versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.46 no.2 São Paulo 2020 Epub 02-Mar-2020
http://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20190179
A tuberculose é um grave problema de saúde pública nas instituições penais brasileiras, atingindo 1.236 casos/100.000 habitantes.1) Em cinco anos, a população privada de liberdade (PPL) do estado do Rio Grande do Sul (RS) cresceu 28%, somando 40 mil presos em 2018. No mesmo período, a prevalência de tuberculose na PPL passou de 1.995 casos/100.000 habitantes para 2.488 casos/100.000 habitantes.2,3
A Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) prevê equipes de atenção básica prisional (EABp) como estratégia para assegurar o direito à saúde da PPL. As EABp integram a Rede de Atenção à Saúde, com a função de qualificar a atenção básica no âmbito prisional e a articulação territorial.4 As atribuições incluem a vigilância epidemiológica efetiva e em tempo oportuno de doenças infectocontagiosas, como a tuberculose.5 No RS, a cobertura das EABp atinge aproximadamente 70% da PPL.6 Coberturas maiores dependem da adesão municipal a PNAISP.
O diagnóstico bacteriológico de tuberculose pulmonar (TBP) é realizado pela identificação de sintomáticos respiratórios (SR) e exames laboratoriais. A PPL é considerada uma população específica, de alta vulnerabilidade. A tosse por duas semanas ou mais classifica o preso como SR. A pesquisa bacteriológica é realizada por baciloscopia direta, cultura para micobactérias, teste de sensibilidade e teste rápido molecular (TRM).7,8
A fim de levantar dados sobre ações de diagnóstico bacteriológico de TBP na PPL atendida pelas 29 EABp do RS, foi enviado por e-mail um questionário eletrônico na plataforma LimeSurvey. Foram solicitados dados referentes ao período entre janeiro e dezembro de 2017. Os dados quantitativos foram analisados por meio do programa IBM SPSS Statistics, versão 23.0 (IBM Corporation, Armonk, NY, EUA). Os valores foram expressos em frequências absolutas e relativas.
A presente pesquisa é um braço do projeto intitulado “Análise da dinâmica de transmissão e das estratégias de controle da tuberculose no contexto prisional do Rio Grande do Sul”, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade de Santa Cruz do Sul, localizada na cidade de Santa Cruz do Sul (RS), sob o protocolo no. 2.170.472, atendendo a Resolução no. 466/2012. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Das 29 EABp, 22 (75,9%) responderam os questionários: 14 (48,3%) no prazo estipulado e 8 (27,6%) após novo contato por e-mail ou telefone. Um total de 15.529 presos, sendo 14.634 (94,2%) homens, estava sob responsabilidade dessas EABp no período estudado, representando 55% da PPL com cobertura de EABp no RS. Dezesseis equipes (72,7%) relataram completude do quadro de profissionais recomendados pela legislação vigente.
As ações de diagnóstico bacteriológico de TBP realizadas pelas EABp em 2017 estão resumidas na Tabela 1. O número de SR identificados (N = 3.516) poderia ser maior, pois a triagem para tuberculose na porta de entrada e a identificação de SR não eram realizadas pela totalidade das EABp. Um estudo realizado em Santa Cruz do Sul, em 2010, identificou uma prevalência de 20,6% de SR na PPL.9
Tabela 1 Ações de diagnóstico bacteriológico de tuberculose pulmonar realizadas pelas equipes de atenção básica prisional (N = 22). Rio Grande do Sul, 2017.
Ações de diagnóstico | EABpa | Ações realizadas, n | |
---|---|---|---|
n | % | ||
Triagem para tuberculose | 14 | 48,3 | 6.379 |
Identificação de sintomático respiratório | 16 | 72,7 | 3.516 |
Baciloscopia de escarro | 18 | 81,8 | 3.637 |
Cultura de escarro | 16 | 72,7 | 2.005 |
Testes de sensibilidade | 10 | 45,5 | 551 |
Testes rápidos moleculares | 3 | 13,6 | 2.239 |
EABp: equipe de atenção básica prisional. aEABp que realizaram as ações de diagnóstico.
Os casos novos diagnosticados, a partir dos exames de baciloscopia, cultura de escarro e TRM, foram somados àqueles que já estavam em tratamento, o que resultou em 463 casos de TBP em 2017, refletindo uma prevalência de 2.981/100.000 habitantes. Estudos prévios relataram prevalências inferiores, que variaram de 1.236/100.000 habitantes na PPL no Brasil a 1.898/100.000 habitantes em prisões do sul do país.1,8,9
A baciloscopia de escarro é o principal exame diagnóstico, com capacidade de detecção de 60% a 80% dos casos de TBP.7 Dezoito (81,8%) EABp relataram estar preparadas para a realização da coleta de escarro. A cultura para micobactérias está indicada para a PPL, independentemente do resultado da baciloscopia, pois aumenta em 30% o diagnóstico bacteriológico de tuberculose.7 Observou-se no presente estudo que 9 EABp (40,9%) seguiam a recomendação. Os principais motivos para que a recomendação não fosse seguida foram desconhecimento, inexistência de fluxo de trabalho e indisponibilidade de referência regional para a realização dos exames. O resultado da cultura confirma a infecção por micobactéria, a identificação da espécie caracteriza a tuberculose, e o teste de sensibilidade demonstra se há resistência aos fármacos de primeira linha utilizados para o tratamento da tuberculose.7
Os TRM para tuberculose estavam disponíveis de forma rotineira em 3 EABp (13,6%), que diagnosticaram 309 casos (70,1%) de tuberculose, sendo responsáveis por 8.040 presos (51,7%). O TRM tem grande relevância para o rápido diagnóstico, início do tratamento, detecção da resistência à rifampicina e aumento da detecção de casos de tuberculose em pacientes com baciloscopia negativa.7) As EABp que dispõem de TRM para o diagnóstico de tuberculose são aquelas que dispõem de estrutura laboratorial e apresentam uma demanda significativa de baciloscopias conforme preconiza o Ministério da Saúde.10
Uma EABp não solicitou exames diagnósticos laboratoriais para TBP. Quatro EABp, de presídios de pequeno porte no interior do estado, não diagnosticaram nenhum caso de tuberculose, sendo que 3 dessas conjuntamente investigaram 23 pacientes, sendo responsáveis por 250 presos (1,6%). De forma geral, 18 EABp (81,8%) desenvolviam ações de diagnóstico bacteriológico de TBP na PPL.
Nessa amostra, 4 EABp (18,2%) relataram questionar o preso sobre a presença de tosse ao ingresso no sistema prisional. A triagem para tuberculose na porta de entrada e a busca ativa periódica de SR são estratégias relevantes para o controle da tuberculose, pois permitem a detecção precoce e a interrupção da cadeia de transmissão da doença.7
As equipes relataram dificuldades no preenchimento do questionário devido a troca frequente ou falta de profissional de referência, falta/inadequação de registros, desconhecimento técnico e falta de protocolos para o desenvolvimento das ações de diagnóstico bacteriológico de TBP, que configuraram limitações do presente estudo.
Os profissionais de saúde também informaram que a efetivação dos fluxos dependia em grande parte dos profissionais da segurança, que o efetivo de trabalhadores era insuficiente para a demanda e que as estruturas físicas eram inadequadas para o atendimento em saúde.
Em suma, identificamos um conjunto de estratégias efetivas para o diagnóstico de TBP nas instituições penais do RS, limitando a carga da doença, seu custo econômico e social, o que diminui a transmissão da doença para a população geral. Entretanto, há necessidade de monitoramento, organização dos fluxos de trabalho, educação permanente e capacitação dos trabalhadores de saúde e da segurança para qualificar ações de diagnóstico realizadas pelas EABp.