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Determinantes individuais e sociais do estado de saúde subjetivo e de bem-estar da população sênior de Portugal

Determinantes individuais e sociais do estado de saúde subjetivo e de bem-estar da população sênior de Portugal

Autores:

Pedro Alcântara da Silva

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0102-311X

Cad. Saúde Pública vol.30 no.11 Rio de Janeiro nov. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00173813

Introdução

O declínio gradual do estado de saúde é o fator mais frequentemente associado à idade e, porventura, o mais condicionante do processo de envelhecimento, em particular se a situação de doença for crônica e múltipla, e se provocar incapacidades físicas e psicológicas que afetem o quotidiano das pessoas mais velhas e a sua autonomia.

Diversos fatores podem contribuir para um melhor estado de saúde e para a forma como este é percepcionado, assim como para o bem-estar e para um sentimento de maior felicidade. Com efeito, a análise empírica tem demonstrado que existe uma clara relação entre, por um lado, os usos do tempo e a prática de atividades, o grau de integração social, a intensidade e a qualidade das relações sociais, bem como o apoio emocional e instrumental que os idosos podem receber (mas também prestar); e, por outro lado, a saúde, o bem-estar e a qualidade de vida na velhice 1,2.

No âmbito da saúde, é comum os idosos necessitarem de maior apoio em situação de doença, em particular quando as suas capacidades funcionais ficam temporária ou permanentemente afetadas e sentem dificuldades em desenvolver as suas atividades quotidianas 1. No entanto, mais recentemente, a investigação tem procurado ir para além do apoio que as redes pessoais e sociais podem proporcionar aos idosos em caso de doença. Os estudos sobre o envelhecimento centrados nas relações sociais e noutros conceitos conexos, em diferentes contextos e sociedades, têm evidenciado uma clara relação com um melhor estado de saúde e o bem-estar ao longo da vida, em particular na velhice 3.

Não obstante certas dificuldades 4, os resultados empíricos têm demonstrado que as pessoas mais integradas socialmente, com mais relacionamentos e mais satisfeitas com a qualidade destes relacionamentos, evidenciam um melhor estado de saúde do que as pessoas com menos relações sociais, concluindo-se que as redes e o apoio sociais exercem uma clara influência sobre a saúde 1, e até na redução dos riscos de mortalidade 5. Mais do que o apoio efetivo e instrumental, que pode ser recebido em caso de necessidade, são os fatores relacionados com o apoio percepcionado, isto é, o reconhecimento que este apoio pode ser obtido em caso de necessidade, aqueles que tendem a produzir um efeito mais forte e consistente na saúde e no bem-estar dos mais idosos 6,7.

O mesmo acontece com os indicadores relativos à qualidade de vida. Sabendo-se que este é um conceito multidimensional composto por várias condições e ingredientes ao longo da vida, a generalidade dos estudos tem mostrado que as relações sociais emergem sempre como uma das condições cruciais para a qualidade de vida dos idosos, na medida em que o ser humano é um ser social que tem como necessidade básica relacionar-se com outros para o seu bem-estar 8. A globalidade dos impactos das redes sociais e do apoio social acaba mesmo por ter reflexo na mortalidade. Com efeito, o apoio social estrutural ou funcional é, em grande medida, um preditor de mortalidade, independentemente da causa, da idade, do gênero, do estatuto socioeconômico e do estado inicial de saúde 6,9.

Por outro lado, o interesse da investigação na área do envelhecimento em estudar as ocupações do tempo e as atividades socialmente produtivas dos idosos tem vindo também a aumentar; estas últimas vão desde o prolongamento da vida ativa (trabalho remunerado) até ao voluntariado organizado e outras formas de participação na vida pública 10,11,12. Com efeito, nos anos mais recentes, tem existido um afastamento de conceitualizações de integração social com enfoque nos papéis e nas atividades reservadas aos idosos, e nas propriedades dos campos sociais em que se inserem e participam, a favor de uma abordagem mais orientada à análise das redes e à discussão sobre o capital social 11. A atividade, a rede e o capital social têm sido, do ponto de vista analítico, quase sempre tratados separadamente, considerando-se que tal não é o mais apropriado quando se pretende analisar o modo como os idosos permanecem socialmente conectados no decorrer dos últimos estágios do curso de vida. Ao invés, as três abordagens devem ser articuladas, na medida em que a categoria “atividade” refere-se às oportunidades e às solicitações que tornam os indivíduos socialmente ativos, enquanto a categoria “rede” centra-se nos relacionamentos sociais que estão subjacentes a estas oportunidades e solicitações, referindo-se o capital social à forma como os indivíduos participam na sociedade e as ligações e vínculos sociais que desenvolvem, tendo em conta o contexto social e cultural em que se inserem. Num sentido mais amplo, o capital social é uma medida de integração e coesão social, com implicações decisivas na saúde, na qualidade de vida e no bem- estar dos mais velhos 11,12,13.

Neste estudo, a saúde é medida por meio do estado de saúde subjetivo e o bem-estar por intermédio da avaliação do sentimento de felicidade. A autoavaliação da saúde individual tem-se revelado como um robusto indicador do estado de saúde global de cada pessoa, demonstrando ter, inclusive, um elevado valor preditivo da mortalidade, independentemente de fatores médicos, de comportamento ou psicossociais associados à saúde e à doença 14. Quanto à avaliação do bem-estar subjetivo individual, ou do sentimento de felicidade como sinônimo, está associada à concepção comum do que é ter uma vida satisfatória, que não assenta apenas na presença de um conjunto específico de circunstâncias e de condições de vida objetivas que se possui e que se inter-relacionam, mas também na forma como estas são percepcionadas e vividas. A satisfação que cada pessoa sente com a vida em geral capta assim uma avaliação reflexiva sobre a forma como ela se desenrola quotidianamente. Permite, por um lado, avaliar quais as circunstâncias e as condições que são importantes para o bem-estar subjetivo e, por outro, ajuda a medir e a compreender a diferença entre as condições objetivas de vida que cada pessoa experiencia e a forma como avaliam estas condições 15,16.

A investigação tem procurado estudar a relação entre a autoavaliação do estado de saúde e a diversidade e a intensidade da prática de atividades sociais, o capital social ou as características das redes pessoais em que se inserem as pessoas mais velhas. O mesmo tem acontecido em relação ao bem-estar, quer medindo a influência desse tipo de variáveis neste indicador genérico de percepção da qualidade de vida, quer também o impacto do estado de saúde. Neste artigo, ao invés de se abordar a relação individualizada de cada uma dessas vertentes sociais como habitualmente é feito, procura-se identificar os principais determinantes da avaliação subjetiva do estado de saúde e do bem-estar da população sênior com base em um conjunto de dimensões essenciais operacionalizadas em simultâneo que reúnem indicadores demográficos e socioeconômicos, características das redes interpessoais e atividades sociais praticadas, de saúde, atividade sexual e sentimento de felicidade. A equação de preditores socioeconômicos e de caráter comportamental e atitudinal dessas várias vertentes permitirá verificar o valor explicativo de cada uma das dimensões inter-relacionadas e o peso que cada um dos fatores assume para um melhor estado de saúde e qualidade de vida dos mais velhos numa perspectiva global, tendo em conta o desenho dos modelos de análise propostos

Métodos

Amostra

Os resultados apresentados são originários de um estudo sociológico sobre processos de envelhecimento (usos do tempo, redes sociais e condições de vida) que teve por base um inquérito por questionário estruturado, aplicado em 2011 a uma amostra probabilística representativa da população portuguesa continental com mais de 50 anos (N = 1.761.852) planejada em três etapas: (1) seleção aleatória dos pontos de amostragem, a partir da identificação de todas as localidades estratificadas por 5 regiões (NUTS II) e por habitat (número de habitantes das localidades), proporcional à distribuição da população com base no Recenseamento Geral da População e Habitação; (2) seleção aleatória dos pontos de partida em cada localidade a partir de códigos postais; (3) seleção dos lares (utilizando o método random route) e inquirido (último aniversariante do domicílio selecionado) para entrevista pessoal. A coleta de dados foi realizada por entrevistadores treinados por meio do procedimento CAPI (Computer Assisted Personal Interview). Obteve- se uma amostra final de 1.000 inquéritos válidos com um erro amostral máximo de ±3%, para um intervalo de 95% de confiança. Na definição do tamanho da amostra, considerou-se como desconhecida a proporção populacional de indivíduos com avaliação negativa ou positiva em ambas as variáveis dependentes aqui estudadas, usando-se, por isto, 0,5 como índice de prevalência de avaliação positiva do estado de saúde subjetivo e do sentimento de felicidade.

Variáveis e medidas

Devido ao seu significado psicossociológico, as variáveis dependentes foram tratadas como contínuas 17,18. Usando-se os modelos de regressão linear múltipla hierárquica por blocos, procurou-se identificar as variáveis preditoras do estado de saúde subjetivo e do sentimento de felicidade, tendo em conta o conjunto de dimensões anteriormente enunciadas, embora adequando os fatores potencialmente explicativos dentro de cada dimensão em cada modelo, tendo em conta as orientações teóricas conhecidas. A estatística descritiva das variáveis em estudo é apresentada na Tabela 1.

Tabela 1 Resumo da estatística descritiva das variáveis em análise. 

  n % Média Mínimo Máximo DP
Variáveis dependentes            
 Estado de saúde subjetivo     3,13 1,00 5,00 0,908
  Muito má 53 5,3        
  Má 133 13,3        
  Razoável 504 50,5        
  Boa 246 24,6        
  Muito boa 62 6,3        
  Total 997 100,0        
 Sentimento de felicidade     3,70 1,00 5,00 0,764
  Muito infeliz 11 1,1        
  Infeliz 58 5,8        
  Nem feliz nem infeliz 246 24,7        
  Feliz 587 59        
  Muito feliz 93 9,3        
  Total 995 100,0        
Sociodemográficas            
 Idade - - 65,26 50,00 97,00 10,261
 Gênero     - - - -
  Homem 447 44,7        
  Mulher 553 55,3        
  Total 1.000 100,0        
 Escolaridade     - - - -
  Não sabe ler nem escrever 61 6,2        
  Sabe ler e escrever/1o ciclo do ensino básico 515 51,9        
  2o ciclo do ensino básico 65 6,5        
  3o ciclo do ensino básico 140 14,1        
  Secundário 104 10,4        
  Superior 108 10,9        
  Total 993 100,0        
 Ocupação socioprofissional *     - - - -
  Proprietários, dirigentes e profissinais liberais 70 7,7        
  Quadros médios e superiores 148 16,2        
  Executantes não manuais 260 28,4        
  Trabalhadores manuais especializados 289 31,6        
  Trabalhadores manuais não especializados 147 16,0        
  Total 914 100,0        
 Situação na profissão     - - - -
  Empregado 249 25,7        
  Reformado 573 59,2        
  Desempregado 77 7,9        
  Doméstico 69 7,2        
  Total 968 100,0        
@Faixa de renda do agregado ** - - 4,31 1,00 7,00 1,623
 Estado da habitação ***     1,43 1,00 4,00 0,742
  Em perfeito/bom estado de conservação 676 69,5        
  A necessitar de pequenas obras de reparação 193 19,9        
  A necessitar de algumas obras de reparação 80 19,9        
  A necessitar de grandes obras de reparação 23 2,3        
  Total 972 100,0        
Redes pessoais            
 Dimensão da rede # - - 2,38 1,00 8,00 1,37
 Composição rede     - - - -
  Predominantemente familiar 687 76,0        
  Predominantemente não familiar 217 24,0        
  Total 904 100,0        
 Co-habitação     - - - -
  Sozinho 201 20,1        
  Acompanhado 799 79,9        
  Total 1.000 100,0        
 Frequência da necessidade de ser apoiado emocionalmente     2,36 1,00 4,00 1,039
  Nunca 275 27,5        
  Raramente 243 24,4        
  Algumas vezes 331 33,2        
  Muitas vezes 149 14,9        
  Total 998 100,0        
 Mais apoio emocional     - - - -
  Sim 349 35,8        
  Não 625 64,2        
  Total 974 100,0        
 Manifestação de afetos ## - - 2,99 1,00 6,00 1,518
Atividades sociais            
 Número de atividades dentro de casa ### - - 5,83 0,00 10,00 2,104
 Número de atividades fora de casa - - 2,91 0,00 10,00 1,759
 Número de atividades com maior frequência dentro de casa - - 4,69 0,00 6,00 1,821
 Número de atividades com maior frequência fora de casa - - 1,99 0,00 6,00 1,25
 Pertence a alguma associação §     1,98 1,00 4,00 1,045
  Nunca pertenceu 427 43,0        
  Pertenceu 285 28,7        
 Pertence, membro associativo não ativo 157 15,8        
  Pertence, membro associativo ativo 125 12,6        
  Total 994 100,0        
 Índice de práticas associadas ao envelhecimento ativo - - 2,51 1,00 4,73 0,83
 Representações sobre o envelhecimento §§ - - 3,85 1,00 5,00 0,742
Saúde            
 Doença crônica     - - - -
  Sim 538 53,9        
  Não 460 46,1        
  Total 998 100,00        
 Impedimentos físicos e psicológicos     1.54 1.00 4.00 0.975
  Nada 740 74,7        
  Muito pouco 40 4,0        
  Um pouco 143 14,4        
  Muito 68 6,9        
  Total 991 100,0        
Atividade sexual            
 Atividade sexual nos últimos 3 meses     - - - -
  Sim 462 53,3        
  Não 405 46,7        
  Total 867 100,0        
 Importância da atividade sexual     2.52 1.00 4.00 1.071
  Nada importante 235 25,7        
  Pouco importante 139 15,2        
  Importante 365 40,0        
  Muito importante 174 19,1        
  Total 914 100,0        

DP: desvio-padrão.

Nota: nos modelos de regressão são variáveis dummy o gênero (grupo de referência = feminino); a ocupação socioprofissional (grupo de referência = trabalhadores manuais especializados; situação na profissão (grupo de referência = trabalhadores manuais especializados); composição da rede (grupo de referência = rede familiar); co-habitação (grupo de referência = acompanhado); mais apoio emocional (grupo de referência = não); doença crônica (grupo de referência = sim); atividade sexual nos últimos três meses (grupo de referência = sim). Todas as análises estatísticas foram realizadas com recurso do software IBM SPSS versão 21 (IBM Corp., Armonk, Estados Unidos).

*A ocupação socioprofissional resulta da conjugação da profissão de cada indivíduo (Classificação Nacional das Profissões 2010 – Instituto Nacional de Estatística) com a situação na profissão;

**Escalão de rendimento do agregado familiar (médio mensal líquido em Euros), sendo “1 = A” o valor mais baixo (até € 350) e “7 = G” o mais elevado (mais de € 2.500);

***A classificação do estado de conservação da habitação resultou da avaliação do entrevistador;

#Contabilização do número de pessoas que cada inquirido indicou quando questionado sobre quem são as pessoas com quem falou nos últimos 12 meses sobre problemas do dia a dia, preocupações que tem ou outros assuntos que considere importantes (até 8 pessoas mais importantes que inclui familiares e não familiares);

##A variável resulta da construção de um índice com base em três questões sobre a frequência com que abraçou, beijou ou acariciou o/a seu/sua companheiro(a), marido/esposa, a frequência com que abraçou ou teve gestos afetuosos com uma pessoa adulta (excluindo o/a seu/sua companheiro/a, marido/esposa) e a frequência com que deu mimos, abraçou ou teve gestos afetuosos com uma criança (nas últimas quatro semanas e com as respostas a variarem entre “1 = Diariamente” e “ 6 = Nunca”), apresentando um alfa de Cronbach = 0,56;

###Os indicadores de atividades resultam do tipo e da frequência com que cada uma das seguintes atividades foi realizada, variando entre “1 = Nunca” e “6 = Diariamente”: “Tarefas domésticas”, “Artesanato, trabalhos manuais, reparações caseiras”, “Usar um computador nos tempos livres”, “Participar em eventos promovidos, como os que são realizados por partidos políticos, sindicatos ou movimentos cívicos”, “Visitar amigos e conhecidos ou convidá-los para sua casa”, “Palavras cruzadas ou quebra-cabeças”, “Jardinagem ou cultivar uma horta”, “Ler”, “Ouvir rádio”, “Ver TV”, “Tratar de um animal de estimação”, “Ouvir música”, “Passear”, “Praticar esporte”, “Realizar alguma atividade artística”, “Ir ao cinema, concertos, teatro, museus, galerias ou exposições de arte”, “Ir a eventos desportivos”, “Jogar jogos de mesa”, “Ir a cursos ou ações de formação por sua iniciativa”;

§Resulta da conjugação de duas perguntas sobre se é, já foi, ou nunca foi membro de associações (clubes desportivos; sindicatos, associações profissionais e patronais; partidos políticos; e associações de vária ordem como as de atividades ao ar livre, culturais, de consumidores, de defesa de patrimônio, de pais e comunidades educativas, de solidariedade social, e de moradores) e a frequência com que participou de encontros, eventos ou reuniões dessas organizações nos últimos doze meses (varia entre 1 = “Diariamente” e 6 = “Nunca”);

§§Resulta da construção de um índice que tem por base um conjunto de oito indicadores (“sentir-se cada vez menos respeitado”; “sentir-se cada vez mais sozinho”; “saber melhor o que se quer”; “continuar a fazer planos”; “aproveitar cada vez menos a vida”; “sentir que não se faz falta”; e “ainda ser capaz de aprender coisas novas e ter mais tempo livre”, com uma escala de concordância de 1 = “Discordo totalmente” a 5 = “Concordo totalmente”). Por meio da recodificação e orientação da escala dos indicadores no mesmo sentido, e depois de verificado um considerável grau consistência entre eles (alfa de Cronbach = 0,71), foi construída uma única variável em que o ponto mais baixo da escala (1) significa uma “perspectiva pessimista do envelhecimento” e o ponto mais alto (5) uma “perspectiva otimista”).

Nos preditores, foi assim incluído um conjunto de indicadores demográficos e socioeconômicos como a idade, o gênero, a escolaridade, a ocupação socioprofissional, a situação na profissão, o escalão de rendimento do agregado e o estado da habitação.

O conjunto de indicadores relativos às redes pessoais é constituído pela dimensão da rede interpessoal de cada inquirido e a composição da rede, predominantemente familiar ou não familiar; a caracterização do agregado familiar (se o inquirido vive sozinho ou acompanhado); a frequência com que sentiu a necessidade de ser apoiado emocionalmente e se gostaria de ter mais ajuda/apoio quando se sente só ou triste; e a manifestação de afetos.

A dimensão relativa às atividades sociais conta com indicadores sobre o número e a frequência de atividades praticadas dentro e fora de casa. Essa dicotomia permite avaliar o contexto social em que ocorrem, sendo que as atividades realizadas fora de casa pressupõem um maior nível de atividade física, pré-disposição e participação social, enquanto as realizadas dentro de casa são habitualmente atividades mais passivas em termos físicos e praticadas, sobretudo, a título individual 19,20. O número de atividades praticadas é igualmente fundamental, na medida em reforça o grau de participação em ambas as esferas 21.

Esses indicadores resultam da conjugação de um amplo leque de atividades, com base no qual foi construído um índice de práticas associadas ao envelhecimento ativo recorrendo a uma Análise Fatorial em Componentes Principais (extração forçada a três fatores e método de rotação Varimax): o primeiro fator agrega 11 atividades e aponta, como dimensão latente, a adoção de práticas associadas ao conceito de envelhecimento ativo (Kaiser-Meyer-Olkin = 0,790; cargas fatoriais variando entre 0,70 e 0,28; variância explicada = 18,1%; alpha de Cronbach = 0,69): usar computador; ir a eventos culturais; ouvir música; ouvir rádio; ir a cursos ou ações de formação; praticar esporte; ler; participar em eventos de partidos políticos, sindicatos ou movimentos cívicos; passear; visitar ou ter a visita de amigos; e realizar atividades artísticas. Trata-se, sobretudo, de atividades culturais/recreativas, sociais, expressivas, físicas e instrumentais que remetem para os princípios preconizados pela ideologia do envelhecimento ativo que visam, em traços gerais, a não só ter em consideração os comportamentos promotores da saúde, mas também os fatores sociais e pessoais que enquadram o processo de envelhecimento e que possibilitam uma maior coesão e produtividade 22. Estudos têm demonstrado a importância que, a par da atividade física, a participação social, cultural e cívica, bem como o envolvimento, a inclusão em redes pessoais de diferentes amplitudes e natureza detêm na satisfação com a vida e no bem-estar pessoal, assim como na saúde e na qualidade de vida dos mais velhos 19,23,24.

Pertencer a alguma associação (esportiva, cultural) e as representações do envelhecimento, que também remetem para uma valorização de uma vida socialmente ativa, foram ainda consideradas nesse conjunto de preditores. As representações que cada indivíduo tem do processo de envelhecimento, do seu e do dos outros, é resultado não só das suas vivências mas também das atitudes globais formadas na sociedade. Essa percepção contribui para o seu bem-estar na forma como o vivem quotidianamente e para o que projetam quanto ao seu futuro, gerando perspectivas mais otimistas ou mais pessimistas quanto àquilo que significa envelhecer.

A dimensão relativa à saúde contou, para além da autoavaliação do estado de saúde como preditor no modelo de regressão para o sentimento de felicidade, a existência ou não de doenças crônicas e existência de impedimentos provocados pela doença.

Finalmente, a dimensão relativa à sexualidade é constituída por dois indicadores: importância do sexo na vida de cada inquirido e se teve relações sexuais nos últimos 3 meses. A atividade sexual tem sido entendida como um importante fator para o bem-estar e para a qualidade de vida, embora poucos estudos existam sobre o comportamento sexual dos idosos. Sabe-se, no entanto, que a atividade sexual muda com a idade e que está associada ao estado de saúde, na medida em que as alterações fisiológicas e a doença podem afetar e até inibir a função sexual dos idosos. Apesar disso, muitos deles mantêm relacionamentos íntimos com desejo e atividade sexual durante toda a sua vida, embora as mulheres tendam a perder os seus parceiros mais cedo devido à viuvez 25.

No modelo de regressão para o estado de saúde subjetivo foi ainda acrescentada uma dimensão composta unicamente pelo sentimento de felicidade como preditor. Para ambos os modelos de regressão realizou-se uma análise exploratória com o objetivo de averiguar os requisitos mínimos para a análise paramétrica de dados. Seguindo os procedimentos recomendados 26, verificou-se que os pressupostos para a análise paramétrica estão assegurados na medida em que a análise dos resíduos mostrou que estes são homogêneos e normalmente distribuídos.

Resultados

Preditores da autoavaliação do estado de saúde

A fim de estabelecermos os principais preditores do estado de saúde subjetivo, foi colocado em equação um conjunto de fatores divididos por seis blocos que pretendem dar conta, cada um deles, de dimensões fundamentais da vida dos indivíduos: o primeiro bloco junta fatores demográficos e socioeconômicos; o segundo e o terceiro acrescentam indicadores de redes pessoais e de atividades sociais; o quarto adiciona fatores de saúde; o quinto indicadores relativos à vida sexual; e, por fim, um bloco que coloca apenas mais uma única variável referente ao sentimento de felicidade. A análise em blocos permite assim verificar qual o peso gradual que cada potencial fator explicativo assume em cada conjunto de variáveis em equação, à medida em que outras novas vão sendo adicionadas.

Quando começamos por analisar apenas o conjunto de preditores demográficos e socioeconômicos, os resultados evidenciam os já conhecidos fatores explicativos associados às desigualdades na saúde encontrados noutros estudos em Portugal, que seguem as conclusões da literatura a este respeito 27,28,29,30,31. Neste estudo, essas desigualdades tenderão ainda a ser agravadas pela circunstância de se estudar uma população mais velha, ou seja, com idades a partir dos 50 anos, que engloba um grupo muito significativo de portugueses mais idosos, com um estatuto socioecônomico mais baixo, com carreiras contributivas associadas a baixos salários. Essa maior desigualdade socioeconômica tenderá a repercutir nas desigualdades em saúde propriamente ditas.

A regressão linear a seguir mostra, contudo, que o perfil sociodemográfico da população não explica mais do que 19,7% da variância do estado de saúde subjetivo; fatores como a idade e o gênero, e depois a escolaridade, a ocupação socioprofissional e o rendimento revelam-se determinantes: os mais idosos e as mulheres, assim como os inquiridos menos escolarizados e com menor estatuto socioeconômico tendem a declarar pior estado de saúde. Quando incluímos outros preditores relacionados com as redes pessoais dos inquiridos (bloco 2), verifica-se que o número de relacionamentos é também um preditor preponderante da avaliação do estado de saúde, associada a todos os indicadores já referidos. Ao colocar na equação indicadores relacionados com as actividades sociais (bloco 3), observa-se que os preditores socioeconômicos tendem a perder relevância, não voltando a ser significativos neste modelo, mantendo-se apenas a idade e o gênero com poder explicativo, a par da frequência de atividades realizadas fora de casa e da prática de atividades individuais e sociais associadas ao envelhecimento ativo: quanto mais frequentemente praticarem atividades fora de casa e quanto mais frequentemente os inquiridos adotarem as práticas associadas ao envelhecimento ativo, melhor estado de saúde tendem a declarar.

A fim de controlar o efeito doença na autoavaliação do estado de saúde e, parcialmente, a reversibilidade da inferência causal, isto é, as associações encontradas entre o estado de saúde subjetivo e o capital social existiriam sobretudo porque quem teria melhor saúde teria maior tendência para participar em atividades sociais e ter redes interpessoais maiores, ao invés de estas dimensões contribuírem por si só para um estado de saúde mais positivo como aqui se pretende demostrar, foi tida em conta no modelo uma dimensão de saúde, introduzida depois de verificada a influência dos fatores demográficos e socioeconômicos, das redes pessoais e das atividades sociais.

Como seria de esperar, quando se acrescentam fatores estritos de saúde (bloco 4), como são a existência de pelo menos uma doença crônica e de impedimentos físicos e psicológicos, estes assumem-se como os fatores explicativos mais importantes na avaliação que os inquiridos fazem do seu estado de saúde, subindo a variância explicada para quase o dobro (40,1%), embora os restantes preditores que acabamos de referir do bloco anterior mantenham o seu poder explicativo (à exceção da distinção entre homens e mulheres que deixa de ser importante, e da dimensão da rede pessoal voltar a assumir relevância explicativa). Finalmente, quando se analisa os dois blocos seguintes (blocos 5 e 6), nos quais são incluídos atividade sexual e o sentimento de felicidade, verifica-se mais uma vez que todos esses preditores significativos anteriores continuam a ser relevantes, passando a ser significativa também a valorização da sexualidade e um sentimento de otimismo em relação à vida.

Em suma, quanto maior for a rede social em que o inquirido se insere; quanto mais diversificada e frequente for a prática de atividades individuais e sociais, sobretudo se for fora de casa; quanto mais se valorizar e mais frequente for a atividade sexual; e quanto mais felizes os inquiridos se considerarem, melhor será o seu estado de saúde subjetivo. Apesar da perda relativa da relevância dos preditores socioeconômicos neste modelo, estes não deixam, como também aqui ficou demonstrado, de assumir um importante poder explicativo no estado de saúde subjetivo. Inversamente ao que parte da literatura tem vindo a sugerir, em Portugal o fato de viver sozinho não parece ser um preditor do estado de saúde subjetivo, assim como a composição da rede (rede mais familiar vs. mais heterogênea ou não familiar) 6,32,33.

Naturalmente, a existência de doenças crônicas e de impedimentos físicos desempenham o papel mais determinante na avaliação do estado de saúde, como era esperado. No entanto, o fato de os restantes preditores significativos manterem a sua relevância ao longo de todo o modelo, com ou sem a inclusão da variável doença, só reforça o poder explicativo desses fatores para a existência de um estado de saúde subjetivo mais positivo (Tabela 2).

Tabela 2 Preditores da autoavaliação do estado de saúde (regressão linear múltipla hierárquica por blocos). 

  Bloco 1 (Sociode- mográficos) Bloco 2 (Redes pessoais) Bloco 3 (Atividades sociais) Bloco 4 (Saúde) Bloco 5 (Atividade sexual) Bloco 6 (Sentimento de felicidade)
Idade -0,182 * -0,198 * -0,160 ** -0,116 ** -0,117 *** -0,117 ***
Gênero (feminino) 0,155 * 0,154 * 0,117 ** 0,033 0,019 0,023
Escolaridade 0,140 ** 0,137 ** 0,042 0,024 0,032 0,045
Proprietários, dirigentes e profisionais liberais (trabalhadores manuais especializados) 0,100 *** 0,097 *** 0,075 0,069 0,067 0,068
Quadros médios e superiores (trabalahdores manuais especializados) 0,063 0,057 0,044 0,026 0,013 0,013
Executantes não manuais (trabalhadores manuais especializados) 0,022 0,022 0,016 0,019 0,013 0,021
Trabalhadores manuais não especializados (trabalahdores manuais especializados) -0,021 -0,016 0,000 0,005 0,001 0,002
Empregado (reformado) 0,083 0,075 0,052 -0,029 -0,018 -0,010
Desempregado (reformado) 0,009 0,011 -0,015 -0,029 -0,030 -0,029
Doméstico (reformado) 0,099 *** 0,099 *** 0,081 *** 0,027 0,033 0,039
Rendimento 0,093 *** 0,104 *** 0,052 0,005 0,007 -0,008
Dimensão da rede 0,076 *** 0,052 0,090 ** 0,088 ** 0,089 ** 0.089 **
Composição da rede (rede familiar) -0,049 -0,050 -0,038 -0,033 -0,019 -0.019
Co-habitação (acompanhado) 0,040 0,029 0,010 0,014 0,037 0.037
Número de atividades praticadas dentro de casa   0,114 0,088 0,085 0,085 0.085
Número de atividades praticadas fora de casa   0,109 0,157 *** 0,167 ** 0,169 ** 0.169 **
Número de atividades praticadas com maior frequência dentro de casa   -0,067 -0,054 -0,062 -0,052 -0.052
Número de atividades praticadas com maior frequência fora de casa   0,159 ** 0,167 ** 0,176 * 0,176 * 0.176 *
Pertence a alguma associação   -0,031 0,025 0,028 0,036 0.036
Índice de práticas associadas ao envelhecimento ativo   0,243 ** 0,196 ** 0,187 ** 0,143 *** 0.143 ***
Doença crônica (sim)     0,381 * 0,372 * 0,369 * 0.369 *
Impedimentos físicos e psicológicos     -0,128 * -0,135 * -0,110 ** -0.110 **
Atividade sexual nos últimos 3 meses (sim)       0,085 *** 0,110 ** 0.110 **
Importância da atividade sexual       0,110 ** 0,106 ** 0.106 **
Sentimento de felicidade           0,141 *

  Δ R 2 0,211 0,009 0,042 0,161 0,008 0,015
R2 ajustado 0,197 0,202 0,237 0,401 0,408 0,422

Análise de regressão linear, método Enter. Os valores são coeficientes de regressão estandardizados (betas), assinalados quando estatisticamente significativos: * p < 0,001; ** p < 0,01; *** p < 0,05.

Preditores do sentimento de felicidade

O mesmo procedimento estatístico realizado para o estado de saúde é agora utilizado para encontrar os principais preditores do sentimento de felicidade. A designação dos blocos utilizados é a mesma pela natureza dos indicadores que os constituem, embora com algumas redefinições quanto à escolha das variáveis mais adequadas quando se pretende encontrar os fatores explicativos do sentimento de felicidade.

Começando por analisar o primeiro bloco, observa-se desde logo que o perfil sociodemográfico dos inquiridos não explica mais do que 10,7% da variância do sentimento de felicidade. Ainda assim, as mulheres e os mais idosos tendem a declarar-se menos felizes; o rendimento é, no entanto, o fator explicativo mais importante, concluindo-se que, quanto menor rendimento os inquiridos têm disponível, menor será o sentimento de felicidade.

Com efeito, quando incluímos novos preditores relacionados com as redes pessoais (bloco 2), verifica-se que o rendimento é o único fator que se mantém com o mesmo nível de significância, deixando o gênero e a idade de ter importância. A par do menor rendimento, o viver sozinho, a frequência com que sentem necessidade de maior apoio emocional quando se sentem tristes ou sós, e a ausência de manifestação de afetos são os preditores decisivos para que os inquiridos se sintam menos felizes.

Esses fatores mantêm a sua relevância, embora o rendimento perca alguma preponderância, e a escolaridade e a composição da rede pessoal passem a ser significativos, quando são incluídos novos indicadores relacionados com as atividades sociais (bloco 3). Assim, a juntar aos preditores referidos, quanto menor for a prática de atividades sociais individuais e sociais diversificadas (índice de envelhecimento ativo) e quanto menos positivas forem as representações do envelhecimento, assim como quanto menor for a escolaridade e quanto menos as relações são centradas na família, menor é o sentimento de felicidade declarado.

A centralidade das relações familiares para a felicidade aqui encontrada parece ir de certa forma contra as conclusões de estudos internacionais que referem que, fora do âmbito familiar, os idosos que têm mais amigos, que mantêm contatos mais regulares com amigos, e que retiram alguma satisfação com a qualidade destas relações manifestam consideravelmente menos sentimentos de solidão, observando-se uma correlação positiva entre ter amigos e a satisfação com a vida e a autoestima 34. Mesmo entre os idosos casados e com filhos, aqueles que mantêm mais amigos e com alguma proximidade, revelam índices mais baixos de solidão do que aqueles que restringem os seus relacionamentos à sua própria família 35.

Com efeito, a importância dos relacionamentos familiares e de amizade ou semelhantes não é idêntica quando se pretende analisar a sua contribuição para o bem-estar dos idosos: enquanto a maioria da investigação demonstra que o contato com amigos é determinante, os estudos que mostram a relevância da interação dos idosos com os membros da família para este mesmo bem-estar é relativamente diminuto e esta relação menos evidente 32. Nesse sentido, como refere Constança Paúl 6 (p. 278), “devemos diferenciar entre as redes familiares e as redes de amigos, sendo que a primeira é ‘involuntária’ e baseada no sentido de obrigação, enquanto a segunda é uma escolha voluntária, o que produz efeitos diferentes na qualidade de vida dos idosos, sendo potencialmente mais positivo o efeito das redes de suporte de amigos e vizinhos”. Não obstante a extrema importância para o bem-estar dos idosos as relações afetivas e os cuidados que lhes são prestados no âmbito familiar, até porque a família assume a esmagadora maioria das tarefas de apoio 33, uma das razões apontadas para o fato de as relações familiares não serem tão positivas reside no fato de ser “frequente promover-se o paternalismo com o que isso implica de indução de menor bem-estar e satisfação de vida, senão mesmo de precipitação do declínio cognitivo dos idosos36 (p. 283), já que um dos pilares básicos do envelhecimento ativo é “a preservação da autonomia pelo menos a nível psicológico (controlo) e social (participação)36 (p. 284).

O fato de as relações extrafamiliares em Portugal serem um preditor menos importante para a felicidade em termos globais poderá ficar a dever-se à maior relevância atribuída à família e à supremacia das relações intrafamiliares quando comparado com outros países europeus 37, o que limitaria os benefícios descritos associados a redes pessoais mais heterogêneas.

Finalmente, para além de todos os fatores referidos, verifica-se ainda que tanto o estado de saúde subjetivo (em detrimento de condições mais objetivas de saúde como a existência de doenças crônicas ou impedimentos físicos e psicológicos) assim como a atividade sexual são também fatores significativos (blocos 4 e 5): como esperado, quanto pior for o estado de saúde e quanto menor for a atividade sexual, menor será o sentimento de felicidade declarado.

Em resumo e observando a evolução dos valores das variâncias explicadas, subindo de 10,7% do 1o bloco para 22,1% do 2o bloco e deste para 31,4% do bloco 3 (com variações pequenas depois para os dois último blocos), podemos concluir que as dimensões relativas às redes pessoais e às atividades sociais são as mais determinantes para o estado de felicidade dos inquiridos. Com efeito, quem não vive só e quanto mais as redes pessoais se confinam à família; quanto menor for a necessidade de apoio emocional; quanto maior for a manifestação de afetos; quanto maior for a prática de atividades individuais e sociais diversificadas; e quanto mais positivas forem as representações do envelhecimento, maior será o sentimento de felicidade gerado nos inquiridos. O fator idade, o gênero e a escolaridade, assim como, sobretudo, o rendimento e o estado de saúde subjetivo assumem também alguma importância, embora pareça existir alguma desvalorização das condições de vida objetivas no conjunto de fatores que podem contribuir para o sentimento de felicidade (Tabela 3).

Tabela 3 Preditores do sentimento de felicidade (regressão linear múltipla hierárquica por blocos). 

  Bloco 1 (Sociodemográficos) Bloco 2 (Redes pessoais) Bloco 3 (Atividades sociais) Bloco 4 (Saúde) Bloco 5 (Atividade sexual)
Idade -0,107 * -0,040 0,025 0,037 0,080
Gênero (feminino) 0,102 ** 0,073 0,053 0,039 -0,002
Escolaridade -0,014 -0,002 -0,104 * -0,108 * -0,109 *
Proprietários, dirigentes e profisionais liberais (trabalhadores manuais especializados) 0,023 0,017 -0,002 -0,013 -0,014
Quadros médios e superiores (trabalahdores manuais especializados) 0,006 0,012 0,008 0,003 0,011
Executantes não manuais (trabalhadores manuais especializados) -0,065 -0,055 -0,075 -0,076 -0,078
Trabalhadores manuais não especializados (trabalahdores manuais especializados) -0,023 0,011 0,025 0,019 0,024
Empregado (reformado) 0,024 0,012 0,023 0,015 0,008
Desempregado (reformado) 0,067 0,065 0,032 0,029 0,028
Doméstico (reformado) 0,018 0,007 -0,012 -0,024 -0,032
Rendimento do agregado 0,237 *** 0,164 *** 0,092 * 0,081 0,068
Estado da habitação -0,068 -0,026 -0,007 -0,009 0,002
Dimensão da rede -0,034 -0,050 -,055 -0,054 -0.054
Composição da rede (rede familiar) -0,068 -0,079 * -0,075 * -0,074 * -0.074 *
Co-habitação (acompanhado) -0,158 *** -0,147 *** -0,148 *** -0,143 *** -0.143 ***
Frequência da necessidade de ser apoiado emocionalmente -0,220 *** -0,182 *** -0,156 *** -0,154 *** -0.154 ***
Mais apoio emocional (não) -0,058 -0,015 -0,007 -0,005 -0.005
Manifestação de afetos -0,169 *** -0,095 * -0,097 -0,092 * -0.092 *
Pertence a alguma associação   -0,060 -0,060 -0,064 -0.064
Índice de práticas associadas ao envelhecimento ativo   0,158 *** 0,142 ** 0,118 * 0.118 *
Representações do envelhecimento   0,317 *** 0,286 *** 0,275 *** 0.275 ***
Estado de saúde subjetivo     0,106 * 0,117 ** 0.117 **
Doença crônica (sim)     -0,033 -0,038 -0.038
Impedimentos físicos e psicológicos     -0,073 -0,055 -0.055
Atividade sexual nos últimos 3 meses (sim)       -0,157 *** -0.157 ***
Importância da atividade sexual         0,006

  Δ R 2 0,126 0,119 0,93 0,12 0,16
R2 ajustado 0,107 0,221 0,314 0,322 0,336

Análise de regressão linear, método Enter. Os valores são coeficientes de regressão estandardizados (betas), assinalados quando estatisticamente significativos: * p < 0,05; ** p < 0,01; *** p < 0,001.

Discussão

Existe uma grande variedade de fatores pessoais e sociais que condicionam o quadro de vida da população sênior cruciais para a compreensão dos processos de envelhecimento. No entanto, envelhecer bem e com qualidade de vida implica, naturalmente, a existência de boas condições de saúde, as quais, embora não podendo estar desligadas do modo de vida dos indivíduos, são por si só decisivas, e talvez as mais condicionantes, para um envelhecimento ativo e bem-sucedido. Mas se a saúde condiciona em grande medida o que as pessoas podem fazer, as condições materiais, as atividades que desenvolvem e a natureza das redes pessoais e sociais que estabelecem contribuem também em grande medida para um melhor estado de saúde subjetivo.

Os resultados aqui encontrados com base numa análise multidimensional vão no sentido do que tem sido observado noutros estudos com abordagens mais segmentadas 38, isto é, que os elementos constitutivos do capital social 39 têm efeitos protetores na saúde dos mais velhos, nomeadamente por meio da demonstração da associação entre uma autoavaliação do estado de saúde mais positiva e a participação social, o voluntariado e a atividade cultural 40,41,42, a par dos efeitos benéficos das redes pessoais e do apoio social 43. Nessa relação virtuosa não se pode, contudo, menosprezar o peso que a morbilidade associada ao fator idade e os já conhecidos efeitos das desigualdades socioeconômicas associadas à saúde e à doença terão na qualidade de vida 44, bem como o condicionamento das opções e vivências de cada pessoa pelas próprias trajetórias de vida, que possibilitam ou inviabilizam muito do que constitui um envelhecimento ativo.

Relativamente ao sentimento de felicidade, os fatores relativos às redes pessoais e às atividades associadas ao envelhecimento ativo são os mais determinantes para o sentimento de felicidade dos inquiridos, secundarizando em parte as condições de vida objetivas e a própria idade, ainda que o rendimento e a escolaridade, bem como o estado de saúde subjetivo, assumam também alguma relevância. Os resultados corroboram as principais conclusões dos estudos sobre envelhecimento, quando identificam o estado de saúde 45, bem como a ausência de incapacidades graves causadas pela doença, e as ligações sociais no âmbito do desenvolvimento de atividades profissionais, cívicas, lúdicas e culturais ou outras fora de casa, ou mesmo no seio da família, como importantes preditores de um envelhecimento ativo e bem-sucedido, com qualidade e maior satisfação com a vida, contra um potencial isolamento que a transição para a terceira (65+) e quarta (80+) idades pode trazer 11,38; também são concordantes sobre a importância das redes pessoais relativamente ao papel crucial dos laços sociais e do apoio social (efetivo ou percepcionado) para a qualidade de vida dos mais velhos de uma forma geral 38,46,47,48,49 e, por maioria de razão, em situações de menor autonomia 6.

Constata-se assim que, de uma forma geral, as características das redes pessoais em que os mais velhos se inserem e a forma como ocupam o seu tempo livre são fundamentais, tanto para o seu estado de saúde subjetivo como para o sentimento de felicidade. Se a avaliação que cada pessoa faz do seu estado de saúde está, no entanto, como é óbvio, também fortemente condicionada pela doença associada à idade, o sentimento de felicidade tende a depender menos de fatores estruturais e de condições objetivas de vida, assumindo as redes pessoais e as atividades associadas ao envelhecimento ativo um papel crucial, que podem contribuir, de certa forma, para anular, ou pelo menos compensar, o efeito de idade. Por outras palavras, é-se necessariamente mais doente à medida em que se envelhece mas não se é necessariamente mais infeliz se houver qualidade de vida, atividades individuais e sociais diversificadas que preencham o quotidiano, bem como uma rede de relacionamentos estável que, em conjunto, ajudem a projetar uma visão mais otimista do envelhecimento.

A falta de estudos focados especificamente sobre as duas variáveis dependentes aqui analisadas na população portuguesa, e em particular, na população idosa, constitui uma limitação para a discussão dos resultados encontrados. Nomeadamente no que diz respeito ao estado de saúde subjetivo, que carece de melhor clarificação sobre o peso que terão os fatores estritos de saúde, tanto físicos com mentais, para a autoavaliação do estado de saúde, que poderia contribuir para a capacidade interpretativa dos impactos explicativos das diversas dimensões aqui analisadas. Outra limitação terá que ver com o controle do referido efeito da reversibilidade, que apesar dos esforços, continua a ser um aspecto que necessita de maior aprofundamento. A aplicação de modelos de equações estruturais com indicadores adequados poderão ser úteis para acrescentar informação sobre a ordem e o sentido das relações causais socioeconômicas, de capital social e de envelhecimento ativo que operam em simultâneo em relação ao estado de saúde subjetivo e bem-estar 50.

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