versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.1 Rio de Janeiro jan. 2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018241.03862017
O Brasil passa por importantes mudanças demográficas e acelerado processo de envelhecimento populacional. No ano 2000, 5,61% da população do país era composta por pessoas com 65 anos ou mais e aumentou para 6,78% em 2010 e, estima-se que alcançará 11,3%, em 20251. A região Sul concentra o maior número de idosos (14,4%) do país e no Estado do Paraná esse número representa 11,21% da população2. Este novo cenário desperta preocupação e tem sido foco das políticas públicas, visto que as morbidades relacionadas a essa faixa etária são custosas ao sistema de saúde3.
A fratura do fêmur emerge como um dos principais problemas de saúde associada ao envelhecimento da população4–6, responsável por elevadas taxas de morbimortalidade7,8 e pelo comprometimento da qualidade de vida da população idosa9–11. Embora alterações na densidade óssea em consequência de osteoporose12–14 tenham sido amplamente associados à incidência de fratura de fêmur em idosos, pouco ainda se conhece sobre o perfil desta morbidade durante diferentes condições.
Entre os estudos que associam fatores étnicos e demográficos à fraturas, em especial de idosos, poucos examinam aspectos vinculados a questões sociais e econômicas15–18, e uma minoria avaliam a influência da renda19,20. Evidências dos efeitos positivos da riqueza sobre a oferta de serviços e disponibilização de infraestrutura em saúde21–23 reforça a interferência do desenvolvimento socioeconômico no perfil das morbidades.
Dessa forma, entende-se que a saúde é determinada nos diversos ciclos da vida e construída pelas condições sociais, econômicas e ambientais, impactando, portanto na qualidade de vida, em especial quando o indivíduo atinge a senescência24–27. Assim, o objetivo deste estudo foi analisar o perfil da assistência à fratura de fêmur em idosos, relacionando às condições socioeconômicas e demográficas, no estado do Paraná, entre os anos 2008 a 2013.
Trata-se de um estudo quantitativo do tipo retrospectivo da área interdisciplinar. A população do estudo foi composta por dados de idosos com 60 anos ou mais, vítimas de fratura de fêmur internados entre o período de janeiro de 2008 a dezembro de 2013, atendidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) nos municípios do Estado do Paraná. O estudo obteve aprovação pelo comitê de ética em pesquisa do Centro Universitário de Maringá sob parecer número 1.359.807.
As informações foram coletadas em banco de dados público por meio do programa TabNet (versão 3.6 do TAB para Windows), disponibilizado pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde – DATASUS28 (http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php), referente a internações hospitalares (SIH) de idosos internados pelo SUS. Foram coletados os seguintes dados: idade dos idosos, ano de internação, classificação das fraturas de fêmur conforme código relativo à Classificação Internacional de Doenças (CID-10)28, número de óbitos por local de residência e número de fraturas de fêmur por local de residência.
Os dados referentes ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHm), Produto Interno Bruto (PIB) e PIB per capita, foram obtidos no Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social – IPARDES29 (http://www.ipardes.gov.br/) e Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE30 – (http://www.ibge.gov.br/home/) dos 399 municípios do Estado do Paraná. Para o presente estudo, o PIB dos municípios foi dividido pelo número de idosos residentes em cada um deles a fim de demover o efeito das diferenças na proporção de idosos. Dessa forma, o nível de riqueza dos municípios representados pelo PIB foi retratado de modo que contemplasse a população de idosos.
Para a construção da tipologia dos grupos homogêneos dos municípios, primeiramente foi empregada a técnica multivariada análise fatorial (AF). O principal objetivo dessa etapa foi a obtenção dos escores fatoriais. A AF identifica um número relativamente pequeno de fatores que podem ser usados para representar relações entre muitas variáveis que estão interrelacionadas. O modelo matemático envolvido é similar à equação de regressão múltipla, onde cada variável é expressa como uma combinação linear dos fatores não observados:
Onde:
Aij = cargas fatoriais;
F1, F2,…, Fm = fatores comuns;
ε1, ε1,…, εp = erros ou fatores específicos.
Embora seja possível que todas as variáveis contribuam para um determinado fator, somente um subconjunto delas vai realmente caracterizá-lo. Assim o modelo fatorial supõe que as variáveis podem ser agrupadas por suas correlações em que aquelas pertencentes a um mesmo grupo são altamente correlacionadas entre si. Posteriormente, a partir dos escores fatoriais31 foram calculados três índices: potencial de atenção ao idoso (PAI), potencial de atenção à população (PAP) e eficiência do tratamento (ET). Para o cálculo dos índices utilizou-se a seguinte expressão:
Em função dos índices criados, os municípios foram classificados em um de três possíveis grupos. No Quadro 1 são apresentados os intervalos de variação dos índices para cada grupo:
Quadro 1 Intervalos de variação para os índices PAI, PAP e ET utilizados para classificar os municípios.
Índice | Grupo I | Grupo II | Grupo III |
---|---|---|---|
PAI | Índice ≥ 10 | 5 ≤ Índice < 10 | Índice < 5 |
PAP | Índice ≥ 20 | 10 ≤ Índice < 20 | Índice < 10 |
ET | Índice < 10 | 10 ≤ Índice < 20 | Índice ≥ 20 |
Neste caso, quanto maior o valor do índice obtido, melhor a classificação do município, em relação aos índices PAI e PAP. Já para o índice ET a melhor eficiência é traduzida pelos menores valores. Foram estabelecidos três grupos de municípios.
A descrição dos grupos homogêneos de municípios consistiu em tabelas de frequências e medidas descritivas, tais como média, desvio-padrão, máximo e mínimo. Os dados foram analisados no programa Statistical Analysis Software (SAS, version 9.4) a partir de uma base de dados construída por meio do aplicativo Excel32.
A partir da matriz de dados cujas colunas continham informações do PIB per capita (pp2008, pp2009, pp2010, pp2011, pp2012 e pp2013), do PIB municipal (pm2008, pm2009, pm2010, pm2011, pm2012 e pm2013), da taxa anual de fraturas (%), (TFLR), da taxa anual de óbitos (%), (TOLR) e taxa de sobrevivência (TSOB) por local de residência, para os anos de 2008 a 2013, realizou-se a AF. Adotou-se o critério de Kaiser para a escolha dos fatores a reter (autovalores maiores que 1) para escolha do número de fatores.
O modelo de AF apresentou bom ajuste (KMO = 0,75) e foi possível identificar três fatores, os quais explicam 85,52% variância total dos dados. Na Tabela 1 é possível avaliar os três fatores retidos. O primeiro autovalor (λ1 = 7,11) explica 47,40% da variância total e está relacionado ao PAI traduzindo o PIB municipal. Foi assim nomeado devido ao fator retido ser o PIB municipal. O segundo autovalor (λ2 = 3,94) explica 26,32% da variância total e traduz o PAP e é representado pelo PIB per capita do município. O terceiro autovalor (λ2 = 1,77) explica 11,80% da variância total e traduz a ET, pois é representado pelas TFLR por 1000, pela TOLR por 1000 e pela TSOB por 100%.
Tabela 1 Autovalores, código e nome da variável e cargas fatoriais para os três primeiros fatores retidos. Paraná, 2008-2013.
Fator retido | Código | Variáveis retidas para o Fator Autovalor | Carga |
---|---|---|---|
1º Fator Autovalor (λ1 = 7,11) | pm08* | PIB municipal para o ano 2008 | 0,9796 |
pm09* | PIB municipal para o ano 2009 | 0,9813 | |
pm10* | PIB municipal para o ano 2010 | 0,9909 | |
pm11* | PIB municipal para o ano 2011 | 0,9916 | |
pm12* | PIB municipal para o ano 2012 | 0,9912 | |
pm13* | PIB municipal para o ano 2013 | 0,9910 | |
2º Fator Autovalor (λ1 = 3,94) | pp08 | PIB per capita para o ano 2008 | 0,4535 |
pp09 | PIB per capita para o ano 2009 | 0,7174 | |
pp10 | PIB per capita para o ano 2010 | 0,9567 | |
pp11 | PIB per capita para o ano 2011 | 0,9759 | |
pp12 | PIB per capita para o ano 2012 | 0,9779 | |
pp13 | PIB per capita para o ano 2013 | 0,9661 | |
3º Fator Autovalor (λ2= 1,77) | TFLR | Taxa anual de fraturas (‰) por local de residência | 0,0717 |
TOLR | Taxa anual de óbitos (‰) por local de residência | 0,8416 | |
TSOB | Taxa de sobrevivência | 0,9550 |
*Pib municipal dividido pela população de idosos de 2010.
Em relação ao PAI, os municípios foram agrupados em três grupos. O primeiro foi composto pelos municípios (n = 10) que apresentaram alto PAI (PAI ≥ 10); o segundo, pelos municípios (n = 357) com moderado (5 ≤ PAI < 10); e o terceiro (n = 32), por aqueles com baixo (PAI < 5) (Figura 1).
Figura 1 Mapa do potencial de atenção aos idosos com fratura de fêmur por município de residência. Paraná, 2008-2013.
Para o PAP também foram considerados três grupos. O primeiro foi composto pelos municípios (n = 12) que apresentaram alto PAP (PAP ≥ 20); o segundo, pelos municípios (n = 303) com moderado (10 ≤ PAP < 20); e o terceiro (n = 84), por aqueles com baixo (PAP < 10) (Figura 2).
Para a ET também foram considerados três grupos. O primeiro foi composto pelos municípios (n = 109), que apresentaram alta ET (ET ≥ 20); o segundo, pelos municípios (n = 110) com moderada (10 ≤ ET < 20); e o terceiro (n = 180), por aqueles com baixa (ET < 10) (Figura 3).
O PAI reteve o PIB municipal como principal variável explicativa. O PIB representa a atividade econômica dos municípios e reflete, portanto, a produção de bens e serviços total de cada um deles, em termos monetários29. É um dos indicadores mais utilizados na economia para mensurar a atividade econômica de uma região, de forma que quanto maior o PIB, maior a riqueza gerada pelo município, estado ou país. Teoricamente, presume-se que o PIB municipal represente os recursos que o município possui e pode ser viabilizado em investimentos e ações direcionados para o idoso30.
No grupo I estão relacionados os municípios mais desenvolvidos em termos de atividade econômica, apresentando a maior densidade demográfica e representam, em sua maioria, os valores mais elevados de PIB municipal do estado. Esses municípios ocupam as primeiras posições no ranking estadual: 1º Curitiba; 2º São José dos Pinhais; 3º Londrina; 4º Araucária; 5º Maringá; 6º Ponta Grossa; 7º Foz do Iguaçú; 8º Cascavel; 9º Paranaguá e 10º Pinhais33. Os municípios mais populosos possuem maior infraestrutura e são menos dependentes do Estado e da União por possuírem maior capacidade de gerar receitas próprias34.
No grupo II, de moderado PAI, observa-se que os municípios, em sua maioria, estão no entorno daqueles com maior atividade econômica e que compõem o grupo I. Supõe-se que a população usufrua da infraestrutura e serviços em saúde existentes nos municípios do grupo I, repercutindo favoravelmente no estado de saúde da população idosa do grupo II35,36.
A associação entre saúde e renda foi discutida em artigo seminal de Preston37 que identificou forte correlação entre expectativa de vida e renda nacional per capita, mostrando a relação positiva entre as variáveis. Os países mais ricos apresentam maior expectativa de vida do que os mais pobres, apontando benefícios do crescimento econômico para a saúde38–40.
Além da riqueza, são essenciais para a saúde, as comunidades e vizinhanças, o acesso aos bens básicos de investimento em infraestrutura, tais como abastecimento de água, saneamento, eletricidade, pavimentação das vias de comunicação para os lares, planejamento urbano, transportes ativos, mercado que promova um estilo de vida saudável41. Dados comprovam que as ações do SUS não possuem relação direta com a baixa renda do município e de suas microrregiões22. Destaca-se que baixo nível de desenvolvimento de uma população não reflete necessariamente escassez de recursos financeiros, pois se fosse assim, todas as carências de um município estariam sanadas a partir de seu crescimento42,43.
De acordo com os resultados encontrados referentes ao PAI, em que a renda constitui fator explicativo importante como variável socioeconômica na fratura de fêmur dos idosos, apesar de não se poder atribuir por si só a relação direta, supõe-se que o crescimento e o desempenho econômico contribuem de modo decisivo para o bem-estar e saúde da população idosa. Isso pode ocorrer de forma tangível na construção de estrutura física por meio de facilitação de acesso aos ambientes diversos, ou mediante a atenção consolidada sob a forma de informação, esclarecimentos, práticas de promoção de saúde, entretenimento, empoderamento,, entre outros, sendo imprescindível o acesso a esse universo de ações.
Um elevado PIB possibilita a ampliação dos investimentos em saúde por parte do município, amparado legalmente pela emenda Constitucional 29 de 13 de setembro de 2000, que estabeleceu a co-participação da União, dos Estados e dos municípios no financiamento do SUS. A participação da União está vinculada ao desempenho do PIB e os municípios destinam parcela de receitas provindas do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) às ações e serviços públicos em saúde44.
O posicionamento dos municípios nos diferentes grupos do PAP manifesta a relação atividade econômica (PIB) e o número de habitantes. Sendo assim, uma maior população relativa à geração de riqueza pulveriza-se colocando municípios de maior porte e mais ricos em posição inferior nos grupos45. Ultrapassado determinado nível de PIB per capita, a forma da distribuição de riqueza torna-se mais importante para explicar a situação de saúde da população46. Esta constatação remete a Preston37, que afirma que em níveis mais elevados de rendimento, suplantado determinado limite, há pouca correspondência entre expectativa de vida e renda nacional47–49.
A coesão social e participação política são fatores que exercem impacto sobre a situação de saúde da população. Grandes iniquidades de renda causam baixos níveis de coesão social e baixa participação política, provocando menor investimento em capital humano e em redes de apoio social, considerados elementos primordiais para a promoção e proteção da saúde46. Da mesma forma, a associação entre governança democrática e saúde sugere que a organização política das sociedades pode ser um importante determinante a montante da saúde da população50.
Os municípios com moderada ET além de possuírem maior proporção de idosos, provavelmente, acabam recebendo o contingente populacional de cidades metropolitanas vizinhas de menor porte, em busca de tratamento de saúde. Ao mesmo tempo, nessas localidades encontra-se a maior concentração idosos longevos em números absolutos (acima de 80 anos)33. O aumento na longevidade da população desencadeia a progressão do número de fraturas cada vez mais expressivo51 de forma que quanto maior a idade do paciente, maior é o risco de fraturas.
O perfil da assistência à fratura de fêmur em idosos no Estado do Paraná está associado à produção de riquezas, representada pelo PIB municipal idosos e pelo PIB per capita, induzindo ao entendimento de que fatores econômicos têm significativo papel na saúde da população, em especial, dos idosos. Em relação à eficiência do tratamento das fraturas de fêmur, há indicativos de que a presença de idosos longevos exerce influência sobre o fator.