versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.15 no.4 São Paulo out./dez. 2017 Epub 21-Set-2017
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082017rc3994
A distrofia muscular de Duchenne (DMD, MIM 310200) é uma doença de caráter recessivo ligado ao X causado por mutação no gene DMD (ID do gene: 1756) localizado em Xp21.( 1 )A DMD é uma doença muscular mais comum entre crianças do sexo masculino, com incidência de 1:3.500 nascidos vivos.( 1 )O gene distrofina é o maior gene humano identificado, contendo 79 éxons, pelo menos sete promotores diferentes tecido-especifico e dois locais de poliadenilação. Contudo o RNA distrofina é diferencialmente processado produzindo múltiplos transcritos que codificam um conjunto de isoformas da proteína.( 1 - 3 )A proteína traduzida a partir do transcrito maior é um proteína de citoesqueleto importante, que ajuda cada fibra muscular a conectar-se com a lâmina basal subjacente. Alterações ou perda de distrofina força o excesso de cálcio na membrana celular, resultando em excesso de água na mitocôndria, portanto, o musculo do esqueleto afetado sofre distrofia, disfunção mitrocondrial, e necrose.( 4 )
A maioria das mutações identificadas são deleções em aproximadamente 60-65% dos casos de DMD, duplicações têm sido observadas em 5%-15% e os casos remanescentes podem ser causados por pequenas mutações tais como microdeleções, microinserções, mutação de ponto, ou mutações de splicing .( 1 , 2 , 5 )Aproximadamente, em um terço dos pacientes com DMD, a doença originou-se de mutações novas enquanto o restante são herança materna ou surgem de moisacismo da linhagem germinativa.( 6 , 7 )
Patologicamente, a DMD é caracterizada pela degeneração progressiva rápida e necrose dos músculos proximais e pseudo-hipertrofia de panturrilha. A maioria dos pacientes com DMD mostra fraqueza muscular precoce na infância, e tornam-se cadeirantes por volta do 12 anos de idade, e morrem devido à insuficiência respiratória ou cardíaca no fim da adolescência ou inicio dos 20 anos. Atualmente, não há tratamento eficaz disponível para paciente com DMD. Portanto, é essencial o diagnóstico pré-natal e aconselhamento genético para reduzir o nascimento de meninos afetados com a doença.( 4 )
Relata-se caso de diagnóstico genético pré-implantacional associado a distrofia muscular de Duchenne.
E.P.R, 38 anos, paciente heterozigota sintomática para mutação de deleção dos éxons 2 a 47 no gene DMD e G.T.S, 39 anos, procuram em fevereiro de 2014 o serviço de aconselhamento genético do Instituto Idea Fertil, Centro de Reprodução Humana e Genética daFaculdade de Medicina do ABC, Santo André, São Paulo, Brasil para saber sobre a processo de diagnóstico genético pré-implantacional (DGPI). Em 2012, os pacientes tiveram um filho que morreu aos 6 anos de idade devido a complicações por DMD. O casal realizou 4 ciclos de tratamento de reprodução humana assistida com injeção intracitoplasmática de espermatozoides (ICIS). A estimulação ovariana foi realizada com 200UI de hormônio folículo estimulante recombinante exógeno a partir do segundo dia do ciclo menstrual. Quando o maior folículo atingiu 14mm, foi administrado hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH). Após, quando o maior folículo atingiu 17mm, a gonadotrofina coriônica humana (hCG) foi administrada em dose de 5000IU e 36 horas depois realizou-se a punção dos oócitos. O total de oito embriões biopsiados D5/D6 foram analisados por reação em cadeia da polimerase (PCR) para verificação da mutação especifica, seguido por hibridação genômica comparativa baseada em microarranjos ( array CGH) para análise de aneuploidia (triagem de 24 cromossomos) em laboratório especializado.
A análise genética constatou que dois embriões tinham herdado a mutação materna do gene DMD , um embrião tinha alteração cromossômica [47,XY,del(8)(q24.11-qter),+18] e cinco embriões (três masculinos e dois femininos) eram normais. Um blastocisto foi transferido e resultou em gravidez bem sucedida. A criança foi uma menina, nascida após 38 semanas por meio de cesariana, pesando 2,970kg e medindo 43cm. Os outros embriões permaneceram vitrificados.
A maioria (>90%) das mulheres com mutações no gene DMD é assintomática. Apesar disso, a mulher portadora da mutação pode ser afetada pela DMD como resultado de mudanças no padrão da inativação do cromossomo X, síndrome de Turner (45,X) ou translocação do cromossomo X para um autossômo. Mulheres com sintomas de distrofia muscular são geralmente consideradas pacientes com distrofia muscular de cintura.( 6 )Até os dias atuais, existem poucos dados populacionais em relação a prevalência dessas portadoras, especialmente sobre as que são assintomáticas. O conhecimento sobre a condição do portador de mutação patogênica é importante para o aconselhamento genético, já que metade das crianças nascidas dessas portadoras podem ser afetadas pela doença e metade das crianças do sexo feminino serão portadoras do alelo mutado.
A importância de prevenção da DMD tem sido extensivamente enfatizada, uma vez que não há terapia curativa disponível. Para mulheres em risco, pode ser oferecido aconselhamento genético e alternativas para prevenir a transmissão do alelo mutado, tal como teste de portador, reprodução humana assistida com DGPI ou uso de óvulos doados e diagnóstico pré-natal.( 8 )O DGPI para seleção do sexo não é suficiente, especialmente em nosso caso, já que a menina poderia ser portadora de alelo mutado e desenvolver sintomas de DMD, também como a mãe. Um embrião do sexo masculino é testado para a análise direta da mutação familiar conhecida para determinar se será ou não afetado. O nascimento de meninos afetados pode ser prevenido por meio da interrupção da gravidez em países onde o aborto é permitido. Nesses casos, os pais precisam enfrentar a carga emocional da possibilidade de abortar um garoto saudável, fato que sempre foi um das principais desvantagens do diagnóstico pré-natal de doenças ligados ao X somente por meio da determinação do sexo. No DGPI, tanto embriões do sexo feminino ou masculino não afetados podem ser selecionados e transferidos para o útero.( 8 )É importante enfatizar que para realização de DGPI nos casos de doenças monogênicas, é essencial conhecer a mutação, já que a análise genética é realizada em um pequeno número de células e o DGPI é especifico para mutação daquela família. Portanto, se a família não tem o diagnóstico molecular, é necessário estudar previamente a mutação familiar por meio da análise de ligação. Além disso, com o conhecimento especifico da mutação familiar e opções para prevenção do nascimento de meninos com a doença, o casal pode, assim, planejar seu futuro reprodutivo.
A análise de embriões por meio da associação de técnicas como a PCR e o array CGH mostrou-se segura para seleção de embriões em casos de doenças ligados ao X, como no caso de distrofia muscular de Duchene.