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Determinantes de capacidade para o trabalho no cenário da Educação Básica do Brasil: Estudo Educatel, 2016

Determinantes de capacidade para o trabalho no cenário da Educação Básica do Brasil: Estudo Educatel, 2016

Autores:

Marcus Alessandro de Alcantara,
Adriane Mesquita de Medeiros,
Rafael Moreira Claro,
Marcel de Toledo Vieira

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464

Cad. Saúde Pública vol.35 supl.1 Rio de Janeiro 2019 Epub 06-Maio-2019

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00179617

RESUMEN

El objetivo fue analizar la relación entre salud, características del trabajo, educación y competencias sobre la capacidad para el trabajo de profesores de educación básica en Brasil. Es un estudio transversal, de base poblacional, según datos de la Encuesta Nacional sobre Salud, Condiciones de Trabajo y Ausencias de los Profesores en las Escuelas de Educación Básica (Estudio Educatel). Una muestra probabilística, compuesta por 6.510 profesores, respondió a un cuestionario telefónico (2015), que contenía información sociodemográfica, estado de salud, educación y competencias, características del trabajo y absentismo. Se utilizó modelos de ecuaciones estructurales (MEE) como técnica de análiseis multivariantes y se calcularon los coeficientes estandarizados (CP por sus siglas en portugués) para analizar los efectos directos e indirectos entre las variables. El estado de salud presentó un efecto directo sobre la capacidad para el trabajo (CP = -0,83, p < 0,01). Las características del trabajo interfirieron directamente en el estado de salud (CP = 0,60, p < 0,01) y capacidad para el trabajo (CP = -0,25, p < 0,05), destacando el ruido en el trabajo e indisciplina de los alumnos; el efecto total (suma de los efectos directo e indirecto) de las características de trabajo sobre la capacidad para el trabajo fue igual a -0,75 (p < 0,01). Este estudio concluyó que las relaciones entre estado de salud y características del trabajo de los profesores de educación básica son complejas y afectan negativamente la capacidad para el trabajo. Potenciales acciones de promoción y manutención de la capacidad para el trabajo deben considerar las exigencias psicosociales de la actividad docente y medidas para controlar el orden y la disciplina en la clase.

Palabras-clave: Absentismo; Satisfacción en el Trabajo; Condiciones de Trabajo; Evaluación de Capacidad de Trabajo; Maestros

Introdução

A capacidade de trabalho é definida pela percepção do trabalhador sobre como ele se sente para executar sua tarefa, em função das exigências, de seu estado de saúde e capacidades físicas e mentais 1. A capacidade para o trabalho é considerada uma medida de envelhecimento funcional e preditiva de aposentadoria precoce, morbidade e mortalidade em diferentes grupos ocupacionais 2,3.

É extensa a literatura sobre determinantes de capacidade para o trabalho e, de forma apenas didática, pode-se agrupá-los em três categorias: fatores relacionados ao indivíduo, ao trabalho e à vida fora do trabalho. Entre os fatores individuais, destacam-se idade, desordens psicossomáticas, autoavaliação de saúde e distúrbios musculoesqueléticos 4; e hábitos de vida, como prática de atividade física 5. Quanto aos preditores relacionados ao trabalho, esses são representados pelas condições ambientais, ergonômicas e demanda física e psicossocial 2.

Embora estudos em diferentes ambientes ocupacionais tenham sido conduzidos, as questões sobre a capacidade para o trabalho no Brasil ainda carecem de maior atenção 6. Há necessidade de estudos nacionalmente representativos, com desenho longitudinal para acompanhar as variações na capacidade para o trabalho, bem como avaliar o resultado de medidas de intervenção. O conhecimento desses indicadores é importante para auxiliar na formulação de medidas e recomendações para otimizar a função do trabalhador, melhorar as condições e a comunidade de trabalho, e a possibilidade de se ter uma vida melhor e mais longa no trabalho 7.

Evidências indicam que o envelhecimento funcional na categoria docente é motivo de preocupação 8. As mudanças incorporadas no sistema educacional, sobretudo na Educação Básica, exigem competências do docente além da capacidade de ensinar; recai sobre este profissional também o dever de acompanhar o desenvolvimento psicopedagógico de cada aluno e atuar como gestor no planejamento escolar 9,10.

Além da sobrecarga mental, pesa sobre o docente o uso profissional da voz. Fatores relacionados à idade, cuidados com o uso da voz e presença de alergias são descritos na literatura, mas não são causas suficientes nem necessárias para a ocorrência do distúrbio de voz 11. O trabalho docente, por sua vez, tem sido descrito como um dos principais determinantes do adoecimento vocal do professor. Ambiente com barulhos externos e internos, salas com acústica inadequada, excesso de alunos em sala de aula, presença de poeira e pó de giz, quase sempre intensificados por tempo de exposição ou ritmo da organização do trabalho, são alguns dos agentes agressores que favorecem o adoecimento do professor 10,12,13.

Os docentes dependem da voz para realizar o seu trabalho e a presença do distúrbio de voz gera progressivo distanciamento da docência. Entretanto, são díspares os resultados dos estudos que investigaram a relação entre distúrbios de voz e perda da capacidade para o trabalho. Dois estudos com professoras da Rede Municipal de Ensino de São Paulo indicaram um envelhecimento funcional precoce nas professoras com distúrbio de voz e estresse no trabalho 14,15. Contrariamente, a existência de associação entre distúrbios de voz e capacidade para o trabalho não foi confirmada em outro estudo com docentes da Rede Estadual de Ensino de Alagoas 16.

Independentemente do desfecho analisado, são escassos os dados disponíveis em relação ao peso das exigências do trabalho sobre a capacidade para o trabalho na categoria dos professores da Educação Básica. A questão que se coloca é se as atuais exigências pedagógicas e administrativas não estiverem acompanhadas do suporte necessário, há o risco de se consolidar um quadro de intensificação do trabalho e consequente envelhecimento funcional precoce 17.

O objetivo deste estudo foi testar os efeitos diretos e indiretos do estado de saúde, características do trabalho, educação e competências sobre a capacidade para o trabalho de docentes da Educação Básica no Brasil.

Métodos

Estudo observacional, de corte transversal, com abordagem quantitativa de informações provenientes da Pesquisa Nacional sobre Saúde, Condições de Trabalho e Faltas dos Professores nas Escolas da Educação Básica (Estudo Educatel). Trata-se de um inquérito telefônico realizado em 2015 e 2016 em território nacional com o objetivo de conhecer a situação de saúde e as condições de trabalho de professores do Ensino Básico no Brasil 18.

O plano amostral consistiu na seleção dos professores atuantes em sala de aula na Educação Básica no Brasil em 2015 em escala nacional. A amostragem probabilística foi baseada na estratificação da população pelos seguintes estratos: região geográfica, área censitária, faixa etária, sexo, dependência administrativa da escola, tipo de vínculo e etapa de ensino 19.

Considerando um universo de 2.229.269 professores de acordo com o Censo Escolar de 2014, do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) 20, uma estimativa de 38% para a prevalência de absenteísmo/doença 10, intervalo de 95% de confiança, erro máximo previsto em 1,15% para a estimativa da prevalência de absenteísmo para toda a população de professores no Brasil e correção para populações finitas, estimou-se um tamanho amostral mínimo de 6.500 professores 19. Posteriormente, foram selecionados 13.243 professores visando a aumentar as margens para a obtenção do número mínimo necessário de entrevistas para o sucesso da pesquisa. Foram excluídos aqueles professores que não estavam mais vinculados à escola, os que não responderam a 15 tentativas de contato (feitas em dias e horários variados, incluindo sábados e períodos noturnos) e os que trabalhavam em escolas sem telefone ou nas quais o telefone registrado na fonte original dos dados estava inoperante. Ao final da coleta de dados, foram realizadas 119.378 ligações que permitiram concluir 6.510 entrevistas (85,2% de taxa de sucesso).

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) (CAAE: 48129115.0.0000.5149).

A capacidade para o trabalho foi operacionalizada como uma variável latente (não observada) valendo-se de quatro variáveis manifestas (diretamente observadas): ausência do trabalho nos últimos 12 meses por qualquer motivo, variável dicotômica categorizada como 0 = não e 1 = sim; limitação funcional, mensurada pela pergunta sobre ocorrência de problema no trabalho ou para desenvolver a profissão por causa da voz nas últimas quatro semanas, as opções de resposta variaram de 0 = nunca ou quase nunca a 4 = frequentemente; autoavaliação de saúde, variável ordinal com cinco opções de resposta que variou de 1 = muito boa a 5 = muito ruim, nós mantivemos as características ordinais da autoavaliação de saúde, agregando apenas as categorias ruim e muito ruim devido à baixa frequência; satisfação com o trabalho avaliada por resposta dicotômica categorizada como 0 = não e 1 = sim em relação à pergunta se o professor estava satisfeito com o seu serviço.

A variável latente estado de saúde foi instrumentalizada usando-se quatro variáveis diretamente mensuradas: uso de medicamento ansiolítico ou antidepressivo nas últimas quatro semanas, variável dicotômica categorizada como 1 = não e 2 = sim; doença ocupacional diagnosticada por um médico, variável dicotômica categorizada como 1 = não e 2 = sim; problemas de sono, mensurada pela pergunta: “Nas últimas semanas, com que frequência você tem perdido o sono por preocupação?”. Uma escala Likert de 4 pontos que variou de 1 = de jeito nenhum a 4 = bem mais do que de costume foram as opções de resposta; prática de atividade física, avaliada pela afirmativa ou negativa à pergunta se o respondente praticou algum tipo de exercício físico ou esporte nos últimos três meses.

As características do trabalho foram mensuradas por meio de sete variáveis manifestas com os seguintes questionamentos: “O seu trabalho exige demais de você?”; “Você tem tempo suficiente para cumprir todas as tarefas de seu trabalho?”; “Você tem possibilidade de aprender coisas novas em seu trabalho?”; “Com que frequência o ruído no trabalho é tão forte a ponto de ter de elevar a voz para conversar com outra pessoa?”; “Com que frequência o seu ambiente de trabalho está agitado por causa da indisciplina dos alunos?”. Em todas as questões, as opções de respostas variaram de 1 = nunca ou quase nunca a 4 = frequentemente, de acordo com a percepção do trabalhador; violência verbal foi mensurada pela questão: “Nos últimos 12 meses de trabalho, você sofreu violência verbal praticada por alunos?”. As opções de respostas eram 1 = nunca, 2 = uma vez ou 3 = duas ou mais vezes; apoio social no trabalho é uma dimensão da Job Stress Scale (JSS), instrumento baseado no Modelo Demanda-controle, com os itens (ambiente calmo e agradável onde trabalho; relacionamento entre colegas; apoio e compreensão dos colegas de trabalho; relacionamento com a chefia; e apreço pelos colegas) os quais avaliam o apoio que o trabalhador recebe da chefia e dos colegas de trabalho 21. Trata-se de uma escala do tipo Likert de quatro pontos, que varia de 4 = concordo totalmente a 1 = discordo totalmente.

Educação e competências são definidas por cinco variáveis manifestadas: tempo de trabalho na educação básica e na escola, ambas as questões quantitativas mensuradas em anos e meses; escolaridade, variável dicotômica que se refere ao 1 = Ensino Médio ou inferior ou 2 = Ensino Superior em andamento ou completo; Pós-graduação, avaliada ao perguntar se o professor havia concluído Especialização, Mestrado ou Doutorado, com opções de resposta 1 = não e 2 = sim; formação complementar, variável dicotômica categorizada como 1 = não e 2 = sim ao responder se havia concluído cursos de formação complementar pedagógica.

A idade foi mensurada em anos como variável contínua.

As análises foram realizadas com o Amos 16.0 (https://www.ibm.com) e SPSS, versão 18.0 (https://www.ibm.com). Inicialmente, foram feitas análises descritivas para caracterizar a amostra investigada.

A modelagem de equações estruturais (MEE) foi conduzida para avaliar inter-relações entre determinantes da capacidade para o trabalho. As etapas desse procedimento estão apresentadas na Figura 1. O método consiste em uma técnica estatística multivariada que permite examinar relações de dependência entre variáveis simultaneamente, ou seja, permite que uma variável dependente em uma relação seja a variável independente em outra 22. A MEE combina análise fatorial e técnicas de regressão, levando em consideração os erros de mensuração 22.

Fonte: adaptado de Hair et al. 22.

Figura 1 Etapas do processo de modelagem de equações estruturais. 

A MEE tem duas partes: o modelo de mensuração e o modelo estrutural (Figura 1). Enquanto o primeiro envolve a especificação (validade e confiabilidade) de cada variável latente pelas variáveis observadas, o modelo estrutural permite analisar relações explicativas entre múltiplas variáveis simultaneamente.

Para a construção do modelo de mensuração, nós propusemos quatro variáveis latentes e uma variável manifesta (Figura 2) e usamos a análise fatorial confirmatória para estimar os indicadores de cada variável latente. Coeficientes padronizados inferiores a 0,3 foram retirados devido à baixa carga fatorial 22.

Figura 2 Modelo teórico hipotetizado para operacionalizar a capacidade para o trabalho. 

O próximo passo foi testar a qualidade do ajuste e parcimônia de cada variável latente. Evidências de um bom ajuste incluem: comparative fit index (CFI) (> 0,90); Tucker-Lewis index (TLI) (> 0,9) para um ajuste aceitável e (> 0,95) como indicativo de bom ajuste; e o índice root mean square error of approximation (RMSEA), sendo (≤ 0,05) um bom indicador de parcimônia e (≤ 0,08) um indicador aceitável 22. Modelos alternativos foram analisados com o objetivo de otimizar o ajuste do modelo, e a correlação entre pares de variáveis latentes foi testada separadamente. A significância estatística considerou um alfa igual a 5%. A estimação dos parâmetros foi realizada usando-se o método de máxima verossimilhança. A escolha do método de estimação levou em consideração o estudo de Olsson et al. 23. Esse estudo comparou três diferentes métodos de estimação (máxima verossimilhança, mínimos quadrados generalizados e weighted least squares) e concluiu que o método por máxima verossimilhança fornece resultados mais realísticos com grandes tamanhos amostrais e modelos com diferenças significativas nos coeficientes e índices de ajustes, mesmo na ausência de normalidade das estimativas. Como a maioria das variáveis era ordinal e havia dados ausentes, nós adotamos a estimação bayesiana e o método de imputação múltipla de Monte Carlo via cadeias de Markov como complemento à comparação dos coeficientes estimados 24.

Em seguida, foram examinadas as relações estruturais entre as variáveis latentes. Os coeficientes padronizados foram usados para interpretar os caminhos especificados no modelo estrutural. Valores acima de 0,30 indicam um efeito moderado, e valores acima de 0,50 sugerem um forte efeito. Tais coeficientes são interpretados em termos de unidades de desvio padrão (DP). Ou seja, representam o efeito de cada unidade aumentada de desvio padrão na variável independente sobre a variável dependente 22.

Resultados

A maioria dos 6.510 participantes era do sexo feminino (63,2%), com média de idade de 40 anos (DP: 10,6 anos), faixa etária entre 35 e 44 anos (29,9%), união estável (60,4%), autodeclaradas brancas (42,6%), escolaridade do Ensino Superior concluído ou em andamento (92,2%), com filhos (66,7%). A renda individual mensal variou de um a três salários mínimos. Os dados completos podem ser visualizados na Tabela 1.

Tabela 1 Número de observações e frequências segundo as características sociodemográficas de professores da Educação Infantil. Estudo Educatel, Brasil, 2016. 

Características individuais n %
Sexo
Masculino 2.394 36,8
Feminino 4.116 63,2
Faixa etária (anos)
18-24 374 5,7
25-34 1.844 28,3
35-44 1.944 29,9
45-54 1.604 24,6
Mais de 54 744 11,4
Situação conjugal
Solteiro 1.870 28,7
União estável 3.935 60,4
Separados, divorciados, viúvos 705 10,8
Escolaridade
Ensino Fundamental ou Médio 510 7,8
Ensino Superior 6.000 92,2
Cor/Raça
Branca 2.771 42,6
Parda 1.520 23,4
Preta 206 3,2
Amarela 37 0,5
Indígena 24 0,4
Não declarada 1.952 29,9
Possui filhos
Não 2.165 33,3
Sim 4.345 66,7
Renda individual (salário mínimos)
Até 1 505 7,8
1-2 1.856 28,5
2-3 1.701 26,1
3-5 1.444 22,2
Superior a 5 802 12,3

A Tabela 2 mostra os índices de ajuste do modelo de mensuração para cada variável latente. A análise fatorial confirmatória indicou um bom ajuste para a variável capacidade para o trabalho.

O modelo para a variável latente estado de saúde apresentou um ajuste inicial perfeito (Tabela 2). Entretanto, a carga fatorial da variável prática de atividade física foi igual a 0,12. Um novo modelo sem a variável foi testado. Optou-se por eliminar a variável prática de atividade física, uma vez que os ajustes do modelo não se modificaram.

Tabela 2 Índices de ajuste geral e parcimônia para cada variável latente considerando os modelos inicial e final. Estudo Educatel, Brasil, 2016. 

Variáveis latentes Medidas
CFI RMSEA
Inicial Final Inicial Final
Capacidade para o trabalho 0,956 0,956 0,043 0,043
Estado de saúde 1,000 1,000 0,001 0,080
Características do trabalho 0,895 0,967 0,083 0,068
Educação e competências 0,878 - 0,050 -

CFI: comparative fit index; RMSEA: root mean square error of approximation.

O modelo da variável latente características do trabalho não apresentou bons índices (Tabela 2) e precisou de ajustes para otimizar a sua qualidade. Variáveis observadas com carga fatorial inferior a 0,30 foram retiradas uma a uma e novos modelos foram testados. Duas variáveis observadas foram retiradas do modelo inicial: tempo para cumprir as tarefas e desenvolvimento de habilidades. O modelo final apresentou índices de boa qualidade, tanto no ajuste geral quanto na parcimônia.

A variável latente educação e competências apresentou ajustes satisfatórios (Tabela 2). Entretanto, as variáveis observadas apresentaram carga fatorial baixa (< 0,24), com exceção da variável pós-graduação (carga fatorial = 0,94). Optou-se, então, por excluir essa variável latente e testar o efeito isolado da variável. Como também não foi encontrado efeito significativo sobre a capacidade para o trabalho, a variável pós-graduação foi retirada do estudo.

É importante destacar que as soluções fatoriais propostas para cada variável latente foram significativas (p < 0,01).

Após obtermos modelos de mensuração satisfatórios, procedemos com as análises para testar as hipóteses iniciais que explicariam a capacidade para o trabalho. Os resultados obtidos com o banco de dados original (sem dados faltantes) foram comparados aos resultados após a imputação múltipla. Não foram observadas discrepâncias nos valores das estimativas dos coeficientes padronizados na significância estatística ou nos índices de ajuste do modelo, confirmando um bom ajuste entre o modelo e os dados. O modelo estrutural com os coeficientes padronizados estimados pode ser visualizado na Figura 3. A MEE como estratégia para testar o efeito das variáveis latentes estado de saúde e características do trabalho e idade como variável observada sobre a capacidade para o trabalho revelou um ajuste satisfatório (CFI = 0,913; TLI = 0,881; RMSEA = 0,054). O modelo também produziu coeficientes padronizados satisfatórios com base em cargas fatoriais de moderadas a altas, embora todas significativas (p < 0,01). Os resíduos no modelo final foram inferiores a 0,049 (dados não demonstrados), refletindo uma boa matriz de covariância residual.

Figura 3 Resultado das análises das relações estruturais para investigar a relação entre estado de saúde, características de trabalho e capacidade para o trabalho. 

Na análise de caminhos, o efeito da idade sobre o estado de saúde e a capacidade para o trabalho não foi confirmado. Assim, a variável idade foi excluída do modelo. Igualmente, a variável manifestada satisfação com o trabalho apresentou carga fatorial inferior a 0,30 e foi retirada do modelo.

Confirmando as hipóteses iniciais, o estado de saúde e as características do trabalho têm efeito direto sobre a capacidade para o trabalho. O estado da saúde foi o principal fator associado à capacidade para o trabalho. Além do impacto direto, as características do trabalho também exercem um efeito na capacidade para o trabalho por intermédio do estado de saúde (efeito indireto). O efeito total (soma dos efeitos direto e indireto) das características do trabalho foi igual a -0,75.

Discussão

O objetivo deste estudo foi testar os efeitos diretos e indiretos de condicionantes da capacidade para o trabalho de professores da Educação Básica valendo-se de uma proxy de indicadores de absenteísmo, perda funcional devido a problemas de voz e autoavaliação de saúde. Os resultados reforçam a concepção da capacidade para o trabalho como um constructo complexo, no qual os seus preditores se relacionam de forma dinâmica por meio de uma rede interligada.

O efeito direto do estado de saúde sobre a capacidade para o trabalho é consistente. Essa dimensão compõe a base do modelo de capacidade para o trabalho, sendo considerada um recurso crítico para o trabalhador explorar o seu potencial produtivo 1.

Repercussões na saúde física e mental e no desempenho profissional dos professores são destacadas em diferentes contextos, com destaque para a alta prevalência de distúrbios psíquicos nesta categoria profissional 17,25. Somados aos distúrbios musculoesqueléticos e disfonias, os transtornos mentais estão entre as principais causas de adoecimento entre os professores 13,26,27.

As características do trabalho influenciaram diretamente o estado de saúde e a capacidade para o trabalho, ou seja, a capacidade para o trabalho é influenciada direta e indiretamente pelas exigências da profissão docente. Frequentemente, quando a carga de trabalho é superior à capacidade física, cognitiva e/ou afetiva que o trabalhador possui para atingir os objetivos da produção escolar, isto pode se refletir em adoecimentos e perda da capacidade laboral 25.

Analisando o absenteísmo dos professores, pesquisadores observaram um cenário de sobrecarga mental 13; não é implausível associar tal fato ao distanciamento entre a atividade fim de educar e as múltiplas e discordantes exigências advindas das transformações sociais que modificaram o papel da escola 10. Em pesquisa realizada, Marçal & Peres 11 registraram o aumento da indisciplina e do ruído em sala de aula como geradores de estresse e sintomas vocais entre professores. A literatura também é vasta em apontar uma associação positiva entre o desgaste na relação aluno/professor e a qualidade de vida relacionada à voz e relato de sintomas vocais 28,29. Entender como ocorrem essas interações pode ser fundamental para a preservação e sustentabilidade da capacidade para o trabalho.

Em suma, os resultados encontrados no presente estudo são coerentes com os resultados de estudos brasileiros 25 e internacionais 8 que destacam as más condições de trabalho a que estão submetidos os professores. Se as cargas decorrentes do trabalho forem desproporcionais aos recursos individuais ocorrerá o comprometimento da capacidade para o trabalho 30. Essas evidências sustentam a necessidade premente de intervenções favoráveis à capacidade para o trabalho dos professores da Educação Básica.

O efeito não significativo da idade sobre o estado de saúde ou a capacidade para o trabalho foi inesperado. Tal resultado, em parte, pode estar associado a um efeito do trabalhador sadio. Argumenta-se também se o fato de a amostra ser composta por professores mais jovens, com distribuição desigual nos extremos, pode ter implicações no resultado. Cerca de 66% da amostra têm idade igual ou inferior a 45 anos, portanto, inferior ao primeiro declínio significativo da capacidade para o trabalho 2. Além disso, é reconhecido que populações homogêneas limitam contrastes entre idade e determinantes relacionados à capacidade para o trabalho 5. Sob qualquer ângulo, porém, o efeito negativo do envelhecimento funcional é amplamente reconhecido 2,4.

A variável latente educação e competências não se associou à capacidade para o trabalho, divergindo da literatura 2. Possivelmente, variáveis manifestadas não capturadas pelo inquérito expliquem tal resultado.

Limitações e vantagens do presente estudo precisam ser discutidas. O desenho transversal limita inferências de causas e efeitos. Assim, as relações propostas devem ser entendidas como hipóteses causais.

Entretanto, a escolha da MEE como método estatístico deve ser ressaltada dada a sua robustez em avaliar constructos complexos e testar, simultaneamente, relações entre variáveis 23. Outra força deste estudo é a amostra probabilística e representativa dos professores da Educação Básica em nível nacional.

A exclusão da amostra dos professores que, na ocasião do contato, não mais trabalhavam na escola durante o sorteio da amostra, além daqueles que não responderam a 15 tentativas de contato ou ausência/inoperância do telefone da escola também pode ser considerada entre as limitações deste estudo. Igualmente, um possível viés de memória ou efeito do trabalhador sadio não está excluído.

Entretanto, a amostra representativa, probabilística e aleatória garante uma adequada validade externa. Fatores de ponderação usados pelo Educatel corrigem, parcialmente, as taxas de não participação, quando nem todo indivíduo tem a mesma probabilidade de ser selecionado para o estudo. Isso permite ajustar parte das estimativas que permanecem com vícios e extrapolar as inferências dos resultados à totalidade do universo populacional.

A entrevista por telefone, metodologia empregada neste estudo, é suscetível ao viés de conteúdo das questões e à duração da entrevista. Há menores chances de equívocos ou de desistência do sujeito que consentiu em participar. Entretanto, a similaridade de resultados dos inquéritos por telefone com a entrevista face a face já foi comprovada 31. Além disso, esse método se justifica pela complexidade logística e o alto custo envolvidos na realização de entrevistas presenciais quando se almeja a representatividade territorial, caso do Educatel 18. Visando a diminuir esses vieses, optou-se pela entrevista assistida por computador para garantir a segurança e a agilidade no processamento de dados 32, e definido o tempo máximo de oito minutos para a aplicação dos questionários via telefone.

Além disso, as entrevistas foram conduzidas por empresa especializada, cujos trabalhos foram monitorados durante a realização do estudo. Estratégias ainda foram tomadas a fim de potencializar a participação dos professores, a saber: (1) agendamento das entrevistas em horários mais confortáveis para os professores; (2) busca de contatos telefônicos alternativos caso o professor estivesse ausente da escola ou impossibilitado de participar da pesquisa; (3) simplicidade e agilidade na coleta das informações, uma vez que o instrumento foi elaborado em respeito às particularidades da pesquisa por telefone (curta duração, salto automático de questões não aplicáveis e alimentação em tempo real no banco de dados do sistema).

A maior força desta pesquisa reside no fato de o Educatel ser o primeiro estudo de abrangência nacional a fornecer um diagnóstico de saúde e condições de trabalho na Educação Básica. Nas últimas décadas, a missão do professor ultrapassou os limites da sala de aula, a fim de garantir uma articulação entre a escola e a comunidade 12. De um lado, o professor se vê obrigado a responder às novas exigências pedagógicas e administrativas do sistema educacional, de outro, ele sofre com a sensação de insegurança e desamparo tanto do ponto de vista objetivo - faltam-lhe condições de trabalho adequadas - quanto do ponto de vista subjetivo 10.

Especificamente em relação aos resultados deste estudo, nós confirmamos a associação entre saúde, trabalho e capacidade para o trabalho. Como já relatado, a atividade de ensinar é altamente estressante, cujas demandas nem sempre são acompanhadas de meios necessários para os professores mobilizarem as suas capacidades 17. A consequência final é o comprometimento da atuação dos professores em relação à sua capacidade de oferecer um ensino de qualidade.

A fim de melhorar a capacidade para o trabalho dos professores, os resultados da presente pesquisa sugerem que autoridades escolares municipais e gestores das escolas precisam assimilar e reinterpretar valores como autonomia, participação, democratização no âmbito do trabalho escolar e tomadas de decisão 33. Assistência médica e psicológica, quando necessária, é vital antes que os problemas de saúde do professor se tornem irreversíveis 13. Modificações estruturais no ambiente psicossocial de trabalho dos professores são igualmente fundamentais para coibir conflitos e atos de indisciplina 9. Diminuir a lotação das turmas e ações que visem ao empoderamento do professor no autocuidado da saúde da voz também podem ser úteis 11. Concluindo, os resultados do Educatel podem contribuir para a superação de tal realidade na medida em que são úteis para subsidiar propostas favoráveis à capacidade para o trabalho dos professores.

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