On-line version ISSN 1982-0194
Acta paul. enferm. vol.30 no.2 São Paulo Mar./Apr. 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0194201700028
A feminização do HIV traz entre seus agravantes o aumento do risco da transmissão vertical (TV). Atualmente, no Brasil, esse é o principal meio de infecção pelo HIV em menores de 13 anos com 99,6% dos casos, sendo a taxa de transmissão vertical de 7,5% nos anos de 2003 e 2004.(1)Diante disso, o Ministério da Saúde (MS) preconiza um conjunto de medidas a serem realizadas no pré-natal, parto e puerpério de mulheres soropositivas que, quando implementadas em sua totalidade, reduzem a taxa de Transmissão Vertical do HIV (TV-HIV) a quase zero.(1,2)
Apesar da alta eficácia da profilaxia para a redução da TV, estudos apontam diversos fatores que a dificulta: o diagnóstico tardio da infecção na gestação; a não realização do aconselhamento e orientações a todas as mulheres durante o pré-natal; a qualidade da assistência que permanece aquém da desejada; o conhecimento, por vezes, deficiente dos profissionais, bem como o conhecimento deficiente por parte das gestantes em relação às medidas preventivas.(3-6)
Nesse contexto, a carência de atividades educativas participativas e dialogadas direcionadas às gestantes e puérperas soropositivas por parte dos profissionais de saúde aliada a falhas quanto ao conhecimento das mesmas referentes ao HIV repercutem negativamente na vulnerabilidade do binômio mãe-filho. Contudo, estudos mostram que a educação em saúde é meio eficaz para a profilaxia da TV.(6)
Dessa forma, ao perceber a necessidade da utilização de uma tecnologia durante as práticas educativas do enfermeiro nessa temática, realizou-se ampla busca nas bases de dados especializadas e nenhuma publicação que mencionasse a construção ou utilização de material educativo impresso, como cartilhas, visando à prevenção da TV-HIV foi encontrado.
Assim, este estudo é relevante por ser o primeiro a elaborar uma cartilha educativa, a qual tem a intenção de direcionar, padronizar, sistematizar e dinamizar as ações de educação em saúde na abordagem à prevenção da TV-HIV. Logo, o objetivo deste estudo foi descrever o processo de construção e validação de cartilha para prevenção da TV-HIV.
Pesquisa metodológica desenvolvida a partir das seguintes etapas: 1. levantamento bibliográfico; 2. elaboração do material educativo e 3. validação do material por especialistas no assunto e representantes do público-alvo.(7)
Na etapa 1 realizou-se diagnóstico situacional por meio de entrevista informal com cinco gestantes HIV+ atendidas no pré-natal de alto risco de um hospital de referência em Fortaleza-CE, Brasil, com o objetivo de investigar as principais dúvidas destas acerca dos cuidados necessários para prevenção da TV-HIV e verificar os déficits de conhecimento das mesmas. Posteriormente, guiada pela demanda de informações demonstradas pelas mulheres, procedeu-se à busca das principais publicações do MS acerca dos cuidados que as mães devem ter para a prevenção da TV-HIV. Durante a busca, utilizaram-se os descritores “transmissão vertical do HIV” e “HIV”. Todas as publicações dentro da temática passaram por leitura reflexiva, a fim de extrair o máximo de informações relevantes para a cartilha.
Na etapa 2 foram elaborados os textos de forma clara e sucinta, abordando em seu conteúdo os cuidados para a prevenção da TV desde o pré-natal, parto e puerpério. Posteriormente, foi consultada especialista em desenho para confeccionar as figuras de modo atrativo, de fácil compreensão e condizentes com o contexto cultural do público-alvo. Os programas utilizados para confecção das ilustrações foram o Corel Draw Essentials para desenhar, o Adobe Photoshop para colorir, e, por fim, a diagramação da cartilha e configuração das páginas no Adobe Indesign.
Nessa etapa foram utilizadas as orientações relacionadas a linguagem, ilustração e layout que o profissional de saúde deve considerar para elaborar materiais educativos impressos de modo a torná-los legíveis, compreensíveis, eficazes e culturalmente relevantes, de acordo com o padrão de especialistas na área.
A etapa 3 visa à avaliação do material educativo. Dessa forma, a validação da cartilha se deu mediante a análise dos juízes especialistas no assunto, no intuito de validar o material quanto à aparência e conteúdo, e do público-alvo, realizando a validação de aparência.
Nessa etapa, a pesquisadora submeteu a cartilha a juízes considerados especialistas no conceito em estudo. Foram selecionados nove juízes, conforme sugerido por diversos autores,(8-12) e a seleção se deu por meio da amostragem de rede ou bola de neve.(13)Os juízes identificados por esse tipo de amostragem e que atendessem aos critérios pré-estabelecidos adaptados da literatura consultada,(14)foram convidados a participar do estudo.
A validação de aparência pelo público-alvo foi realizada por gestantes e puérperas HIV+, em duas maternidades de referência de Fortaleza-CE. Foram selecionadas 30 mulheres,(15) sendo 23 gestantes e 7 puérperas.
Os critérios de inclusão foram: as gestantes e puérperas serem HIV+; as gestantes estarem realizando pré-natal ou as puérperas estarem no alojamento conjunto das instituições durante o período de coleta; e terem idade superior a 18 anos. O critério de não-inclusão foi a mulher apresentar estado de saúde físico ou mental comprometido de modo a inviabilizar a avaliação da cartilha. As gestantes HIV+ foram selecionadas por conveniência durante o período de coleta de dados e as puérperas foram captadas aleatoriamente nas maternidades do estudo.
Para a coleta de dados, foram utilizados dois instrumentos: o primeiro direcionado aos juízes especialistas e o segundo ao público-alvo. Ambos foram adaptados do instrumento proposto em literatura anterior.(16) O instrumento dos juízes foi dividido em duas partes: a primeira contém os dados de identificação do juiz e a segunda contém as instruções de preenchimento do instrumento e os itens avaliativos da cartilha, totalizando 52 itens distribuídos em sete aspectos avaliativos, sendo dois de conteúdo (Exatidão científica e Conteúdo) e os cinco restantes de aparência (Apresentação literária; Ilustrações; Material suficientemente específico e compreensivo; Legibilidade e características da impressão e Qualidade da informação).
O instrumento direcionado ao público-alvo foi também dividido em duas partes: a primeira contém dados sociodemográficos e gineco-obstétricos das gestantes e puérperas e a segunda traz as instruções de preenchimento do questionário, bem como os itens avaliativos da cartilha, totalizando 41 itens distribuídos nos mesmos cinco aspectos avaliativos de aparência apresentados aos juízes.
Quanto à validade de conteúdo da cartilha, foi utilizado o Índice de Validade de Conteúdo (IVC).(17)Esse método emprega escala tipo Likert com pontuação de um a quatro e baseia-se nas respostas dos juízes com relação ao grau de relevância de cada item, assim, estes poderiam ser classificados como: (1) irrelevante, (2) pouco relevante, (3) realmente relevante ou (4) muito relevante. Para adequar-se ao instrumento de coleta de dados deste estudo, equiparou-se o grau de relevância ao grau de concordância entre os juízes: (1) discordo totalmente, (2) concordo parcialmente, (3) concordo e (4) concordo totalmente.
Para avaliar a cartilha como um todo, utilizou-se uma das formas de cálculo recomendada por pesquisadores da área,(18) na qual o somatório de todos os IVC calculados separadamente é dividido pelo número de itens do instrumento. Como a cartilha foi validada por nove especialistas, a literatura recomenda ponto de corte do IVC de 0,78.(9)Quanto à validade de aparência realizada tanto pelos juízes quanto pelo público-alvo, foram considerados validados os itens que obtiveram nível de concordância mínimo de 75% nas respostas positivas.(11)
O estudo foi aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa das instituições onde a pesquisa foi realizada, sendo assegurado o cumprimento às recomendações da Resolução Nº 466/12, recebendo pareceres favoráveis (parecer nº 336.923 e parecer nº 375.301).
Os resultados estão apresentados em duas etapas distintas: construção da cartilha e validação da cartilha.
O primeiro passo da construção da cartilha correspondeu ao levantamento de conteúdo. Assim, realizou-se busca das publicações do MS que tratassem dos cuidados que as mães devem ter para prevenção da TV-HIV, sendo utilizadas 15 publicações existentes.
O conteúdo abordado na cartilha foi organizado em nove domínios com os seguintes subtítulos: Apresentação; O que é HIV?; Como descobrir se você tem HIV?; Como se transmite o HIV da mãe para o filho?; Página introdutória dos cuidados; Cuidados no pré-natal para prevenção da transmissão vertical do HIV; Cuidados no parto para prevenção da transmissão vertical do HIV; Cuidados após o nascimento da criança para prevenção da transmissão vertical do HIV; Fechamento da cartilha.
No segundo passo, realizou-se a elaboração textual, seguido da confecção das ilustrações e finalizou-se com a diagramação. Buscou-se aliar conteúdo rico em informações, porém objetivo, visto que materiais muito extensos tornam-se cansativos, e com linguagem acessível a todas as camadas sociais e níveis de instrução.
A cartilha foi elaborada em tamanho de papel A5 (148x210 mm) constituído em sua versão pré-validação por 20 páginas. Ao concluir a diagramação, a pesquisadora enviou essa versão da cartilha para impressão e enviou aos juízes especialistas, com vistas à validação de aparência e conteúdo. A versão final da cartilha obteve como título “Como prevenir a transmissão do HIV de mãe para filho? Fique por dentro!”. A Figura 1 apresenta a capa, diagramação e personagens da cartilha.
Nesta etapa, a cartilha foi avaliada por juízes especialistas e pelo público-alvo. Inicialmente, foram selecionados nove juízes, sendo seis enfermeiras do sexo feminino, e três médicos do sexo masculino. A idade dos juízes variou de 29-55 anos (M=41, DP=±7,6 anos). Dos 9 juízes selecionados, 2(22,2%) tinham o título de pós-doutorado na área, 4(44,4%) apresentavam doutorado na temática e 1(11,1%) doutorado na área relacionada com validação de instrumentos, 1(11,1%) havia título de mestre e 1(11,1%) de especialista.
No processo de validação da cartilha quanto ao conteúdo e aparência pelos juízes, os aspectos relacionados a “1. Exatidão científica” e “2. Conteúdo” foram validados a partir do cálculo do IVC. Os demais aspectos foram avaliados conforme a validade de aparência da cartilha a partir do nível de concordância entre os juízes.
“Exatidão Científica” obteve IVC igual a 0,78. Enquanto o “Conteúdo” obteve IVC de 0,96, indicando ótimo nível de concordância entre os especialistas nesse aspecto. O IVC global da cartilha foi de 0,87, considerando-se, a cartilha validada quanto ao conteúdo.
Apesar de o IVC global ter-se mostrado bom (0,87), o aspecto avaliativo da cartilha “Exatidão Científica” obteve IVC limítrofe (0,78), pois dentre os itens avaliados nesse aspecto (se os conteúdos abordados estão de acordo com o conhecimento atual; se as orientações apresentadas são as necessárias e foram abordadas corretamente; e se os termos técnicos estão adequadamente definidos) dois dos nove juízes concordaram parcialmente com os itens. As sugestões dos mesmos foram analisadas conforme a literatura pertinente e foram feitas as devidas correções.
Para a validação de aparência da cartilha foi calculado o nível de concordância dos juízes para os cinco aspectos avaliativos do instrumento. De acordo com a Figura 2 (A), o nível de concordância entre os especialistas foi elevado, variando de 91,1% a 100%, níveis superiores ao mínimo estabelecido de 75%, o que valida a cartilha também quanto a aparência.
Figura 2 (A). Nível de concordância entre juízes por aspectos avaliativos de aparência. (B). Nível de concordância entre representantes do público-alvo por aspectos avaliativos de aparência
A partir dos elevados níveis de concordância e de um bom IVC global, percebe-se que os juízes assinalaram na grande maioria dos 52 itens avaliativos do instrumento as opções 3 (concordo) e 4 (concordo totalmente). Porém, alguns especialistas mesmo avaliando bem os itens, fizeram sugestões para melhoria da cartilha tanto em relação à aparência quanto ao conteúdo, como: reformulação do título da cartilha; substituição ou exclusão de termos técnicos; reformulação de ilustração; simplificação e reelaboração de frases, dentre outros. Essas propostas foram analisadas e acatadas (Quadro 1). Ao final da validação de aparência e conteúdo pelos juízes, foi contatada a desenhista e implementadas as sugestões. A versão pós-validação ficou com 28 páginas.
Quadro 1 Algumas modificações realizadas na cartilha a partir das sugestões dos juízes e opinião das gestantes e puérperas HIV positivas quanto à cartilha por unidades de sentido
Sugestões dos juízes | Modificações realizadas |
---|---|
Reformulação do título | Substituído o título para “Como prevenir a transmissão do HIV de mãe para filho? Fique por dentro!”. |
Substituição/ exclusão de termos técnicos | Substituída “mulheres contaminadas pelo HIV” para “mulheres com HIV”; Substituída “idade fértil” por “idade reprodutiva”; Substituída “transmissão” por “passagem”; Retirou-se os termos “teste convencional” e “teste rápido”, substituindo por “exame de sangue na veia” e “com uma gota de sangue do dedo”, respectivamente; Substituição do termo “fórmula láctea” por “leite em pó; Excluído termo “periódico” de “exames periódicos”. |
Reformulação de ilustração | Reformulada figura do HIV, colocando o nome HIV dentro do vírus para facilitar o entendimento; Reformulada figura da camisinha; Reformulada figura dos tipos de parto; Retirada figura da mulher amamentando e um “X” vermelho, indicando não poder ser realizada tal prática e substituída por figura da mãe com as mamas enfaixadas, administrando o leite artificial com copinho e corações ao redor, demonstrando o amor entre ambos. |
Simplificação de frase | Frases modificadas para: “HIV é o vírus causador da Aids, doença que ataca o sistema de defesa do organismo” e “Com o tratamento adequado, as pessoas com HIV podem viver anos sem desenvolver a Aids”; Retirado parte do trecho “...dependendo da quantidade de HIV no sangue materno e da indicação obstétrica, de acordo com a avaliação do obstetra e do infectologista”. A frase ficou da seguinte forma: “O parto poderá ser normal ou cesárea dependendo da quantidade de HIV no sangue materno e da indicação médica”. |
Substituição de expressões | Substituído o “não dever” por “não é recomendado” na frase: “Não é recomendado a mãe com HIV amamentar seu filho. O HIV está presente no leite materno”. Substituída a palavra “diminuir” por “impedir” na frase: “Para impedir a produção de leite das mamas, pode ser indicado enfaixar as mamas ou tomar uma medicação recomendada”. |
Unidade de sentido | Opiniões das gestantes e puérperas |
Promoção do conhecimento | “Gostei de tudo na cartilha, promove um alto conhecimento” (gestante 1). |
Conteúdo da cartilha | “A cartilha é bem atrativa e tem as informações que precisamos saber” (puérpera 7). |
Clareza | “A cartilha é clara, explicativa, ótima. Só quem tiver dificuldade de interpretar que não entende, pois ela é muito simples” (gestante 2). |
Formato e ilustrações da cartilha | “O tamanho é bom, pequeno e discreto. Gostei de tudo, acho que não tem nada a ser adicionado” (gestante 2). “Gostei bastante, principalmente das figuras” (puérpera 3). |
Aspecto psicossocial | “Gostei muito, pois mostra a mulher com HIV sorrindo, mostrando que podemos ser felizes com o nosso filho” (gestante 14). |
Autocuidado e cuidado com o filho | “Me fez entender um pouco mais dessa doença e cuidar melhor do meu filho para não ficar doente” (gestante 19); “Tem informações importantes para eu me cuidar melhor” (puérpera 2). |
Quanto à validação de aparência pelas representantes do público-alvo, a maioria (66,7%) concentrou-se na idade entre 21-30 anos (M=28,97; DP=±4,93). Quanto à escolaridade, verificou-se que metade das participantes tinha de 0-8 anos de estudo. As mulheres responderam aos 41 itens do instrumento de avaliação do material educativo distribuídos nos cinco aspectos avaliativos de aparência, assinalando “sim”, “não” ou “em parte”. A partir dessa avaliação, pôde-se verificar o nível de concordância mínimo nas respostas positivas das mulheres para cada um dos cinco aspectos avaliativos (Figura 2(B)).
De acordo com a figura 2(B), todos os cinco aspectos avaliativos de aparência alcançaram nível de concordância bastante superior ao mínimo estabelecido para ser validado (75%), indicando excelente nível de concordância entre as gestantes e puérperas com HIV, considerando-se a cartilha validada quanto à aparência também pelo público-alvo.
Destaca-se que, dos 41 itens avaliados pelas 30 mulheres, houve apenas três(0,24%) respostas assinaladas como “Não” e sete(0,57%) como “Em parte”, ratificando o nível de aceitação e de respostas positivas durante a avaliação do material educativo. As mulheres foram solicitadas, ao final da avaliação, a emitirem suas opiniões acerca da cartilha em geral. O quadro 1 mostra uma síntese desse resultado.
No processo de validação de conteúdo e aparência da cartilha, foram incluídas as contribuições dos juízes especialistas e representantes do público-alvo. Apesar de o IVC global ter-se apresentado satisfatório no estudo (0,87), os juízes realizaram sugestões de mudanças relevantes para a melhoria da cartilha. Ademais, grande parte dos juízes concordou com a aplicabilidade do material educativo para a prática clínica do enfermeiro. Outros estudos que validaram materiais educativos impressos também utilizaram o IVC para validar o conteúdo do material em estudo e precisaram passar por ajustes até que se alcançasse a versão final validada, o que demonstra a importância de se realizar essa etapa para a elaboração de um material de qualidade.(11,19)
Esse processo de adaptação do material educativo às sugestões dos juízes é uma etapa essencial para tornar a tecnologia mais completa, de maior rigor científico e eficaz durante a atividade de educação em saúde. Essa etapa é referida também por outros estudos como de grande relevância para aperfeiçoamento do material a ser validado, nos quais, da mesma forma, foram sugeridas a reformulação e a exclusão de informações, substituição de termos, além da reformulação das ilustrações.(19,20)
A partir da elaboração de materiais educativos de qualidade, viabiliza-se a realização de intervenções educativas pautadas em saberes estruturados e informações direcionadas à clientela. No contexto da TV-HIV, tais intervenções são necessárias para se desenvolver comportamentos positivos e aumentar a adesão à profilaxia, além da necessidade de maior envolvimento do profissional com a educação em saúde e a clientela.
O estabelecimento de relações humanas é imprescindível em se tratando da TV-HIV, pois apoiar uma mulher soropositiva não envolve somente um conjunto de técnicas. O enfermeiro precisa compreender as práticas relacionadas à redução da TV-HIV de forma integral.(21) Deve-se estar disponível para o diálogo e entrosado com as questões de gênero, sexualidade e de saúde reprodutiva, sem perder de vista, as dimensões éticas, sociais e culturais que normatizam a vida das mulheres HIV+. Assim, as decisões e desejos dessas devem ser discutidos no atendimento, visando proporcionar às mulheres informações adequadas sobre as recomendações mais seguras para o planejamento familiar, sobre os cuidados necessários durante a gestação, parto e puerpério, além do respeito de seus direitos como cidadãs.(22)
Ressalta-se, ainda, a importância da multidisciplinaridade dos juízes que avaliaram a cartilha. A avaliação por profissionais de diferentes áreas é a ocasião em que realmente se pode dizer que o trabalho está sendo feito em equipe, valorizando as opiniões e enfoques diversos sobre o mesmo tema. A construção de materiais educativos é também uma oportunidade para uniformizar e oficializar as condutas no cuidado ao paciente, com a participação de todos.(7,20)
O público-alvo também avaliou de forma positiva a cartilha, considerando-a importante para promoção do conhecimento, com conteúdo rico aliado à clareza, formato adequado e ilustrações explicativas. Além disso, foi mencionada a relevância da cartilha para favorecer alguns aspectos psicossociais, como a felicidade e melhoria da qualidade de vida, além de promover o autocuidado e o cuidado com o filho.
As sugestões dos juízes relativas ao esclarecimento da importância de serem realizados determinados cuidados foram essenciais para fortalecer a autonomia das mulheres a partir da aquisição de conhecimentos melhor fundamentados. Espera-se orientar devidamente as mães que convivem com HIV/Aids e torná-las agentes do cuidado dos seus filhos expostos ao HIV. Essa orientação, entretanto, deve permitir que essas mulheres se tornem protagonistas da sua própria existência, mediante maior autonomia para o desempenho seguro do cuidado dispensado aos seus filhos, bem como a si mesmas, obtendo mais qualidade de vida.(23)
A partir da opinião emitida pelas mulheres percebe-se o estigma que permeia a condição de ser HIV+. Fica evidente também a necessidade de apoio psicológico e de maior atenção durante as atividades educativas, visto que os fatores psicossociais estão fortemente presentes em relação à aceitação da infecção, interferindo consequentemente no autocuidado e no cuidado do filho.
A mulher HIV+, por se saber portadora de doença letal, convive com sentimentos angustiantes, como o medo, a vergonha, a ansiedade e a depressão. Associados a todos esses sentimentos, vivenciam o estigma, o preconceito, o isolamento, o abandono, experiências inerentes à revolta e indignação, sofrimento, além do medo da morte. Ressalta-se a importância do apoio familiar, como fator importante ao viver com a doença.(24)
Validar o material educativo com representantes do público-alvo é uma atitude necessária e um ganho importante para o pesquisador e equipe envolvida. É um momento em que se dá conta do que realmente está faltando, do que não foi compreendido e da distância que existe entre o que se escreve e o que é entendido e como é entendido.(7)
Como limitação deste estudo, pode-se citar a não validação por especialista da área de comunicação. Tendo-se concluído a construção e validação da cartilha, o estudo não termina aqui, ressalta-se que a cartilha passará por atualizações contínuas mediante o progresso científico e tem-se a intenção de levar o material validado para uso nos serviços especializados e de se realizar pesquisas futuras para avaliar a sua eficácia no alcance da implementação das medidas para a redução da TV-HIV. Enfatiza-se, por fim, a necessidade do apoio dos órgãos governamentais para a reprodução, divulgação e ampla distribuição deste material nos serviços de saúde, em diferentes mídias, além da versão impressa.
Foi alcançado o objetivo do estudo de descrever a construção e validação da cartilha educativa para prevenção da TV-HIV, sendo esta a primeira a ser desenvolvida dentro da temática. A cartilha foi validada do ponto de vista de aparência e conteúdo pelos juízes e validada quanto à aparência pelas representantes do público-alvo, devendo-se, assim, ser considerada no contexto das atividades educativas como um instrumento capaz de favorecer as medidas preventivas para a TV-HIV. Acredita-se que o uso deste material com mulheres HIV+, desde o período pré-concepcional até o pós-parto, facilitará a prática da Enfermagem baseada em evidências, tendo em vista que se constitui em uma tecnologia ilustrada capaz de favorecer o diálogo entre profissionais e mulheres, facilitar a aquisição de conhecimentos por parte destas, memorização dos cuidados necessários à prevenção da TV-HIV, proporcionar o empoderamento das mulheres, bem como um meio de padronizar as orientações dadas pelos profissionais.(25,26)