versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.2 São Paulo fev. 2019
https://doi.org/10.5935/abc.20180270
A endocardite infecciosa (EI), infecção microbiana do endotélio cardíaco ou vascular adjacente, continua sendo uma temida doença, apesar de sistematizações para o diagnóstico moderno datarem de 1885, por Osler.1 Ainda que relativamente infrequente2 com cerca de 3-10 casos por 100.000 pacientes/ano,3 a mortalidade persiste alta: mais de um terço dos pacientes falecem no primeiro ano após o diagnóstico.1,4 Somente o diagnóstico e terapêutica precoces, seja exclusivamente clínico ou associado à cirurgia cardíaca, podem interferir para reduzir essa elevada mortalidade.
A EI era mais frequente em jovens e adultos de meia idade com doença cardíaca reumática ou cardiopatias congênitas.3 Todavia, estudos recentes, demonstram significativa redução na incidência da EI nestes grupos, sobretudo em nações mais desenvolvidas.2
A EI está cada vez mais relacionada a portadores de prótese valvares, cateteres vasculares, dispositivos eletrônicos implantáveis, como marcapasso e cardiodesfibriladores5,6 e novos dispositivos cirúrgicos, como endoprotéses valvares implantadas por cateter.2 Além disso, devido ao envelhecimento populacional, mesmo no Brasil, observamos aumento da incidência nos idosos, sobretudo quando associado à comorbidades como diabetes (20%), insuficiência renal crônica (14%) e anemia (10%),5 havendo risco 4,6 vezes maior de EI, do que na população geral.5,6 Ao mesmo tempo, refletindo a mudança na epidemiologia, a incidência de infecção endocárdica por estafilococos vem aumentando progressivamente, inclusive, predominando em relação aos estreptococos em muitos centros.3,7
O diagnóstico da EI baseia-se fundamentamente nos critérios modificados da Universidade de Duke: a associação de sinais clínicos (como febre e sopro em portador de cardiopatia de risco), positividade de hemoculturas por agentes etiológicos frequentes e alterações ecocardiográficas típicas (vegetação, abscesso perianular)4 apresentam alta sensibilidade (> 80%), principalmente em infecções em valvas nativas.4,6 No entanto, os critérios mostram uma menor precisão diagnóstica para o diagnóstico precoce na prática clínica, particularmente no grupo de pacientes, anteriormente relacionado, nos quais a incidência vem aumentando. O diagnóstico é desafiador, sobretudo, se a ecocardiografia é normal ou inconclusiva, como ocorre em até 30% dos casos,8 ou quando as hemoculturas são negativas.4,6
Aliás, hemoculturas negativas ocorrem em cerca de 2% a 20% dos casos de endocardite. Causas habituais são: uso concomitante ou prévio de antibióticos e presença de microorganismo com crescimento lento ou de difícil detecção nas culturas de rotina. Destacam-se: Coxiella burnetti, espécies de Bartonella e fungos.4
A incidencia de hemoculturas negativas tem sido reduzida3 com técnicas automatizadas de hemocultivo, sorologias especificas (Coxiella sp) e reação em cadeia de polimerase (PCR). Esses métodos2 permitem a identificação direta de espécies bacterianas, especialmente em casos de difícil reconhecimento, auxiliando na precocidade do diagnóstico em relação aos métodos de cultura rotineiros.3 (Figura 1)
Figura 1 Organograma para diagnóstico de endocardite infecciosa (EI). *casos possíveis de acordo com os critérios de Duke são todos aqueles que não se encaixam como definitvos ou rejeitados.
A imagem, particularmente a ecocardiografia, desempenha um papel fundamental no diagnóstico e no gerenciamento da EI.6 Técnica de escolha para investigação inicial, deve ser realizada rapidamente e persistindo a suspeita clínica na modalidade transtorácica, procede-se o estudo esofágico, com evidente aumento na acurácia do método.
Portadores de próteses e cateteres ou dispositivos necessitam frequentemente de avaliação pelo ecocardiograma transesofágico (ETE) haja vista as taxas de sensibilidade e especificidade serem entre 40-70% para o ecocardiograma transtorácico (ETT) e 85% para o ETE em valvas protéticas.8 A negatividade do ETE não exclui EI em pacientes com forte suspeita clínica. Assim, o exame deverá ser repetido em sete dias para esclarecimento diagnóstico, sempre que houver a possibilidade de EI.
O diagnóstico ecocardiográfico pode ser limitado por sombra acústica, imagens confundidoras, sobretudo em pós-operatórios, vegetação muito pequena ou ausência de vegetação.1 Essas limitações levaram a um crescente interesse no uso de outras modalidades de imagem que venham a complementar a ecocardiografia.9,10
O ecocardiograma tridimensional transesofágico melhorou a avaliação de volumes e estruturas cardíacas, particularmente para melhor identificação de refluxos paraprotéticos. Está técnica tem se aprimorado e certamente será ainda mais útil em um futuro próximo.8
Outros métodos de imagem tem, igualmente, se mostrado promissores no auxílio de diagnóstico precoce em pacientes suspeitos de EI de dificil conclusão como: a tomografia computadorizada multislice (TCMS), a ressonância magnética e a tomografia com emissão de posítrons (PET/CT).1 A PET/CT, particularmente tem se mostrado importante, em casos de portadores de próteses valvares ou dispositivos cardíacos com mais de três meses de implante (Figura 1). Além do relevante potencial em detectar focos extracardiacos de infecção, malignidade, e outros tipos de inflamação.7,9
Na avaliação da disfunção valvular protética, um estudo recente6 sugeriu que o TCMS pode ser equivalente ou superior à ecocardiografia para a demonstração de vegetações, abscessos, pseudoaneurismas e deiscência relacionados à prótese. Entretanto, há poucos estudos comparativos entre as duas técnicas e, portanto, o ecocardiograma persiste eleito como exame inicial na investigação.6 Assim, vale ressaltar, que mesmo as técnicas de imagens mais modernas, nem sempre são conclusivas ou esclarecem em definitivo a presença da endocardite, particularmente nestes subgrupos de dificil diagnóstico, como os idosos e portadores de dispositivos/cateteres implantáveis.
Concluindo, o trinômio alta suspeição clínica, métodos microbiológicos e de imagens mantém-se essenciais na precocidade diagnóstica na EI. A inclusão de novos métodos de identificação microbiológica e de imagem, associadas a time multidisciplinar, envolvendo cardiologistas, infectologistas, especialistas em imagem, microbiologistas e outras especialidades, para casos específicos, como neurologistas são fundamentais neste cenário.6
Reforçamos que a mudança no curso do prognóstico da EI depende da rápida instituição de terapêutica dirigida, que por sua vez só é possível com a precocidade no diagnóstico.3 Merecem especial atenção, subgrupos de alto risco como idosos e portadores de material protético implantado, cujo atraso diagnóstico tem suscitado maior mortalidade. Assim, futuras diretrizes devem considerar a inclusão destas novas técnicas no diagnóstico da EI.2