versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.85 no.6 São Paulo nov./dez. 2019 Epub 13-Dez-2019
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2016.04.025
O implante coclear (IC) é um dispositivo fixado cirurgicamente, concebido para o tratamento de perda auditiva neurossensorial grave em pacientes pediátricos e adultos. Com a tecnologia avançada e os resultados satisfatórios, as indicações de IC gradualmente se expandem.1 Contudo, o aumento dos implantes trouxe também alguns problemas e um dos principais é aquele vivenciado pelos usuários de IC durante a imagem por ressonância magnética (RM). A RM é um método de imagiologia radiológica padrão usado para o diagnóstico de muitas doenças. O campo magnético gerado durante o exame pode levar a problemas indesejáveis, tais como falhas e deslocamento do dispositivo, correntes elétricas indesejadas e desmagnetização.2,3 Um caso de deslocamento do ímã observado após RM de 3 Tesla é apresentado com a revisão da literatura no presente relato.
Um paciente do sexo masculino de quatro anos, com implante coclear, foi encaminhado para nossa clínica com queixas de dor ocorrida durante a RM e incapacidade de substituir a parte externa do implante coclear sobre a parte interna. Ele havia sido submetido a uma RM 3 Tesla no dia anterior. De acordo com informações recebidas de seus pais, o paciente tinha perda auditiva congênita profunda bilateral, com ressecção do tumor de sua orelha direita feita 15 meses antes. Houve perda auditiva total em sua orelha direita após a cirurgia do tumor e ele foi diagnosticado com histiocitose de células de Langerhans. Seis meses após a cirurgia para o tumor, um implante coclear (Nucleus Freedom Straight CI24RE) foi feito em sua orelha esquerda. Durante o acompanhamento, surgiram queixas de ingestão excessiva de líquidos e micção frequente. Uma avaliação mais aprofundada confirmou o diagnóstico de diabetes insípido e uma ressonância magnética foi planejada, pela suspeita de disseminação intracraniana das células de Langerhans. Uma atadura foi aplicada na cabeça antes do exame, feito em outro centro, mas mesmo assim o paciente sentiu dor durante o procedimento; o processo de imagem foi então imediatamente interrompido. Como a peça externa do dispositivo não pôde ser substituída, o paciente foi encaminhado para nossa clínica.
O exame físico revelou edema na área onde se estimava que o ímã estivesse. O ímã se encontrava virado de cabeça para baixo, a parte externa estava revertida (a parte interna voltada para fora) e ainda atraía para a parte interna (fig. 1). Depois de inverter o ímã externo, ele foi conectado à parte interna. Nesse caso, verificou-se que a estimulação tinha sido restaurada. O paciente foi examinado radiograficamente e uma mudança mínima foi observada na posição do ímã (fig. 2). Considerando o estágio da doença do paciente, uma RM foi planejada após a remoção do ímã.
O procedimento foi feito sob sedação e analgesia, uma vez que a incisão na pele não passaria pela área de contato com a pele das partes externa e interna do aparelho (fig. 3). Após incisão na pele, no tecido subcutâneo e na camada perióstea, a parte interna do ímã foi alcançada (fig. 4). O ímã tinha sido virado de cabeça para baixo e se encontrava distante seu leito superiormente. Ele foi removido e a incisão, fechada. Para evitar hematoma, uma bandagem de compressão foi aplicada e, em seguida, nova RM foi feita em 1,5 Tesla. A RM mostrou que o tumor havia infiltrado o ápice petroso bilateralmente, o clivo, o seio cavernoso e a fossa anterior do crânio. Além disso, havia destruído os seios frontais, estendia-se para a região calvária frontoparietal. O tumor mostrou captação de contraste heterogênea difusa após a administração do meio de contraste intravenoso. Áreas isointensas em imagens em T1 e as áreas hipointensas heterogêneas em imagem em T2 foram observadas (fig. 5). O procedimento de RM foi concluído sem problemas. O paciente recebeu recomendação de colocação de novo imã para uso do implante, mas os pais recusaram a intervenção cirúrgica, pois o paciente apresentava estado geral precário. Eles afirmaram que decidiriam sobre a intervenção após a conclusão do tratamento. Atualmente, o paciente permanece em quimioterapia para o tratamento do tumor.
O risco de complicação em implantes cocleares é muito baixo. Queixas vestibulares (3,9%), falha do dispositivo (3,4%), perda do paladar (2,8%) e problemas de pele (1,3%) são as complicações de longo prazo mais comuns, documentadas em estudos de metanálise.4 De maneira geral, as soluções para esses problemas têm sido abordadas por meio de modificações na técnica cirúrgica.5 Um dos problemas mais frequentemente observados, e que não pode ser resolvido por modificação cirúrgica, é aquele que ocorre em decorrência de procedimentos de RM. A ressonância magnética é uma técnica de imagiologia amplamente usada para o diagnóstico de muitas doenças, tais como acidente vascular cerebral, doenças neurodegenerativas e tumores. O campo magnético que ocorre durante a RM pode levar a problemas como o deslocamento do dispositivo e a desmagnetização.1–3 Como uma RM de 3 Tesla ou acima produz imagem de alta qualidade, o uso desses dispositivos tem sido generalizado. No entanto, à medida que a potência do campo magnético resultante aumenta, os problemas enfrentados pelos usuários de IC também aumentam.6
Em estudos publicados em 2014, Hassepass et al. relataram que tinham feito 22 cirurgias de revisão de ímãs de 2.027 pacientes com implantes cocleares. Doze (52,2%) desses pacientes apresentaram um deslocamento que ocorreu após RM.7 Além disso, casos semelhantes de deslocamento do ímã após RM foram relatados.1,8,9 As imagens foram obtidas em dispositivo de RM de 1,5 Tesla nos casos apresentados. No nosso caso, o deslocamento do ímã foi observado na RM 3 Tesla, com campo magnético mais forte do que a RM de 1,5 Tesla. O ímã foi virado de cabeça para baixo e mudou sua polarização de maneira semelhante a outros casos na literatura. A aplicação de um curativo firme é considerada procedimento suficiente durante uma RM de 1,5 Tesla, especialmente para os sistemas de implantes cocleares de nova geração. No entanto, remover o ímã é aconselhável para geração de imagens acima de 1,5 Tesla. O fabricante do sistema de implante coclear usado por nosso paciente recomendava a remoção do ímã para RM em 3 Tesla. No entanto, apenas uma faixa apertada foi usada durante a ressonância magnética e o procedimento foi interrompido devido à dor.
Em um caso apresentado por Jeon et al.,1 problema enfrentado com a mudança de polarização de um ímã foi resolvido com a mudança de direção do ímã. Placas de titânio foram inseridas após a remoção do ímã em outros dois casos.8,9 No nosso caso, para a detecção da disseminação do tumor e para reduzir o artefato, a RM foi feita após o ímã ter sido removido. Problemas de pele são as questões mais importantes encontradas na cirurgia de revisão do ímã. A incisão não deve passar sobre a parte interna, a fim de reduzir os problemas de pele.10 No presente caso, a incisão da pele foi feita de modo que não passasse pela área de contato com a pele dos componentes externos e internos do dispositivo, a fim de reduzir as complicações da ferida. O pós-operatório transcorreu sem complicações nesse sentido.
Uma das questões relacionadas com usuários de implante coclear é a que se refere a complicações que podem ocorrer durante a RM, procedimento amplamente usado como método de imagem padrão hoje em dia. Até onde sabemos, este é o primeiro caso de deslocamento do ímã observado após RM de 3 Tesla. Para a prevenção de complicações, pacientes e seus parentes devem ser informados em detalhes sobre os possíveis riscos ao usar uma RM de resolução mais alta.