconômicos e psicossociais8 acelerando ou retardando esse processo. Nesta perspectiva, considerando-se a influência da posição socioeconômica e das condições de vida na adoção de hábitos saudáveis, na prevenção de doenças e no acesso a conhecimentos e a cuidados à saúde9, investigações sobre problemas específicos, como as quedas e seus impactos na QVRS, precisariam considerar a sua ocorrência em diferentes estratos socioeconômicos.

É conhecido que a desigualdade social se expressa em diversas dimensões e eventos da saúde. Em relação à prevalência de quedas, as pesquisas não têm detectado diferenças de prevalências entre estratos socioeconômicos10,11, mas também é importante avaliar se o impacto das quedas acomete de maneira desigual a população situada em diferentes posições sociais e neste sentido as pesquisas são escassas. A associação das quedas de idosos com QVRS considerando a posição socioeconômica foi desenvolvida por um estudo brasileiro12, que avaliou as diferenças segundo escolaridade. Apenas três pesquisas avaliaram o impacto das quedas na QVRS em relação a sexo12-14 encontrando resultados divergentes. Enquanto Chang et al.13, em estudo desenvolvido em Taipei, Taiwan, verificaram que as quedas produziram maiores declínios nos escores dos componentes físico e mental do SF-36 nas mulheres em comparação aos homens, em dois estudos brasileiros as quedas mostraram associação com alguns domínios do SF-36 em homens e não nas mulheres12,14. Em relação a grupos etários os resultados dos poucos estudos realizados12-14 também diferem, com dois deles revelando maiores declínios associados a quedas nos idosos com idades mais avançadas12,13.

Considerando o rápido aumento da população idosa, a maior vulnerabilidade para ocorrência de quedas deste segmento populacional e os prejuízos que as quedas acarretam na QVRS, além da escassez de pesquisas de base populacional acerca desta temática, esta pesquisa tem por objetivo verificar a associação entre queda e qualidade de vida relacionada à saúde, considerando idosos de diferentes segmentos demográficos e socioeconômicos.

Métodos

Trata-se de um estudo transversal, de base populacional, realizado com idosos não institucionalizados, residentes na área urbana do município de Campinas, São Paulo. Os dados do presente estudo são provenientes do inquérito domiciliar de saúde (ISACamp), realizado em 2014 e 2015. O ISACamp teve por objetivo obter informações sobre morbidades, comportamentos de saúde e uso de serviços de saúde relativas a três segmentos etários: adolescentes, adultos e idosos.

Para a seleção dos sujeitos utilizou-se amostragem probabilística, estratificada, por conglomerados e em dois estágios. No primeiro estágio, foram sorteados 70 setores censitários. No segundo estágio, foram selecionados os domicílios por meio de sorteio sistemático aplicado às relações atualizadas de domicílios existentes em cada um dos 70 setores censitários sorteados. O número de pessoas para compor a amostra foi obtido considerando-se a situação correspondente à máxima variabilidade para a frequência dos eventos estudados (P = 0,50), coeficiente de confiança de 95% na determinação dos intervalos de confiança (z = 1,96), erro de amostragem entre 4 e 5 pontos percentuais e efeito de delineamento igual a 2, totalizando 1.000 adolescentes (10 a 19 anos), 1.400 adultos (20 a 59 anos) e 1.000 idosos (60 anos e mais). Para alcançar esse tamanho de amostra em cada domínio de idade, foram selecionados de forma independente 3.119, 1.029, 3.157 domicílios para entrevistas com adolescentes, adultos e idosos respectivamente, já considerando o percentual de perdas esperado.

As informações foram obtidas por meio de questionário estruturado, organizado em doze blocos temáticos, e aplicado em entrevistas domiciliares, realizadas com o uso de tablets por entrevistadores treinados e supervisionados. No caso de idosos com incapacidade de responder ao questionário foi solicitada ajuda de um familiar ou cuidador para efetuar a coleta das informações.

As variáveis dependentes analisadas foram as oito escalas do The Medical Outcomes Study 36-Item Short-Form Health Survey (SF-36),versão 2,que mede o estado de saúde autoavaliado e é composto por 36 itens distribuídos em oito escalas:capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos emocionais, aspectos sociais e saúde mental. As escalas podem ser sintetizadas em dois componentes (físico e mental). Este instrumento passou pelo processo de tradução e validação no Brasil15,16.

Para obter os escores do SF-36, de acordo com a metodologia proposta pelo instrumento, foram atribuídas pontuações a cada questão, conforme a resposta do entrevistado. Os escores obtidos em cada domínio foram convertidos para uma escala de zero a 100, sendo que zero corresponde ao pior estado de saúde e 100 ao melhor17. Os componentes foram padronizados com os escores médios da população de Campinas, usando uma transformação linear com uma média de 50 e desvio padrão de 10, recomendados pelo manual do instrumento17.

Utilizou-se como variável independente principal a ocorrência de quedas relatada por meio da pergunta: “O(a) Sr(a). sofreu alguma queda, seja leve ou grave, nos últimos 12 meses?”.

As variáveis utilizadas para estratificação foram: Sexo (masculino e feminino); Faixa etária (60 e 74 anos; 75 anos ou mais); Escolaridade em anos de estudo (0 a 4 anos; 5 anos e mais); Renda familiar mensal per capita em salários mínimos (de até 2,5 salários mínimos; ≥ 2,5 salários mínimos).

Para ajuste das análises, além de sexo e idade, foi utilizada também a variável número de doenças crônicas (DC). Foi calculado o número de doenças crônicas reportadas pelos entrevistados, como diagnosticadas por médico ou outro profissional de saúde, e que constavam no cheklist: hipertensão arterial, diabetes, angina, infarto do miocárdio, tumor/câncer, artrite/reumatismo/artrose, osteoporose, asma/bronquite/enfisema, rinite, sinusite, tendinite/lesão por esforço repetitivo, varizes de membros inferiores, acidente vascular cerebral, colesterol elevado, doença de coluna/problema de coluna.

Foram estimadas as médias, erro padrão e intervalos de confiança de 95% dos escores de cada uma das oito escalas e para cada componente do SF-36. A associação entre QVRS e quedas foi verificada com o uso de regressão linear simples e múltipla, estimando os betacoeficientes, com ajustes pelas variáveis sexo, faixa etária e número de doenças crônicas. As análises foram realizadas com estratificação para sexo, idade, escolaridade e renda.

Todas as análises foram realizadas por meio do software Stata 15.0 (StataCorp, College Station, EUA) utilizando os comandos svy que incorporam as ponderações necessárias em decorrência do desenho amostral complexo.

O projeto do ISACamp 2014/2015 foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Estadual de Campinas. O presente estudo também foi aprovado pelo CEP via Plataforma Brasil.

Resultados

Entre os domicílios que haviam sido sorteados para obter a amostra de idosos, as perdas totalizaram 6,8%. Dos 1.168 idosos identificados nos domicílios sorteados, houve 14% de recusas e 1,5% de outras perdas, por não encontrar o morador em mais de três visitas. A população do estudo foi assim constituída por 986 idosos.

A prevalência de quedas no ano anterior a pesquisa foi de 17,1% (IC 95%: 14,76-19,81). A população caracterizou-se por maior percentual de mulheres (57,5%), de indivíduos entre 60-74 anos (71,2%), com escolaridade de até quatro anos de estudo (57,7%) e com renda mensal menor que 2,5 salários mínimos (71,2%).

Considerando-se os resultados das análises ajustadas por sexo e/ou idade e número de doenças crónicas, verificou-se que em relação a sexo, apenas as mulheres apresentaram prejuízos, sendo estes encontrados nos escores das escalas de capacidade funcional, aspectos físicos, dor e no componente físico. Nos homens que sofreram quedas, não foi observado declínio significativo em nenhuma das escalas do SF-36 (Tabela 1).

Tabela 1 Médias e erro padrão dos escores do SF-36 e betacoeficientes segundo ocorrência de quedas, por sexo. ISACamp 2014/2015, Campinas, São Paulo, Brasil. 

Masculino (n=387)
Domínios do SF-36 Não sofreu quedas (n=339) Sofreu quedas (n=47)
Médias (Erro padrão) β (valor de p) β (valor de p)*
Capacidade funcional 77,1 (1,6) -6,6 (0,205) -2,9 (0,470)
Aspectos Físicos 78,4 (1,9) -5,4 (0,349) -3,4 (0,489)
Dor 77,3 (1,6) -3,5 (0,381) -2,9 (0,376)
Saúde Geral 74,9 (1,3) -6,3 (0,005) -4,1 (0,070)
Vitalidade 76,3 (1,6) -0,9 (0,799) 1,2 (0,649)
Aspectos Emocionais 87,1 (1,5) -6,3 (0,241) -5,6 (0,207)
Aspectos Sociais 88,1 (1,5) -1,0 (0,772) 2,4 (0,467)
Saúde Mental 80,5 (1,1) -5,6 (0,091) -3,9 (0,206)
Componente Físico 46,5 (0,5) -2,7 (0,123) -1,6 (0,231)
Componente Mental 52,1 (0,6) -1,8 (0,308) -1,1 (0,501)
Feminino (n=599)
Domínios do SF-36 Não sofreu quedas (n=471) Sofreu quedas (n=127)
Médias (Erro padrão) β (valor de p) β (valor de p)*
Capacidade funcional 68,0 (1,9) -12,4 (0,002) -8,3 (0,006)
Aspectos Físicos 74,4 (1,8) -11,3 (0,003) -8,1 (0,013)
Dor 70,2 (1,7) -14,2 (0,000) -10,2 (0,002)
Saúde Geral 72,2 (1,4) -2,1 (0,388) 0,5 (0,830)
Vitalidade 70,2 (1,5) -5,7 (0,063) -3,2 (0,305)
Aspectos Emocionais 81,2 (1,6) -6,4 (0,049) -4,2 (0,176)
Aspectos Sociais 81,4 (1,2) -3,4 (0,272) -1,8 (0,556)
Saúde Mental 73,9 (1,3) -3,6 (0,119) -1,5 (0,567)
Componente Físico 43,9 (0,7) -5,2 (0,001) -3,5 (0,004)
Componente Mental 49,2 (0,6) -0,4 (0,781) 0,09 (0,949)

*Ajustado por faixa etária e número de doenças crônicas.

Em relação à faixa etária, nos idosos com idades entre 60-74 anos, não houve diferença entre as médias dos escores do SF-36 segundo a ocorrência de quedas. Entre os idosos com 75 anos e mais verificou-se menores médias em cinco domínios do SF-36 (capacidade funcional, aspectos físicos, dor, aspectos emocionais, saúde mental) e no componente físico (Tabela 2).

Tabela 2 Médias e erro padrão dos escores do SF-36 e betacoeficientes segundo ocorrência de quedas, por faixa etária. ISACamp 2014/2015, Campinas, São Paulo, Brasil. 

60-74 anos (n=664)
Domínios do SF-36 Não sofreu quedas (n=561) Sofreu quedas (n=103)
Médias (Erro padrão) β (valor de p) β (valor de p)*
Capacidade funcional 77,6 (1,3) -8,1 (0,006) -4,0 (0,177)
Aspectos Físicos 79,4 (1,5) -5,0 (0,179) -2,0 (0,617)
Dor 72,1 (1,4) -10,8 (0,003) -4,2 (0,215)
Saúde Geral 73,8 (1,2) -2,6 (0,257) 1,4 (0,562)
Vitalidade 73,8 (1,4) -3,6 (0,226) 0,6 (0,847)
Aspectos Emocionais 85,3 (1,2) -3,4 (0,279) -0,4 (0,902)
Aspectos Sociais 85,3 (1,1) -2,1 (0,460) 2,1 (0,480)
Saúde Mental 76,1 (1,1) -3,5 (0,152) 0,5 (0,858)
Componente Físico 46,2 (0,5) -3,5 (0,006) -1,6 (0,182)
Componente Mental 50,0 (0,6) -0,5 (0,704) 1,0 (0,503)
75 anos e mais (n=322)
Domínios do SF-36 Não sofreu quedas (n=249) Sofreu quedas (n=71)
Médias (Erro padrão) β (valor de p) β (valor de p)*
Capacidade funcional 57,5 (2,2) -13,2 (0,007) -9,3 (0,023)
Aspectos Físicos 67,6 (2,8) -15,8 (0,002) -12,3 (0,010)
Dor 76,9 (1,8) -15,8 (0,001) -14,1 (0,002)
Saúde Geral 72,4 (1,7) -5,4 (0,055) -3,9 (0,225)
Vitalidade 70,8 (2,0) -7,4 (0,024) -4,8 (0,159)
Aspectos Emocionais 79,8 (2,7) -12,4 (0,013) -10,6 (0,039)
Aspectos Sociais 81,8 (2,1) -5,6 (0,153) -4,1 (0,321)
Saúde Mental 79,0 (1,3) -9,0 (0,001) -7,5 (0,005)
Componente Físico 42,0 (0,7) -6,0 (0,002) -4,5 (0,005)
Componente Mental 51,8 (0,8) -2,9 (0,106) -2,6 (0,157)

*Ajustado por sexo e número de doenças crônicas.

Quando analisado o impacto das quedas na QVRS segundo o nível de escolaridade, verificou-se que os idosos situados no segmento de menor nível (até quatro anos), apresentaram prejuízos nas escalas de capacidade funcional, aspectos físicos, dor, aspectos emocionais, saúde mental e no componente físico (Tabela 3). Não foram observadas associações nos idosos com maior escolaridade.

Tabela 3 Médias e erro padrão dos escores do SF-36 e betacoeficientes segundo ocorrência de quedas, por escolaridade. ISACamp 2014/2015, Campinas, São Paulo, Brasil. 

0 a 4 anos (n=604)
Domínios do SF-36 Não sofreu quedas (n=492) Sofreu quedas (n=116)
Médias (Erro padrão) β (valor de p) β (valor de p)*
Capacidade funcional 66,34 (1,5) -13,4 (0,000) -6,6 (0,020)
Aspectos Físicos 72,1 (1,8) -14,5 (0,001) -9,8 (0,010)
Dor 71,6 (1,6) -13,9 (0,000) -11,3 (0,001)
Saúde Geral 71,1 (1,3) -5,9 (0,002) -3,0 (0,138)
Vitalidade 71,5 (1,3) -7,5 (0,024) -4,4 (0,124)
Aspectos Emocionais 80,7 (1,4) -12,3 (0,004) -9,2 (0,019)
Aspectos Sociais 80,8 (1,5) -5,9 (0,109) -3,2 (0,347)
Saúde Mental 75,7 (1,2) -7,5 (0,004) -5,6 (0,023)
Componente Físico 43,3 (0,5) -5,5 (0,000) -3,3 (0,003)
Componente Mental 50,0 (0,6) -3,0 (0,062) -2,6 (0,099)
5 e mais (n=376)
Domínios do SF-36 Não sofreu quedas (n=318) Sofreu quedas (n=58)
Médias (Erro padrão) β (valor de p) β (valor de p)*
Capacidade funcional 79,9 (1,9) -8,6 (0,037) -3,6 (0,341)
Aspectos Físicos 81,6 (1,8) -1,8 (0,648) 2,3 (0,582)
Dor 75,6 (1,4) -8,6 (0,021) -3,1 (0,397)
Saúde Geral 76,5 (1,3) 0,2 (0,942) 3,4 (0,168)
Vitalidade 74,9 (1,7) -1,2 (0,649) 3,3 (0,282)
Aspectos Emocionais 87,9 (1,6) 2,0 (0,539) 4,4 (0,222)
Aspectos Sociais 89,1 (1,4) 1,0 (0,733) 4,0 (0,204)
Saúde Mental 78,4 (1,3) -1,1 (0,623) 1,7 (0,576)
Componente Físico 47,4 (0,6) -3,4 (0,018) -1,3 (0,316)
Componente Mental 51,1 (0,7) 1,7 (0,200) 2,6 (0,099)

*Ajustado por sexo, faixa etária e número de doenças crônicas.

Na Tabela 4 observa-se que nos idosos do estrato de menor renda, as associações entre quedas e QVRS foram evidenciadas nas escalas de capacidade funcional, aspectos físicos, dor e no componente físico, sendo que nenhuma associação foi verificada no segmento de maior renda.

Tabela 4 Médias e erro padrão dos escores do SF-36 e betacoeficientes segundo ocorrência de quedas, por renda. ISACamp 2014/2015, Campinas, São Paulo, Brasil. 

Até 2,5 salários mínimos (n=749)
Domínios do SF-36 Não sofreu quedas (n=609) Sofreu quedas (n=139)
Médias (Erro padrão) β (valor de p) β (valor de p)*
Capacidade funcional 70,3 (1,7) -13,2 (0,000) -7,2 (0,004)
Aspectos Físicos 74,7 (1,8) -11,3 (0,002) -6,9 (0,031)
Dor 71,3 (1,4) -12,1 (0,00) -8,4 (0,006)
Saúde Geral 73,1 (1,2) -5,5 (0,007) -1,9 (0,324)
Vitalidade 72,4 (1,4) -7,8 (0,005) -4,0 (0,100)
Aspectos Emocionais 82,5 (1,5) -8,9 (0,006) -5,4 (0,067)
Aspectos Sociais 82,7 (1,3) -4,9 (0,085) -1,0 (0,690)
Saúde Mental 76,0 (1,1) -6,6 (0,002) -3,4 (0,122)
Componente Físico 44,3 (0,6) -5,0 (0,000) -2,9 (0,005)
Componente Mental 50,1 (0,6) -2,1 (0,070) -0,9 (0,458)
≥ 2,5 Salários mínimos (n=237)
Domínios do SF-36 Não sofreu quedas (n=201) Sofreu quedas (n=35)
Médias (Erro padrão) β (valor de p) β (valor de p)*
Capacidade funcional 77,1 (2,0) -7,8 (0,207) -2,5 (0,577)
Aspectos Físicos 80,2 (1,9) -6,0 (0,348) -1,9 (0,732)
Dor 78,9 (1,7) -11,1 (0,046) -5,4 (0,301)
Saúde Geral 74,3 (1,7) 1,4 (0,712) 4,3 (0,228)
Vitalidade 74,5 (2,1) 2,9 (0,382) 6,5 (0,061)
Aspectos Emocionais 87,3 (1,7) -1,5 (0,690) 1,5 (0,712)
Aspectos Sociais 88,9 (1,6) 0,7 (0,840) 3,0 (0,458)
Saúde Mental 79,1 (1,4) -0,5 (0,863) 1,0 (0,751)
Componente Físico 47,1 (0,6) -4,0 (0,095) -1,8 (0,267)
Componente Mental 51,5 (0,7) 1,6 (0,397) 2,1 (0,260)

*Ajustado por sexo, faixa etária e número de doenças crônicas.

Discussão

O estudo permitiu mensurar os declínios dos escores de QVRS associados à ocorrência de quedas em idosos de diferentes estratos sociodemográficos. Idosos que sofreram quedas e que eram do sexo masculino, que tinham idade inferior a 75 anos, que pertenciam aos segmentos de maior escolaridade e de maior renda não apresentaram declínios significativos dos escores nos domínios do SF-36, em comparação aos que não haviam sofrido quedas. Idosos que sofreram quedas e que eram do sexo feminino e aqueles com menor renda apresentaram médias significativamente menores de QVRS, em comparação aos que não sofreram quedas, nos domínios de capacidade funcional, aspectos físicos e dor e no componente físico. Idosos com 75 anos ou mais e os de menor escolaridade, além destes domínios, também tiveram declínios significativos nos domínios de aspectos emocionais e de saúde mental.

A associação da queda com prejuízo da QVRS detectada nesta pesquisa apenas no sexo feminino e não no masculino encontra-se em consonância com os resultados de estudo desenvolvido em Taiwan com 4.056 idosos que constatou que as quedas se associavam a maiores prejuízos nas mulheres em comparação aos homens, avaliando os componentes físico e mental do SF-3613. Esses achados, entretanto, diferem dos observados em dois estudos brasileiros que detectaram declínios dos escores de domínios do SF-36 apenas em homens12,14, sendo que em um deles12 a queda era relativa ao principal acidente ocorrido nos 12 meses anteriores à entrevista. As diferenças entre os resultados dos estudos podem decorrer das características (idades, morbidades, vulnerabilidades) das populações estudadas, dos instrumentos utilizados para coleta de informações sobre quedas e das variáveis consideradas para ajustes nos procedimentos de análise, entre outros. São necessários mais estudos para que estes aspectos possam ser melhor entendidos. O maior impacto das quedas na QVRS nas idosas poderia estar relacionado à maior perda de massa magra e de força muscular nas mulheres em comparação aos homens18.

A observação de declínio dos escores em cinco escalas e no componente físico do SF-36 apenas nos idosos com 75 anos ou mais, sem reduções significativas nos idosos mais jovens, concorda com o achado do estudo de Chang et al.13 que verificaram prejuízos crescentes com a idade no componente físico do SF-36 associados a quedas de idosos. As pesquisas apontam que a prevalência de quedas aumenta com a idade4,19, sendo então importante detectar se existem diferenças do impacto das quedas na QVRS considerando as diferentes faixas de idade dos idosos. No presente estudo maior número de domínios mostraram-se afetados nos idosos de 75 anos ou mais que sofreram queda de que o observado em estudo prévio realizado na mesma localidade12.

O maior impacto das quedas na QVRS com o avanço da idade está relacionado ao processo de progressivas alterações estruturais e funcionais, dentre elas diminuição de massa, força e função muscular, perdas na estabilidade e dinâmica articular e alterações sensoriais, dentre outras. Tais alterações afetam os mecanismos de marcha e equilíbrio aumentando o risco de quedas20-22 e, também favorecem que as consequências das quedas sejam mais graves17.

Quanto ao nível de escolaridade, os achados desta pesquisa identificaram prejuízos associados a quedas na QVRS apenas nos idosos com até quatro anos de escolaridade. O único estudo que avaliou a influência da escolaridade na associação de quedas com QVRS também detectou prejuízos na QV apenas entre os menos escolarizados, mas apenas nas escalas de aspectos físicos e sociais do SF-3612. Entende-se que é importante investigar, na avaliação multidimensional do idoso, o nível de escolaridade, pois é um fator responsável por facilitar ou dificultar a compreensão das orientações em relação aos fatores responsáveis pelas quedas, as formas de prevenção e as implicações na QV. E neste segmento social é importante considerar os impactos das quedas na saúde mental e nos aspectos emocionais dos idosos que sofreram quedas.

Em relação à renda, verificou-se que os idosos com renda de até 2,5 salários mínimos, na presença de quedas, apresentam prejuízos nas escalas de capacidade funcional, aspectos físicos e dor e no componente físico. No segmento de melhor renda nenhum declínio foi estatisticamente significativo. Pesquisas envolvendo idosos têm identificado associações entre a prevalência de quedas e nível econômico3,21,23, porém não foram identificados estudos que tenham avaliado o impacto das quedas na QV segundo estratos de renda, revelando lacuna importante na literatura médica. A renda é um dos atributos que influenciam fortemente a saúde e a QV24,25.

Os achados em relação à associação entre quedas e QVRS, diferenciada segundo escolaridade e renda podem contribuir para ampliar o conhecimento sobre as consequências das quedas considerando o grau de vulnerabilidade social dos idosos26. As relações entre status socioeconômico e saúde são complexas e influenciadas por fatores de dimensões políticas, sociais e econômicas27. Aqueles que vivem em situações de vulnerabilidade social experimentando condições de privação material, com maior nível de estresse, menores opções de escolhas, maior probabilidade de comportamentos de riscos relacionados à saúde e redução de acesso aos serviços de saúde além de maior risco de quedas sofrem consequências mais intensas desses eventos28.

Destaque-se que a escala de dor foi a que apresentou o maior declínio nos idosos dos segmentos sociodemográficos afetados. As lesões provocadas pelas quedas podem ser leves, como escoriações e contusões, ou mais graves, como as fraturas5, e todas costumam resultar em dor e interferir na realização das atividades diárias. Ressalte-se que as quedas são responsáveis por lesões cujas múltiplas consequências, incluindo a dor, confrontam o idoso com sua fragilidade configurando ameaça à sua segurança, autonomia e independência nas realizações das atividades diárias e sociais29.

Outras escalas prejudicadas na ocorrência de quedas foram os aspectos emocionais e a saúde mental entre idosos de 75 anos e mais e no segmento de menor escolaridade. O impacto das quedas na saúde mental relaciona-se às consequências que o evento provoca, como o medo de cair, que é preditivo de novas quedas e que pode levar à diminuição da confiança, da autonomia e da capacidade funcional, e aumento da percepção de fragilidade e de sentimentos negativos5,14.

Algumas limitações do estudo precisam ser mencionadas. Trata-se de um estudo transversal que não permite verificar relações causais entre as variáveis estudadas. É preciso considerar o viés de informação, uma vez que os dados foram obtidos por meio de entrevistas, e o possível viés de memória, pois as quedas foram referentes aos últimos 12 meses. Além disso, é preciso considerar que a qualidade de vida pode ser influenciada por diversos fatores além das quedas, embora as análises tenham sido ajustadas por variáveis demográficas (sexo e idade) e pelo número de doenças crônicas a fim de minimizar possíveis confundimentos. Também é preciso considerar que foram analisados muitos desfechos e o nível de significância adotado foi p < 0,05. Observe-se, porém, que para a maior parte das associações encontradas, o valor de p foi menor ou igual a 0,01. Em contrapartida, trata-se de um estudo com métodos padronizados e supervisionados de coleta de dados, com amostra representativa da população do município, que buscou estimular as lembranças dos idosos em relação às quedas leves e graves dos últimos 12 meses, e utilizou-se o SF-36, que é um instrumento amplamente utilizado e com estudo de validação feito no Brasil15.

O estudo traz informações novas sobre a associação das quedas com a qualidade de vida detectando a existência de desigualdades socioeconômicas no impacto das quedas, pois o grau de prejuízo depende do segmento social e demográfico a que o idoso pertence. O estudo contribui para o conhecimento acerca de uma temática pouco estudada e sugere que tais aspectos precisam ser mais pesquisados e considerados nas ações de políticas públicas voltadas à saúde dos idosos, com o intuito de reduzir a ocorrência das quedas e minimizar os impactos que provocam na qualidade de vida, principalmente nos segmentos sociodemográficos mais vulneráveis.

REFERÊNCIAS

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