versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756
J. bras. pneumol. vol.46 no.2 São Paulo 2020 Epub 09-Abr-2020
http://dx.doi.org/10.36416/1806-3756/e20200060
Em um artigo publicado no JBP, Fernandez et al.1 avaliaram 187 pacientes encaminhados para a realização de testes de função pulmonar e concluíram que a diferença entre a CV lenta (CVL) e CVF (∆CVL−CVF) acima de 0,20 L é útil para definir a limitação ao fluxo aéreo (LFA) em casos com testes normais e para reduzir os casos chamados de inespecíficos (redução proporcional de CVF e VEF1). Em 82 casos a espirometria forçada já caracterizava LFA.1
O valor de 0,20 L foi sugerido nas diretrizes para testes de função pulmonar da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia de 2002.2 Em 2019, Saint-Pierre et al.3 avaliaram provas funcionais de 13.893 indivíduos e relataram que a relação VEF1/CVF preservada com VEF1/CV reduzida foi observada em 20,4% dos casos. O baixo valor previsto utilizado naquele estudo para caracterizar o limite inferior da relação VEF1/CVF reduz muito a sensibilidade desse parâmetro para a detecção de LFA.
Diversas considerações devem ser feitas acerca da ∆CVL−CVF. A maior compressão do gás alveolar na manobra forçada resulta de diversos fatores, incluindo a presença de doença obstrutiva, maior esforço muscular e maior volume de gás no tórax a ser comprimido. Desde que a compressão do gás é baseada no esforço muscular durante a manobra expiratória máxima, pode-se observar algum grau de compressão em todos os indivíduos normais. Soares et al.4 mediram os volumes pulmonares em uma amostra de 244 indivíduos normais no Brasil. Naquela amostra, 10% tinham ∆CVL−CVF acima de 0,20 L. Quando comparados aos demais, verificou-se que aqueles casos eram mais frequentemente do sexo masculino e tinham estatura e CVF maiores, um perfil característico do que se denomina variante do normal, pela geração de maior esforço expiratório em homens com pulmões maiores.
Como Fernandez et al.,1 a maioria dos autores utilizam valores em porcentagem do previsto para a CVL pressupondo que esses são iguais aos derivados para a CVF. Não são. Kubota et al.5 avaliaram a função pulmonar em 20.341 indivíduos normais no Japão e observaram que, como esperado pela perda da retração elástica, a ∆CVL−CVF aumenta com a idade, mas uma maior diferença também foi observada em certos indivíduos mais jovens. Não é surpreendente que Saint-Pierre et al.3 reconheçam que, em idosos, nos quais a prevalência de DPOC é maior, a relação VEF1/CVL não deve ser considerada.
No estudo de Fernandez et al.,1 metade da amostra era constituída de obesos. A ∆CVL−CVF > 0,20 L foi significativamente associada com um índice de massa corpórea > 30 kg/m². Igualmente, Saint-Pierre et al.3 observaram menores valores para a relação VEF1/CVL vs. VEF1/CVF em obesos. Valores de referência em geral excluem obesos, e, portanto, a ∆CVL−CVF em obesos sem doenças cardiopulmonares, é indisponível em grandes amostras. Campos et al.6 avaliaram 24 indivíduos antes e depois de cirurgia bariátrica e mostraram que a ∆CVL−CVF caiu de 0,21 L para 0,080 L após a intervenção. Obesos têm menor CVF em comparação à CVL. Muitos obesos têm o padrão denominado inespecífico, e cautela deve ser tomada para pressupor que a medida da CVL resolve o problema, sem as medidas de CPT e VR. A CVL na faixa prevista não exclui a possibilidade de CPT reduzida se for utilizada uma equação de valores em porcentagem do previsto adequada.
No estudo de Fernandez et al.,1 os valores para condutância específica das vias aéreas e para o VR não diferiram entre os grupos com e sem ∆CVL−CVF > 0,20 L. Esses dados são surpreendentes, visto que a consistência com outros dados indicativos de obstrução deveria ter sido observada. Finalmente, valores para os fluxos médios e ao final da expiração não foram referidos, os quais poderiam detectar obstrução com uma relação VEF1/CVF na faixa prevista.
Pacientes com doença obstrutiva tem mais frequentemente ∆CVL−CVF > 0,20 L em comparação a indivíduos normais - 20% em 190 casos avaliados no Centro Diagnóstico Brasil em comparação a 10% em indivíduos normais (dados não publicados) - porém, a diferença em casos com limitação leve do fluxo aéreo foi semelhante à observada em indivíduos normais.
Consideramos temerário, em pacientes com valores para a espirometria forçada completamente dentro da faixa de referência, incluindo fluxos terminais, caracterizar a presença de LFA apenas pela ∆CVL−CVF > 0,20 L, ou mesmo > 0,25 L, como sugerido por Saint-Pierre et al.3 A obtenção de valores aceitáveis e reprodutíveis para medida da CVL é morosa. O tempo tomado em um laboratório com elevada demanda de exames não justifica seu uso na rotina, devido a seu significado incerto em comparação à medida da espirometria forçada.