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Diagnóstico e tratamento da anafilaxia: há necessidade urgente de implementar o uso das diretrizes

Diagnóstico e tratamento da anafilaxia: há necessidade urgente de implementar o uso das diretrizes

Autores:

Maria Luiza Kraft Köhler Ribeiro,
Herberto José Chong Neto,
Nelson Augusto Rosario Filho

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.15 no.4 São Paulo out./dez. 2017 Epub 07-Dez-2017

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017rw4089

INTRODUÇÃO

A anafilaxia é definida como uma reação de hipersensibilidade generalizada ou sistêmica grave, com risco de morte.(1)Representa uma das mais dramáticas condições clínicas de emergência, tanto pela imprevisibilidade de aparecimento quanto pelo potencial de gravidade de sua evolução.(2)

Mediada por anticorpos da classe imunoglobulina E (IgE), a anafilaxia pode ser desencadeada por inúmeros fatores encontrados no ambiente, como medicamentos, alimentos e venenos de insetos, seguidos por látex e estímulos físicos.(3)Houve aumento na incidência e na prevalência de anafilaxia nas últimas décadas.(4)

A anafilaxia afeta pelo menos dois sistemas, incluindo pele e mucosas (80 a 90% dos casos) e sistema respiratório (70% dos casos), além do trato gastrintestinal e sistema cardiovascular, nos quais é necessária a administração imediata de adrenalina intramuscular (IM) como primeira linha de tratamento para reversão dos sintomas.(3)

Além da reversão do quadro emergencial, é preciso prevenir novos episódios, e orientar pacientes e familiares quanto a ações que evitem um desfecho fatal.

A conduta dos profissionais diante da anafilaxia representa um ponto crucial, e esperam-se dos médicos rápido reconhecimento e manejo apropriado. Com o objetivo de padronizar o atendimento, a World Allergy Organization (WAO) desenvolveu diretrizes para a avaliação e o manejo da anafilaxia.(1)

A despeito de diversas diretrizes organizadas por sociedades de especialidade para o diagnóstico e o manejo da anafilaxia, estudos têm mostrado que o conhecimento de médicos sobre este quadro é divergente nas diferentes regiões avaliadas.

OBJETIVO

Verificar o nível de conhecimento dos médicos quanto ao atendimento da anafilaxia segundo aspectos pesquisados por autores em âmbito internacional.

MÉTODOS

Trata-se de revisão integrativa da literatura médica recente, que abordou o conhecimento dos médicos sobre anafilaxia. Realizamos a coleta dos dados em dezembro 2016, por meio de consultas nas plataformas de pesquisa especializadas em saúde PubMed, que abrange a Medical Literature Analysis and Retrievel System Online (Medline), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Scientific Electronic Library Online (SciELO) e Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS).

Incluímos estudos publicados entre 2012 e 2016, resultantes da busca pelos descritores de interesse. Para a definição destes, procedemos à consulta na classificação dos descritores em Ciências da Saúde (DeCs), sendo selecionados os seguintes termos: “anafilaxia” AND “terapia” AND “conhecimento”, bem como seus respectivos MeSH terms na língua inglesa (“ anaphylaxis ” AND “ therapy ” AND “ knowledge ”).

Foram excluídas publicações que consistiam em relatos de casos, estudos que não avaliavam conhecimento sobre anafilaxia ou que avaliaram outras categorias profissionais que não as da área médica, e guias práticos para o manejo clínico.

Após a leitura dos resumos, compôs-se uma base de dados com os estudos que abordaram aspectos relacionados ao conhecimento dos médicos sobre anafilaxia. A etapa seguinte consistiu na leitura completa dos artigos, que permitiu agrupar os principais pontos abordados pelos autores e comparar os resultados mais relevantes verificados por eles.

RESULTADOS

A busca resultou em 105 artigos na plataforma PubMed, 11 na BVS, 3 na SciELO e 2 na LILACS. Após a aplicação dos critérios de exclusão, permaneceram 16 estudos na base de dados PubMed, 1 na BVS e nenhum nas plataformas SciELO e LILACS. Nesta última, ambas as publicações consistiam em guias voltados ao direcionamento das ações nesta emergência, da mesma forma que em dois dos três achados da base de dados SciELO, sendo o terceiro um relato de caso. Ainda, o único estudo que abordou o conhecimento dos médicos sobre anafilaxia encontrado na BVS tinha duplicidade com PubMed.

Todas as publicações encontradas de acordo com os critérios de busca estavam hospedadas na base de dados PubMed (16 estudos). A metodologia utilizada pelos autores foi predominantemente quantitativa (15 estudos), e apenas uma publicação foi classificada como qualitativa. Os Estados Unidos foram o país com maior número (7), seguido da Turquia (4), conforme mostra a tabela 1 .

Tabela 1 Avaliação do conhecimento de médicos e profissionais da saúde sobre anafilaxia entre os anos de 2012 e 2016 

Autores Composição da amostra Local N
Droste et al.,(5) Médicos da área hospitalar Inglaterra 284
Jacobsen et al.,(6) Paramédicos Estados Unidos 3.537
Kahveci et al.,(7) Residentes em pediatria e medicina da família Turquia 38
Fineman et al.,(8) Médicos especialistas em alergia Estados Unidos 500
Solé et al.,(9) Médicos especialistas em alergia e imunologia e não especialistas 23 países ibero-americanos 510
Desjardins et al.,(10) Médicos especialistas em alergia e não especialistas Canadá 727
Erkoçoğlu et al.,(11) Médicos de Atenção Primária Turquia 297
Baççioğlu et al.,(12) Médicos não alergistas especialistas, clínicos gerais, estudantes de medicina, enfermeiros e paramédicos Turquia 1.172
Grossman et al.,(13) Médicos pediatras em serviço de emergência pediátrica Estados Unidos 620
Manivannan et al.,(14) Análise de prontuários eletrônicos Estados Unidos 202
Wang et al.,(15) Questionário eletrônico (médicos) Estados Unidos e mais 142 países 2.882
Derinoz et al.,(16) Pediatras participantes de dois congressos Turquia 410
Fineman et al.,(17) Qualitativo Estados Unidos -
Altman et al.,(18) Médicos especialistas em alergia e imunologia, emergência, pediatria e medicina de família Estados Unidos 316
Manuyakorn et al.,(19) Análise de prontuários Tailândia 160
Plumb et al.,(20) Médicos recém-formados Reino Unido 78 (2002); 68 (2013)

O achado qualitativo, elaborado por especialistas da American Academy of Allergy, Asthma & Immunology (AAAAI), discutiu o conhecimento atual sobre anafilaxia e ressaltou três pontos negativos no atendimento a este quadro clínico: (1) a complexidade do diagnóstico, (2) a subutilização da adrenalina e (3) a inadequada continuidade no acompanhamento.(17)A análise do conteúdo dos trabalhos quantitativos apontou as principais questões levantadas pelos autores, a saber: (1) tratamento farmacológico de emergência na anafilaxia, (2) prescrição de autoinjetores de adrenalina, (3) conhecimento dos principais sinais e sintomas e (4) observação do paciente após a resolução do quadro anafilático.

Adrenalina como primeira opção de tratamento

Entre os 16 estudos encontrados, 12 verificaram a frequência de uso de adrenalina (epinefrina) pelos médicos, e, desses, 4 apresentaram resultados focados na especialidade de alergia e imunologia.

A opção pela adrenalina como primeira escolha de tratamento para anafilaxia foi referida por frequências que variaram de 81 a 98% em médicos de diversas especialidades nos Estados Unidos,(18)sendo de 93% entre alergistas/imunologistas. Concordante com este número, 97% dos alergistas/imunologistas também referiram o uso de adrenalina como primeira opção em outro estudo norte-americano.(8)Outras duas pesquisas que trabalharam com dados envolvendo alergistas e não alergistas especificaram a via IM na coleta de dados. Em estudo envolvendo 23 países ibero-americanos, incluindo o Brasil, o uso de adrenalina IM foi referido por 71,1% dos especialistas em alergia/imunologia.(9)Ainda, estudo realizado no Canadá verificou que alergistas se apresentaram quase quatro vezes mais propensos a esta conduta farmacológica do que os não alergistas ( odds ratio – OR=3,8; intervalo de confiança de 95% -IC95%: 1,43-10,11).(10)

O estudo canadense acrescentou que médicos idosos foram discretamente menos propensos a recomendar o uso IM (OR=0,98; IC95%: 0,97-0,99), sendo o único a associar idade do profissional e uso de adrenalina IM.(10)Em oito estudos, foram verificados dados sobre médicos não alergistas, e em apenas um destes não se especificou a via IM na questão norteadora. Trata-se de estudo de intervenção, realizado em hospital dos Estados Unidos, que mostrou que apenas 33% dos médicos de um serviço de emergência prescreveriam adrenalina como primeira linha de atendimento – frequência que chegou a 51% após a implantação de uma diretriz no serviço pesquisado.(14)

Os demais apresentaram visível amplitude de resultados. A maior frequência de uso de adrenalina IM foi na Tailândia, onde a análise de prontuários apontou para 93,8% de crianças com anafilaxia tratadas com o medicamento e por esta via,(19)seguida da Inglaterra, que pesquisou dois hospitais, com 79,5% e 75,6% dos médicos, respectivamente, de frequência.(5)

Nos Estados Unidos, 66,9% dos participantes elegeriam adrenalina IM,(13)posicionando-se entre duas amostras analisadas no Reino Unido, de 45%, em 2002, e 74%, em 2013.(20)Por sua vez, 43,3% foi a frequência encontrada por estudo realizado na Turquia, em médicos da Atenção Primária,(11)seguida de paramédicos norte-americanos, com 38,9%.(6)

Frequências inferiores a 30% de uso de adrenalina IM foram verificadas em duas amostras: a primeira obtida na Turquia, composta por especialistas não alergistas, clínicos gerais, estudantes de medicina, enfermeiros e paramédicos, com 29%,(12)e a segunda, estudo já citado que envolveu países ibero-americanos e encontrou 23,8% de médicos não especialistas que referiram eleger adrenalina IM como primeira opção na anafilaxia(9)( Tabela 2 ).

Tabela 2 Adrenalina como primeira escolha para o tratamento da anafilaxia entre médicos especialistas e não especialistas 

Autores Frequência de uso Via de administração País
Especialistas em alergia e imunologia
Fineman et al.,(8) 97,0% Não especificada Estados Unidos
Solé et al.,(9) 71,1% Intramuscular Países ibero-americanos
Desjardins et al.,(10) Alergistas prescreveram adrenalina 3,8 vezes mais do que não alergistas (OR=3,8; IC95%: 1,43-10,11) Intramuscular Canadá
Altman et al.,(18) Entre 93,0% e 98,0% (pediatras e medicina interna, respectivamente) Não especificada Estados Unidos
Não especialistas em alergia e imunologia
Droste et al.,(5) 79,5% e 75,6% (hospitais A e B, respectivamente) Intramuscular Inglaterra
Jacobsen et al.,(6) Paramédicos 38,9% Intramuscular Estados Unidos
Solé et al.,(9) 23,8% Intramuscular Países ibero-americanos
Erkoçoğlu et al.,(11) 43,3% Intramuscular Turquia
Baççioglu et al.,(12) Especialistas não alergistas, clínicos gerais, estudantes de medicina, enfermeiros e paramédicos 29% Intramuscular Turquia
Grossman et al.,(13) 66,9% Intramuscular Estados Unidos
Manivannan et al.,(14) 33,0% e 51,0% (pré e pós-intervenção) Não especificada Estados Unidos
Manuyakorn et al.,(19) 93,8% Intramuscular Tailândia
Plumb et al.,(20) 45% e 74% (em 2002 e em 2013, respectivamente) Intramuscular Reino Unido

Três estudos abordaram o local de aplicação da adrenalina IM. Em dois hospitais ingleses, 31,1% e 43%, respectivamente, optariam pela aplicação no vasto lateral da coxa,(5)frequência superior à de médicos de Atenção Primária da Turquia (28,7%)(11)e de paramédicos dos Estados Unidos (11,6%).(6)

Outra questão investigada por estes se referiu à dose correta da adrenalina; 37,9% e 26,8% de dois hospitais ingleses, respectivamente, acertaram a dose preconizada (0,5mg em adultos),(5)sendo ambos os resultados superiores ao verificado na Turquia, que correspondeu a 16,6%.(11)

O único estudo com análise simultânea medicamento/via/dose corretos verificou que apenas 14,4% dos médicos administrariam adrenalina IM na dose de 0,5mg em adultos em região de vasto lateral da coxa, totalmente de acordo com as diretrizes de atendimento à anafilaxia.(5)

Nos países ibero-americanos, 12,3% e 30,6% dos especialistas e não especialistas, respectivamente, afirmaram administrar adrenalina apenas em pacientes em choque.(9)

Prescrição de auto injetores de adrenalina

Seis estudos verificaram a relação dos médicos com a adrenalina autoinjetável, sendo quatro realizados nos Estados Unidos, um na Turquia e um na Tailândia. A frequência de prescrição desta estratégia variou de 39,2% a 100% dos profissionais pesquisados, sendo visivelmente superior entre os especialistas ( Tabela 3 ).

Tabela 3 Frequência de prescrição de autoinjetores de adrenalina 

Autores Frequência de prescrição de autoinjetores de adrenalina País
Fineman et al.,(8) 99% alergistas/imunologistas Estados Unidos
Erkoçoğlu et al.,(11) 39,2% médicos de atenção primária não especialistas Turquia
Manivannan et al.,(14) 54% antes e 62% após intervenção não especialistas Estados Unidos
Wang et al.,(15) 72,7% não especialistas Estados Unidos
Altman et al.,(18) 100% alergistas/pediatras; 93% alergistas/medicina interna; 88% médicos da família; 63% emergencistas Estados Unidos
Manuyakorn et al.,(19) 40,2% não especialistas Tailândia

Em estudo realizado na Turquia,(12)apenas 20,3% dos profissionais pesquisados sabiam da existência de autoinjetores de adrenalina, embora este dado se refira a médicos, enfermeiros, paramédicos e estudantes de medicina, sem resultados por categoria.

Reconhecimento dos sinais e sintomas da anafilaxia

Cinco estudos pesquisaram o reconhecimento dos sinais e sintomas da anafilaxia. Houve novamente predomínio de publicações norte-americanas (3), seguido da Turquia (1) e do Reino Unido (1).

Em entrevistas realizadas por telefone com médicos norte-americanos, dentre especialistas em alergia e imunologia, emergencistas, médicos de família e pediatras, os problemas respiratórios foram o indício mais citado (71% a 77% da amostra), seguidos de tontura/desmaio (52 a 68%), edema (38 a 54%) e reações cutâneas (de 26 a 56%).(18)Os autores apontaram para lacunas de conhecimento sobre anafilaxia especialmente evidentes entre médicos que atuam em emergência e em Atenção Primária.

Em contrapartida, aplicação de questionário encontrou que 84,7% dos participantes assinalaram corretamente os principais sinais e sintomas da anafilaxia.(12)Ainda, os autores não pontuaram quais os indícios mais lembrados, cabendo, ainda, observar que este valor se refere a um grupo composto por médicos, enfermeiros, paramédicos e estudantes de medicina.

Paramédicos dos Estados Unidos foram pesquisados por meio de questionário enviado por e-mail . Neste estudo, 98,9% dos participantes reconheceram corretamente um caso de anafilaxia, e apenas 2,9% identificaram corretamente sua forma atípica.(6)

Casos clínicos hipotéticos foram utilizados para verificar a capacidade de reconhecimento dos participantes quanto aos indícios de anafilaxia. Diante destes, 84,9% dos médicos reconheceram corretamente a assertiva que relacionava erupções cutâneas com prurido e dificuldade para respirar a este diagnóstico. Além disto, 60,9% acertaram o diagnóstico de anafilaxia ao assinalar a opção que referia hipotensão arterial em criança, acompanhada de relato de tontura após consumir amendoim.(15)

O mesmo método foi utilizado no Reino Unido, ao testar o conhecimento dos médicos a partir de cinco casos clínicos: 100% dos participantes identificaram o único caso cujo diagnóstico era anafilaxia, com sinais e sintomas que se referiam a erupções cutâneas, dispneia, sibilância e rouquidão após a ingestão de frutos do mar.(20)

Observação do paciente após a resolução da anafilaxia

Quatro estudos levantaram a necessidade de manter o paciente em período de observação após a resolução do quadro de anafilaxia, sendo um na Turquia,(12)dois nos Estados Unidos(13,14)e um em países ibero-americanos.(9)

A amostra estudada na Turquia verificou que menos da metade dos participantes (47,4%) manteria o paciente em observação por um período de pelo menos 6 a 8 horas após a estabilização.(12)Este dado se refere a médicos, enfermeiros, paramédicos e estudantes de medicina.

Pesquisa que abordou pediatras nos Estados Unidos demonstrou que 40,4% deles em um hospital universitário, 35,7% em hospital com programa de residência médica (sem especificar em que especialidade) e 26% em outro hospital sem residência médica referiram manter o paciente em observação após a resolução da anafilaxia.(13)

Estudo retrospectivo de prontuários antes e após a implantação de consenso sobre anafilaxia no departamento de emergência de um hospital mostrou que a prática de manter o paciente em observação após a resolução do quadro anafilático passou de 44 para 65%.(14)

Em contrapartida, na amostra analisada em países ibero-americanos, a preocupação com o período de observação foi mais frequente. Assim, 91,7% dos especialistas em alergia e imunologia afirmaram manter o paciente em observação de 6 a 8 horas, superior aos não especialistas (83,1%).(9)

Outros achados

Dois congressos realizados na Turquia foram locais de pesquisa de estudo com pediatras. Por meio de questionário, apenas 11,3% e 3,2%, respectivamente, responderam corretamente as ações a serem tomadas para reversão das anafilaxias leve e grave.(16)

O impacto da disseminação das informações contidas nas diretrizes de prática clínica para o atendimento da anafilaxia em hospital de pesquisa foi verificado por meio de questionário pré e pós-treinamento e utilização de sistema de escores. Houve aumento significativo no conhecimento dos residentes em medicina da família 10 semanas após a intervenção (escore passou de 34,4 para 58,2; p=0,032).(7)

DISCUSSÃO

A preocupação com o conhecimento dos médicos sobre a utilização da adrenalina se destacou em grande parte dos estudos publicados sobre anafilaxia nos últimos 5 anos. Não por acaso, pois este medicamento se consolidou, baseando-se em estudos farmacológicos, observações clínicas e ensaios com animais ao longo dos últimos 30 anos em âmbito internacional,(21)como a primeira escolha para o tratamento emergencial da anafilaxia.(22)Ressalte-se que a ausência ou o retardo de sua administração pode acarretar prejuízos irreversíveis ao paciente.(21)

Diante dos estudos que analisaram a frequência de uso da adrenalina, especialmente pela via IM, especialistas em alergia e imunologia apresentaram os melhores resultados, principalmente os norte-americanos. No entanto, entre os médicos não especialistas ou especialistas em outras áreas, os Estados Unidos não obtiveram o mesmo desempenho, ficando atrás da Tailândia e Reino Unido, onde a medicina de família é melhor estruturada.

Uma observação de grande relevância consiste na disparidade da frequência de uso de adrenalina IM nos países pesquisados, talvez por disseminação ainda desigual das informações contidas nas diretrizes internacionais para o manejo da anafilaxia, pontuada, inclusive pelo estudo qualitativo encontrado.(17)Em um estudo multicêntrico, que incluiu centros brasileiros,(9)23,8% dos médicos não especialistas optaram pela adrenalina IM, revelando o baixo conhecimento sobre esta conduta como uma fragilidade dos profissionais, quando comparado com Estados Unidos,(6,13,14)Inglaterra/Reino Unido,(5,20)Turquia,(11,12)e Tailândia.(19)

De 12 a 30% dos médicos especialistas e não especialistas, respectivamente, afirmaram administrar adrenalina IM somente em pacientes em choque, em vez de fazê-lo aos primeiros sinais, e com grandes chances de evitar este evento.

Países com maior nível de conhecimento quanto à droga e via de administração correta ainda podem estar sujeitos ao baixo conhecimento de outros aspectos, como foi o caso da Inglaterra,(5)em que 77% dos médicos não especialistas referiram adrenalina IM, mas apenas 37% elegeriam o vasto lateral e 32% a dose de 0,5mg, o que também pode comprometer o atendimento.

A adrenalina age com excelência na anafilaxia(23)e a orientação quanto ao seu uso na forma autoinjetável deve ser estimulada,(24)sobretudo em pacientes com anafilaxia idiopática ou quando há risco contínuo de exposição a desencadeantes difíceis de serem evitados.(3)Os estudos encontrados mostraram que a utilização de autoinjetores foi visivelmente maior nos Estados Unidos, embora com poucos dados encontrados em outros países.

A prescrição pouco frequente da adrenalina autoinjetável em países que a dispõem internamente representa uma desatenção com a tecnologia já existente, mas a indisponibilidade em mercados internos de alguns países e o elevado custo de importação também desestimulam a prescrição. Isto pode ter influenciado negativamente nas frequências encontradas na Turquia(11)e na Tailândia,(19)únicos comparativos encontrados para esta prática fora dos Estados Unidos.

Cabe ressaltar que a adrenalina autoinjetável ainda não está disponível comercialmente no Brasil.(9)Nos Estados Unidos, país em que está amplamente disponível,(9)a quase totalidade dos especialistas em alergia e imunologia afirmou prescrever este dispositivo, o que evidencia a elevada aceitação desta tecnologia e sua adoção na rotina dos atendimentos destes profissionais.

Diante do panorama de conhecimento insatisfatório verificado, há que se destacar que estudos de intervenção realizados nos Estados Unidos(14)e na Turquia(7)comprovaram que houve melhora no entendimento dos médicos após a disseminação das informações contidas nas diretrizes da World Allergy Organization , representando, uma ação que deve ser urgentemente incentivada para melhorar o atendimento a este quadro clínico.

O terceiro fator mais apontado pelos autores, o reconhecimento dos indícios da anafilaxia, consiste em um ponto crucial para o atendimento imediato, visto tratar-se de um diagnóstico primordialmente clínico.

As diferentes metodologias utilizadas nos estudos encontrados não permitiram comparações precisas quanto ao desempenho dos médicos, até mesmo pelo fato de incluírem outros profissionais e estudantes. A conclusão é que a complexidade do diagnóstico é um fator a ser considerado quando se discute este quadro clínico.(17)

A observação do paciente pós-episódio de anafilaxia é essencial para evitar desfecho fatal decorrente de reação bifásica, que consiste em segundo episódio de anafilaxia,(25)na maioria dos casos até 8 horas após a resolução do evento inicial,(3)mesmo na ausência de novo contato com o agente desencadeante – daí a necessidade de mantê-lo na unidade de emergência.(21)A atenção demonstrada pelos médicos neste sentido foi mais frequente no estudo que envolveu os países ibero-americanos do que nos Estados Unidos e na Turquia.

Importante limitação deste estudo foi ater-se aos quatro aspectos mais abordados (droga e via de administração, uso de autoinjetores, identificação de sinais e sintomas e tempo de observação), tamanha a heterogeneidade das informações apresentadas pelos autores e das metodologias utilizadas por eles, o que pode ter desconsiderado outros resultados de relevância científica.

CONCLUSÃO

De acordo com a literatura recente, o uso de adrenalina foi visivelmente mais frequente entre médicos especialistas em alergia e imunologia do que nas demais especialidades.

Os Estados Unidos apresentaram frequências de prescrição de adrenalina autoinjetável muito superiores aos demais países pesquisados.

A complexidade do reconhecimento dos sinais e sintomas característicos do quadro anafilático se refletiu nas várias formas de avaliação utilizadas pelos autores, que não permitiram comparativos precisos entre os estudos aqui encontrados.

A atenção com a observação do paciente após a resolução da anafilaxia foi superior nos países ibero-americanos do que foi encontrado nos estudos realizados nos Estados Unidos e na Turquia.

Por fim, o conhecimento sobre o diagnóstico e tratamento da anafilaxia está desigualmente disseminado nos diversos países pesquisados nos estudos encontrados, enfatizando-se o baixo desempenho em países ibero-americanos. Este estudo ratifica a necessidade de divulgar entre os não especialistas as diretrizes internacionais para o diagnóstico e o manejo da anafilaxia, bem como alertar para a importância de se ofertar a adrenalina autoinjetável em países que ainda não dispõem deste dispositivo capaz de evitar o desfecho fatal da anafilaxia.

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