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Diferenças nas concentrações de cortisol em adolescentes com transtornos alimentares: uma análise sistemática

Diferenças nas concentrações de cortisol em adolescentes com transtornos alimentares: uma análise sistemática

Autores:

Laércio Marques da Luz Neto,
Flávia Maria Nassar de Vasconcelos,
Jacqueline Elineuza da Silva,
Tiago Coimbra Costa Pinto,
Éverton Botelho Sougey,
Rosana Christine Cavalcanti Ximenes

ARTIGO ORIGINAL

Jornal de Pediatria

versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782

J. Pediatr. (Rio J.) vol.95 no.1 Porto Alegre jan./fev. 2019

http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2018.02.007

Introdução

De acordo com o Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais, Quinta Edição (DSM-5), os transtornos alimentares são caracterizados por graves alterações no comportamento alimentar e apresentam uma etiologia multifatorial que envolve tanto predisposição genética quanto influências socioculturais, biológicas e psicológicas.1 Os comportamentos relacionados a transtornos alimentares, como dietas permanentes, o desejo de ser mais magra ou comportamento compensatório (vômito autoinduzido e exercícios excessivos) ocorrem com mais frequência em mulheres jovens.2

A Organização Mundial de Saúde (OMS) define a adolescência como a segunda década de vida (de 10 a 19 anos).3 Mäkinen et al.4 descrevem a adolescência como uma fase da vida marcada por profundas mudanças físicas, cognitivas, emocionais e sociais que exigem adaptações para a adoção de novas práticas, novos comportamentos e autonomia para a vida adulta. Diante dessa situação, a adolescência se torna o período perfeito para diversos transtornos comportamentais, inclusive os alimentares.

O estresse foi identificado como um fator de risco potencial para o desenvolvimento de transtornos alimentares.5 Há evidências de que os pacientes normalmente vivenciam um estresse crônico grave decorrente de acontecimentos em suas vidas anteriores ao acometimento de transtornos alimentares.6 O cortisol é um dos hormônios esteroides diretamente relacionados a níveis elevados de estresse. Estudos preliminares oferecem evidências de que pacientes com anorexia nervosa apresentam níveis elevados de cortisol devido à associação entre esses transtornos e características comportamentais (níveis elevados de depressão e estresse). Além disso, hipercortisolemia, aumento do cortisol urinário livre e alteração do ritmo circadiano do cortisol poderão estar presentes em pacientes com peso normal que apresentam bulimia nervosa.7 Pacientes com transtornos alimentares não especificados também apresentam níveis mais elevados de cortisol do que seus controles correspondentes.810

O cortisol é um dos hormônios mais abundantes no corpo e seus níveis aumentam na presença de estresse físico e/ou psicológico. Um nível elevado de cortisol pode ser um gatilho para reações psicofisiológicas que resultam na hiperfunção do sistema nervoso simpático e do sistema endócrino, especificamente das glândulas adrenais.11,12 O cortisol é produzido pela glândula adrenal, que está envolvida na resposta ao estresse, e pode desempenhar um papel importante no comportamento alimentar, além de estar associado ao aumento da absorção de energia em indivíduos saudáveis. A produção de cortisol tem um ritmo circadiano que depende do estímulo do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Seu nível é alto próximo ao início das atividades diárias, reduz-se ao longo das 24 h.13

Embora as manifestações clínicas da hipercortisolemia em pacientes com anorexia nervosa possam parecer incompatíveis com as observadas em pacientes com a síndrome de Cushing, com exames adicionais existem diversos paralelos.14 Os níveis de cortisol no sangue durante a noite estão inversamente associados à densidade mineral óssea e positivamente associados à severidade dos sintomas da depressão e da ansiedade em mulheres com anorexia nervosa.15 Conforme o cortisol estimula a gliconeogênese, um aumento das concentrações de cortisol, além dos níveis elevados de GH, poderá ser outro mecanismo adaptativo para manter a euglicemia nessa condição de desnutrição severa. Além disso, os glicocorticoides são agonistas endógenos de leptina e insulina.16

Normalmente, o cortisol apresenta uma excelente associação entre sua produção e a atividade do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA) e é facilmente detectado na saliva, no sangue e na urina. Ele pode ser considerado um excelente biomarcador da função do HPA e, consequentemente, do estudo dos efeitos do estresse em seres humanos.17 A ativação repetida e prolongada de certos sistemas, inclusive do HPA, aumentará o risco de desenvolvimento de transtornos físicos (como infarto do miocárdio, esclerose múltipla, dor abdominal, transtornos menstruais, infecções virais, diabetes, artrite reumatoide, câncer) e psicológicos (como depressão, esquizofrenia, ansiedade)18 em seres humanos.

Considerando a importância das alterações hormonais que ocorrem como resultado de complicações clínicas em pacientes com transtornos alimentares, bem como a relação dessas alterações na manutenção desses transtornos, o objetivo deste estudo foi fazer uma análise sistemática da literatura sobre as diferenças nas concentrações de cortisol em adolescentes com transtornos alimentares.

Métodos

Configuração e registro do estudo

Os métodos usados neste estudo tiveram como base os Principais Itens para Relatar Revisões Sistemáticas e Meta-Análises (Prisma). O protocolo para esta análise foi inscrito no número de referência do International Prospective Register of Systematic Reviews (Prospero) CRD42017067630. Os artigos selecionados para análise foram submetidos a uma análise interpretativa direcionada pela pergunta norteadora.

Estratégia de busca

Três analistas buscaram artigos publicados em periódicos indexados às bases de dados do Pubmed, da Scientific Electronic Library Online (SciELO), da Biblioteca Virtual de Saúde (Bireme) e do Science Direct. Foram usadas as seguintes palavras-chave: hidrocortisona OU cortisol E transtornos alimentares OU anorexia OU anorexia nervosa OU bulimia OU bulimia nervosa E adolescentes OU adolescente OU adolescência (MeSH).

Critérios de seleção

Para esta análise sistemática, foram selecionados estudos com base nos seguintes critérios de inclusão: estudos epidemiológicos (transversais, casos-controle, coortes e ensaios clínicos) que avaliavam a concentração de cortisol em adolescentes com transtornos alimentares publicados entre 2007 e 2017. Estudos epidemiológicos não relacionados ao tema de interesse, estudos experimentais, cartas ao editor, estudos de casos, revisão da literatura e estudos que envolveram animais foram excluídos.

Resultados

A pesquisa eletrônica levou à recuperação de 192 artigos (fig. 1). Um dos artigos havia sido aceito para publicação, mas o texto completo ainda não havia sido publicado. Depois de remover os artigos duplicados, os artigos restantes foram lidos e analisados por três analistas independentes submetidos a um treinamento e exercício de calibragem. Foram excluídos 102 artigos por não abordar o tema de interesse, não analisar o cortisol e não abordar transtornos alimentares ou envolver adultos. Após a exclusão dos artigos de análise, dos relatos de caso, da casuística, das cartas ao editor e dos estudos que envolveram animais, 19 artigos foram selecionados (tabela 1) e submetidos à análise com base nas categorias previamente estabelecidas. Sete categorias foram consideradas: o local em que o estudo foi feito; o ano da publicação; a amostra selecionada; o tipo de transtorno alimentar; os métodos de diagnóstico de transtornos alimentares; os métodos de coleta e análise do cortisol; e os resultados do cortisol na comparação entre o grupo com transtornos alimentares e o grupo de controle saudável.

Figura 1 Fluxograma do processo de seleção de artigos para análise sistemática com base em critérios de elegibilidade. 

Tabela 1 Características dos 19 estudos incluídos nesta análise de estudos das alterações do cortisol em adolescentes com transtornos alimentares 

Primeiro autor Ano Amostra Sexo Idade Cortisol Horário da coleta de cortisol Transtorno alimentar Resultados (concentração média de cortisol)
Föcker et al.19 2016 22 adolescentes com AN - tipo restritivo
20 adolescentes CS
117 adolescentes do grupo de controle psiquiátrico
Feminino 14-18 anos Capilar - AN Média/Mediana (pg/mg)
AN = 6,72 (5,19)/5,30
CS = 12,55 (9,69)/9,25
PC = 10,99 (12,41)/7,72
Levy-Shraga et al.36 2016 174 adolescentes com AN (64 com hiponatremia e 110 com normonatremia) Feminino 10-19 anos
(média: 15,7 ± 1,8)
Sérico 07h00-09h00 AN Total = 607,3 ± 170,0 (nmol/L)
Hiponatremia = 574,9 ± 169,6
Normonatremia = 624,8 ± 168,6
Paszynska et al.20 2016 101 adolescentes (47 com AN e 54 controles) Feminino 15,0 ± 2,0 Salivar e 09h00-11h00 AN Média (DP)/Mediana (ng/mL):
AN = 5,03 ± 2,85/4,5
CG = 3,77 ± 2,2/3,58
Pitts et al.33 2014 37 adolescentes com AN (24 com retorno de menstruação [ROM]) Feminino Idade média: 18 anos Sérico - AN Média (µg/dL)
Total = 15,9 (7,6)
Sem ROM = 16,5 (8,3)
ROM = 15,6 (7,3)
Ostrowska et al.21 2013 107 adolescentes (86 com AN e 21 controles) Feminino AN = 15,48 ± 1,58
C = 15,86 ± 1,94
Sérico 09h00 AN Média (DP) µg/dL:
AN = 24,17 ± 11,91
CG = 13,45 ± 4,67
Bühren et al.22 2012 55 adolescentes (28 com AN) Feminino Idade média (DP):
AN = 15,6 ± (1,5)
GC = 15,0 (1,7)
Sérico 07h00-10h00 AN Média (DP) nmol/L:
AN T0= 912,4 (205,3)
AN T1 = 686,5 (201,3)
CG = 514,8 (201,0)
Ginty et al.23 2012 24 adolescentes (12 com transtornos alimentares e 12 CS) Feminino Idade média: 19 anos Salivar - Transtornos alimentares Aumento dos níveis de cortisol após tarefa estressante somente nas adolescentes saudáveis
Mainz et al.24 2012 19 adolescentes com AN
19 adolescentes CS
Feminino AN = 15,6 ± 1,9
CG = 15,7 ± 1,5
Soro 07h30-08h30 AN AN (internação) = 880 ± 190 nmol/L
AN (após recuperação de peso) = 652 ± 147 nmol/L
Oskis et al.25 2012 8 adolescentes com AN - tipo restritivo
41 adolescentes CS
Feminino AN = 15,46 ± 1,53
CG = 15,13 ± 1,64
Salivar Após acordar, 30 minutos e 12 horas depois. AN Níveis de cortisol mais elevados em adolescentes com AN todas as três vezes (sem dados absolutos)
Buehren et al.26 2011 28 adolescentes (10 com AN e 18 controles) Feminino 12-17 anos Soro 07h30-08h30 AN Média (DP) nmol/L:
AN T0 = 895,9 (192,5)
AN T1 = 704,2 (204,9)
CG = 530,0 (165,0)
Shibuya et al.37 2011 21 adolescentes com AN
22 adolescentes CS
Feminino AN = 14,4 ± 1,4
CG = 14,0 ± 1,2
Salivar 07h00-19h00 AN Níveis de cortisol mais elevados durante a manhã, diminuindo gradualmente até a noite em ambos os grupos (dados não descritos)
AUC:
AN (antes do tratamento) = 55,7 ± 17,7
AN (após tratamento) = 39,1 ± 10,9
CG = 37,0 ± 11,7
Ziora et al.27 2011 195 adolescentes:
87 com NA restritiva;
17 com TANE;
30 com OB;
61 CS
Feminino 11-19 anos Soro - AN e TANE Média (DP) µg/dL:
AN = 23,91 ± 11,92
TANE = 21,90 ± 10,93
OB = 14,02 ± 4,93
H = 13,31 ± 4,78
Castro-Fornieles et al.28 2009 21 adolescentes (12 com AN e 9 controles) Ambos os sexos 11-17 anos Soro Em jejum de manhã AN Média (DP) µg/dL:
AN = 18,0 (4,1)
AN (após recuperação nutricional) = 13,6 (2,8)
Haas et al.29 2009 50 adolescentes com AN
40 adolescentes CS
Feminino AN = 15,2 ± 1,5
CG = 14,8 ± 0,8
Soro 07h00 -09h00 AN AN = 396 ± 190 pmol/L
CG = 173 ± 59 pmol/L
Castro-Fornieles et al.30 2008 60 adolescentes (44 com AN e 16 controles) Ambos os sexos 10-17 anos Sérico Manhã AN Média (DP) µg/dL:
AN = 19,3 (8,2)
AN (após recuperação de peso) = 18,6 (15,7)
Misra et al.34 2008 67 adolescentes (34 com AN e 33 controles) Feminino 12-18 anos Sérico - AN mcg/dL 12h:
AN = 6.208 ± 1.300
CG = 4.245 ± 2.824
Castro-Fornieles et al.31 2007 24 adolescentes (12 com AN e 12 controles) Ambos os sexos 11-17 anos Sérico Manhã AN Média (DP) µg/dL:
AN = 18,0 (4,1)
AN (após recuperação de peso) = 13,6 (2,8)
Misra et al.35 2007 36 adolescentes (17 com AN e 19 controles) Feminino 12-18 anos Sérico - AN mcg/dL 12h:
AN = 6.208 ± 1.300
CG = 4.119 ± 820
Oświęcimska et al.32 2007 25 adolescentes com AN
17 adolescentes CS
Feminino 12-18 anos Sérico 08h00-09h00 AN AN = 19,31 ± 13,13 µg/dL
(valores normais = 7-25 µg/dL)

AN, anorexia nervosa; AUC, área sob a curva; CG, grupo de controle; CS, controles saudáveis; OB, obesidade simples; PC, controles psiquiátricos; ROM, retorno da menstruação; TANE, transtorno alimentar nao especificado.

A maioria dos estudos (n = 14) foi feita na Europa.1932 Três foram nas Américas3335 e dois na Ásia.36,37 O ano com o maior número de publicações (n = 4) foi 2012.2225 Todos os estudos envolveram adolescentes do sexo feminino e três envolveram também adolescentes do sexo masculino.28,30,31

Com relação ao método de coleta, os níveis de cortisol foram avaliados em amostras de sangue na maioria dos estudos (n = 14).21,22,24,2636 Em quatro,20,23,25,37 cortisol foi medido em amostras de saliva e em um16 em folículos capilares. Com relação ao momento da amostragem, a maior parte dos estudos (n = 11) fez a coleta do hormônio exclusivamente de manhã.2022,24,26,2832,36 Somente um estudo não avaliou os adolescentes com diagnóstico de anorexia nervosa.23

Em dez estudos, os níveis de cortisol estavam mais elevados no grupo de adolescentes com anorexia em comparação com o grupo de controle.2022,2527,29,34,35,37 Em um estudo, os níveis de cortisol foram inferiores no grupo de adolescentes com anorexia em comparação com o grupo de controle.16 Em três estudos, o cortisol foi medido em um grupo de adolescentes com anorexia, sem comparação com um grupo de controle.32,33,36 Em quatro estudos, os níveis desse hormônio foram comparados antes e depois de um tratamento que envolveu o aumento de peso e constatou-se uma redução dos níveis de cortisol na avaliação após o tratamento.24,28,30,31

Discussão

O objetivo deste estudo foi fazer uma análise sistemática da literatura a respeito das diferenças nas concentrações de cortisol em adolescentes com transtornos alimentares. A análise dos artigos confirma que a anorexia nervosa é o transtorno alimentar mais amplamente estudado, especialmente na Europa. O principal achado foi o nível mais elevado de cortisol em adolescentes com anorexia nervosa em comparação com os controles saudáveis, bem como a redução nos níveis desse hormônio após a recuperação de peso.

A anorexia nervosa é uma doença que causa severa desnutrição, é prevalente entre meninas adolescentes e mulheres jovens e afeta de 0,2 a 1% dessa população.3842 Estudos que abordam a anorexia são mais comuns do que os que abordam outros transtornos alimentares, o que pode ser explicado pelo fato de que os sinais e sintomas são mais fáceis de detectar. Ademais, as complicações clínicas dessa doença são mais severas e a taxa de mortalidade é maior. A anorexia nervosa é caracterizada por uma imagem distorcida do corpo, peso muito baixo associado à incapacidade de ganhar ou manter peso e, com relação às mulheres, o DSM-IV incluiu a amenorreia por pelo menos três ciclos menstruais nos critérios de diagnóstico.43 Contudo, os critérios revisados com relação ao peso são menos rigorosos no DSM-5 e a amenorreia não é mais necessária para obter um diagnóstico.1 Apesar de a maioria dos estudos analisados terem sido feita com adolescentes com anorexia nervosa, a pesquisa tentou incluir transtornos alimentares em geral.

Três artigos explorados nesta análise também incluíram homens nas amostras de adolescentes. Os dados sobre a prevalência de transtornos alimentares na população do sexo masculino são, de certa forma, escassos. Por muitos anos, acreditou-se que os transtornos alimentares afetavam somente a população do sexo feminino e vários testes de avaliação apresentam um viés de gênero devido a essas medidas terem sido criadas para mulheres, poderiam, portanto, levar a uma subestimação do problema na população do sexo masculino.44 O estudo mais citado estima taxas de prevalência de 0,3% para anorexia nervosa, 0,5% para bulimia nervosa e 2% para transtorno de compulsão alimentar entre homens, com o uso dos critérios do DSM-IV.40 Assim, os homens representam 25% dos casos de anorexia e bulimia e 36% dos casos de transtorno de compulsão alimentar. No que diz respeito a diferenças nos níveis de cortisol entre os sexos, alguns estudos indicam que diferenças na resposta ao estresse neurobiológico favorecem os homens,45,46 porém muitos relatos têm demonstrado o efeito oposto47,48 e alguns não relatam diferenças entre sexos.49,50 Além disso, outros fatores podem ter influência, entre eles os transtornos neuropsiquiátricos, como ansiedade, depressão e transtorno de estresse pós-traumático, que são relacionados ao estresse e influenciados por hormônios sexuais e gonadais.5154

O cortisol foi medido em amostras de sangue, amostras de saliva e, em um estudo, em folículos capilares. Independentemente do tipo de coleta, foram encontradas diferenças significativas entre os grupos com transtornos alimentares e os controles saudáveis. Contudo, a avaliação das concentrações hormonais na saliva é mais confiável, já que o processo de coleta de sangue em si causa estresse e pode elevar o nível de cortisol. Ademais, foram encontradas fortes correlações entre o cortisol salivar e o cortisol sérico em indivíduos normais de todas as idades e as amostras permanecem estáveis ao ser congeladas por longos períodos. As concentrações hormonais na saliva refletem a fração não vinculada à proteína carreadora (fração livre do hormônio).55 Um dos estudos nesta análise validou o uso de cortisol salivar para investigar a atividade do eixo hipotalâmico-pituitário-adrenal (HPA) em adolescentes com anorexia nervosa.37 De acordo com um estudo recente, os pacientes que sofrem de transtornos alimentares apresentam uma reatividade elevada do eixo HPA à exposição ao estresse e, normalmente, uma atividade simpática reduzida e parassimpática exagerada do sistema nervoso, ou seja, o eixo HPA interfere no ciclo circadiano.56

Em dez estudos, os níveis de cortisol foram comparados entre adolescentes com anorexia e controles saudáveis, constataram-se níveis mais elevados no grupo com o transtorno alimentar. Outros estudos relataram que a anorexia nervosa está associada a um estado de hipercortisolemia relativa em adultos e adolescentes.15,57,58 O cortisol elevado apresenta múltiplos efeitos, como uma redução na densidade mineral óssea59 e um desempenho cognitivo menor.60 O cortisol elevado também promove um aumento da liberação de ácidos graxos livres devido à lipólise e à menor atividade da lipoproteína lipase, causa, assim, o aumento da resistência à insulina e a hiperglicemia.61 Shibuya et al.37 concluíram que uma concentração mais elevada de cortisol basal pode ser um indicador da gravidade da anorexia. Da mesma forma, Estour et al.57 sugerem que o cortisol poderia ser usado como um importante preditor prognóstico. Entretanto, os níveis raramente excederam em duas vezes o limite superior de normalidade. Os indivíduos com um índice de massa corporal baixo, bem como níveis baixos de massa de gordura, glicemia de jejum e insulina, apresentam níveis mais elevados de cortisol, o que é compatível com a teoria de que o aumento do cortisol é um mecanismo de adaptação para manter a normoglicemia em um baixo estado de energia.62

O aumento dos níveis de cortisol em adolescentes com anorexia se deve à hiperatividade do eixo HPA,63 que resulta na liberação do cortisol pelas glândulas adrenais. Estudos demonstraram um aumento nos níveis de cortisol salivar ou sérico na fase aguda da anorexia6466 e foi sugerido que essa situação é uma adaptação biológica do apetite como consequência da privação crônica de alimentação.37 A redução nos níveis de cortisol após a recuperação de peso embasa essa teoria.

Neste estudo, foram consideradas apenas as alterações nos níveis de cortisol em adolescentes com transtornos alimentares. Existe a possibilidade de que uma análise que envolva adultos ofereça resultados conflitantes no que diz respeito aos níveis de cortisol.

Conclusão

Os adolescentes com anorexia nervosa apresentam altos níveis de cortisol (sérico ou salivar) em comparação com os controles saudáveis. Um nível elevado de cortisol tem muitas consequências, inclusive a baixa densidade mineral óssea, e um desempenho cognitivo menor. Uma frequência muito baixa de outros transtornos alimentares, como a bulimia nervosa, foi encontrada nos estudos analisados e seus resultados poderiam ser conflitantes em comparação com pacientes com anorexia nervosa. A principal dificuldade no diagnóstico da bulimia diz respeito à ausência de perda de peso significativa, o que a difere da anorexia.

O aumento nos níveis de cortisol em adolescentes com anorexia nervosa gera dúvidas sobre em que medida essa população pode sofrer as consequências dessa doença em longo prazo e se essas alterações, como a hiperglicemia e a hiperinsulinemia, continuam mesmo após a recuperação do peso e a normalização dos níveis desse hormônio.

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