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Diferenciais de morbimortalidade por causas externas: resultados do estudo Carga Global de Doenças no Brasil, 2008

Diferenciais de morbimortalidade por causas externas: resultados do estudo Carga Global de Doenças no Brasil, 2008

Autores:

Mônica Rodrigues Campos,
Vanessa dos Reis von Doellinger,
Luiz Villarinho Pereira Mendes,
Maria de Fatima dos Santos Costa,
Thiago Góes Pimentel,
Joyce Mendes de Andrade Schramm

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0102-311X

Cad. Saúde Pública vol.31 no.1 Rio de Janeiro jan. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00191113

Introdução

As lesões ocasionadas por causas externas matam mais de cinco milhões de pessoas, anualmente, em todo o mundo, o que representa cerca de 9% da mortalidade mundial. Causam também danos a outros milhões de sobreviventes, gerando hospitalizações, bem como atendimentos ambulatoriais e de emergência 1 , 2.

No Brasil, em 2011, dados do Ministério da Saúde mostram que as causas externas vitimaram cerca de 145 mil pessoas, correspondendo à terceira maior causa de morte no país (12% do total), e foram responsáveis por cerca de um milhão de internações (aproximadamente 9% do total), sendo a quinta causa de internações no Sistema Único de Saúde (SUS) (Departamento de Informática do SUS. Banco de Dados do Sistema Único de Saúde. http://www.datasus.gov.br, acessado em 22/Out/2013). Isso sem contar as vítimas que não necessitaram de internação ou sequer utilizaram o sistema de saúde.

No estudo Carga Global de Doença Global Burden of Disease 3, as causas externas são classificadas em não intencionais e intencionais, compreendendo todo o capítulo XX da Classificação Internacional de Doenças, 10ª Revisão (CID-10). No grupo de causas não intencionais encontram-se os "acidentes de trânsito", "intoxicações acidentais", quedas, queimaduras, geladuras, afogamentos, submersões, "complicações da assistência médica" e "outras". Já as causas intencionais incluem "homicídio e violência", "suicídio e lesões autoinfligidas" e "intervenções legais e guerras".

Grande proporção dos que sobrevivem às lesões decorrentes desse conjunto de agravos sofre com deficiências temporárias ou permanentes, causando, muitas vezes, perda da capacidade laborativa e da qualidade de vida. As causas externas têm grande impacto na economia e nas condições de saúde da população. Seus efeitos vão além do sofrimento individual e coletivo, já que incidem na cultura e no modo de viver das pessoas 4.

Assim, é de extrema importância a utilização de um método capaz de computar com acurácia os dados de morbimortalidade, considerando o quanto a população perdeu em anos de vida, pela incapacidade ou pela morte; fornecendo subsídios para a definição de prioridades e para o desenvolvimento de políticas direcionadas para prevenção, controle e monitoramento dos agravos ocasionados por causas externas.

Nesse contexto, tem-se o estudo Carga Global de Doenças, desenvolvido como parte de uma grande avaliação da saúde mundial por Murray & Lopez 3, que introduziu o indicador nomeado DALY (anos de vida perdidos ajustados por incapacidade; disability-adjusted life year, em inglês). Esse indicador é composto pela soma de dois componentes: (1) estimativa dos anos de vida perdidos por morte prematura (YLL; years of life lost, em inglês); e (2) estimativa dos anos de vida vividos com incapacidade (YLD; years lived with disability, em inglês). Os anos de vida perdidos por agravos/sequelas são estimados por meio de parâmetros clínico-epidemiológicos: incidência, prevalência, letalidade, remissão, duração e proporção de casos tratados. Os agravos/sequelas, por sua vez, são subdivididos em grandes grupos de análise: I - Doenças transmissíveis, condições maternas/perinatais e condições nutricionais; II - Doenças não transmissíveis; e III - Causas externas.

Segundo o estudo Carga Global de Doenças realizado em 2010 1, aproximadamente trezentos milhões de anos de vida foram perdidos como decorrência das injúrias por causas externas, representando 11% do total estimado de DALY no mundo.

No Brasil, foram realizadas duas edições do estudo Carga de Global Doença, a primeira com estimativas para o período de referência de 1998 (Gadelha AMJ, Leite IC, Valente JG, Schramm JMA, Portela MC, Campos MR, et al. Relatório Final do Projeto Estimativa da Carga de Doenças do Brasil, 1998. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz; 2002) e a mais atual para o ano de 2008 (Leite IC, coordenador. Relatório Final. Carga de Doenças do Brasil, 2008. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz/Núcleo de Pesquisa em Métodos Aplicados aos Estudos de Carga Global de Doença; 2013). O objetivo deste artigo é apresentar o perfil da carga das causas externas, segundo faixa etária, sexo e macrorregiões do país.

Materiais e métodos

Este artigo está aninhado ao estudo Carga Global de Doenças-Brasil 2008, que utiliza a metodologia proposta por Murray & Lopez 3 para a estimação da carga de doença, com algumas especificidades detalhadas doravante.

Sendo o indicador DALY constituído pela soma dos componentes de mortalidade (YLL) e morbidade (YLD), foram necessários diferentes procedimentos para gerá-los. Para a estimação de ambos foi considerada a média do triênio 2007, 2008 e 2009.

Na elaboração do YLL, informações sobre os óbitos foram obtidas com base no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) no período de referência, e utilizou-se a expectativa de vida por sexo e faixa etária conforme metodologia de estimação apresentada no relatório do Carga Global de Doenças-Brasil 2008 (Leite IC, coordenador. Relatório Final. Carga de Doenças do Brasil, 2008. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz/Núcleo de Pesquisa em Métodos Aplicados aos Estudos de Carga Global de Doença; 2013).

Para a construção do indicador YLD foram utilizados dados provenientes do Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS). Foram empregadas informações sociodemográficas e diagnósticas na desagregação dos parâmetros aferidos para internações no período de referência, excluindo-se os óbitos. Uma vez que o SIH/SUS fornece cobertura apenas de internações no setor público, foi aplicado o fator de cobertura SUS do ano de 2008 para estimar as internações realizadas no setor privado 5. Além disso, o SIH/SUS só gera informação sobre internações, o que causaria distorções no cálculo do YLD, uma vez que é de conhecimento empírico que muitas das vítimas das causas externas passam pelas emergências e não são internadas 6.

A fim de aperfeiçoar o cálculo do YLD foram utilizadas as informações sobre as vítimas de acidentes e violências atendidas nas emergências sem necessidade de internação. Para tal, fez-se uso do inquérito Vigilância de Violências e Acidentes em serviços sentinelas de urgência e emergência (VIVA) 7. No geral, para todas as causas externas, apenas 9,6% dos atendidos foram internados, segundo o VIVA-2009 7. Essa informação indica que ao utilizar somente dados de internação do SIH/SUS, computa-se apenas uma em cada dez ocorrências das causas externas que necessitaram de atendimento médico, ou seja, ao calcular o YLD sem considerar os casos de atendimento na emergência, somente 10% do total de ocorrências seriam contabilizados.

Assim, com os dados do VIVA-2009 7, foram estimados os fatores de inflação da emergência em relação à internação por causas externas, por meio de modelos de regressão logística. Esses modelos foram ajustados de modo a possibilitar o cálculo dos fatores de inflação, cujos valores são calculados pelo inverso da probabilidade predita da proporção de internação pela causa externa específica. Um modelo foi ajustado para cada uma das causas externas mais frequentes, a saber: "acidentes de trânsito", quedas, queimaduras, agressões, "outras causas" e "todas as causas". A variável resposta utilizada no modelo foi "houve ou não internação". As variáveis explicativas incluídas nos modelos foram: região de residência, sexo, faixa etária e cinco categorias de lesões disponíveis no VIVA-2009 7. No tocante à qualidade do ajuste foram calculadas as classificações de acerto totais (overall) para cada modelo. Esse valor variou de 77,1% (modelo para "IIIA03 - quedas") a 56,6% (modelo para "IIIB02 - homicídio e violência") 8. As causas com maior fator de inflação são as consideradas menos graves, que geram um grande número de atendimentos e menos internações do que as demais causas. Esses resultados são apresentados em detalhes no diário de bordo de estratégias de estimação das causas externas no estudo Carga Global de Doenças-Brasil 2008 8.

Os fatores de inflação para os atendimentos de emergência obtidos pelo modelo de regressão realizado no presente estudo baseiam-se em apenas cinco categorias de lesão, tal como disponíveis pelo sistema VIVA-2009 7. Sendo a metodologia para estimação da carga das causas externas pautadas, internacionalmente, em trinta e duas categorias de lesão, foi necessária uma correção. A estratégia adotada foi gerar um fator intermediário compondo os modelos de regressão obtidos no presente trabalho com aqueles desenvolvidos por Mathers et al. 9 em estudo australiano, que segue os parâmetros internacionais.

Tanto os óbitos quanto as internações cujo diagnóstico pertencia ao grupo de causas externas indeterminadas (Y10-Y34), denominado pelo Carga Global de Doenças como códigos-lixo, foram redistribuídos proporcionalmente segundo Unidade da Federação, sexo, faixa etária e 32 categorias de lesões provenientes da classificação utilizada no estudo de Murray & Lopez 3.

Foi empregada uma taxa de desconto de 3% e não foi utilizado fator de ponderação da idade.

Quanto aos aspectos éticos para a realização deste estudo, todas as bases de dados foram obtidas para os anos de 2007 a 2009 diretamente do site do Departamento de Informática do SUS (DATASUS), exceto o inquérito VIVA-2009, que foi disponibilizado pela diretoria do Departamento de Análise de Situação de Saúde do Ministério da Saúde, após assinatura do termo de concessão e confidencialidade pela coordenação do projeto Carga de Doença, e subsequente aprovação no Comitê de Ética em Pesquisa da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca - ENSP/Fiocruz (CAAE: 0054.0.031.000-11).

Resultados

Estimaram-se 195 DALY por 100 mil habitantes no Brasil em 2008 para todos os agravos. Desse total, 19 foram específicos para as injúrias por causas externas, o que representou cerca de 10% da carga total de doença estimada no país. A seguir, serão apresentados os resultados separadamente para YLL, YLD e DALY, estratificados por região, sexo e faixa etária.

Análise por regiões

No Brasil, considerando-se ambos os sexos e todas as idades, as injúrias por causas não intencionais representaram uma parcela ligeiramente maior do que as causas intencionais no total do DALY para as causas externas (53,8% e 46,2%, respectivamente). Entretanto, a categoria homicídio e violência foi largamente a maior responsável pelos anos de vida perdidos, representando 38,8% do total da carga de doença relacionada às injúrias por causas externas. Os acidentes de trânsito foram a segunda causa mais prevalente, representando 29,1% do total, seguidos por outras causas não intencionais (9,5%) e quedas (8,3%) (Tabela 1; Figura 1).

Tabela 1 Distribuição dos DALY (disability-adjusted life year) de causas externas segundo sexo e regiões. Brasil, 2008. 

Causas externas Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste Brasil
% % % % % %
Homens
III taxa de DALY por 100 mil habitantes (n) 3.064 3.257 2.961 3.195 3.576 3.131
III (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
IIIA01 acidente de trânsito 23,9 25,0 30,1 32,7 31,7 28,6
IIIA02 envenenamento acidental 0,4 0,2 0,3 0,3 0,4 0,3
IIIA03 quedas 4,6 3,5 9,7 7,6 5,8 6,9
IIIA04 queimaduras e geladuras 0,5 0,7 1,1 1,3 0,8 0,9
IIIA05 afogamentos 6,3 5,7 4,0 4,1 4,0 4,7
IIIA06 outras causas não intencionais 9,9 7,9 7,6 8,2 8,8 8,1
IIIA07 complicações da assistência médica 0,2 0,4 0,8 0,3 0,3 0,5
IIIB01 suicídio e lesões autoinfligidas 6,0 5,5 6,2 9,7 6,8 6,5
IIIB02 homicídio e violência 48,3 51,0 39,2 35,5 41,4 43,0
IIIB03 intervenção legal e guerra 0,03 0,1 1,1 0,2 0,1 0,5
Total não intencionais (soma dos IIIA) 45,7 43,4 53,6 54,6 51,7 50,0
Total intencionais (soma dos IIIB) 54,3 56,6 46,4 45,4 48,3 50,0
Mulheres
III taxa de DALY por 100 mil habitantes (n) 596 546 634 717 752 626
III (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
IIIA01 acidente de trânsito 31,4 29,0 30,2 33,4 37,5 31,2
IIIA02 envenenamento acidental 0,9 0,6 0,6 0,6 0,5 0,6
IIIA03 quedas 8,3 9,3 20,3 16,1 11,2 15,3
IIIA04 queimaduras e geladuras 1,5 2,3 2,5 2,6 1,6 2,3
IIIA05 afogamentos 8,6 6,0 2,7 2,8 3,2 4,0
IIIA06 outras causas não intencionais 20,3 19,7 14,4 16,4 16,5 16,6
IIIA07 complicações da assistência médica 0,6 2,2 3,0 1,2 1,6 2,2
IIIB01 suicídio e lesões autoinfligidas 7,6 9,2 8,4 10,8 8,6 8,9
IIIB02 homicídio e violência 20,8 21,7 17,9 16,0 19,4 18,9
IIIB03 intervenção legal e guerra 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Total não intencionais (soma dos IIIA) 71,5 69,1 73,7 73,1 72,1 72,2
Total intencionais (soma dos IIIB) 28,5 30,9 26,3 26,9 27,9 27,8
Ambos os sexos
III (n) taxa de DALY por 100 mil
habitantes (n)
1.846 1.877 1.769 1.939 2.151 1.857
III (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
IIIA01 acidente de trânsito 25,1 25,6 30,1 32,8 32,7 29,1
IIIA02 envenenamento acidental 0,4 0,3 0,3 0,3 0,4 0,3
IIIA03 quedas 5,2 4,4 11,7 9,2 6,8 8,3
IIIA04 queimaduras e geladuras 0,6 0,9 1,3 1,6 0,9 1,2
IIIA05 afogamentos 6,7 5,8 3,8 3,9 3,9 4,6
IIIA06 outras causas não intencionais 11,5 9,6 8,9 9,7 10,1 9,5
IIIA07 complicações da assistência médica 0,2 0,7 1,2 0,5 0,5 0,8
IIIB01 suicídio e lesões autoinfligidas 6,2 6,0 6,6 9,9 7,1 6,9
IIIB02 homicídio e violência 43,9 46,6 35,3 31,9 37,5 38,8
IIIB03 intervenção legal e guerra 0,0 0,1 0,9 0,1 0,1 0,4
Total não intencionais (soma dos IIIA) 49,8 47,2 57,3 58,0 55,3 53,8
Total intencionais (soma dos IIIB) 50,2 52,8 42,7 42,0 44,7 46,2

Figura 1  Distribuição do YLL, YLD e gênero segundo grupos de causas externas. Brasil, 2008. DALY: disability-adjusted life year; YLD: years lived with disability; YLL: years of life lost.  

Não houve variação importante na distribuição do DALY nas diferentes regiões do país, ficando entre 18 DALY por 100 mil habitantes no Sudeste e 21 DALY por 100 mil habitantes no Centro-oeste. Nas regiões Norte e Nordeste, as injúrias intencionais assumiram a maior parcela do total de DALY para causas externas, compondo, respectivamente, 50,2% e 52,8% dos anos de vida perdidos por causas externas. Por outro lado, observou-se padrão inverso no Sul (42%) e no Sudeste (42,7%). As categorias homicídio e violência, e acidente de trânsito mantiveram-se, nesta ordem, como as principais causadoras de DALY em todas as regiões do país. No primeiro caso destacam-se as regiões Norte e Nordeste onde a violência foi responsável por 43,9% e 46,6%; e, no segundo, as regiões Sul, Centro-oeste e Sudeste nas quais os acidentes de trânsito responderam, respectivamente, por 30,1%, 32,8% e 32,7% do total de DALY para este grupo. Chama a atenção que os DALY relacionados a quedas foram mais expressivos no Sudeste (11,7%) e Sul (9,2%). Os DALY relacionados a afogamentos também foram importantes, principalmente nas regiões Norte e Nordeste onde significaram, respectivamente, 6,7% e 5,8% do total (Tabela 1).

Tal como exposto para o DALY, não houve grande variação regional na distribuição do YLL (componente de mortalidade), oscilando de 15 por 100 mil habitantes no Sudeste a 19 no Centro-oeste. Considerando todos os grupos de causas externas, o YLL foi o que respondeu pela maior parcela do DALY (88,3%), com exceção das injúrias ocasionadas por quedas, em que o YLD (componente de morbidade) foi o mais prevalente (52,3%) como pode ser visto na Figura 1.

Assim, como esperado, o YLL acompanhou a distribuição identificada para o DALY tendo como principais causas externas aquelas intencionais (51,7%), sendo a categoria "homicídio e violência" (43,4%) a maior parcela. Os acidentes de trânsito (31,2%) e a categoria suicídio e lesões autoinfligidas (7,8%) significaram a segunda e a terceira maiores causas externas de YLL (Tabela 2). Já o YLD teve como principais causas externas aquelas não intencionais (95,4%) sendo o grupo outras não intencionais o mais prevalente (37,8%), com destaque para as regiões Norte (59,9%) e Nordeste (54,6%). A exceção foi identificada nas regiões Sul e Sudeste onde as quedas assumiram a principal causa externa representando 41,3% e 44,4% dos YLD, respectivamente (Tabela 3).

Tabela 2 Distribuição dos YLL (years of life lost) de causas externas segundo sexo e regiões. Brasil, 2008. 

Causas externas Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste Brasil
% % % % % %
Homens
III Taxa de YLL por 100 mil habitantes (n) 2.819 3.060 2.633 2.868 3.268 2.848
III (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
IIIA01 acidente de trânsito 25,4 25,6 31,5 35,3 33,7 30,0
IIIA02 envenenamento acidental 0,2 0,2 0,3 0,2 0,4 0,3
IIIA03 quedas 2,7 2,3 5,6 3,7 3,5 3,9
IIIA04 queimaduras e geladuras 0,4 0,5 0,7 0,9 0,6 0,6
IIIA05 afogamentos 6,9 6,1 4,5 4,6 4,4 5,2
IIIA06 outras causas não intencionais 5,8 5,1 5,5 4,9 5,3 5,3
IIIA07 complicações da assistência médica 0,2 0,3 0,3 0,1 0,2 0,3
IIIB01 suicídio e lesões autoinfligidas 6,3 5,8 6,9 10,8 7,4 7,1
IIIB02 homicídio e violência 52,1 54,0 43,4 39,3 44,5 46,8
IIIB03 intervenção legal e guerra 0,0 0,1 1,2 0,2 0,1 0,6
Total não intencionais (soma dos IIIA) 41,5 40,1 48,4 49,8 48,0 45,5
Total intencionais (soma dos IIIB) 58,5 59,9 51,6 50,2 52,0 54,5
Mulheres
III Taxa de YLL por 100 mil habitantes (n) 457 435 463 533 599 475
III (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
IIIA01 acidente de trânsito 39,2 34,3 37,4 42,6 45,3 38,3
IIIA02 envenenamento acidental 0,8 0,6 0,7 0,6 0,6 0,7
IIIA03 quedas 4,2 5,6 10,0 7,3 6,1 7,7
IIIA04 queimaduras e geladuras 1,5 2,0 1,8 1,7 1,4 1,8
IIIA05 afogamentos 11,2 7,5 3,7 3,7 4,0 5,3
IIIA06 outras causas não intencionais 6,5 9,4 9,6 7,8 6,9 8,8
IIIA07 complicações da assistência médica 0,7 2,4 2,3 1,0 1,2 1,9
IIIB01 suicídio e lesões autoinfligidas 9,5 11,5 11,2 14,3 10,7 11,6
IIIB02 homicídio e violência 26,3 26,7 23,4 20,9 23,9 24,1
IIIB03 intervenção legal e guerra 0,1 0,0 0,0 0,0 0,0 0,0
Total não intencionais (soma dos IIIA) 64,1 61,9 65,4 64,8 65,4 64,3
Total intencionais (soma dos IIIB) 35,9 38,1 34,6 35,2 34,6 35,7
Ambos os sexos
III Taxa de YLL por 100 mil habitantes (n) 1.652 1.724 1.521 1.684 1.922 1.641
III (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
IIIA01 acidente de trânsito 27,3 26,7 32,4 36,5 35,5 31,2
IIIA02 envenenamento acidental 0,3 0,3 0,3 0,3 0,4 0,3
IIIA03 quedas 2,9 2,7 6,3 4,3 3,9 4,5
IIIA04 queimaduras e geladuras 0,5 0,7 0,8 1,0 0,7 0,8
IIIA05 afogamentos 7,5 6,3 4,4 4,4 4,3 5,2
IIIA06 outras causas não intencionais 5,9 5,6 6,1 5,3 5,6 5,8
IIIA07 complicações da assistência médica 0,2 0,6 0,6 0,3 0,4 0,5
IIIB01 suicídio e lesões autoinfligidas 6,7 6,5 7,6 11,3 7,9 7,8
IIIB02 homicídio e violência 48,6 50,4 40,3 36,3 41,2 43,4
IIIB03 intervenção legal e guerra 0,0 0,1 1,0 0,1 0,1 0,5
Total não intencionais (soma dos IIIA) 44,6 42,9 51,1 52,2 50,7 48,3
Total intencionais (soma
dos IIIB)
55,4 57,1 48,9 47,8 49,3 51,7

Tabela 3 Distribuição dos YLD (years lived with disability) de causas externas segundo sexo e regiões. Brasil, 2008. 

Causas externas Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-oeste Brasil
% % % % % %
Homens
III Taxa de YLD por 100 mil habitantes (n) 246 197 328 329 307 283
III (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
IIIA01 acidente de trânsito 6,8 15,2 18,8 9,8 10,7 15,1
IIIA02 envenenamento acidental 1,7 0,3 0,2 0,6 0,3 0,4
IIIA03 quedas 26,7 23,3 42,3 41,1 30,9 36,3
IIIA04 queimaduras e geladuras 1,6 3,1 4,2 5,3 3,3 3,9
IIIA05 afogamentos 0,0 0,2 0,1 0,0 0,0 0,1
IIIA06 outras causas não intencionais 56,6 51,4 24,6 37,5 45,4 35,9
IIIA07 complicações da assistência médica 0,3 1,5 4,6 1,9 0,9 2,9
IIIB01 suicídio e lesões autoinfligidas 2,1 0,4 0,4 0,6 0,3 0,5
IIIB02 homicídio e violência 4,2 4,7 4,8 3,1 8,3 4,7
IIIB03 intervenção legal e guerra 0,0 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0
Total não intencionais (soma dos IIIA) 93,6 94,9 94,8 96,2 91,5 94,7
Total intencionais (soma dos IIIB) 6,4 5,1 5,2 3,8 8,5 5,3
Mulheres
III Taxa de YLD por 100 mil habitantes (n) 138 111 171 184 153 152
III (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
IIIA01 acidente de trânsito 5,4 8,0 10,9 6,6 7,0 8,9
IIIA02 envenenamento acidental 1,2 0,3 0,4 0,6 0,3 0,5
IIIA03 quedas 22,1 23,6 48,2 41,7 31,0 39,0
IIIA04 queimaduras e geladuras 1,4 3,7 4,4 5,3 2,2 4,0
IIIA05 afogamentos 0,0 0,2 0,0 0,1 0,0 0,1
IIIA06 outras causas não intencionais 65,9 60,2 27,4 41,2 54,3 41,2
IIIA07 complicações da assistência médica 0,1 1,4 4,9 1,9 3,4 3,2
IIIB01 suicídio e lesões autoinfligidas 1,4 0,2 0,9 0,7 0,2 0,7
IIIB02 homicídio e violência 2,5 2,3 2,9 1,9 1,4 2,5
IIIB03 intervenção legal e guerra 0,0 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0
Total não intencionais (soma dos IIIA) 96,0 97,5 96,2 97,3 98,3 96,8
Total intencionais (soma dos IIIB) 4,0 2,5 3,8 2,7 1,7 3,2
Ambos os sexos
III Taxa de YLD por 100 mil habitantes (n) 193 153 248 255 229 217
III (%) 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0
IIIA01 acidente de trânsito 6,3 12,6 16,0 8,6 9,4 12,9
IIIA02 envenenamento acidental 1,5 0,3 0,3 0,6 0,3 0,4
IIIA03 quedas 25,0 23,4 44,4 41,3 30,9 37,3
IIIA04 queimaduras e geladuras 1,5 3,3 4,3 5,3 2,9 4,0
IIIA05 afogamentos 0,0 0,2 0,1 0,0 0,0 0,1
IIIA06 outras causas não intencionais 59,9 54,6 25,6 38,9 48,4 37,8
IIIA07 complicações da assistência médica 0,2 1,4 4,7 1,9 1,7 3,0
IIIB01 suicídio e lesões autoinfligidas 1,9 0,3 0,5 0,7 0,3 0,6
IIIB02 homicídio e violência 3,6 3,8 4,1 2,7 6,0 3,9
IIIB03 intervenção legal e guerra 0,0 0,0 0,0 0,1 0,0 0,0
Total não intencionais (soma dos IIIA) 94,5 95,9 95,3 96,6 93,8 95,4
Total intencionais (soma dos IIIB) 5,5 4,1 4,7 3,4 6,2 4,6

Análise por sexo

Houve uma importante variação na distribuição do DALY entre os sexos. Os homens apresentaram taxa cinco vezes maior do que as mulheres (31 e 6 DALY por 100 mil habitantes, respectivamente).

Dentre os homens, as causas não intencionais e intencionais representaram igual parcela do total de DALY no Brasil, sendo a categoria homicídio e violência (43%) seguida pelos acidentes de trânsito (28,3%) as principais causas externas identificadas. Essa distribuição foi mantida na estratificação por regiões, e chama a atenção que no Nordeste a categoria homicídio e violência foi responsável por mais da metade de todo o quantitativo de DALY entre homens (51%) (Tabela 1). Quando se considera o ranking das categorias, o YLL segue a mesma configuração do DALY, como esperado (Tabela 2). No entanto, na composição do YLD a categoria queda (36,3%) foi a causa mais prevalente, seguida por outras causas não intencionais (35,9%) (Tabela 3).

Dentre as mulheres, a maior parcela de DALY no Brasil foi registrada por causas não intencionais (72,2%) e, em oposição aos homens, os acidentes de trânsito (31,2%) seguidos de homicídio e violência (18,9%) constituíram as principais causas externas para o DALY. Porém, esse perfil varia entre as regiões. Nas regiões Sul e Sudeste, por exemplo, o quantitativo de DALY relacionado a quedas foi maior do que aquele relativo a "homicídio e violência", representando 16,1% e 20,3% do total de DALY (Tabela 1). Assim como identificado entre homens, o YLL acompanhou a distribuição do DALY para o sexo feminino (Tabela 2). O YLD teve como principais causas as categorias outras não intencionais (35,9%) e quedas (39%) (Tabela 3).

Análise por faixa etária

No tocante à distribuição etária dos DALY por causas externas, o grupo de maior representação é o de 15-29 anos concentrando 44,4% dos anos de vida perdidos, seguido pelo grupo de "30-44 anos" com 26,8% (Figura 2). Esse perfil replica-se tanto para as causas intencionais quanto para as não intencionais. Porém, vale destacar a maior concentração de perda de anos de vida no grupo das causas intencionais para as idades de 15-44 anos, agregando 86% do DALY das intencionais frente aos 59% das não intencionais (Figuras 3 e 4).

Figura 2  Distribuição do YLL, YLD e faixa etária entre os grupos causas externas intencionais e não intencionais. Brasil, 2008. DALY: disability-adjusted life year; YLD: years lived with disability; YLL: years of life lost.  

Figura 3  Distribuição do YLL, YLD e gênero segundo faixa etária entre os grupos causas externas intencionais. Brasil, 2008. DALY: disability-adjusted life year; YLD: years lived with disability; YLL: years of life lost.  

Figura 4  Distribuição do YLL, YLD e gênero segundo faixa etária entre os grupos causas externas não intencionais. Brasil, 2008. DALY: disability-adjusted life year; YLD: years lived with disability; YLL: years of life lost.  

A estratificação por sexo no grupo etário mostra maior participação dos homens em todas as faixas etárias, sendo esta diferença ainda mais pronunciada no grupo de 15-29 anos, entre as causas intencionais. Em contrapartida, há maior participação das mulheres nos grupos menores de 15 anos e 60 anos e mais (Figuras 3 e 4)

Considerando todas as faixas etárias, o DALY para as injúrias não intencionais apresentou proporção de YLD 10 vezes maior do que para as injúrias intencionais (20% e 2%, respectivamente). Para ambos os grupos de causas o YLD é maior nas faixas etárias menos de 15 anos e 60 anos e mais (Figuras 1 e 2).

Discussão

Síntese dos resultados encontrados

No Brasil, em 2008, as injúrias por causas externas representaram cerca de 10% da carga total de doença estimada. Observou-se uma razão de sexo de 4,8 (para os homens) no DALY, com maior predominância para as causas não intencionais entre as mulheres e a faixa etária predominante foi de 15-29 anos. No YLL as proporções das causas não intencionais (48%) e intencionais (52%) apresentaram um equilíbrio. Já no YLD, as causas não intencionais predominam com 95%. A participação do YLL no DALY foi de 90%. A causa com maior proporção de YLL foi homicídio e violência (43,4%), seguida de acidente de trânsito (31,2%). As quedas representaram a maior proporção de YLD (36,3%).

Não houve variação significativa na distribuição do DALY nas diferentes regiões do país, entretanto observou-se diferença no ranking das causas. As regiões Sul e Sudeste tiveram a maior participação nas quedas e acidentes de trânsito enquanto que nas regiões Norte e Nordeste houve maior perda de anos por homicídio e violência.

Resultados no contexto da literatura

As injúrias por causas externas foram responsáveis por 11% do total da carga de doença estimada para todo o mundo em 2010 10, o que mostra conformidade com o achado do presente estudo (10%).

No Brasil, os homicídios/violência foram, no ranking das causas externas, os maiores responsáveis pelos anos de vida perdidos em 2008 (38,8%), com destaque para as regiões Norte (43,9%) e Nordeste (46,6%). Esse perfil diverge do identificado internacionalmente, em que, no ano de 2010, esses agravos ocuparam a quarta posição no ranking do DALY para causas externas (9,2%), atrás dos acidentes de trânsito (27,3%), do suicídio (13,3%) e das quedas (12,8%) 10. A grande expressividade dos homicídios no Norte e Nordeste é fenômeno recente. Entre 2000 e 2010, as taxas de homicídios nessas regiões passaram, respectivamente, de 34,2 e 34 para 45,8 e 55,7 por 100 mil habitantes, um aumento 33,6% e 64%. Em contrapartida, observou-se padrão inverso na região Sudeste cuja taxa despencou de 58,9 para 19,9 homicídios por 100 mil habitantes, uma queda de 66% 11. Entre os fatores que podem ter contribuído para essa inversão, Waiselfisz 11 aponta: (1) o surgimento de pólos econômicos que, desacompanhados de políticas de segurança pública adequadas propiciaram o aumento da criminalidade; (2) o plano nacional de segurança pública de 1999 e o fundo nacional de segurança instituído em janeiro de 2001, que asseguraram a transferência de recursos para o aparelhamento da segurança pública nas capitais e regiões metropolitanas; e (3) a diminuição da subnotificação em diversas regiões do país. Entretanto, frisa-se que apesar das inegáveis reduções das taxas de homicídios na região Sudeste, o presente trabalho identificou que nesta região estes eventos representaram a maior parcela do DALY para causas externas. Ademais, para todas as regiões do país as taxas brutas do DALY relacionadas a homicídios/violência foram elevadíssimas, bem acima das identificadas no mundo 10.

No presente estudo, os acidentes de trânsito representaram a segunda maior parcela de DALY para causas externas considerando-se ambos os sexos e todas as faixas etárias em todas as regiões do país, assumindo o primeiro lugar na região Sul. No mundo, esses agravos ocuparam o topo do ranking das causas externas em 2010 (27,3%) 9. A OMS estima que 1,24 milhão de pessoas morre anualmente por acidentes de trânsito, sendo esta a principal causa de óbito entre jovens de 15-29 anos 11. Os acidentes de trânsito afetam primordialmente os países mais pobres. Enquanto a taxa mundial de mortalidade por essa causa é de 18 por 100 mil habitantes, nos países de renda média este valor sobe para 20,1 e nos países de renda alta cai para 8,7 12. Em 2009, apenas 28 países tinham legislação regulamentando adequadamente as cinco medidas consideradas essenciais para a prevenção de acidentes nas estradas: controle de velocidade, controle do uso de álcool por motoristas, uso de capacete entre os motociclistas, uso de cinto de segurança e uso de cadeiras infantis nos automóveis 12. Em 2010, a Organização das Nações Unidas (ONU) proclamou o período de 2011-2020 como a década de ação pela segurança no trânsito 13. A meta é que sejam poupadas cinco milhões de vidas nesse período. O plano de ação proposto está dividido em cinco pilares de intervenção: fortalecimento da gestão, investimento em infraestrutura viária, segurança veicular, comportamento e segurança dos usuários do trânsito, e atendimento pré-hospitalar e hospitalar ao trauma 13. No Brasil, como importantes medidas para o enfrentamento desse problema, destacamos a efetivação do código de trânsito brasileiro em 1998 14 e a implementação da chamada Lei Seca 15 que entrou em vigor dez anos depois, em 2008, ambas com impactos nas reduções das internações hospitalares e nos óbitos 16. Apesar disso, um relatório recente 17 aponta que a morbimortalidade por acidentes de trânsito vem sofrendo aumento sistemático desde 1980, impulsionado, sobretudo, pela elevação da frota de motocicletas. O mesmo relatório também explicita que, entre os anos de 2001 e 2011, as taxas de mortalidade por esses eventos reduziram em todas as regiões do país com exceção do Centro-oeste, Norte e Nordeste onde aumentaram, respectivamente, 2,9%, 14,3% e 21,1% no período. Chama atenção que no presente estudo as regiões Norte e Nordeste foram as que apresentaram a menor expressividade de acidentes de trânsito, tanto em termos de proporção de causas externas (25,1 e 25,6%, respectivamente) quanto de taxas brutas de DALY (463 e 480 DALY por 100 mil habitantes, respectivamente), situação que pode ser revertida caso as taxas de mortalidade continuem crescendo nestas regiões.

Neste estudo, as quedas significaram a quarta maior parcela do DALY para causas externas e a terceira entre as causas não intencionais. As quedas são a segunda causa de morte por injúrias não intencionais em todo o mundo 1. Entre crianças e idosos, a queda é a injúria não intencional mais frequente. Agran et al. 18 encontraram que as quedas foram o principal mecanismo de trauma entre crianças de 0-3 anos. Tanto para crianças quanto para idosos, o ambiente doméstico é onde ocorre o maior número de quedas 19. No Brasil, uma coorte realizada com 1.667 idosos residentes no Município de São Paulo mostrou que 30% deles sofreram quedas ao menos uma vez ao ano 20. Entre os fatores que predispõem às quedas em idosos estão incluídos sedentarismo, autopercepção ruim da saúde, faixa etária mais elevada, número de medicações referidas para uso contínuo, residir em casa, renda igual ou inferior a um salário mínimo, entre outros 21 , 22. O maior percentual de DALY atribuído às quedas nas regiões Sul e Sudeste pode ser explicado pelo perfil demográfico destas regiões, onde é encontrada uma maior concentração de idosos 23. A maior expressividade das quedas entre as mulheres também era esperada, uma vez que a expectativa de vida bem como a prevalência de doenças crônicas é maior para este sexo 24.

No Brasil, o suicídio não teve grande representatividade no DALY para causas externas em 2008, ficando em quinta posição, ao contrário do observado no mundo, onde estes agravos assumiram o segundo lugar no ranking das causas externas (13,3%) em 2010 10. Destacam-se a regiões Sul e Centro-oeste onde os suicídios apresentaram maior expressividade, tanto em termos de taxa bruta (193 e 153 DALY por 100 mil habitantes) quanto de parcela de DALY para causas externas (9,9% e 7,1%), em conformidade com o identificado pela literatura na análise da mortalidade 24. Contudo, neste trabalho, a análise com um nível de desagregação apenas por regiões inviabilizou uma compreensão mais aprofundada do fenômeno. Estudos recentes apontam elevadas taxas de suicídio em determinados municípios do país, especialmente os que abrigam minorias étnicas como as comunidades indígenas 25 , 26.

Quanto às diferenças entre os sexos, os homens apresentaram, em todos os grupos de causas externas, taxas brutas de DALY bem superiores às mulheres, em conformidade com o identificado pela literatura nacional na análise das taxas de morbimortalidade 26 , 27. Estudos apontam que a elevação sistemática das causas externas identificadas nas últimas décadas foi impulsionada sobretudo pelos homens, tendo as taxas de mortalidade por estes agravos se mantido pouco alteradas para o sexo feminino desde a década de 80 26 , 28. É largamente conhecida a sobremortalidade masculina em todas as causas básicas e faixas etárias do grupo de causas externas, o que impacta diretamente em maiores expectativas de vida entre as mulheres 27. No Brasil, uma importante proposta de enfrentamento nesse sentido foi a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem 29, cujo objetivo é qualificar a atenção à saúde da população masculina na perspectiva de linhas de cuidado, orientadas pela integralidade da atenção. Em resumo, o que se busca com essa política é intervir favoravelmente nos indicadores de morbidade e mortalidade, elevando a expectativa e a qualidade de vida da população masculina.

De acordo com os resultados deste estudo, 71% do total da carga de doença relacionada às injúrias no Brasil acometem indivíduos da faixa de 15-44 anos. Esse percentual sobe para 85% quando são consideradas as injúrias intencionais. Por vitimarem principalmente indivíduos que se encontram em idade laborativa, as causas externas são responsáveis por um forte impacto no orçamento das famílias. Aeron-thomas et al. 30 observaram inclusive redução do consumo de alimentos entre os familiares das vítimas. Em países mais pobres como o Vietnã, 90,0% das despesas para tratamento das lesões por causas externas recaem sobre a vítima ou seus familiares, correspondendo a sete meses de trabalho 31. No Canadá, as injúrias custaram 19,8 bilhões de dólares em 2004, ano em que 13.667 pessoas morreram e mais de 60 mil ficaram parcialmente incapacitadas por esse motivo. Nos Estados Unidos, os gastos médicos relacionados a injúrias mantiveram-se constantes entre 1985 e 2000 e foram estimados em 117 bilhões de dólares, representando 10,3% do total de despesas médicas naquele país 32. No Brasil, no Estado de São Paulo, Mesquita Filho & Mello Jorge 33 analisando as internações no SUS para o ano 2000 identificaram que apesar das lesões ocasionadas por causas externas terem sido responsáveis por menos de 10% do total de internações, e de terem apresentado tempo de permanência menor comparativamente às causas naturais, o custo para tratamento das sequelas foi maior tanto pelo gasto médico quanto pelo custo dia, e aqueles que faleceram apresentaram gastos três vezes maiores em relação aos que tiveram alta.

A análise dos fatores de risco relacionados à carga de doença realizada no âmbito do estudo Carga Global de Doenças-2010 mostra que no mundo, do total de DALY relacionados às causas externas, 11,5% são atribuídos ao abuso de álcool, 8,5% aos riscos ocupacionais e 2,8% à violência entre casais 1. No Brasil, estudo realizado com vítimas de causas externas atendidas em um hospital universitário de Minas Gerais identificou que a alcoolemia foi positiva para 31,8% dos casos, tendo sido mais frequente entre as vítimas de agressão física (57,1%), de acidentes de trânsito (29,3%) e de quedas (18,2%) 34. Na busca pela redução dos anos de vida perdidos por causas externas, diversas estratégias preventivas têm se mostrado eficientes em diferentes países 35. Entre nós, o Ministério da Saúde, por meio da Política Nacional de Redução da Morbimortalidade por Acidentes e Violências 36, institucionalizou o compromisso de atuar na redução das lesões ocasionadas por causas externas, tanto a partir da prevenção dos agravos quanto pelo tratamento das sequelas. Dentre os diversos desdobramentos dessa política destaca-se o inquérito VIVA-2009 7, implantado no SUS em 2006, que serviu como uma das fontes para o cálculo do YLD apresentado neste artigo.

Forças e limitações do estudo

Na análise do perfil das injúrias por causas externas o uso do indicador DALY é de extrema utilidade. Apenas os números absolutos de morbimortalidade disponíveis nos sistemas de informação não são capazes de dimensionar corretamente o impacto que esses agravos representam na sociedade. O DALY agrega informações sobre mortalidade e morbidade, considerando para esta última, dados sobre internações, procura por serviços de emergência e gravidade das sequelas. Desse modo, ele é capaz de melhor evidenciar as mudanças no perfil das injúrias por causas externas frente ao processo de transição demográfico-epidemiológico 37. Assim, apesar das injúrias por causas externas representarem 12,6% de todos os óbitos no país em 2008, em termos de carga de doença, estes eventos agregam 17% dos anos de vida perdidos por morte prematura nesse mesmo ano. Essa discrepância também se deve ao fato das causas externas acometerem principalmente indivíduos jovens, significando uma elevada perda de anos de vida saudável. Por fim, consideradas as diferenças na metodologia para a sua construção, trata-se de indicador internacionalmente comparável.

Entretanto, a metodologia para a construção do DALY apresenta algumas fragilidades tendo em vista as limitações nos sistemas de informação disponíveis. Quando possível, técnicas indiretas para correção dos dados foram utilizadas: (1) Não existe, por exemplo, um sistema nacional de informação para emergências periodicamente alimentado. Na solução desse problema foram utilizados os dados do inquérito VIVA-2009 7 sobre procura de serviços de emergência. Contudo, deve-se ressaltar que esses dados não têm abrangência nacional, sendo apresentados apenas os números das capitais do país; (2) Os dados da SIH/SUS, usados para estimar a internação, não abrangem o setor privado. Assim, foi necessária a correção para o fator SUS 8 que precisa ser melhor aprimorado, tendo em vista a complexidade de procedimentos realizados; (3) Sabe-se que há sub-registro no SIM 38. Apesar de tudo, por consenso na literatura, não são utilizados métodos para a correção desse problema, o que pode subestimar os resultados 39.

Implicações práticas e para pesquisa

A construção do DALY envolve um processo de estimação das doenças e agravos dinâmicos, requerendo que as estratégias empregadas para sua execução estejam em constante processo de aperfeiçoamento. Desse modo, os estudos de carga global de doença 3 , 40 vêm sendo atualizados e, recentemente, foram publicados refinamentos metodológicos e atualizações dos resultados 41 , 42. Assim, avaliações temporais dos perfis resultantes dos parâmetros utilizados devem ser feitas com cautela.

Na perspectiva da incorporação de novos desenvolvimentos sugere-se investir em estudos de custo-efetividade, em que o impacto de diferentes intervenções em saúde é avaliado dado o perfil da carga de doença. Outra possibilidade importante diz respeito à identificação de fatores de risco, responsáveis por uma fração significativa da carga de doença para causas externas. Além disso, propõe-se ainda o estudo da evolução da carga de doença com base na comparação dos estudos de 1998 e 2008, atualizando os dados do primeiro com a metodologia empregada no último.

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