versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.103 no.4 São Paulo out. 2014 Epub 12-Set-2014
https://doi.org/10.5935/abc.20140130
Diabetes Mellitus e glicemia de admissão são importantes fatores de risco para mortalidade em pacientes com infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST, mas a contribuição relativa e independente de cada um deles permanece em debate na literatura.
Analisar a influência de diabetes mellitus e da glicemia de admissão na mortalidade de pacientes com infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST submetidos à intervenção coronariana percutânea primária.
Estudo de coorte prospectivo incluindo todos os pacientes com infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST submetidos à intervenção coronariana percutânea primária em um centro terciário de cardiologia no período de dezembro de 2010 a maio de 2012. Foram coletados dados clínicos, laboratoriais e angiográficos, com seguimento clínico de 30 dias após o evento. A análise multivariada dos fatores de risco estudados foi ajustada para as variáveis do escore GRACE.
Dentre os 740 pacientes incluídos, a prevalência de diabetes mellitus relatada foi de 18%. Na análise simples, tanto diabetes mellitus quanto glicemia de admissão foram preditores de mortalidade em 30 dias. Entretanto, após ajuste de potenciais confundidores na análise multivariada, o risco proporcionado pelo diabetes mellitus deixou de ser significativo (risco relativo: 2,41, intervalo de confiança de 95%: 0,76 - 7,59; p = 0,13) enquanto a glicemia de admissão permaneceu como preditor independente de mortalidade em 30 dias (risco relativo: 1,05, intervalo de confiança de 95%: 1,02 - 1,09; p ≤ 0,01)
Em pacientes com infarto agudo do miocárdio com elevação do segmento ST submetidos à intervenção coronariana percutânea primária, a glicemia de admissão foi um preditor independente de mortalidade mais robusto e acurado do que o diagnóstico prévio de diabetes, reforçando o papel importante da resposta inflamatória no desfecho desse grupo de pacientes.
Palavras-Chave: Diabetes Mellitus; Glicemia; Marcadores Biológicos; Infarto do Miocárdio; Intervenção Coronária Percutânea
Diabetes mellitus and admission blood glucose are important risk factors for mortality in ST segment elevation myocardial infarction patients, but their relative and individual role remains on debate.
To analyze the influence of diabetes mellitus and admission blood glucose on the mortality of ST segment elevation myocardial infarction patients submitted to primary coronary percutaneous intervention.
Prospective cohort study including every ST segment elevation myocardial infarction patient submitted to primary coronary percutaneous intervention in a tertiary cardiology center from December 2010 to May 2012. We collected clinical, angiographic and laboratory data during hospital stay, and performed a clinical follow-up 30 days after the ST segment elevation myocardial infarction. We adjusted the multivariate analysis of the studied risk factors using the variables from the GRACE score.
Among the 740 patients included, reported diabetes mellitus prevalence was 18%. On the univariate analysis, both diabetes mellitus and admission blood glucose were predictors of death in 30 days. However, after adjusting for potential confounders in the multivariate analysis, the diabetes mellitus relative risk was no longer significant (relative risk: 2.41, 95% confidence interval: 0.76 - 7.59; p-value: 0.13), whereas admission blood glucose remained and independent predictor of death in 30 days (relative risk: 1.05, 95% confidence interval: 1.02 - 1.09; p-value ≤ 0.01).
In ST segment elevation myocardial infarction patients submitted to primary coronary percutaneous intervention, the admission blood glucose was a more accurate and robust independent predictor of death than the previous diagnosis of diabetes. This reinforces the important role of inflammation on the outcomes of this group of patients.
Key words: Diabetes Mellitus; Blood Glucose; Biological Markers; Myocardial Infarction; Percutaneous Coronary Intervention
O Diabetes Mellitus (DM) é um estabelecido fator de risco para mortalidade em pacientes que apresentam Infarto Agudo do Miocárdio com Supradesnivelamento do Segmento ST (IAMCSST)1-3. A glicemia da admissão, quando elevada, também está diretamente relacionada com mortalidade a curto prazo após IAMCSST4-9, independentemente do diagnóstico prévio de DM10-14 e da terapia de reperfusão utilizada15. A Intervenção Coronariana Percutânea Primária (ICPp), atualmente, é a terapia de reperfusão de escolha em pacientes com IAMCSST quando realizada em tempo hábil e por hemodinamicistas experientes16,17, mas estudos prévios, que analisaram a influência da glicemia de admissão em desfechos após IAMCSST, são escassos ou não representativos da atual prática de cardiologia intervencionista18-20.
A hiperglicemia que ocorre em pacientes com IAMCSST tem fisiopatologia diferente daquela presente em pacientes com DM em condição clínica estável21. As diretrizes mais recentes da Sociedade Europeia de Cardiologia frisam as controvérsias no manejo agudo da glicemia dos pacientes com IAMCSST e apontam para a necessidade de análises mais aprofundadas dessa questão na prática médica contemporânea22. O objetivo deste estudo foi avaliar a influência do DM e da hiperglicemia de admissão na mortalidade a curto prazo em pacientes com IAMCSST submetidos à ICPp.
Estudo unicêntrico de coorte prospectivo que incluiu todos os pacientes com IAMCSST submetidos à ICPp em nossa instituição no período de dezembro de 2010 a maio de 2012. Nosso hospital é um centro de referência terciário de alto volume para cardiologia intervencionista, com realização de aproximadamente 2.500 ICP por ano, sendo a ICPp a estratégia de reperfusão de rotina em pacientes com IAMCSST. Todos os pacientes incluídos assinaram o termo livre de consentimento, e o estudo foi avaliado pelo comitê de ética da instituição. Os autores são os únicos responsáveis pelo desenho e pela condução do estudo, incluindo todas as análises, elaboração, edição do manuscrito e a aprovação de seu conteúdo final. Nenhum financiamento externo foi usado para apoiar este estudo.
Foram considerados para inclusão no estudo os pacientes com IAMCSST hospitalizados em nossa instituição e encaminhados para ICPp pelo médico assistente. Na maioria dos pacientes, este foi o primeiro contato com nossa instituição. IAMCSST foi definido como dor torácica em repouso com duração de mais de 30 minutos associada com (1) elevação do segmento ST > 1 mm em ≥ 2 derivações contíguas do eletrocardiograma, ou (2) novo bloqueio de ramo esquerdo. Os critérios de exclusão foram: dor torácica com mais de 12 horas de duração, idade inferior a 18 anos e recusa do paciente em participar do estudo.
A ICPp foi realizada conforme preconizado na literatura17. Todos os pacientes foram medicados na admissão com 300 mg de ácido acetilsalicílico e 300 a 600 mg de clopidogrel. Heparina não fracionada (60 a 100 U/kg) foi administrada antes da ICPp. Aspectos técnicos do procedimento, como o tipo e número de stents, o uso de dispositivos adjuntos e o uso de glicoproteína IIb/IIIa, ficaram a critério do médico hemodinamicista responsável pela ICPp.
A coleta de sangue para análise laboratorial foi realizada na sala de emergência, antes de seu encaminhamento para a sala de hemodinâmica.
Os pacientes foram acompanhados durante a internação hospitalar e por contato telefônico 1 mês após a alta hospitalar. O fluxo coronário antes e após os procedimentos foi avaliado e descrito conforme o critério Thrombolysis In Myocardial Infarction (TIMI)23. A perfusão miocárdica foi avaliada pelo Blush miocárdico24. Trombose de stent foi definida de acordo com os critérios da Academic Research Consortium (ARC)25. Delta T foi definido como o tempo entre o início da dor torácica e a apresentação no hospital. Tempo porta-balão foi considerado aquele entre a chegada ao hospital até a primeira inflação do balão dentro da artéria relacionada com o Infarto Agudo do Miocárdio (IAM). A definição de DM foi baseada na informação do paciente e no uso de medicações hipoglicemiantes.
Em relação ao seguimento, Eventos Cardiovasculares Maiores (ECVM) foram definidos como a combinação de óbito por todas as causas, novo IAM ou Acidente Vascular Cerebral (AVC). Novo IAM foi definido por dor torácica recorrente com nova elevação de biomarcadores séricos, após a queda inicial da curva natural, com elevação do segmento ST ou novas ondas Q. Revascularização de urgência foi definida tanto como um procedimento de revascularização não planejado nos primeiros 30 dias após o IAMCSST, quanto por ICP ou cirurgia de revascularização do miocárdio para tratamento de isquemia recorrente.
Análise estatística foi realizada com o programa Statistical Package for the Social Science (SPSS), versão 16.0 (SPSS, Inc., Chicago, Illinois). O poder do estudo foi calculado utilizando cálculo de comparação de proporções. Para o tamanho amostral de nosso estudo, o poder para detecção de diferença no desfecho de óbito em 30 dias entre pacientes diabéticos e não diabéticos foi de 82% (teste de Fisher). Variáveis categóricas foram relatadas como frequência e porcentagem. Dados contínuos foram apresentados como média e desvio padrão. As variáveis foram consideradas normais, de acordo com a observação de suas medidas de tendência central, curtose e assimetria nos histogramas de frequência, sendo também considerado o tratamento estatístico utilizado em estudos prévios. Foram utilizados os testes qui-quadrado ou exato de Fisher para comparações entre variáveis categóricas. O teste t foi usado para comparações entre variáveis contínuas. Valor de p < 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.
Análise multivariada com modelos de regressão logística stepwise backwards foi utilizada para identificar preditores independentes de mortalidade cardiovascular 30 dias após alta hospitalar. Inicialmente, foi realizado um modelo incluindo somente DM e o escore GRACE, para avaliar a contribuição do DM na taxa de eventos, corrigido por um escore robusto e que incluiu comorbidades e variáveis clínicas. Após, foi realizada uma segunda análise multivariada, incluindo-se DM, o escore GRACE26,27 e outras variáveis com significância estatística no presente estudo. As variáveis dependentes incluídas neste modelo foram escore GRACE, fluxo TIMI 3 pós-ICP, DM, delta T, glicemia e colesterol.
Durante o período do estudo, 740 pacientes foram submetidos à ICPp durante as primeiras 12 horas após IAMCSST. DM esteve presente em 134 pacientes (18%), e a Tabela 1 compara características de base dos pacientes com e sem DM. Os pacientes com DM eram mais velhos, mais frequentemente mulheres e tinham mais hipertensão, dislipidemia e angina prévia. Tabagismo foi menos comum em diabéticos, mas o uso crônico de aspirina foi mais frequente. Aproximadamente 40% dos infartos foram em parede anterior, não havendo diferença estatisticamente significativa entre os grupos com e sem DM. Os pacientes com DM apresentaram maior Índice de Massa Corporal (IMC) e circunferência abdominal.
Tabela 1 Características clínicas dos pacientes (n =740) conforme presença de diabetes mellitus
Característica | Valor de p | |||
---|---|---|---|---|
(n = 134) | (n = 606) | |||
Idade, anos | 63 ± 11 | 60 ± 12 | < 0,01 | |
Sexo feminino, % | 38 | 29 | 0,04 | |
Raça branca, % | 90 | 87 | 0,43 | |
HAS, % | 80 | 61 | < 0,01 | |
Dislipidemia, % | 47 | 30 | < 0,01 | |
Tabagismo atual, % | 28 | 45 | < 0,01 | |
História familiar, % | 26 | 33 | 0,13 | |
História médica pregressa | ||||
IAM, % | 27 | 20 | 0,06 | |
CRM, % | 5 | 2 | 0,19 | |
IRC, % | 3 | 2 | 0,63 | |
Angina, % | 48 | 36 | 0,01 | |
Uso diário de AAS, % | 41 | 23 | < 0,01 | |
DCE, mL/min/1,73m2 | 86 ± 37 | 87 ± 31 | 0,81 | |
Colesterol total, mg/dL | 192 ± 52 | 204 ± 57 | 0,02 | |
IMC, kg/m2 | 27,6 ± 4,3 | 26,8 ± 4,1 | 0,05 | |
CA, cm | 96 ± 14 | 93 ± 15 | 0,05 | |
PAS, mmHg | 136 ± 32 | 135 ± 29 | 0,86 | |
Delta T, horas | 5,2 ± 5,3 | 4,6 ± 4,3 | 0,12 | |
TPB, horas | 1,7 ± 1,3 | 1,56 ± 1,3 | 0,30 | |
Glicemia de admissão, mg/dL | 253 ± 124 | 143 ± 51 | < 0,01 |
HAS: hipertensão arterial sistêmica; IAM: infarto agudo do miocárdio; CRM: cirurgia de revascularização do miocárdio; IRC: insuficiência renal crônica; AAS: ácido acetilsalicilico; DCE: depuração de creatinina endógena; IMC: Índice de massa corporal; CA: circunferência abdominal; PAS: pressão arterial sistólica; TPB: tempo porta-balão; DM: diabetes mellitus.
Em relação às características laboratoriais, os pacientes com DM apresentaram maior glicemia de admissão e menor nível de colesterol plasmático.
As comparações entre as características angiográficas dos pacientes com ou sem DM foram geralmente similares, mas os pacientes com DM apresentaram taxas mais baixas de escore Blush 3 após o procedimento (57% vs. 69%; p < 0,01). Os stents implantados foram, em sua maioria (99,3%), os convencionais.
Durante o acompanhamento hospitalar, os pacientes com DM apresentaram taxas de arritmia grave ou parada cardíaca (11,5% vs. 7,7%; p = 0,15) e trombose de stent (3,1% vs. 3%; p = 0,96) semelhantes as dos pacientes sem DM, mas a ocorrência de insuficiência renal aguda (8,5% vs. 2,5%; p < 0,01), a necessidade de ventilação mecânica (11,5% vs. 6,5%; p = 0,04) e o desenvolvimento de insuficiência cardíaca congestiva (13,7% vs. 6,5%; p = 0,01) foram maiores nos primeiros. A Figura 1 demonstra os seguimentos de 30 dias conforme a presença de DM. Houve maior incidência de ECVM (20,1 vs. 11,6; p < 0,01) e de óbito (16,4% vs. 7,3%; p < 0,01) nos pacientes com DM.
Figura 1 Desfechos em seguimentos de 30 dias (n = 740) conforme presença de diabetes mellitus (DM). ECVM: eventos cardiovasculares maiores; IAM: novo infarto agudo do miocárdio; Revasc: nova revascularização.
A análise multivariada para o desfecho de mortalidade em 30 dias foi realizada inicialmente somente com as variáveis DM e GRACE, sendo que ambas se mostraram preditoras do desfecho analisado: escore de risco de GRACE (Risco Relativo - RR: 1,048, Intervalo de Confiança de 95% - IC95%: 1,037 - 1,059; p < 0,01) e DM (RR: 1,926, IC95% 1,016 - 3,650; p = 0,04). O modelo completo, com a inclusão de outras variáveis e da glicemia de admissão, está demonstrado na Tabela 2, observando-se que, em um contexto que contemplou variáveis representativas do risco basal do paciente, resultado da ICPp e glicemia de admissão, o DM perdeu a significância estatística. Não obstante, a glicemia de admissão comprovou ser um importante preditor de mortalidade em 30 dias, pois, para cada aumento de 10 mg/dL de glicose, houve um aumento de 5% no RR de eventos (RR: 1,05, IC95%: 1,02 - 1,09; p < 0,01). Avaliamos o ponto de corte da glicemia para predição ótima do desfecho primário por curva ROC (sigla do inglês Receiver Operating Characteristic), identificando o valor de 159 mg/dL com sensibilidade de 63% e especificidade de 68%, com área sob a curva de 0,65 (IC95%: 0,61 - 0,69).
Tabela 2 Análise de regressão logística múltipla para óbito em 30 dias
Preditor | Risco relativo | IC95% | Valor de p |
---|---|---|---|
GRACE | 1,04 | 1,03 - 1,06 | < 0,01 |
TIMI 3 pós-ICP | 0,30 | 0,12 - 0,71 | < 0,01 |
DM | 2,41 | 0,77 - 7,60 | 0,13 |
Delta T | 1,08 | 1,02 - 1,15 | < 0,01 |
Glicemia de admissão* | 1,05 | 1,02 - 1,09 | < 0,01 |
Colesterol total | 0,99 | 0,98 - 1,00 | 0,05 |
*Glicemia de admissão foi incluída no modelo com incrementos de 10 mg/dL.
ICP: intervenção coronária percutânea; DM: Diabetes mellitus.
O presente estudo confirma que o risco de eventos em pacientes diabéticos que apresentam IAMCSST e são submetidos à ICPp é aumentado, e que o DM é um preditor de eventos a curto prazo quando corrigido para diversas comorbidades representadas no escore de risco GRACE26,27. No entanto, quando outras variáveis foram acrescentadas no modelo, principalmente a glicemia de admissão, observou-se que o DM perdeu sua significância estatística no modelo multivariado para predizer mortalidade em 30 dias. Esses resultados demonstram a importância da hiperglicemia de admissão como fator de risco para eventos a curto prazo nesse contexto e sugerem que um percentual significativo do risco proporcionado pelo DM seja mediado pela hiperglicemia de admissão, que é mais comum e mais pronunciada do que nos pacientes sem DM.
A hiperglicemia nos pacientes com DM é causada por resistência à ação da insulina e por diminuição de produção nas células pancreáticas, ao passo que a hiperglicemia de estresse, que ocorre no IAM e em outras doenças agudas graves, é provocada por uma combinação complexa na secreção de hormônios como adrenalina, glucagon, hormônio do crescimento e citocinas. Além de representar um marcador da gravidade da situação clínica, a hiperglicemia de estresse também pode ocasionar dano miocárdico, devido a efeitos adversos, como aumento do estresse oxidativo, ativação plaquetária e disfunção endotelial, com aumento do tamanho do infarto21. Estudos prévios têm demonstrado que a hiperglicemia induz à resposta inflamatória no IAM28, e que sua resolução está associada com normalização desse efeito29. Dois estudos de coorte de pacientes com IAM (com e sem supradenivelamento de ST) demonstraram que a hiperglicemia da admissão foi preditor independente de mortalidade intra-hospitalar30,31, porém não atingiu significância estatística para mortalidade a longo prazo30; a hiperglicemia da admissão ainda demonstrou efeito variável no impacto de mortalidade quando os pacientes eram subdivididos por faixas etárias31. Ademais, análise do estudo CARDINAL demonstrou que o achado de redução da glicemia nas primeiras 24 horas após o infarto se associou com menor mortalidade em 30 dias em pacientes não diabéticos32.
Os pacientes portadores de DM apresentam dano estrutural microvascular e disfunção endotelial difusa, o que contribui para a diminuição da perfusão sanguínea, principalmente em um contexto de hipoperfusão aguda, como o IAMCSST33. No presente estudo, observamos que o percentual de pacientes que obtiveram Blush 3 após o procedimento foi menor no grupo com DM, corroborando esses achados e confirmando estudos prévios34. Mesmo com um escore 3 de TIMI após ICPp, pacientes com DM têm menor resolução completa do segmento ST após colocação do stent, o que também demonstra comprometimento no fluxo microvascular35. Esses achados contribuem para a pior evolução cardiovascular que os pacientes com DM apresentam após o IAMCSST.
Estudos recentes têm sugerido que o DM está associado principalmente a piores desfechos a longo prazo em pacientes com IAMCSST, enquanto que o aumento de risco cardiovascular seria mediado principalmente pela hiperglicemia. Ishihara e cols.18 e Hoebers e cols.19 demonstraram que a hiperglicemia, mas não o DM, está associada a eventos adversos a curto prazo em população com IAMCSST submetida à ICP. Ergelen e cols.20 analisaram a evolução clínica de pacientes com IAMCSST, conforme a combinação entre a presença de DM e a glicemia de admissão: DM com hiperglicemia de admissão, DM sem hiperglicemia de admissão, ausência de DM com hiperglicemia de admissão e ausência de DM sem hiperglicemia de admissão. Observou-se que os pacientes sem DM e com hiperglicemia de admissão apresentam maior risco de mortalidade intra-hospitalar, enquanto que os piores desfechos a longo prazo ficaram com pacientes diabéticos com hiperglicemia de admissão hospitalar. Esses resultados concordam com Kosiborod e cols.7, que, em grande estudo populacional de pacientes com IAM, mostraram que o risco de mortalidade em pacientes com elevada glicemia de admissão é maior em pacientes sem antecedente de DM, quando comparado com os pacientes diabéticos. Esse efeito não se restringe apenas ao contexto do IAMCSST, já que pacientes internados em unidades de terapia intensiva com doenças agudas graves e com hiperglicemia na admissão também apresentaram pior evolução clínica do que aqueles com glicemia menor36.
Nosso estudo reforça as observações descritas acima, já que demonstra que o papel prognóstico desfavorável da hiperglicemia para eventos a curto prazo é mais intenso e independente daquele do DM18. Uma característica importante do nosso estudo é que foram incluídos pacientes não selecionados, consecutivos, e representativos da prática clínica do mundo real. O percentual de paciente diabéticos foi de 18%, o que é semelhante aquele relatados em outros estudos (17 a 21%)2,34,37.
A ausência de medidas de Hemoglobina Glicosilada (HbA1c) pode ser considerada uma limitação deste estudo. Aproximadamente 50% dos pacientes com IAMCSST apresentam alteração no metabolismo da glicose38, e o dado de HbA1c pode ser critério diagnóstico de DM39. Por outro lado, já foi demonstrado que a hiperglicemia de admissão tem um papel prognóstico mais relevante do que HBA1c elevada40, e a HbA1c tem maior significância na predição de eventos a longo prazo do que a curto prazo9,41. A definição utilizada para o diagnóstico de DM (referido pelo paciente) pode ter subestimado o número de pacientes com essa doença, mas é importante ressaltar que o percentual de pacientes com DM incluídos neste estudo foi semelhante ao de relatos anteriores, e a glicemia dos pacientes com DM foi significativamente maior do que aquela dos pacientes sem esse diagnóstico. A avaliação da função ventricular durante a internação ficou a critério da equipe médica assistente, sendo que o protocolo deste estudo não incluiu a coleta rotineira e prospectiva dessa informação. O alto percentual de dados faltantes em relação à essa variável (> 25%) não permitiu sua análise acurada, o que tem sido também uma limitação de outros estudos observacionais incluindo pacientes com IAM submetidos à ICPp.
Esta análise contemporânea com pacientes consecutivos e representativos da prática clínica de um centro terciário em cardiologia intervencionista confirma o risco aumentado de pacientes com DM submetidos à angioplastia primária. Além disso, demonstra o importante papel prognóstico da hiperglicemia na admissão para predição de eventos cardiovasculares a curto prazo, que é independente de várias comorbidades, de outras características clínicas e inclusive do diagnóstico de DM, sendo mais intenso do que este.