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Desproporção Paciente-Prótese após Troca Valvar Aórtica: Encontrando Preditores para a Prevenção

Desproporção Paciente-Prótese após Troca Valvar Aórtica: Encontrando Preditores para a Prevenção

Autores:

Flávio Tarasoutchi

ARTIGO ORIGINAL

Arquivos Brasileiros de Cardiologia

versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170

Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.1 São Paulo jan. 2020 Epub 10-Fev-2020

https://doi.org/10.36660/abc.201907

A desproporção entre o tamanho de uma bioprótese aórtica e o paciente (desproporção paciente-prótese - DPP) é uma entidade pouco estudada, e pode estar associada a resultados pós-operatórios adversos, com comprometimento na qualidade de vida e pior prognóstico entre aqueles com DPP grave.1

Impacto da desproporção paciente-prótese

Atualmente, a principal indicação de cirurgia valvar, em pacientes com valvopatia aórtica anatomicamente importante, ocorre pelo surgimento de sintomas, dado o presumido benefício da redução de morbimortalidade desta intervenção nesse contexto.2-4 Dessa maneira, a presença de DPP após o implante cirúrgico de uma bioprótese aórtica faz com que não ocorra a esperada redução da sintomatologia, tão pouco da mortalidade, minimizando assim o ganho que tal procedimento invasivo poderia gerar ao paciente.5 Portanto, necessitamos de ferramentas para predizer o risco de DPP e assim implementar estratégias que possam prevenir tal entidade. Esse cenário foi avaliado por Otto et al.6 na edição atual dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia.

A DPP é definida ecocardiograficamente por uma área do orifício efetivo indexada (AOEi) ≤ 0,85 cm2/m2 e considerada importante quando ≤ 0,65 cm2/m2.7 Como tal parâmetro é indexado pela superfície corpórea, indivíduos com índice de massa corpórea ≥ 35 kg/m2 têm valores de referências menores (≤ 0,70 cm2/m2 e ≤ 0,55 cm2/m2, respectivamente) para evitar superestimar a gravidade anatômica em tais pacientes.8 Sua prevalência tem grande variabilidade, sendo descrita em até 70% na DPP moderado e 20% quando importante.5

Estudo atual

Neste estudo, os autores demonstraram uma incidência de DPP acentuada de 33,4% numa população representativa tratada pelo Sistema Público de Saúde no Brasil, significativamente maior que a descrita em outros trabalhos.5 Tal fato pode ser justificado pelo delineamento do estudo, mas também por se tratar de uma população caracteristicamente diferente, com predomínio de pacientes jovens e com etiologia reumática.

Além disso, os autores criaram um modelo para predição de DPP acentuada, contendo os seguintes parâmetros: idade, gênero masculino, diâmetro de via de saída de ventrículo esquerdo ≤ 2,1 cm, índice de massa corpórea e etiologia da doença valvar. Um escore específico para tal predição, contendo fatores pré-operatórios, é de extrema relevância para reconhecermos pacientes nos quais há necessidade de intervenções diferenciadas e evitar a DPP. Em pacientes idosos com estenose aórtica degenerativa, o implante de bioprótese aórtica transcateter (TAVI) é uma possibilidade com provável benefício. Existem evidências de que a incidência de DPP em pacientes submetidos à TAVI seja menor que nos pacientes submetidos à cirurgia convencional, principalmente naqueles com diâmetro do anel aórtico pequeno.9 No momento, existe um trial randomizado multicêntrico (Transcatheter Aortic Valve Replacement Versu Surgical Aortix Valve Replacement for Treating Elderly Patients With Severe Aortic Stenosis and Small Aortic Annuli: A Prospective Randomized Study - The VIVA Trial; NCT03383445) comparando, em pacientes idosos e com anel pequeno (diâmetro médio do anel aórtico < 22 mm), o implante de TAVI e a cirurgia convencional para testar tal hipótese.9

Já nos indivíduos jovens e reumáticos, como os do estudo atual, restam alternativas terapêuticas cirúrgicas, como ampliação do anel aórtico, próteses de implante supra-anular, próteses sem sutura (sutureless) e próteses sem stent/suporte (stentless). Entretanto, a literatura ainda é escassa em relação a esse tema e estudos randomizados são aguardados para a definição do melhor tratamento dentre estes.10

O estudo atual traz algumas limitações. O desenho transversal retrospectivo e a exclusão de aproximadamente metade da população inicial devido à perda de dados fazem com que as informações de prevalência de DPP possam estar superestimadas e reiteram a necessidade de estudos prospectivos sobre o tema.

Conclusão

A predição da DPP importante continua sendo um dilema. O trabalho de Otto et al.6 traz informações relevantes sobre essa entidade em uma população selecionada do Sistema Público de Saúde brasileiro. Novos estudos prospectivos são necessários a melhor compreensão da DPP e também para validação do escore proposto.

REFERÊNCIAS

1 Rahimtoola SH. The problem of valve prosthesis-patient mismatch. Circulation. 1978;58(1):20-4.
2 Tarasoutchi F, Montera MW, Ramos AIdO, Sampaio RO, Rosa VEE, Accorsi TAD, et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvopatias: abordagem das lesões anatomicamente importantes. Arq Bras Cardiol.2017; 109(6):1-34.
3 Baumgartner H, Falk V, Bax JJ, De Bonis M, Hamm C, Holm PJ, et al. 2017 ESC/EACTS guidelines for the management of valvular heart disease. Eu Heart J. 2017;38(36):2739-91.
4 Nishimura RA, Otto CM, Bonow RO, Carabello BA, Erwin JP, Fleisher LA, et al. 2017 AHA/ACC focused update of the 2014 AHA/ACC guideline for the management of patients with valvular heart disease: a report of the American College of Cardiology/American Heart Association Task Force on Clinical Practice Guidelines. J Am Coll Cardiol. 2017;70(2):252-89.
5 Dayan V, Vignolo G, Soca G, Paganini JJ, Brusich D, Pibarot P. Predictors and outcomes of prosthesis-patient mismatch after aortic valve replacement. JACC: Cardiovasc Imaging. 2016;9(8):924-33.
6 Otto FA, Moreira MN, Ribeiro LCM, Mello BCR, Lima JGE, Ribeiro MS, et al. Determinantes da desproporção de prótese aórtica em hospital de atendimento de saúde pública brasileiro; pacientes grandes ou próteses pequenas? Arq Bras Cardiol. 2020; 114(1):12-22.
7 Lancellotti P, Pibarot P, Chambers J, Edvardsen T, Delgado V, Dulgheru R, et al. Recommendations for the imaging assessment of prosthetic heart valves: a report from the European Association of Cardiovascular Imaging endorsed by the Chinese Society of Echocardiography, the Inter-American Society of Echocardiography, and the Brazilian Department of Cardiovascular Imaging. Eur Heart J. Cardiovasc Imaging. 2016;17(6):589-90.
8 Kappetein AP, Head SJ, Généreux P, Piazza N, Van Mieghem NM, Blackstone EH, et al. Updated standardized endpoint definitions for transcatheter aortic valve implantation: the Valve Academic Research Consortium-2 consensus document. J Am Coll Cardiol. 2012;60(15):1438-54.
9 Pibarot P, Weissman NJ, Stewart WJ, Hahn RT, Lindman BR, McAndrew T, et al. Incidence and sequelae of prosthesis-patient mismatch in transcatheter versus surgical valve replacement in high-risk patients with severe aortic stenosis: a PARTNER trial cohort-A analysis. J Am Coll Cardiol. 2014;64(13):1323-34.
10 Freitas-Ferraz AB, Tirado-Conte G, Dagenais F, Ruel M, Al-Atassi T, Dumont E, et al. Aortic Stenosis and Small Aortic Annulus: Clinical Challenges and Current Therapeutic Alternatives. Circulation. 2019;139(23):2685-702.