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Diabetes mellitus e acidose tubular renal hipercalêmica: relatos de caso e revisão da literatura

Diabetes mellitus e acidose tubular renal hipercalêmica: relatos de caso e revisão da literatura

Autores:

Carlos Henrique Pires Ratto Tavares Bello,
João Sequeira Duarte,
Carlos Vasconcelos

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.39 no.4 São Paulo out./dez. 2017

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20170086

Introdução

As Acidoses Tubulares Renais (ATR) são formas de acidose metabólica hiperclorêmicas relativamente frequentes. São entidades subdiagnosticadas e pouco compreendidas dada a complexidade dos mecanismos fisiopatológicos envolvidos. Caracterizam-se pela ocorrência de acidose metabólica hiperclorêmica, alterações hidroeletrolíticas (sobretudo nos valores de potássio) na ausência de compromisso significativo da função renal. A taxa de filtração glomerular (TFG) mantém-se relativamente preservada, sendo a disfunção tubular a principal responsável pelas alterações observadas. Existem 3 formas de acidose tubular renal:

  • ATR 1 (ATR distal) - compromisso da excreção distal de hidrogênio.

  • ATR 2 (ATR proximal) - compromisso da reabsorção proximal do bicarbonato filtrado.

  • ATR hipercalêmica - déficit ou resistência à aldosterona (ATR tipo 4 ou hipoaldosteronismo) ou compromisso da reabsorção distal de sódio (ATR dependente de voltagem).

Nas ATR, é o comprometimento da excreção de valências ácidas e/ou da preservação de bicarbonato a nível tubular renal que está na base da acidose.1 Os níveis séricos de potássio variam com o subtipo de ATR, estando elevados apenas na ATR hipercalêmica (incluindo a ATR tipo 4).

A ATR hipercalêmica é uma entidade subdiagnosticada, apesar de relativamente comum. Estima-se que tenha uma incidência de 3.8% na população internada com hipercalemia.2 A sua apresentação clínica é frustre e manifesta-se tipicamente variáveis graus de hipercalemia, acidose metabólica hiperclorêmica sem diminuição significativa da taxa de filtração glomerular. Relembra-se que a hipercalemia secundária ao compromisso da função renal exige que a TFG seja inferior a 15 mL/min/1,73m2.3 A hipercalemia e a acidose metabólica são habitualmente ligeiras (potássio < 6,5 mmol/L e bicarbonato > 17 mmol/L), podendo ser exacerbadas por episódios de lesão renal aguda e/ou iatrogenias medicamentosas.2 Para além dos riscos eletrofisiológicos decorrentes da hipercalemia, desconhecem-se outras consequências da ATR4 em si.

O hipoaldosteronismo e defeitos de voltagem tubular distal são os mecanismos fisiopatológicos propostos como causadores da ATR hipercalêmica.3,4O hipoaldosteronismo pode resultar da redução do estímulo à libertação de aldosterona (hipoaldosteronismo hiporreninêmico), da redução da síntese e secreção de aldosterona (heparina, hiper/hipoplasia congênita da SR, adrenoleucodistrofia) e/ou da resistência de órgão alvo à aldosterona (pseudohipoaldosteronismo).5 Vários estudos com populações diabéticas verificaram que estas apresentava valores de aldosterona e renina inferiores ao esperado, particularmente nos subgrupos com doença renal diabética e neuropatia.

Casos clínicos

Caso 1

Doente de 58 anos, do gênero masculino, com história conhecida de DM tipo 2 com 3 anos de evolução, hipertensão arterial, dislipidemia, doença coronária (submetido à angioplastia e posteriormente bypass), doença renal crônica (DRC) estádio 3bA2 (TFG estimada de 40 mL/min e albuminúria ocasional de 160 mg/g) e doença arterial periférica. Encontrava-se medicado com linagliptina, mononitrato de isosorbida, bisoprolol, ácido acetilsalicílico, alopurinol e rosuvastatina.

O doente foi referenciado à consulta de Endocrinologia por DM tipo 2 em doente com DRC. Clinicamente, apresentava uma pressão arterial de 136/90 mmHg e encontrava-se euvolêmico sem edemas periféricos. Da primeira avaliação analítica disponível, salienta-se uma HbA1c de 6,8%, creatinina de 1,8 mg/dL (TFG estimada por CKD-EPI de 41 mL/min/1,73m2), potássio de 6,5 mmol/L e pH urinário de 5,5. Gasimetricamente, apurou-se acidose metabólica - pH 7.36; HCO3-18 mmol/L; Déficit de bases 7,2, paCO2 32 mmHg, paO2 100 mmHg e hiato aniônico de 9). O gradiente transtubular de potássio (GTTK) encontrava-se diminuído - 3.93. Os valores da renina encontravam-se dentro dos valores de referência (renina 2.4 uU/mL, valores de referência (VR) 1,1-16,5; e aldosterona 6,9 ng/dL, VR 1-16). Realizou eletrocardiograma que não revelou alterações relevantes de novo e, dada a estabilidade clínica e hipoaldosteronismo provável iniciou terapêutica com polistireno sulfonato de cálcio 2 vezes por dia, reforço hídrico oral, furosemida 40 mg/dia em associação a dieta pobre em potássio.

Foi reavaliado 1 semana após, tendo-se assistido a uma melhoria analítica franca - K+ 5,8 mmol/L e HCO3- de 20 mmol/L. Atualmente, 2 anos após a avaliação inicial, o doente encontra-se sob a resina permutadora de íons 2x/dia e furosemida 40 mg por dia, mantendo níveis de potássio controlados (último K+ de 5,6 mmol/L e creatinina de 1,6 mg/dL) sem, no entanto, se verificar normalização do GTTK.

Caso 2

Doente de 56 anos, do gênero masculino, com história conhecida de DM tipo 2 com 6 anos de evolução, DRC estádio 3aA3 (TFG estimada de 47mL/min/1,73m2 e albuminúria 3300 mg/g), hipertensão arterial, dislipidemia, adenoma tóxico tireóideo e doença arterial periférica. Encontrava-se inicialmente medicado com insulina glargina 1x/d (20 unidades ao deitar), pentoxifilina, clopidogrel e perindopril.

Foi encaminhado para a consulta de Endocrinologia por hipertireoidismo primário. Da avaliação analítica inicial, salienta-se hipercalemia (K+ 6,1 mmol/L), creatinina 1,8 mg/dL (TFG 42; habitualmente 47mL/min/1,73m2) e gasimetricamente com pH de 7,35; paO2 90mmHg; paCO2 42 mmHg; HCO3- 23,2 mmol/L; Déficit de bases 2,6; Hiato aniônico de 10. Nesse contexto, suspendeu perindopril e voltou 1 semana depois, tendo feito análises que revelaram persistência da hipercalemia (K+ 6,21 mmol/L), pH urinário de 5,5, GTTK de 0,5 e valores de renina e aldosterona dentro dos valores de referência (renina 2,8 uU/mL, VR 1,1-16; aldosterona 2,2 ng/dL, VR 1-16).

Como estratégia terapêutica, adotou-se então a restrição dietética de potássio, clorotalidona e polistireno sulfonato de cálcio assistindo-se a uma normalização analítica. O IECA não foi reintroduzido. Atualmente, 18 meses após a avaliação inicial, o doente encontra-se com níveis séricos de potássio controlados (ultimo K+ 4,73 mmol/L) e função renal estável (TFG 50 mL/min/1,73m2).

Discussão

O hipoaldosteronismo hiporreninêmico (HH) é a causa mais frequente de ATR hipercaliêmica.6 Surge tipicamente na 6ª-7ª década de vida e é mais prevalente no gênero feminino.7 A maioria dos doentes sofre de diabetes mellitus e na maioria dos casos há um compromisso ligeiro a moderado da taxa de filtração glomerular - entre 30-90 mL/min/1,73m2). O HH cursa com hipercalemia crônica assintomática e em cerca de 50% dos casos com acidose metabólica hiperclorêmica.2 O déficit de renina e perturbações primariamente suprarrenais na síntese de aldosterona estão na base das alterações analíticas observadas, sendo a hipercalemia o que gera e perpetua a acidose metabólica.

Os mecanismos propostos para a diminuição da renina são: hipervolemia (que frena diretamente a libertação de renina); neuropatia diabética autonômica (em que há inibição da conversão de prorenina em renina, redução da resposta adrenérgica a alterações posturais e indução da dessensibilização beta-adrenérgica, afetando dessa forma o funcionamento do aparelho justaglomerular) e déficit de prostaglandinas (nomeadamente da prostaciclina, cujo déficit condiciona uma hipossecreção de renina e um compromisso da conversão de prorenina em renina). A acidose metabólica resulta do compromisso da amoniogênese e é em parte mediada pela hipercalemia.5

O diagnóstico assenta na confirmação de hipercalemia (K+ superior a 5,2 mmol/L) acompanhada por acidose metabólica hiperclorêmica (pH tipicamente normal, bicarbonato entre 17-20 mmol/L e hiato aniônico < 12 mmol/L) na ausência de compromisso significativo da "função renal" (TFG > 30 mL/min/1,73m2) ou de fármacos hipercalemiantes (anti-inflamatórios não esteroides, inibidores do eixo renina angiotensina aldosterona (RAA), inibidores da calcineurina ou suplementos de potássio). O pH urinário é tipicamente inferior a 5,5, refletindo a capacidade distal de acidificação preservada que se revela quando a concentração do tampão urinário (NH4+) para as valências ácidas excretadas está reduzida.

O impacto da hipoaldosteronemia (absoluta e/ou relativa) a nível tubular pode ser avaliado indiretamente com recurso ao gradiente transtubular de potássio (GTTK). Este gradiente revela a capacidade secretória tubular distal de potássio (ducto coletor)5 e calcula-se com a seguinte fórmula:

GTTK=Pota´ssioUrina´rio×OsmolaridadeSe´ricaPota´ssioSe´rico×OsmolaridadeUrina´ria

Na presença de hipercalemia, é fisiologicamente expectável documentar um GTTK superior a 7, que reflete um hiperaldosteronismo compensatório. Na ATR hipercalêmica o GTTK encontra-se inferior a 7.6,8 A sua variação com a terapêutica (por exemplo fludrocortisona) auxilia na distinção entre o déficit e a resistência à aldosterona:

  • Déficit de aldosterona: normalização precoce (2-4h) do GTTK após doses fisiológicas de fludrocortisona (0,1 mg/dia).

  • Resistência à aldosterona: normalização tardia (> 24h) do GTTK após doses suprafisiológicas de fludrocortisona (> 0,1 mg/dia).

Atendendo ao fato que a validade do GTTK tem sido questionada por alguns autores, que consideram que este cálculo assenta em pressupostos incorretos, fórmulas adicionais devem ser empregadas na investigação de casos de hipercaliemia.7

Uma vez que na ATR hipercalêmica há um compromisso da amoniogênese renal, marcadores indiretos da excreção renal de amônia foram desenvolvidos: Hiato aniônico (HAU) e Hiato osmolar urinários (HOU) (Tabela 1).

Tabela 1 Valores de referência (VR) para o hiato aniônico e osmolar urinários em situações fisiológicas sem acidose (coluna dos valores normais), em situações clínicas com acidose metabólica sem ATR hipercalêmica (coluna vr acidose) e valores esperados na presença de ATR hipercalêmica (coluna ATR ↑K+) 

Fórmula Valores normais VR Acidose ATR ↑ K+
Hiato aniônico urinário (Na+U + K+U) - (Cl-U) 20-90 mEq/L < 0 mEq/L > 0 mEq/L
Hiato osmolar urinário OsmU medida - OsmU calculada 80-100 mOsm/kg > 100 mOsm/kg < 100 mOsm/kg

Em doentes sem perturbações funcionais tubulares, a acidose provoca normalmente uma redução do HAU e um aumento do HOU. Estas formulas têm, no entanto, limitações. A determinação do HAU assenta no princípio de que a amônia excretada por via renal se encontra ligada ao cloro. Um aumento da amônia urinária é acompanhado por um aumento do cloro urinário e uma consequente redução do HAU. O HAU é, portanto, um surrogate da amônia urinária.

O HAU é, no entanto, pouco fiável na presença de valores de Na+ urinário inferiores a 25 mmol/L (frequentes em casos de lesão renal aguda prerrenal), perante um aumento da excreção de aníons não medidos (cetoacidose, terapêutica com bicarbonato, D-lactacidemia, intoxicação com tolueno e paracetamol) bem como no período neonatal (fase em que os aníons não medidos são excretados em elevadas quantidades).9

Nestas situações, o HOU poderá ser mais fiável. Este índice baseia-se no fato da amônia integrar os ânions não contabilizados na OsmU calculada. Perante uma acidose metabólica, a amônia urinária aumentaria compensatoriamente, refletindo-se num aumento do HOU. As limitações do HOU incluem situações em que há hiperexcreção de ânions que não se ligam à amônia (álcoois e manitol) e infecções do trato urinário (por bactérias que produzem urease que catalisam a formação de NH4+).9

Adicionalmente, o doseamento de renina e aldosterona são úteis na distinção do mecanismo do hipoaldosteronismo subjacente (Tabela 2).

Tabela 2 Alterações laboratoriais típicas nos diferentes subtipos de atr hipercaliêmica 

Renina Aldosterona
Hipoaldosteronismo hiporreninêmico N/↓ N/↓
Hipoaldosteronismo congênito isolado N/↓
Pseudohipoaldosteronismo (resistência à Aldosterona)

A ausência de nomogramas de aldosterona e renina ajustados ao potássio sérico são limitações à sua valorização analítica nestas situações clínicas, não sendo claros os pontos de corte para a determinação do "inadequadamente normal". Perante à escassez de dados dinâmicos precisos, à excepção do GTTK, assume-se que os valores de referência da renina e aldosterona (ignorando o possível fato de se encontraram no limite superior ou inferior do normal e igualmente negligenciando a sua variação com valores basais) são considerados atualmente como evidência suficiente para a distinção entre a resistência e déficit de aldosterona/renina como causa da hipercalemia. Na Tabela 3 são resumidos os achados laboratoriais da acidose tubular renal hipercalêmica.

Tabela 3 Resumo dos achados laboratoriais típicos da acidose tubular renal hipercaliêmica 

HH PHA
K+ > 5,1mmol/L
pH > 7,3
HCO3- 17-21 mmol/L
TFG 30-90 ml/min/1,73m2
GTTK < 7
HAU > 0 mEq/L
HOU < 100 mOsm/L
Aldosterona N/↓
Renina ativa N/↓

HH: Hipoaldosteronismo hiporreninêmico; PHA: Pseudohipoaldosteronismo; TFG: taxa de filtração glomerular; GTTK: gradiente transtubular de potássio; HAU: hiato aniônico urinário; HOU: hiato osmolar urinário.

As opções terapêuticas são limitadas e visam normalizar calemia e acidose. Diferentes estratégias terapêuticas estão descritas, variando com a gravidade clinico-laboratorial e etiologia subjacente:

Perante uma hipercalemia moderada de novo (K+ 6,5-7,4 mmol/L) ou grave (K+ ≥ 7,5 mmol/L), o doente deverá ser gerido numa unidade de nível 2 para: realização de eletrocardiograma, monitorização eletrocardiográfica, investigação mais aprofundada (confirmação laboratorial da hipercalemia com recurso ao ionograma sérico e urinário e investigação adicional da função renal, hemograma, TSH, osmolaridade sérica e urinária e gasometria arterial.

Mediante necessidade, equacionar-se-á o estudo da aldosterona, renina, cortisol, digoxinemia, ácido úrico (lise tumoral), CK e mioglobina (rabdomiólise)). O tratamento destes casos mais graves exige a correção da causa subjacente, a estabilização membranar miocárdica (gluconato de cálcio) e a instituição de medidas que reduzam os níveis de potássio circulantes via a promoção da entrada de K+ para o meio intracelular (insulina, soro dextrosado, bicarbonato (se acidose) e salbutamol) e/ou espoliação de K+ (resinas permutadoras de íons, furosemida e hemodiálise).10

Em casos de hipercalemia ligeira (K+ 5,2-6,5 mmol/L) sem repercussões eletrocardiográficas, o tratamento em ambulatório com seguimento regular poderá ser equacionado. A estratégia terapêutica dependerá da causa subjacente:

Fármacos hipercalemiantes: Suspensão do fármaco se possível. Caso a terapêutica causadora seja imprescindível (ciclosporina em doentes transplantados por exemplo), utilizam-se resinas permutadoras de íons (polistireno sulfonato de sódio/cálcio 1-3x por dia), diuréticos (de alça ou tiazídicos), dietas pobres em potássio e, em extrema necessidade, fludrocortisona.11

Hipoaldosteronismo hiporreninêmico: Apesar da causa subjacente ser uma carência de aldosterona, o tratamento não consiste necessariamente na fludrocortisona. Uma vez que os doentes afetados sofrem frequentemente de hipertensão arterial, DRC, doença coronária (DAC) e insuficiência cardíaca (IC), a sobrecarga de volume induzida pelos mineralocorticoides seria potencialmente deletéria e contraproducente nestes doentes. Como agravante, nestas situações a terapêutica bloqueadora do eixo RAA (que melhora o prognóstico dos doentes com DRC, IC e DAC) é frequentemente suspensa dado o seu potencial hipercalemiante. Verifica-se, portanto, que os doentes não só ficam "expostos" aos estímulos neurohormonais que geram, perpetuam e agravam a lesão de órgão alvo (ativação do eixo RAA), como também ficam sujeitos a uma sobrecarga ("tóxica") de aldosterona. Como tal, o tratamento com fludrocortisona é tipicamente reservado para casos refratários à terapêutica com diuréticos (de ansa ou tiazídicos), dieta pobre em potássio e resinas permutadoras de íons. A dose de fludrocortisona necessária é geralmente suprafisiológica (0,2 a 1 mg de fludrocortisona/dia), podendo refletir algum grau de resistência à aldosterona possivelmente associada.12

Resistência à aldosterona: A terapêutica com fludrocortisona está recomendada em doses 0,2 a 1 mg/d. Uma exceção interessante é a síndrome de Gordon (pseudohipoaldosteronismo tipo 2), no qual a hipercalemia resulta do compromisso funcional do WNK4 (with no lysine kinase 4) ou ganho funcional do WNK1. As alterações descritas causam ganho funcional do cotransportador Na+-Cl- do túbulo contornado distal reduzindo o Cl- no próprio néfron distal, além de diminuírem a oferta de Na+ para o ducto coletor, provocando um menor gradiente elétrico nesses segmentos do néfron e, consequentemente, uma menor secreção tubular distal de K+. O tratamento óbvio passa pela utilização de diuréticos tiazídicos.12

Ambos os casos descritos representam casos típicos de hipoaldosteronismo hiporreninêmico. Os doentes não revelaram qualquer tipo de manifestação clínica e a nível laboratorial salientou-se a ocorrência de hipercalemia ligeira a moderada, compromisso moderado da função renal e acidose metabólica hiperclorêmica. Constataram-se diferenças nos valores do GTTK, encontrando-se este valor mais próximo do que seria de esperar face à hipercalemia (> 7) no primeiro caso, em provável relação com níveis mais elevados de aldosterona.

No entanto, em ambos, os níveis de aldosterona e renina encontram-se inadequadamente normais face à hipercalemia, revelando-se insuficientes para manter a homeostasia iônica. O perfil hipertensivo com a necessidade de múltiplos fármacos para o controle da tensão arterial, presença de diabetes mellitus tipo 2 e ausência de clínica típica, fazem com que o diagnóstico de insuficiência corticossuprarenal seja pouco provável. A terapêutica com diuréticos e resinas permutadoras de íons revelou-se eficaz no controle da hipercalemia, que por sua vez permitiu a resolução da acidose metabólica e obtenção de estabilidade analítica.

Conclusão

O hipoaldosteronismo hiporreninêmico é uma entidade subdiagnosticada frequente. Manifesta-se com hipercalemia e acidose metabólica hiperclorêmica, na presença de função renal (TFG) relativamente preservada e sem sintomatologia específica associada. Os riscos derivam maioritariamente da magnitude da hipercalemia. É mais prevalente na população diabética com compromisso ligeiro a moderado da função renal (DRC estádio 2-3). O diagnóstico é feito com recurso ao gradiente transtubular de potássio (GTTK) e doseamento da aldosterona e renina plasmáticos. O tratamento tem como objetivo a normalização da calemia e estende-se desde a restrição dietética de potássio, fludrocortisona e resinas permutadoras de íons até à hemodiálise. Dada a escassez de estudos dirigidos e subdiagnóstico, inúmeras dúvidas persistem, designadamente nas consequências a longo prazo (com ou sem terapêutica) e tratamento ideal.

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