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Determinantes sociais, condicionantes e desempenho dos serviços de saúde em países da América Latina, Portugal e Espanha

Determinantes sociais, condicionantes e desempenho dos serviços de saúde em países da América Latina, Portugal e Espanha

Autores:

Eleonor Minho Conill,
Diego Ricardo Xavier,
Sérgio Francisco Piola,
Silvio Fernandes da Silva,
Heglaucio da Silva Barros,
Ernesto Báscolo

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.7 Rio de Janeiro jul. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018237.07992018

Introdução

O que deve ser observado em um sistema de saúde? E de que modo realizar isto? A resposta a estas questões levou ao desenvolvimento de uma matriz que permitisse acompanhar os sistemas de países integrantes do Observatório Iberoamericano de Políticas e Sistemas de Saúde-OIAPSS. O OIAPSS é uma iniciativa do Conselho Nacional de Secretarias Municipais, com apoio do Ministério de Saúde do Brasil, para promover o intercâmbio de informações na defesa dos sistemas públicos e universais1. Sua matriz analítica é uma das principais contribuições e foi desenvolvida em colaboração com pesquisadores da Argentina, Brasil, Colômbia, Espanha, Paraguai, Peru e Portugal, e do Laboratório de Informação em Saúde do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica da Fundação Oswaldo Cruz- LIS/ICICT/Fiocruz2,3.

A comparação é um recurso importante para identificar tendências de blocos regionais ou intervenções para melhorar a qualidade dos serviços. Apesar de compartilharem raízes históricas e culturais comuns, os países ibero-americanos não têm sido objeto de estudos dessa ordem. Além disso, Portugal e Espanha acumularam um conhecimento importante na condução de sistemas nacionais orientados pela atenção primária de saúde-APS, o que tem sido correlacionado com bons resultados4.

O trabalho aborda aspectos que se destacaram ao longo da primeira década do século XXI. Essa década foi muito favorável aos países da América Latina-AL que conseguiram manter taxas de crescimento do Produto Interno Bruto-PIB, reduzindo sua vulnerabilidade externa. O gasto social cresceu na região, representando 19,1% do PIB em 2012-2013, principalmente em função de programas de transferência de renda. Educação e saúde tiveram crescimentos mais modestos: educação passou de 3,7% para 5,0% do PIB e saúde de 3,2% pra 4,2%5,6. Nos países Ibéricos, o que teve maior visibilidade foram os efeitos decorrentes da crise econômica de 2008/2009. A recessão reduziu receitas, elevou o déficit público e aumentou o desemprego. Os pactos de austeridade fiscal resultaram em cortes sem precedentes nos programas sociais, com forte repercussão nas políticas de saúde7.

Espanha e Portugal possuem sistemas nacionais que se caracterizam por uma abrangência universal, organização descentralizada de base territorial e financiamento por fontes fiscais, sendo a existência de seguros privados residual. Na América Latina, o seguro social foi a primeira e principal forma de proteção social, ficando a atenção à população de menor renda a cargo de estruturas do setor público mantidas por recursos fiscais. Este é o tipo de sistema que ainda predomina na Argentina e Paraguai. Mudanças no marco legal e reformas foram realizadas no Brasil (Sistema Único de Saúde), Colômbia (Sistema General de Seguridad Social em Salud) e Peru (Sistema Nacional Coordinado y Descentralizado de Salud) que caminharam na direção da universalização dos cuidados, através de estratégias distintas.

O Brasil passou do seguro social a um modelo de sistema nacional universal financiado por fontes fiscais, a Colômbia e o Peru optaram por um asseguramento universal progressivo com coberturas diferenciadas entre os regimes contributivos e os subsidiados (implementados no caso peruano em 2011, a partir da lei de Aseguramiento Universal em Salud-AUS). Por diversas razões, os sistemas latinoamericanos ainda se caracterizam por uma importante segmentação no acesso e uma multiplicidade de arranjos no financiamento, prestação e utilização dos serviços8. Os seguros privados tiveram uma importante expansão a partir dos ajustes neoliberais implementados na década de 1980 e o gasto direto das famílias permanece elevado9.

A informação é considerada um dos building blocks10 para o desempenho dos sistemas. A matriz do OIAPSS propõe uma abordagem integrada inter-relacionando determinantes, condicionantes e desempenho, além de incorporar nós críticos pouco explorados em matrizes desta ordem2. São essas as categorias que organizam a análise dos resultados e das tendências apresentadas, numa perspectiva comparada que procura destacar desafios comuns no contexto da crescente internacionalização das relações sociais e de produção.

Metodologia

O desenvolvimento de um instrumento, neste caso uma tecnologia para a gestão da informação, necessita levar em conta três tipos de validade: de conteúdo (adequação ao que se quer medir), operacional (viabilidade, factibilidade) e de predição (precisão)11. As atividades enfocaram esses cuidados através de quatro etapas, realizadas em dois Seminários e quatro Oficinas de Trabalho no período 2011-2015.

Essas etapas incluíram: 1- consenso sobre instrumento, temáticas, validação qualitativa do conteúdo das categorias, dimensões e indicadores; 2- coleta exploratória, discussão do web design; 3- criação dos bancos de dados e fichas técnicas; 4- apresentação dos resultados num site provisório, análise de inconsistências e validação junto aos países.

As temáticas sugeridas na criação do OIAPSS foram distribuídas entre pesquisadores dos países conforme suas expertises, para elaboração de um estudo que fundamentasse a escolha de indicadores. Um roteiro comum sugeria o seguinte percurso: identificar perguntas chaves; revisão crítica da bibliografia; pertinência para o conjunto dos países distinguindo o que seria comum ou específico; fichas técnicas com conceitos, fontes e modo de coleta identificando a possibilidade de séries históricas, bem como limites de sua comparabilidade; sugerir estimativas rápidas ou abordagens qualitativas no caso de ausência de informação. O resultado foi revisado por consultores externos (especialistas brasileiros em cada área), com discussão e obtenção de um consenso em torno da lista inicial de indicadores.

Após a coleta exploratória decidiu-se priorizar bancos de organismos internacionais com acesso livre a fim de garantir a continuidade da matriz e realizar a comparação quando houvesse informação em pelo menos três países e o indicador representasse uma abordagem inovadora.

As seguintes áreas temáticas, dimensões e subdimensões compõem o modelo desenvolvido:

  1. Determinantes - demográficos (estrutura, razão de dependência), socioeconômicos (renda, trabalho, desigualdade, educação), condições de vida (nutrição, saneamento e acesso à água potável, violência, saúde mental, mobilidade urbana);

  2. Construção social da política de saúde - Marco Legal;

  3. Condicionantes - Complexo produtivo (desenvolvimento e inovação, medicalização, incorporação tecnológica, balança comercial), financiamento (gasto setorial, composição público-privada); APS (força de trabalho);

  4. Desempenho - acesso (cobertura, oferta de recursos), efetividade (mortalidade evitável e por condições sensíveis à APS, morbidade evitável, programas marcadores), adequação técnica (procedimentos não esperados).

A versão final disponível no site do Observatório permite visualizar os sessenta e cinco indicadores atualmente existentes e demais informações sobre a metodologia (matriz conceitual com operacionalização dos conceitos, produtos dos pesquisadores, relatórios de Oficinas, análise do grau de completitude, entre outros)12. Para a análise dos resultados apresentados neste trabalho selecionaram-se quarenta e cinco indicadores cujas séries temporais tinham maior grau de completitude. O Quadro 1 sintetiza fontes, países e períodos. Os resultados mostram as variações percentuais nesses períodos, com o cálculo da diferença entre o último e o primeiro ano da série disponível para cada indicador. Fazem uma síntese das tendências descrevendo como se deu a evolução desses indicadores, sendo que o conjunto dos bancos, séries históricas e suas representações gráficas podem ser visualizadas no portal do OIAPSS12.

Quadro 1 Indicadores da matriz OIAPSS, períodos e fontes disponíveis. 

Tema Dimensões Sub-dimensões Indicadores Período coberto Fonte
Determinantes sociais Demográficos Razão de dependência Razão de dependência total da população 2000 - 2011 World Bank
Sócio-econômicos Renda Renda % população abaixo da linha de pobreza 2004 - 2010 World Bank
PIB per capita (dólares a preços correntes) 2000 - 2013 WolrdBank -OECD.
Trabalho % de informalidade 2000 - 2012 CEPAL
Tx de desemprego 2000 - 2013 CEPAL
Desigualdade Índice de GINI 2000 - 2010 World Bank
Educação PISA: desempenho matemática 2000, 2003, 2006, 2009 PISA-OECD
PISA: desempenho leitura 2000, 2003, 2006, 2009 PISA-OECD
PISA: desempenho ciências 2000, 2003, 2006, 2009 PISA-OECD
Condições de vida Nutrição % população com 15 anos e mais com sobrepeso 2002, 2005, 2010 WHO
Instalações sanitárias % de população com acesso a instalações sanitárias adequadas 2000 - 2012 WHO
% de população urbana com acesso a instalações sanitárias adequadas 2000 - 2012 WHO
% de população rural com acesso a instalações sanitárias adequadas 2000 - 2012 WHO
Água % de população com acesso a abastecimento de água adequado 2000 - 2012 WHO
% de população urbana com acesso a abastecimento de água adequado 2000 - 2012 WHO
% de população rural com acesso a abastecimento de água adequado 2000 - 2012 WHO
Violência e Saúde Mental Tx de mortalidade por homicídios 2000 - 2011 Eurostat – PAHO
Tx de mortalidade por suicídios 2000 - 2010 WHO
Condicionantes Complexo produtivo Desenvolvimento e inovação Gasto interno bruto em pesq. e desenv. em saúde (milhões de dólares - PPP) 2005 - 2011 PISA-OECD
Gasto interno bruto em pesq. e desenv. em saúde segundo prop. do gasto interno bruto em pesq. e desenv. 2005 - 2011 PISA-OECD
Gasto bruto privado em pesq. e desenv. em saúde 2005 - 2011 PISA-OECD
Gasto bruto governamental em pesq. e desenv. em saúde 2005 - 2011 PISA-OECD
Contagem total de patentestecnologias médica por país requerente 2000 - 2012 WIPO
Contagem total de patentesindústriafarmacêutica por país requerente 2000 - 2012 WIPO
Balança comercial Saldo da balança comercial em produtos farmacêuticos em milhões de dólares. 2008 - 2012 WTO
Financiamento Gasto setorial Gasto em saude como prop. do PIB 2000 - 2012 WHO
Gasto total do governo em saúde como prop. do gasto governamental 2000 - 2012 WHO
Composição público privada Gasto privado como prop. do gasto total em saúde 2000 - 2012 WHO
Gasto individual direto como prop. do gasto privado em saúde 2000 - 2012 WHO
Gasto com planos privados como prop. do gasto privado em saúde 2000 - 2012 WHO
Gasto público como prop. do gasto total em saúde 2000 - 2012 WHO
Desempenho Efetividade Mortalidade evitável Tx de mortalidade infantil 2000 - 2012 Millenium Indicators
Tx de mortalidade em menores de 5 anos 2000-2012 Millenium Indicators
Tx de mortalidade materna 2000, 2005 e 2010 Millenium Indicators
Mortalidade proporcional por doenças diarreicas agudas em menores de 5 anos 2000 - 2010 World Health Organization
Mortalidade proporcional por doenças respiratória agudas em menores de 5 anos 2000 - 2010 World Health Organization
Tx de mortalidade por doenças isquêmicas do coração 2000 - 2010 Eurostat - PAHO
Tx de mortalidade por doenças cerebrovasculares 2000 - 2010 Eurostat - PAHO
Tx de mortalidade por diabetes mellitus 2000 - 2010 Eurostat - PAHO
Tx de mortalidade neonatal 2000 - 2011 Eurostat - PAHO
Tx de mortalidade pós-neonatal 2000 - 2011 Eurostat - PAHO
Morbidade evitável % de crianças com baixo peso ao nascer 2000 - 2011 PAHO – OECD
Tx de incidência de AIDS na população entre 15 a 49 anos de idade 2000 - 2012 Eurostat - PAHO
Tx de acompanhamento do tratamento de casos de tuberculose 2007 - 2011 WHO
Intervenções e programas marcadores % êxito no Trata. Diret. Obser. (DOT) de casos de tuberculose com baciloscopiapos. 2000 - 2011 WHO

A construção social da política de saúde, a ser acompanhada inicialmente através do marco legal de cada país, corresponde a uma temática qualitativa que foge ao escopo deste texto. É necessário assinalar que existem diversos graus de qualidade nos sistemas de informação. Também é possível que tenham ocorrido revisões e alterações de estimativas em alguns dos bancos após a finalização da matriz. Por essa razão, as dimensões, subdimensões e indicadores devem ser considerados como medidas aproximativas a serem complementadas por informações qualitativas e aperfeiçoadas ao longo do tempo. No caso de indicadores que derivam de fontes diferentes, a comparação deve se limitar às tendências observadas, em função da influência da estrutura demográfica na prevalência e incidência de agravos.

Resultados

Determinantes: indicadores demográficos, socioeconômicos e de condições de vida

No período 2000 a 2011, houve aumento da população em idade produtiva e redução da taxa de dependência em todos os países latino-americanos. Essa taxa ainda é superior a da Espanha e Portugal que tem estruturas populacionais mais estáveis.

As condições econômicas mostram um crescimento do PIB per capita particularmente expressivo nos latino-americanos. O crescimento da renda foi acompanhado por uma redução da desigualdade, com exceção da Espanha e Peru que apresentaram um pequeno aumento na concentração da riqueza. Na AL os decréscimos mais importantes ocorreram na Argentina e no Brasil. No entanto, é importante assinalar que os valores deste índice em Portugal e na Espanha partem de parâmetros muito inferiores ao da Argentina, país com renda menos concentrada entre os latino-americanos observados. Colômbia e Brasil são os países com maior desigualdade dentre os analisados. A população abaixo da linha de pobreza decresceu, principalmente na Argentina, que já tinha a melhor situação. Colômbia e Brasil também apresentaram um percentual de redução importante (57% e 36.5%).

Observa-se queda do desemprego na AL, principalmente na Argentina (53%). Nos demais países essa diminuição foi menor, mas o fato relevante é que na crise de 2008/2009 e nos anos pós-crise essas taxas continuaram sem alteração ou declinaram levemente. Em contrapartida, Espanha e Portugal tiveram um importante crescimento do desemprego que chegou a 26% e 16% da população economicamente ativa em 2013, representando um incremento de 255% e 118%, respectivamente.

Ocorreram mudanças positivas na estrutura ocupacional de quatro dos cinco países latino-americanos com diminuição de trabalhadores informais de baixa produtividade. Diminuiu a informalidade no Brasil e na Argentina e, de modo menos expressivo, no Paraguai e no Peru. Na Colômbia, praticamente não houve mudança nessa taxa que permanecia bastante elevada.

Em todos os países houve um aumento nos anos de escolaridade esperados para o ingressante, com Argentina e Brasil se aproximando ao observado em Portugal e Espanha. Embora o cenário da educação venha melhorando, a análise dos resultados do Programme for International Student Assessment-PISA mostra uma situação menos favorável para a qualidade do ensino.

Quanto às condições de vida nota-se o crescimento do sobrepeso na população acima de 15 anos, superior a 50% em todos os países. O maior aumento foi no Brasil (23%), Peru e Colômbia (cerca de 15%). O acesso a instalações sanitárias adequadas e ao abastecimento de água tem melhorado na AL, sendo a Argentina o país com a melhor situação. Embora Paraguai, Peru e Brasil tenham tido um crescimento da ordem de 59%, 55% e 25%, cerca da metade da população rural ainda permanecia sem instalações sanitárias adequadas no final do período estudado.

A mortalidade por homicídios mostra uma grande variação. Portugal e Espanha têm taxas muito baixas e nos sul-americanos a mais baixa é a da Argentina. Embora com uma redução entre 2000 e 2011, Colômbia e Brasil apresentavam valores muito elevados, da ordem de 53 e 26 por 100.000 em 2011. Se a taxa de homicídios apresenta grandes diferenças entre os países, o mesmo não acontece em relação aos suicídios. As taxas mais elevadas foram encontradas na Argentina e, embora com menores taxas no ano de início da série, Paraguai, Portugal e Brasil mostram tendência de crescimento. Em Portugal tanto homicídios quanto suicídios apresentaram incremento. A Tabela 1 mostra a variação desses indicadores.

Tabela 1 Variação percentual dos indicadores da dimensão de determinantes*. 

Indicadores - Determinantes sociais Argentina Brasil Colômbia Espanha Paraguai Peru Portugal
Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final %
Razão dependência 61.3 53.8 -12.1 53.8 47.1 -14.4 61.3 51.5 -15.9 47.1 47.1 0 75.4 61.3 -18.8 63.9 56.3 -12 47.1 49.3 4.7
% população abaixo da linha de pobreza 3.1 0.9 -71 8.5 5.4 -36.5 15.8 6.8 -57 ** ** 6.7 5.7 -14.9 6.1 4.1 -32.8 ** **
PIB per capita (dólares a preços correntes) 9.329 14.715 57.7 3.694 11.208 203.4 2.503 7.825 212.6 14.413 29.117 102 1.531 4.402 187.5 1.949 6.659 241.7 11.399 21.035 84.5
% de informalidade 43 37.7 -12.3 45.6 37.3 -18.2 58.6 58.9 0.5 ** ** 59.5 53.3 -10.4 63 57.1 -9.4 ** **
Taxa de desemprego 15.1 7.1 -53 7.1 5.4 -23.9 17.3 10.6 -38.7 11.9 26 118.5 10 8.1 -19 7.8 5.9 -24.4 4.5 16 255.6
Índice de Gini 51.1 44.5 -12.9 60.1 54.7 -9 58.7 55.9 -4.8 32 33.9 5.9 56.2 52.4 -6.8 50.8 52.4 3.1 36 35 -2.8
PISA: desempenho médio na escala de matemática 388 388 0 334 391 17.1 370 376 1.6 476 484 1.7 ** ** 292 368 26 454 487 7.3
PISA: desempenho médio na escala de leitura 418 396 -5.3 396 410 3.5 385 403 4.7 493 488 -1 ** ** 327 384 17.4 470 488 3.8
PISA: desempenho médio na escala de ciências 396 406 2.5 375 405 8 388 399 2.8 491 496 1 ** ** 333 373 12 459 489 6.5
% população com 15 anos e mais com sobrepeso 66.1 74.5 12.7 46.3 57.1 23.3 53.9 61.9 14.8 50.7 53.8 6.1 46.2 50.3 8.9 56.7 65.5 15.5 51.5 56 8.7
% de população com acesso a instalações sanitárias adequadas 91.7 97.2 6 74.6 81.3 9 74.6 80.2 7.5 100 100 0 58.5 79.7 36.2 63.2 73.1 15.7 97.7 100 2.4
% de população urbana com acesso a instalações sanitárias adequadas 92.8 97.1 4.6 82.8 87 5.1 83.3 84.9 1.9 100 100 0 79 96.1 21.6 75.8 81.2 7.1 99.1 100 0.9
% de população rural com acesso a instalações sanitárias adequadas 82.5 99.4 20.5 39.5 49.2 24.6 52.2 65.7 25.9 100 100 0 33.1 52.5 58.6 28.9 44.8 55 96 100 4.2
% de população com acesso a abastecimento de água adequado 96.5 98.7 2.3 93.5 97.5 4.3 89.9 91.2 1.4 100 100 0 73.5 93.8 27.6 80.6 86.8 7.7 97.9 99.8 1.9
% de população urbana com acesso a abastecimento de água adequado 98.1 99 0.9 97.6 99.7 2.2 97.2 96.9 -0.3 99.9 99.9 0 91.4 100 9.4 89.6 91.2 1.8 98.7 99.8 1.1
% de população rural com acesso a abastecimento de água adequado 81.1 95.3 17.5 75.7 85.3 12.7 71 73.6 3.7 100 100 0 51.2 83.4 62.9 56.4 71.6 27 97 99.9 3
Taxa de mortalidade por homicídios 5.9 4.3 -27.1 31.3 26 -16.9 78.1 53.1 -32 1 0.7 -30 23.8 12.7 -46.6 ** ** 0.9 1.2 33.3
Taxa de mortalidade por suicídios 7.5 7.5 0 4.2 4.8 14.3 6.2 5.1 -17.7 6.5 5.6 -13.8 3.4 3.9 14.7 ** ** 3.7 7 89.2

Fonte: Observatório Ibero-Americano de Políticas e Sistemas de Saúde. Matriz de indicadores12.

* períodos disponíveis para as séries temporais variam segundo indicador, conforme explicitado no quadro 1; **sem informação na base de dados selecionada.

Condicionantes dos sistemas de serviços de saúde: complexo produtivo e financiamento

Os indicadores de investimento em pesquisa e desenvolvimento foram obtidos para Espanha, Portugal e Argentina. Embora nesses dois últimos haja um crescimento importante da despesa interna bruta nesta atividade (235% e 112%, respectivamente), os valores se encontram num patamar muito inferior ao da Espanha, sendo o gasto privado quase sempre superior ao público. Apesar das diferenças nos valores absolutos, a participação percentual no gasto total em P & D não é tão diferente: em 2011 foi de 13,3% na Argentina, 18,6% na Espanha e 14,2% em Portugal.

Espanha e Brasil lideram o processo de registro de patentes na indústria farmacêutica: enquanto no Brasil houve um crescimento de 58%, a Espanha mais que triplicou saltando de 237 para 1.097. Merece atenção o comportamento observado na Argentina que apresentou uma redução de 15%. Também na área das tecnologias médicas, Espanha e Brasil apresentam o maior número de registros com um incremento de 147% e 10 %, com uma diminuição de cerca de 50% para a Argentina.

Todos apresentam saldo negativo na balança comercial de medicamentos. É importante notar que este déficit é crescente nos latino-americanos, mas apresenta uma tendência à redução na Espanha e Portugal. O déficit brasileiro era o mais elevado: três vezes superior ao da Espanha e Portugal em 2012, último ano da série. O Gráfico 1 permite visualizar o comportamento deste indicador.

Fonte: Observatório Iberoamericano de Políticas e Sistemas de Saúde. Matriz de indicadores12.

Gráfico 1 Saldo da balança comercial em produtos farmacêuticos (milhões de dólares), 2008 - 2012. 

Nesse ano, os países apresentavam os seguintes valores de gasto total em saúde como proporção do PIB: Argentina 5,0%, Brasil 8,2%, Colômbia 6,9%, Espanha 9,4%, Paraguai 10,3%, Peru 5,2%, Portugal 9,7%. Em todos houve crescimento do gasto como proporção do PIB, com exceção da Argentina que passou de 9,2% para 5,0% entre 2000-2012. O crescimento na Colômbia e no Brasil foi semelhante (17%), sendo menos expressivo no Peru e em Portugal. Destaca-se o incremento de 30,2% na Espanha e 27,5% no Paraguai.

A participação dos recursos públicos no financiamento aumentou na Argentina, Brasil e Paraguai. Manteve-se praticamente na mesma proporção na Espanha e diminuiu na Colômbia, Peru e Portugal. Em 2012, Colômbia e Argentina, com uma participação pública de 76,1% e 59%, eram os latino-americanos que mais se aproximavam da Espanha e Portugal. Situação diferente ocorre no Brasil e Paraguai, onde a participação de fontes públicas é inferior ao gasto privado (da ordem de 44%).

A proporção da saúde no gasto público total representa o grau de prioridade vis a vis outras despesas governamentais. Neste caso, a situação mais desfavorável foi observada no Brasil e na Argentina onde, em 2012, representava menos de 7% e 8,7%, respectivamente. No mesmo ano, os percentuais de Espanha e Portugal foram de 14,1% e 12,8%. Nos dois países em que houve aumento da participação do gasto privado (Colômbia e Portugal), o aumento se deu principalmente por meio do gasto direto. Em 2012, Brasil e Colômbia eram os países com as maiores proporções de gasto com planos e seguros privados no gasto privado total. A Tabela 2 apresenta os indicadores dessa dimensão.

Tabela 2 Variação percentual dos indicadores da dimensão de condicionantes*. 

Condicionantes - Indicadores Argentina Brasil Colômbia Espanha Paraguai Peru Portugal
Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final %
Gasto interno bruto em pesquisa e desenvolvimento em saúde (milhões de dólares - PPP) 288 611 112.2 ** ** ** ** 3.329 3.733 12.1 ** ** ** ** 176 591.1 235,9
Gasto interno bruto em pesquisa e desenvolvimento em saúde segundo proporção do gasto interno bruto em pesquisa e desenvolvimento 14.9 13 -12.8 ** ** ** ** 18.2 18.6 2.2 ** ** 10 14 40
Gasto bruto privado em pesquisa e desenvolvimento em saúde 122 222 82 ** ** ** ** 1.508 1.405 -6.8 ** ** ** ** 54.4 184.9 239.9
Gasto bruto governamental em pesquisa e desenvolvimento em saúde 85.6 168 96.3 ** ** ** ** 713 1.495 109.7 ** **
Contagem total de patentes registradas pelo setor de tecnologia médica por países do requerente 53 26 -50.9 206 227 10.2 18 26 44.4 210 520 147.6 ** ** 1 3 200 9 33 266.79
Contagem total de patentes de origem do requerente registradas pelo setor de indústria farmacêutico 32 27 -15.6 122 193 58.2 1 13 1200 237 1.097 362.9 ** ** ** ** 41.5 129 210.8
Saldo da balança comercial em produtos farmacêuticos em milhões de dólares -627 -1.302 107.7 -3.920 -6.043 54.2 -840 -1.756 109 -3.879 -2.164 -44.2 -75 -130 73.3 -437 -619 41.6 -2.399 -1.967 -18
Gasto em saúde como proporção do PIB 9.21 5.02 -45.5 7.03 8.26 17.5 5.91 6.93 17.3 7.21 9.39 30.24 8.1 10.3 27.5 4.83 5.18 7.2 9.14 9.74 6.6
Gasto total do governo em saúde como proporção do gasto governamental 17.6 8.7 50.3 4.8 6.86 68.1 19.3 18.8 15.4 13.2 14.1 6.9 17.7 11.5 -35.3 14.1 13.9 -1.56 14.5 12.8 -11.4
Gasto privado como proporção do gasto total em saúde 46.1 41.1 -11 59.7 55.7 -6.7 20.7 23.8 15.4 28.4 28.3 -0.4 60.1 55.5 -7.7 43.6 45 3.12 32.3 36 11.5
Gasto individual direto como proporção do gasto privado em saúde 63 65.5 3.9 63.6 48.3 -24 59 60.9 3.2 83.1 79.7 -4 86.6 91.4 5.5 83.4 79.2 -5.1 70 76.2 8.8
Gasto com planos privados como proporção do gasto privado em saúde 30.7 25.9 -15.4 34.3 49.4 44 41 39.1 -4.6 13.7 29.3 50.4 13.4 8.6 -35.6 12.8 10.3 -19.9 10.2 14.4 41.8
Gasto público como proporção do gasto total em saúde 53.9 59 9.4 40.3 44.3 10 79.3 76.1 -4.6 71.6 71.7 0.2 39.9 44.5 11.6 56.4 55 -2.4 67.8 64 -5.5

Fonte: Observatório Ibero-Americano de Políticas e Sistemas de Saúde. Matriz de indicadores12.

* períodos disponíveis para as séries temporais variam segundo indicador, conforme explicitado no quadro 1; **sem informação na base de dados selecionada.

Desempenho: observações sobre a efetividade dos serviços

No período de 2000 a 2012 todos os países reduziram a mortalidade infantil, com destaque para o Brasil e Peru. A mortalidade pós-neonatal apresentou taxa mais elevada no Peru, sendo que Brasil e Paraguai tiveram redução superior a 50%. Os óbitos em menores de cinco anos diminuíram de modo expressivo, principalmente no Brasil e no Peru, mas a diferença entre Portugal e Espanha permanece grande. É interessante assinalar o desempenho de Portugal que apresentava a menor taxa de mortalidade para esse grupo em 2012, com uma redução superior a da Espanha.

A mortalidade materna nos países ibéricos é, igualmente, muito inferior a dos latino-americanos. No último ano da série, o Brasil apresentava a menor taxa que, ainda assim, era sete vezes maior que a de Portugal e nove vezes a observada na Espanha. Chama atenção o aumento deste indicador na Argentina que passou de 63 para 76 por 100.000 mulheres em idade fértil entre 2000-2010.

A importância da diarreia aguda como causa de óbito em menores de cinco anos vem diminuindo na AL, mas de modo mais relevante no Brasil. Ainda que menos acentuada, também se observa tendência à redução nos óbitos por Infecção Respiratória Aguda/IRA na maioria dos países. O Brasil apresentou o maior decréscimo, sendo importante assinalar o aumento observado na Argentina e na Espanha.

A mortalidade por doenças isquêmicas do coração e por doenças cerebrovasculares apresenta uma tendência decrescente na Espanha e em Portugal. Na AL, com exceção da Argentina, a tendência é de crescimento para as doenças isquêmicas do coração, notando-se redução para as cerebrovasculares, principalmente na Argentina (22.5%) e na Colômbia (15.1%). As maiores taxas de mortalidade por diabetes são encontradas no Paraguai e no Brasil, com uma elevada mortalidade em Portugal quando comparado com a Espanha.

No que se refere ao acompanhamento da morbidade evitável, Brasil e Colômbia apresentaram maior proporção de crianças com baixo peso ao nascer no final da série. E, quanto à incidência da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida/AIDS, houve uma diminuição importante em Portugal e na Argentina. No Brasil, país com maior incidência, os valores passaram de 17,4 para 20,9 casos por 100 mil habitantes, notando-se um aumento relevante no Paraguai e na Colômbia. Exceto a Argentina, os países apresentavam uma proporção de Tratamento Diretamente Observado/DOT de tuberculose superior a 70%. A Tabela 3 mostra os indicadores dessa dimensão.

Tabela 3 Variação percentual dos indicadores da dimensão de desempenho*. 

Indicadores - desempenho Argentina Brasil Colômbia Espanha Paraguai Peru Portugal
Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final % Inicial Final %
Taxa de mortalidade infantil 18 12.7 -29.4 29.1 12.9 -55.7 21.3 15.1 -29.1 5.4 3.8 -29.6 27.1 18.8 -30.6 30.4 14.1 -53.6 5.7 2.9 -49.1
Taxa de mortalidade em menores de 5 anos 20.2 14.2 -29.7 33.1 14.4 -56.5 25.2 17.6 -30.2 6.5 4.5 -30.8 32.7 22 -32.7 39.7 18.2 -54.2 7.4 3.6 -51.4
Taxa de mortalidade materna 63 76 20.6 85 68 -20 130 85 -34.6 5 6 20 120 110 -8.3 160 100 -37.5 11 11 0
Mortalidade proporcional por doenças diarreicas agudas em crianças menores de 5 anos 2 2 0 9 3 -66.7 5 4 -20 1 1 0 8 5 -37.5 5 4 -20 ** ** **
Mortalidade proporcional por doenças respiratória agudas em crianças menores de 5 anos 7 10 42.9 12 7 -41.7 11 10 -9.1 2 3 50 14 11 -21.4 11 10 -9.1 4 4 0
Taxa de mortalidade por doenças isquêmicas do coração 57.3 48 -16.2 58.6 59.5 1.5 66.6 75.3 13.1 126.5 85.8 -32.2 36.9 50 35.5 21.9 22.8 4.1 119.3 79.6 -33.3
Taxa de mortalidade por doenças cerebrovasculares 60.8 47.1 -22.5 63.3 59.1 -6.6 41.8 35.5 -15.1 124.2 74.6 -39.9 55.5 49.6 -10.6 24.3 22.5 -7.4 297.2 153.4 -48.4
Taxa de mortalidade por diabetes mellitus 24.1 19.9 -17.4 26.3 32.6 24 19.7 18.1 -8.1 30.5 24 -21.3 29 37.6 29.7 11.6 14 20.7 42.1 47 11.6
Taxa de mortalidade neonatal 10.9 7.6 -30.3 17.5 10.7 -38.9 - - - 2.8 2.1 -25 11 11 0 13 8 -38.5 3.4 2.4 -29.4
Taxa de mortalidade pós-neonatal 5.7 4.1 -28.1 9.9 4.6 -53.5 - - - 3.6 3.2 -11.1 9.2 4.5 -51.1 9 8 -11.1 3.7 2.3 -37.8
% de crianças com baixo peso ao nascer 8 7.2 -10 8.1 8.5 4.9 7.6 9 18.4 6.5 7.8 20 6 6.3 5 8.4 6.9 -17.9 ** ** **
Taxa de incidência de AIDS na população entre 15 a 49 anos de idade 6.6 3 -54.5 17.4 19.7 13.2 1.3 3.1 138.5 26 26 0 1.2 5.1 325 4.4 3.3 -25 10.3 3.3 -68
Taxa de acompanhamento do tratamento de casos de tuberculose 31 25 -19.4 48 46 -4.2 37 33 -10.8 19 14 -26.3 48 45 -6.3 126 95 -24.6 32 26 -18.8
Proporção de êxito no Tratamento Diretamente Observado (DOT) de casos de tuberculose com baciloscopia positiva 47 52 10.6 71 76 7 80 77 -3.8 70 73 4.3 66 78 18.2 90 74 -17.8 79 80 1.3

Fonte: Observatório Ibero-Americano de Políticas e Sistemas de Saúde. Matriz de indicadores12.

* períodos disponíveis para as séries temporais variam segundo indicador, conforme explicitado no quadro 1; **sem informação na base de dados selecionada.

Discussão

Os resultados que se referem aos determinantes sociais coincidem com as análises sobre a combinação virtuosa entre desenvolvimento econômico e diminuição da desigualdade que marcou a primeira década do século XXI na América Latina13. Após vinte anos de estagnação e crises, esses países conseguiram sustentar altas taxas de crescimento, diminuir o desemprego e a informalidade no trabalho, reduzindo desigualdades e a pobreza extrema. Ainda que haja variação no tipo e extensão dessas conquistas em cada país, a associação entre progresso econômico e melhor distribuição de renda é fato incomum na história da região5.

Para Pinto5, os principais fatores que possibilitaram esse cenário foram a transição demográfica, a expansão da economia chinesa e a redução da tendência neoliberal com implementação de políticas de transferência de renda por governos progressistas. A China tornou-se a grande importadora de matérias primas de países sul-americanos e africanos com elevação dos preços das commodities. As transformações econômicas exerceram um efeito positivo nas contas externas facilitando uma política fiscal expansionista, gastos em infraestrutura e políticas sociais.

Os indicadores acerca das condições de vida confirmam uma melhoria nas instalações sanitárias e no acesso ao abastecimento de água, com os maiores progressos realizados no Paraguai. Nota-se um descompasso entre as elevadas taxas de crescimento econômico e o aumento mais discreto nesta dimensão em países como o Brasil e a Colômbia, tendo em vista as importantes consequências desse investimento para a qualidade de vida. No Brasil, as condições de abastecimento de água e coleta de resíduos guardam relação com o risco de disseminação e o aumento de casos de arboviroses (dengue, Zika vírus, Febre Chikungunya)14,15, além do aumento exponencial de casos de Febre Amarela silvestre16.

Os dados sobre a transição demográfica trazem elementos interessantes para a discussão sobre desenvolvimento. Nos latino-americanos houve crescimento do grupo populacional de 15 a 64 anos configurando uma situação denominada “bônus demográfico”, tendência que foi comum no continente6. Para ser aproveitado, este fenômeno implica em desafios para gerar postos de trabalho e melhorar a educação. Embora o acesso à educação fundamental venha melhorando, persistem problemas na qualidade: na comparação com Espanha e Portugal as maiores defasagens estão exatamente nos campos da matemática e das ciências.

Violência e saúde mental são importantes indicadores das condições de vida, especialmente na América Latina. A compreensão desse fenômeno é multifatorial e deve levar em consideração tanto fatores individuais, como comunitários e sociais6. Ainda que tenha ocorrido uma redução deste indicador, chama atenção a permanência de elevadas taxas de mortalidade por homicídios no Brasil e na Colômbia. Ao contrário do cenário socioeconômico favorável que caracterizou a América Latina, Portugal e Espanha foram duramente afetados pela crise com elevado desemprego e cortes nas políticas sociais. É interessante assinalar que a tendência encontrada para os indicadores de violência e saúde mental em Portugal antecede o ano de agravamento da crise, o que aponta para a importância continuar seu acompanhamento.

Há uma grande convergência no que se refere ao aumento do sobrepeso constatado em todos os países. A obesidade vem sendo reconhecida como uma pandemia, mas os avanços são ainda pontuais. Implicam em complexas ações intersetoriais com políticas agrícolas, regulação da produção industrial e da comercialização de alimentos, promoção de ambientes alimentares saudáveis e atividades de educação nutricional17. Segundo Relatório das Nações Unidas18, a discussão deve se concentrar na má-nutrição como um problema que incide na totalidade dos países, em uma ou mais de suas principais modalidades. Ao tratar dos desafios para os sistemas universais de saúde, Temporão19 mostra a inter-relação entre a transição demográfica, epidemiológica, alimentar, tecnológica, cultural, organizacional, econômica, científica e de inovação, apontando suas implicações para a saúde e para esses sistemas.

A outra tendência comum encontrada se relaciona com o complexo produtivo da saúde, mais especificamente com a questão do consumo de medicamentos. Todos os países apresentam um saldo negativo na balança comercial de produtos farmacêuticos. Este padrão de dependência é mais grave nos latino-americanos, particularmente no caso brasileiro. Autores20 que tratam do tema têm mostrado a fragilidade da base produtiva brasileira, apesar do país ocupar a sétima posição no ranking mundial de vendas.

A indústria farmacêutica tem como principais armas competitivas as atividades de P & D e marketing em forte interação com instituições científicas. Mas as atividades tecnologicamente mais desenvolvidas se situam nos países centrais, ficando com os demais (a depender do porte de seus mercados) apenas a produção final dos medicamentos6. Cria-se uma dinâmica negativa para os países periféricos: ao mesmo tempo em que expandem o acesso, aumentam o grau de dependência tecnológica com riscos para a sustentabilidade financeira dos sistemas21.

No caso brasileiro, Gadelha et al.20 discutem a importância de inserir a saúde na agenda do desenvolvimento com políticas para transformar a estrutura produtiva e de inovação cada vez mais frágil no país. Haveria necessidade de investir em ciência e tecnologia, além de articular o desenvolvimento tecnológico às necessidades do sistema de saúde. Referem que alguns países, como a França e os nórdicos, articulam a política de saúde com a industrial e tecnológica aliando sistemas universais e competitividade nacional.

Com exceção da Argentina, os países acompanharam a tendência mundial de crescimento dos gastos com saúde. O comportamento observado na análise deste indicador sugere inconsistências e necessidade de revisão na base de dados nesse país. No período 1998-2003, a média anual de crescimento desses gastos (5,7%) foi superior ao crescimento da economia mundial (3,6%)6, o que reforça a centralidade da discussão anterior para a sustentabilidade dos sistemas, conforme vêm apontando outros autores22.

Mas o crescimento do gasto como proporção do PIB não significa necessariamente melhor desempenho ou qualidade, além disso, os indicadores de financiamento devem ser analisados de modo integrado. O percentual do PIB reflete a prioridade relativa dos gastos setoriais, enquanto o gasto per capita (indicador que necessita ser incorporado na matriz) tem relação com a magnitude do produto interno e o tamanho da população. Assim, apesar do Paraguai ter o maior comprometimento do PIB no último ano da série, seu gasto per capita é um dos mais baixos em função do tamanho de sua economia (US$ PPP 571,7, em 2012). As diferenças no gasto per capita dos países da América Latina quando comparados com Espanha e Portugal são relevantes: no Brasil e Argentina, que tem os maiores valores, o gasto era menos da metade do observado nos ibéricos (US$1.257 e US$ 1.133 versus US$ 2.984 e US$ 2.624, em 2012)23.

Houve dificuldade de desagregar o gasto redistributivo (fontes fiscais) nos indicadores de financiamento, o que superestima o gasto público na Argentina, Colômbia, Peru e Paraguai. Ainda assim, confirma-se o baixo patamar das fontes públicas no Brasil, contrariando os objetivos constitucionais de organização de um sistema universal, o que tem sido enfatizado em inúmeros trabalhos24,25. Embora se observe um aumento desse gasto com crescimento das despesas com saúde nos gastos governamentais26, o gasto público permanecia inferior ao privado em 2012.

Apesar da adversidade no padrão de financiamento, chama a atenção o bom desempenho do Brasil no que diz respeito à saúde da mulher e da criança. Estes dados coincidem com trabalhos que estabelecem a relação deste fato com a Estratégia de Saúde da Família que, de um programa iniciado em 1994, passou a ser considerada uma política para reorientação do modelo assistencial. Em 2017, cobria em torno de 60% da população, com mais de 40.000 equipes implantadas27. Apesar de alguns entraves em seu desenvolvimento, pesquisas vêm demonstrando resultados positivos com diminuição de desigualdades na utilização dos serviços28, na mortalidade em menores de cinco anos29 e nas internações por condições sensíveis à APS30.

Conclusão

A matriz desenvolvida pelo OIAPSS oferece um conjunto de informações e inúmeras possibilidades analíticas. Algumas delas dizem respeito ao aprofundamento de questões específicas que se referem ao observado em cada país. Além da pertinência de dar continuidade ao seu acompanhamento, tais questões precisam ser discutidas de modo contextualizado. Este é o caso, por exemplo, dos resultados menos favoráveis encontrados na Argentina para indicadores de saúde materna e infantil. Também, é o caso para o crescimento das taxas de mortalidade por homicídio e suicídio encontrado em Portugal que antecedem ao início da crise no continente europeu. No Brasil e na Colômbia, seria interessante monitorar o gap identificado entre o crescimento econômico e melhorias em saneamento e acesso a água potável, bem como, a persistência de elevadas taxas de homicídio sugerindo que a violência pode ser um importante marcador de desenvolvimento social nestes e também em outros países.

Na América Latina, ao contrário dos anos 1980-1990, conhecidos como a “década perdida”, o período mais recente tem sido referido como a “década de ouro”. No entanto, o período de bonança parece ter chegado ao fim do seu ciclo, como já aconteceu em outros períodos. O Brasil, por exemplo, submergiu em importante crise econômica e política a partir de 2015. A resposta foi uma política fiscal extremamente restritiva, com aprovação de Emenda Constitucional31 que congela as despesas primárias do Governo Federal por 20 anos, com sérios reflexos nas políticas públicas32. Portanto, garantir a continuidade do acompanhamento desses indicadores torna-se crucial.

Mas os aspectos prioritários a serem discutidos em conclusão, são àqueles desafios que emergem de três tendências praticamente comuns a todos os países: o padrão de transição nutricional com aumento de sobrepeso, o desequilíbrio da balança comercial em produtos farmacêuticos e o aumento nos gastos dos sistemas.

A capacidade de resposta dos serviços é condicionada por uma série de fatores entre os quais se destacam o grau de sustentabilidade do ponto de vista de insumos essenciais, as condições de financiamento e o marco político-institucional. Nesse sentido, a problemática da dependência tecnológica incide de modo mais agudo nos países latino-americanos. Um dos principais desafios se situa nas possibilidades dos Estados virem a exercer um efetivo papel regulador, acentuar seu poder como comprador, qualificar a gestão e diminuir o grau de perversidade das relações público-privadas. Sem uma mudança dessa ordem, será difícil impor limites aos interesses mercantis e de acumulação privada que tendem a se sobrepor aos coletivos, numa arena onde estes aspectos se explicitam de forma crítica.

Uma das principais reflexões que esse padrão de convergência traz é a necessidade de garantir mudanças no modo de organizar e prestar serviços reforçando práticas que, ao mesmo em que forneçam um cuidado integral, incorporem ações intersetoriais e de promoção facilitando a viabilidade dos sistemas. Embora haja suficientes evidências sobre vantagens da atenção primária na produção de um cuidado coordenado e eficiente, a implementação dessa política sofre constantes retrocessos em momentos de crise e de ajustes como ocorreu em Portugal e na Espanha. Ao contrário da América Latina, o cenário socioeconômico apresenta sinais de recuperação nesses países sendo importante acompanhar se ocorrerá uma reversão nesta tendência.

O denominador comum encontrado expõe o desafio de conciliar sustentabilidade e qualidade em sociedades que propiciam doenças, mas estimulam o consumo como resposta. Ou seja, a construção de sistemas universais na América Latina não deve significar apenas expansão da cobertura e do consumo de cuidados, mas um esforço na garantia de um acesso oportuno, sem descuidar do desenvolvimento social e de políticas públicas que possam promover saúde.

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