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Devemos utilizar escores prognósticos para tromboembolia pulmonar aguda na prática clínica?

Devemos utilizar escores prognósticos para tromboembolia pulmonar aguda na prática clínica?

Autores:

Marcelo Basso Gazzana,
Igor Gorski Benedetto

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.45 no.1 São Paulo 2019 Epub 28-Fev-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20190036

A tromboembolia pulmonar (TEP) aguda é uma doença potencialmente fatal, cuja incidência vem aumentando nos últimos anos, embora a letalidade esteja reduzindo, possivelmente devido à melhora das estratégias de diagnóstico e de tratamento.1 Nesse contexto, sabe-se que estabelecer o prognóstico é essencial para o atendimento dos pacientes com TEP aguda.

A estratificação de risco é uma estratégia utilizada há muito tempo em diversos outros cenários de condições agudas ou crônicas agudizadas, tais como no manejo do infarto do miocárdio, do acidente vascular cerebral e da exacerbação da asma. Os objetivos de estratificar os pacientes em grupos de risco são informar os pacientes sobre o curso de sua doença, identificar pacientes de menor risco que possam ter alta precoce ou mesmo tratamento diretamente domiciliar (considerando a facilidade com o uso dos novos anticoagulantes, como o apixabana e o rivaroxabana, que não necessitam ponte com heparina), reconhecer aqueles pacientes de maior risco que necessitem de tratamentos mais agressivos (como trombólise exógena ou embolectomia), selecionar pacientes para estudos clínicos de terapêutica e comparar os hospitais em relação aos indicadores de atendimento ajustados para gravidade.2

Em relação à TEP , o maior preditor de desfecho é a presença de instabilidade hemodinâmica. Entretanto, a maioria dos pacientes é normotensa e representa um grupo heterogêneo, sendo necessárias outras variáveis para estratificar o risco. Embora na prática diária sejam utilizadas preferencialmente as variáveis ecocardiográficas (demonstrando disfunção ventricular direita) e os níveis de biomarcadores (como troponina e peptídeos natriuréticos, evidenciando lesão ou estresse miocárdico), as principais diretrizes sobre TEP recomendam, como etapa subsequente à avaliação do estado hemodinâmico, aplicar escores prognósticos.3,4 Para a construção de um escore há três etapas a serem seguidas: 1) derivação do escore; 2) validação do escore numa população diferente daquela que foi utilizada para derivação; e 3) estudo do impacto clínico desse escore.2

Entre os escores prognósticos, o mais estudado e validado é o Pulmonary Embolism Severity Index (PESI) em sua versão original (11 variáveis e 5 níveis de risco, de I a V) e simplificada (6 variáveis e 2 níveis, risco baixo e risco alto). Esses escores permitem identificar uma população de baixo risco quando o resultado do PESI original é classe I ou II ou PESI simplificado é igual a zero ponto, conferindo uma mortalidade menor que 3% em 30 dias.5,6 A implementação do uso desses escores permite identificar uma população de baixo risco em 45% dos pacientes com TEP e reduzir o tempo de hospitalização, sem necessidade de exames adicionais e sem aumentar o risco de morte, TEP recorrente ou sangramento grave. Os critérios do estudo denominado Hestia complementam a avaliação, estabelecendo questões que devem ser respondidas para considerar tratamento ambulatorial.7 Uma meta-análise de 71 estudos englobando 44.298 pacientes demonstrou a validade e a utilidade dos escores prognósticos em identificar pacientes de baixo risco.8 Considerando esses diversos aspectos, é adequado tratar os pacientes no domicílio com eficiência e segurança.3,9

É importante ressaltar que o PESI tem um alto valor preditivo negativo, porém um baixo valor preditivo positivo.10 Isto significa que o PESI não identifica adequadamente pacientes com risco alto entre aqueles normotensos que necessitam monitorização intensiva e eventualmente tratamentos mais agressivos. Outros escores são mais adequados para essa finalidade, como o Bova (os fatores identificados são pressão arterial sistêmica entre 90 e 100 mmHg, elevação de níveis de troponina, disfunção ventricular direita por ecocardiograma ou tomografia, e frequência cardíaca igual ou maior a 110 bpm; o Prognostic Factors for Pulmonary Embolism, cujos componentes são alteração do estado mental, presença de choque cardiogênico, neoplasia, nível sérico de brain natriuretic peptide (BNP, peptídeo natriurético cerebral) e razão ventrículo direito/ventrículo esquerdo por ecocardiograma); e o Heart-type Fatty Acid-binding Protein, Syncope, and Tachycardia. É recomendado também utilizar uma regra de predição de risco de sangramento intracraniano nos pacientes que irão utilizar trombolítico, considerando o risco-benefício limítrofe naqueles pacientes normotensos com disfunção ventricular direita isolada.11 Na Figura 1 reproduzimos um algoritmo de manejo baseado na estratificação de risco recentemente publicada numa revisão não sistemática.2 É importante ressaltar que essa é uma abordagem prática e elaborada segundo estudos clínicos independentes, mas que não foi validada como estratégia única.

Figura 1 Algoritmo de tratamento baseado na estratificação de risco. PESI: Pulmonary Embolism Severity Index. aPaciente instável: pressão arterial sistêmica sistólica < 90 mmHg ou queda de 40 mmHg por > 15 min, se não causada por nova arritmia, hipovolemia ou sepse; ou choque cardiogênico (redução do débito cardíaco associada a sinais de hipoperfusão tecidual, tais como oligúria, rebaixamento do nível de consciência, redução da perfusão cutânea e acidose lática). bHipotensão leve: pressão arterial sistêmica sistólica entre 90 e 100 mmHg. cO escore Bova inclui, entre outras, variáveis de nível de biomarcadores (troponina) e presença de disfunção ventricular direita (por ecocardiograma ou por angio-TC de tórax). dNesses cenários, usar preferencialmente heparina não fracionada. Adaptado de Morillo et al.2  

No presente número do JBP, Soriano et al.12 publicaram um estudo envolvendo uma coorte histórica unicêntrica para validar o escore PESI nas suas versões original e simplificada em pacientes no Brasil a fim de predizer a mortalidade em 30 dias após um episódio de TEP aguda. Avaliaram retrospectivamente 123 pacientes atendidos no serviço de emergência de um hospital de nível terciário, eminentemente público e de referência para pacientes agudos. Os autores concluíram que o escore PESI prediz a mortalidade em 30 dias, sendo a versão original mais acurada que a versão simplificada. Alguns aspectos devem ser pontuados. A busca dos pacientes foi realizada através da identificação pelo código de Classificação Internacional das Doenças, 10ª versão (CID-10) do diagnóstico principal no momento da alta. Sabe-se que a CID-10 tem uma sensibilidade reduzida para a identificação dos pacientes com TEP aguda.13 É possível que alguns pacientes, sobretudo aqueles de baixo risco, possam não ter sido incluídos no estudo, o que explicaria a elevada proporção de pacientes com síndrome de choque cardiogênico. Outro aspecto a destacar é que o estudo avaliou pacientes que foram hospitalizados por TEP aguda . Não incluiu pacientes que estavam internados por outro motivo e apresentaram TEP aguda ao longo da hospitalização (chamada de embolia pulmonar secundária ou nosocomial). Isso reduz a validade externa dos resultados obtidos.

O relevante estudo de Soriano et al.,12 embora com algumas limitações inerentes a estudos com dados históricos e num centro altamente especializado, é uma evidência de dados nacionais que aproximam os estudos clínicos da prática diária do pneumologista. Enfatiza-se que, em pacientes com diagnóstico estabelecido de TEP aguda, é fundamental estratificar o risco de desfecho desfavorável, sendo que o uso de escores de predição clínica de prognóstico é uma ferramenta útil nesse cenário. Isto permite guiar a terapêutica a ser empregada, embora estudos prospectivos e randomizados com enfoque em manejo (tratamento guiado pela estratificação de risco) sejam necessários para a validação externa e, consequentemente, para a obtenção de maior nível de evidência para atendimento de pacientes com TEP aguda no Brasil.

REFERÊNCIAS

1 Jiménez D, de Miguel-Díez J, Guijarro R, Trujillo-Santos J, Otero R, Barba R, et al. Trends in the Management and Outcomes of Acute Pulmonary Embolism: Analysis From the RIETE Registry. J Am Coll Cardiol. 2016;67(2):162-170.
2 Morillo R, Moores L, Jiménez F. Prognostic Scores for Acute Pulmonary Embolism. Semin Thromb Hemost. 2017;43(5):486-492.
3 Howard LS, Barden S, Condliffe R, Connolly V, Davies C, Donaldson J, et al. British Thoracic Society Guideline for the initial outpatient management of pulmonary embolism. BMJ Open Respir Res. 2018;5(1):e000281.
4 Konstantinides SV, Torbicki A, Agnelli G, Danchin N, Fitzmaurice D, Galiè N, et al. 2014 ESC guidelines on the diagnosis and management of acute pulmonary embolism. Eur Heart J. 2014 35(43): 3033-69, 3069a-3069k.
5 Aujesky D, Obrosky DS, Stone RA, Auble TE, Perrier A, Cornuz J, et al. Derivation and validation of a prognostic model for pulmonary embolism. Am J Respir Crit Care Med. 2005;172(8):1041-6.
6 Jiménez D, Aujesky D, Moores L, Gómez V, Lobo JL, Uresandi F, et al. Simplification of the pulmonary embolism severity index for prognostication in patients with acute symptomatic pulmonary embolism. Arch Intern Med. 2010;170(15):1383-9.
7 Zondag W, Mos IC, Creemers-Schild D, Hoogerbrugge AD, Dekkers OM, Dolsma J, et al. Outpatient treatment in patients with acute pulmonary embolism: the Hestia Study. J Thromb Haemost. 2011;9(8):1500-7.
8 Elias A, Mallett S, Daoud-Elias M, Poggi J, Clarke M. Prognostic models in acute pulmonary embolism: a systematic review and meta-analysis. BMJ Open 2016;6(4):e010324.
9 Aujesky D, Roy PM, Verschuren F, Righini M, Osterwalder J, Egloff M, et al. Outpatient versus inpatient treatment for patients with acute pulmonary embolism: an international, open-label, randomised, non-inferiority trial. Lancet. 2011;378(9785):41-8.
10 Meyer G, Planquette B, Sanchez O. Risk stratification of pulmonary embolism: clinical evaluation, biomarkers or both? Eur Respir J. 2015;46(6):1551-3.
11 Barrios D, Morillo R, Yusen RD, Jiménez D. Pulmonary embolism severity assessment and prognostication. Thromb Res. 2018;163:246-251.
12 Soriano LA, Castro TT, Vilalva K, Borges MC, Pazin-Filho A, Miranda CH. Validation of the Pulmonary Embolism Severity Index for risk stratification after acute pulmonary embolism in a cohort of patients in Brazil. J Bras Pneumol. 2019;45(1):e20170251
13 Zhan C, Battles J, Chiang YP, Hunt D. The validity of ICD-9-CM codes in identifying postoperative deep vein thrombosis and pulmonary embolism. Jt Comm J Qual Patient Saf. 2007;33(6):326-31.