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Dificuldades e facilidades da família para cuidar a criança com HIV/Aids

Dificuldades e facilidades da família para cuidar a criança com HIV/Aids

Autores:

Bruna Peres Pacheco,
Giovana Calcagno Gomes,
Daiani Modernel Xavier,
Camila Magroski Goulart Nobre,
Deise Ribeiro Aquino

ARTIGO ORIGINAL

Escola Anna Nery

versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465

Esc. Anna Nery vol.20 no.2 Rio de Janeiro abr./jun. 2016

http://dx.doi.org/10.5935/1414-8145.20160052

RESUMEN

Objetivo:

Conocer las dificultades y facilidades de la familia para cuidar el niño con el virus de la inmunodeficiencia humana.

Métodos:

Se realizó un estudio descriptivo de naturaleza cualitativa, en hospital en el sur del Brasil, en el segundo semestre de 2014. Participaron quince familiares. Los datos fueron recolectados por entrevistas semiestructuradas y sometidos a análisis de contenido.

Resultados:

Se encontró como dificultades de la familia para el cuidado la confidencialidad del diagnóstico del niño para ello, administración de los antirretrovirales, financiera, hospitalizaciones, prejuicios y muerte de la madre. Cuanto a las facilidades referiran el niño aceptar el diagnóstico, la obtención de beneficio, apoyo familiar, vecinos y amigos.

Conclusión:

Se espera sensibilizar a los profesionales de salud/enfermería para una mirada al familiar cuidador, garantizándoles el acceso a los servicios de salud e informaciones que permitan cuidar al niño.

Palabras clave: Síndrome de Inmunodeficiencia Adquirida; Niño; Familia; Enfermería

INTRODUÇÃO

A síndrome da imunodeficiência adquirida (Aids) encontra-se no Brasil como uma epidemia que é causada pelo vírus da imunodeficiência humana. No início dos anos 80, a Aids estava associada aos chamados grupos de risco. Porém, com o avanço da epidemia, passou a atingir pessoas em todas as faixas etárias e pertencentes a grupos distintos, inclusive crianças. Atualmente, encontramos crianças e adolescentes vivendo com o HIV/Aids desde o nascimento, necessitando de medicações antirretrovirais por períodos prolongados1.

O risco global de transmissão vertical do HIV nos primeiros doze meses de idade é de cerca de 35% a 40%, na ausência de qualquer intervenção2. Em contextos de recursos limitados, metade das crianças que contraem o HIV de suas mães morre. No entanto, essas mortes são evitáveis com o diagnóstico precoce acompanhado de tratamento antirretroviral e profilaxia de infecções oportunistas3. O aumento ou diminuição dos casos de transmissão vertical no Brasil, ainda, é controverso. Nos últimos anos, o contágio por esta via está diminuindo consideravelmente4.

A cronicidade da Aids implica em processo de adesão a um regime medicamentosos complexo e prolongado. Nesse sentido, a adesão das pessoas que tem HIV/AIDS não depende da disposição e do fornecimento gratuito dos antirretrovirais, principalmente quando se fala do público infantil. Dentre os fatores dificultadores na adesão à terapia no público infantil estão: gosto e odor desagradável dos fármacos, mudanças no estilo de vida, excessivo número de doses e drogas, esquecimento da medicação e/ou de suas doses, administração do medicamento fora do ambiente familiar e dos horários5.

Como fatores que facilitam a adesão têm-se o desaparecimento dos sintomas da doença com o uso da medicação, a ingestão dos medicamentos com líquidos, a utilização de adesivos para identificar os medicamentos, a associação da ingestão a atividades rotineiras do dia a dia, atividades lúdicas a fim de elucidar questões acerca da adesão e o fortalecimento do vínculo entre profissionais da saúde, crianças e familiares6.

A criança que tem HIV/AIDS e necessita fazer uso dos antirretrovirais pode não compreender o processo que envolve a terapia, a necessidade do uso da medicação, a evolução da doença e suas consequências. Desse modo, necessitam de cuidados especiais, tendo em vista a repercussão psicológica e física que esse fato acarreta. A família apresenta-se como a principal fonte de ajuda e cuidado, contribuindo para o seu bem estar5.

Desde o nascimento de uma criança a família exerce o papel de sua cuidadora. A criança com HIV/Aids precisa ter na família um amparo para o seu desenvolvimento social e emocional7. O enfermeiro/equipe de saúde necessita compreender as necessidades do seu familiar cuidador, ajudando-os a obterem diagnósticos precoces e acesso a seu tratamento e ao da criança, ao planejamento familiar efetivo e as orientações necessárias para os habilitarem a cuidá-la e se cuidar8.

O familiar cuidador precisa estar ciente das condições e necessidades da criança e, principalmente, da importância da adesão ao tratamento para o sucesso terapêutico. Na maioria das vezes, é um familiar quem realiza essas ações, sendo fundamental seu papel no cuidado das necessidades de saúde, crescimento e desenvolvimento da criança6.

Para auxiliar a família a desempenhar esse papel é necessário conhecer suas vivências no cuidado a essas crianças. Nesse sentido a questão que norteou esse estudo foi: quais as dificuldades e as facilidades apresentadas pela família para cuidar a criança com HIV/Aids? A partir dessa, objetivou-se conhecer as dificuldades e facilidades da família para cuidar a criança com HIV/Aids.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo descritivo, exploratório com abordagem qualitativa. É descritivo e exploratório à medida que observa e registra a incidência do fenômeno para explorar sua dimensão, a maneira pela qual ele se manifesta e fatores com os quais ele se relaciona9. A abordagem qualitativa considera, como fonte de estudo, a ótica dos indivíduos que vivenciam determinado fenômeno e seus significados9.

O estudo foi realizado no segundo semestre de 2014 no Hospital Dia Aids Pediátrico em um hospital no sul do Brasil. Esse é um hospital de referência no atendimento à criança com Aids, desde 1989. É um hospital público de grande porte que só atende pacientes conveniados pelo Sistema Único de Saúde. No Hospital Dia realizam-se consultas agendadas mensalmente e administração de medicamentos para a efetuação do tratamento. Atualmente, encontram-se em atendimento 40 crianças.

Participaram quinze familiares cuidadores que atenderam ao critério de inclusão: ser o principal familiar cuidador da criança com HIV/AIDS, acompanhar a criança periodicamente no Hospital Dia Aids e ter 18 anos ou mais. Foram excluídos do estudo familiares que acompanham a criança no setor apenas eventualmente.

Os dados foram coletados por uma das pesquisadoras do estudo por meio de entrevistas semiestruturadas únicas com cada participante. Foram questionadas acerca das dificuldades e facilidades para cuidar a criança com HIV/Aids. Essas foram realizadas na sala de espera do Programa Hospital Amigo da Criança, pelo conforto, privacidade e, por ser anexa à Unidade de Pediatria do hospital em estudo.

Os dados das entrevistas foram submetidos à análise de conteúdo10. Esse método é operacionalizado por três fases: pré-análise, exploração do material e por último, o tratamento dos resultados, inferência e interpretação. A pré-análise é a fase de organização que tem por objetivo tornar operacional e sistematizar as ideias iniciais, escolher os documentos, realizar a leitura flutuante que permitiu constituir um corpus que é o conjunto dos documentos a serem analisados.

Na exploração do material são determinados os recortes do texto em unidades de categorização para análise e de codificação dos dados. Após essa etapa, se passa ao tratamento dos resultados na qual o material codificado passa a ser representado pelas unidades de registro, formando unidades e categorias10.

Foram respeitados os princípios éticos conforme a Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde11. O projeto de pesquisa foi submetido ao Comitê de Ética da Universidade Federal do Rio Grande/FURG e aprovado, mediante parecer nº114/2014. As falas dos participantes foram identificadas pela letra F para familiares todas seguidas do número da entrevista.

RESULTADOS

Apresentou-se a caracterização dos participantes do estudo e as categorias geradas a partir da análise de conteúdo: dificuldades da família para cuidar a criança com HIV/AIDS e facilidades da família para cuidar a criança com HIV/Aids.

Caracterização dos familiares cuidadores participantes do estudo e das crianças

Participaram do estudo quinze familiares cuidadores com idades entre 23 e 61 anos, com uma média de 42,4 anos. Possuem como grau de parentesco da criança, mãe (seis), mãe adotiva (três), pai (três), madrasta (uma) e avó (duas). Tendo como escolaridades, ensino fundamental incompleto (nove), ensino fundamental completo (três) e ensino médio completo (três).

Quanto à profissão, três são aposentados, seis do lar, três serviços gerais, dois tarefeiros e um comerciante. Quanto à situação conjugal, seis são solteiros, cinco casados e quatro separados. Vivem com uma renda familiar entre R$ 300,00 e R$ 2.000,00, com uma média de R$ 1.074,00, sendo o salário mínimo da época R$ 724,00.

As crianças possuíam idades entre um ano e nove meses e 12 anos, com uma média de 8 anos, sendo seis do sexo masculino e quatro do sexo feminino. Todas adquiriram o vírus HIV por meio de transmissão vertical.

Dificuldades da família para cuidar a criança com HIV/Aids

Os familiares referiram dificuldades em manter o sigilo acerca do diagnóstico da criança para a mesma, pois querem escolher o momento adequado de revelar-lhe seu diagnóstico.

Não tem facilidade nenhuma! Não é fácil! (F1)

É mais difícil sim! (F4)

Quando entra no consultório, as moças não falam HIV ou que ela é portadora. Eu pedi, porque ela é muito esperta, ela sabe tudo. Eu quero escolher a melhor hora para contar para ela o que ela tem (F9).

Encontram dificuldade em administrar os antirretrovirais para a criança, pois são medicações que, geralmente, causam reações gástricas como dor de estômago, enjôo e vômitos, sendo difícil para a criança ingeri-los. Sua maior preocupação é que a medicação deverá ser utilizada por toda a vida.

Cuidar dele é normal, é mais difícil é dar o remédio, o horário, é duas vezes ao dia, de doze em doze horas (F2).

Ele toma medicamento todos os dias, nos mesmos horários. Todo dia, para o resto da vida. Isso aí é bem complicado (F7).

No início foi bem difícil fazer ela tomar os remédios. Agora já está mais acostumada, reclama mas toma. Às vezes, ela fica meio enjoada. Às vezes, vomita. Diz que está ruim da barriga, mas é dos remédios mesmo (F6).

Tendo em vista a quantidade de medicações que tomam, as crianças possuem dificuldade para se alimentar, causando grande preocupação no familiar cuidador.

A alimentação dele me deixa muito preocupada, a mim e ao pai dele. Às vezes ele chega em casa, que nem ontem. Eu convidei ele para comer e ele disse que não estava com fome. Coisa que tu te preocupas porque sabes que tem que comer (F8).

A maior dificuldade é fazer ela se alimentar. Acho que vai se desnutrir, mas estou sempre tentando algum alimento, como sucos e frutas (F11).

Uma das famílias referiu ter grandes dificuldades financeiras para arcar com as demandas de cuidado com a criança.

Com o que eu ganho não estou conseguindo sustentar minha filha. Tentei encaminhar um benefício para ela e o INSS negou. Com R$ 507,00 pago água, luz, supermercado, IPTU do terreno e gás. Não tenho mais dinheiro para o resto do mês (F13)

Estou sem dinheiro para comprar fraldas para ela. Vou pedir ajuda ao pai dela e para minha mãe (F14).

O cuidado da criança é permeado pelo medo que ela se machuque e sangre durante a brincadeira com outras crianças. Por isso, propiciam que a criança brinque dentro de casa com os irmãos e sob sua supervisão, evitando que brinque com outras crianças, impondo limitações como forma de proteção para que não se machuque.

Se ele se machucar eu vou limpar. Mas para que não corra o risco de alguma amiguinha ou outra pessoa tentar ajudar e não saber do que ela tem. Evito que ele brinque na casa dos amiguinhos. Ele brinca mais com o irmão dele (F12).

O meu medo é se ela cair, se machucar e alguém ter contato com o sangue. Ela não brinca com ninguém, só na escola. Em casa só com o meu netinho. Deixo ela mais ficar no computador (F15).

Filho meu não vai para casa de amiguinho. Se o amiguinho quiser vem brincar aqui em casa. Isso já é uma coisa do meu sistema, porque limites ela não tem, só cuido ela na hora que se machuca (F5).

Outra dificuldade referida foi a de evitar que a criança adquira doenças oportunistas e tenha sua imunidade diminuída.

Difícil mesmo é atacar essas doenças oportunas, por causa do organismo dele, dependendo como estão as defesas dele. Isso tudo me preocupa (F7).

Se ele está deitado a gente já fica preocupado. Ele é uma criança normal, só é uma criança que tem uma doença. A sorte é que o CD4 dele está super bem, mas acontece que a gente tem medo por causa das outras doenças que podem entrar no organismo dele (F8).

Referiram como dificuldade enfrentada pela família a necessidade de hospitalizações pela criança.

Quando ele era pequeno ele já esteve internado por causa da Aids. Foi um susto! (F12)

Quando ela estava no abrigo ela já esteve baixada no hospital, teve até na UTI, por causa das infecções que apareciam. Depois que veio comigo não (F5).

Uma das familiares cuidadoras revelou que o cuidado à criança é solitário. Queixou-se que não se divulga para a sociedade o significado de cuidar. A sociedade não quer saber da doença, não dão voz aos cuidadores.

Eu não vejo muita coisa ser feita para as crianças que são portadoras do HIV, a sociedade não faz muita coisa. Me sinto sozinha (F5).

No hospital nos ensinam apenas a tomar a medicação e que tem que se cuidar para evitar doenças. Nunca ninguém deu voz para as mães adotivas ou para as mães que também passaram para ver o que elas pensam. Precisamos ter um acompanhamento psicológico e assistência social (F9).

Denunciaram o preconceito sofrido dentro da família e pelas demais pessoas. Inclusive, um dos familiares referiu que no hospital sente-se estigmatizada pelos profissionais da saúde que lhes assistem.

Se a própria família se afastou de nós quando soube, imagina as pessoas de fora o que não vão fazer (F11).

Quando chego no hospital e digo que sou cuidadora de criança com HIV/Aids, a primeira coisa que te dizem é para colocares luva, não tocares naquele paciente sem luva porque ela tem Aids. Eu acho isso um crime (F13).

A morte da mãe da criança faz com que o número de cuidadores seja reduzido. Esses se preocupem com quem ficará a criança caso morram porque, em alguns casos, também são portadores do vírus.

A mãe dele morreu por causa de um câncer. Não que a Aids não esteja envolvida. Como estava com a imunidade baixa morreu mais rápido. Ele tinha seis anos quando a mãe dele faleceu. Agora sou eu e uma companheira que tenho que cuidamos dele (F7).

Fui até o advogado e peguei a guarda dela, para não deixar ela cair na vida. Quero ver se vendo a minha casa e vou embora de Rio Grande. Meus parentes moram em Santa Catarina. Se morro em função da doença teria eles para cuidar dela para mim (F6).

Facilidades da família para cuidar a criança com HIV/AIDS

Um dos familiares referiu como facilidade o fato da criança aceitar o seu diagnóstico. No entanto, orientou a criança a não falar na escola e para os demais que tem o vírus.

[...] na escola peço para ela não revelar para ninguém (F3).

Ele aceita bem, não sofre discriminação. Sempre falamos que não precisava falar para ninguém que tem a doença. Se teus amigos souberem vão ser teus amigos mesmo assim. Quem é teu amigo não vai deixar de ser por causa da doença (F1).

Outra facilidade referida foi à obtenção de um benefício via judicial, conseguindo que o cuidador se aposente, ou seja, beneficiário, fazendo com que tivesse mais tempo para cuidar da criança.

Procurei tentar encaminhar um benefício, porém me tiraram. Tive que colocar um advogado para conseguir me aposentar. É melhor para cuidar dela (F6).

O dinheiro que ganho do INSS me ajuda a passar o tempo todo cuidando dela. Tem vezes que perco o benefício, mas faço nova perícia e ganho novamente (F3).

Consideraram como facilidade o apoio da família na prestação do cuidado à criança. Os dados do estudo mostram que mães, maridos e irmãos se organizam para auxiliar à família no cuidado.

Minha mãe e meu irmão são as únicas pessoas a quem confio o cuidado da minha filha. Quando tenho que sair de casa são eles quem cuidam (P10).

Meu marido me auxilia nos cuidados no hospital. Ele divide os cuidados comigo. Quando ele está trabalhando eu cuido da nossa filha para quando ele chegar poder descansar em casa (P9).

Além dos familiares, alguns vizinhos e amigos se aproximam da família da criança com HIV/Aids, no intuito de organizar uma rede de apoio social para auxiliá-la. O auxílio foi manifestado por meio do oferecimento de roupas, fraldas e leite para a criança, bem como o apoio emocional à família.

Minha amiga e comadre junta as roupas do filho caçula para mim. Todos os amigos dela estão juntando e ajudando também (P13).

Tenho algumas vizinhas que doam as fraldas e o leite. Elas disseram que conseguem na igreja que frequentam. É uma ajuda para cuidar dela (F10).

DISCUSSÃO

Os familiares referiram como dificuldade revelar o diagnóstico à criança. Estudo australiano que estudou como se dá a revelação do diagnóstico aos filhos acerca de seu estado sorológico pela família encontrou que a divulgação à criança pode traumatizar, causar sensação de medo e abandono e discriminação de familiares e amigos12. O preconceito direcionado aos pais estende-se às crianças. A desinformação entre familiares, vizinhos e amigos relacionados às vias de transmissão do vírus leva ao isolamento da família e da criança13.

As dificuldades da família em administrar os medicamentos antirretrovirais na criança causam receio familiar, devido às reações gástricas e, consequente, problemas de nutrição. Estudo americano que avaliou as principais barreiras na adesão à medicação para o HIV apresentou que essas são motivadas pelo desconforto dos efeitos colaterais fisiológicos, referentes à falta de apetite, dores abdominais, náuseas e vômitos, causando resistência adquirida do organismo e baixa eficácia da medicação12.

Familiares de crianças com HIV/Aids, geralmente encontram-se em situação de vulnerabilidade social e, por isso, possuem dificuldades financeiras para o cuidado à criança. A melhora na situação financeira das famílias se deve graças ao apoio governamental, por meio do benefício da prestação continuada. Esse contribui com um salário mínimo nacional de R$ 724,00 por mês, aos cuidadores responsáveis pela criança com HIV/Aids, tendo papel importante na construção de novos significados para a doença e na retomada da autoestima pelas mães e/ou cuidadores14.

A dificuldade da família frente às limitações da criança com HIV/Aids, torna-a culpabilizada e com receio de futuras hospitalizações. O sangue apresenta-se como a objetivação do HIV, lembrando ao cuidador o estado sorológico da criança. Estudo americano acerca das crianças infectadas pelo HIV/Aids revela que o brincar, o correr e o expressar-se, devido às consequências da debilidade física, causada por doenças oportunistas, pode promover atitudes superprotetoras ou discriminatórias das pessoas de seu entorno e daquelas que lhes dispensam cuidados, em especial das mães, já que sobre elas recai o peso de coordenar o tratamento e as atividades cotidianas15.

Para alguns cuidadores o cuidado prestado à criança com HIV/Aids, torna-se solitário, visto que refere-se a uma doença conhecida anteriormente como sendo exclusiva dos grupos dos excluídos, marginalizados e discriminados perante a sociedade. Estudo confirmou que familiares e cuidadores responsáveis podem ficar sobrecarregados, pois eles possuem a missão diária de enfrentarem os desafios relacionados ao tratamento da Aids. As constantes idas à unidade de saúde, detecção dos diferentes sinais e sintomas da Aids e cuidado medicamentoso, favorecendo que cuidadores abandonem a terapêutica medicamentosa ou ainda diminuam o seu tempo como acompanhante frente à exclusão social16.

O preconceito familiar, social e dos profissionais de saúde torna a Aids uma doença estigmatizada. Estudo indiano comprova que o preconceito e a discriminação contribuem para o círculo vicioso entre família, sociedade e agentes de saúde, à medida que a Aids reporta a uma doença percebida como letal, sendo uma enfermidade que pode colocar outras pessoas em risco, ser uma condição aparente a terceiros e ser uma doença cujas causas são percebidas como de responsabilidade apenas do indivíduo17.

A morte materna torna a criança com HIV/Aids vulnerável ao abuso e maus-tratos por seus futuros cuidadores. Estudo americano mostrou que mães de crianças com HIV/Aids temem que seus filhos sofram com a violência, por ficarem aos cuidados de familiares ou pessoas desconhecidas que os adotem, podendo gerar futuros traumas psicológicos e comportamentais na criança18. Complementando esses achados estudo brasileiro revela que a orfandade, institucionalização, passagem por diversas estruturas e organizações familiares e a impossibilidade do cuidado familiar, podem interferir no desenvolvimento saudável da criança e de relações familiares estáveis8.

Como facilidades para o cuidado os familiares revelaram a aceitação da criança com HIV/Aids em relação ao diagnóstico. Conforme estudos há crianças que se habituam a conviver com o vírus, sendo o medo da morte atenuado. A Aids passa a ser vista como uma doença crônica que pode ser mantida sob controle13. Quando a criança aceita sem resistência à terapia antirretroviral os cuidadores passam a lidar melhor com a doença e com o ato de administrar a medicação6. No entanto, estudo mostra que mesmo a criança aceitando o seu diagnóstico mostra-se sem noção real da importância da terapia, esquecendo-se de administrar as doses em seus devidos horários fora do ambiente familiar14,19.

A vulnerabilidade financeira de familiares de crianças com HIV/Aids leva-os a necessitarem de benefícios governamentais a que têm direito. Na literatura brasileira o Benefício de Prestação Continuada contribui para melhora da qualidade de famílias que não possuem outra fonte de renda que iriam interferir na adesão ao tratamento, tanto da mãe quanto da criança, que depende financeiramente dos cuidados dos pais, cuidadores ou responsáveis legais14.

O apoio da família, vizinhos e amigos no cuidado à criança com HIV/Aids contribui para o cuidado familiar. Com a necessidade de auxílio para se adaptar ao cuidado a família recorre a uma rede de apoio social que mobilizadora de recursos pessoais e financeiros, contribui para o enfrentamento familiar diante dos sentimentos de medo, impotência e discriminação no cuidado à criança7.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo possibilitou conhecer as dificuldades e facilidades da família para cuidar a criança com HIV/Aids. Constatou-se como dificuldades da família para o cuidado a criança com HIV/Aids o sigilo acerca do diagnóstico da criança para a mesma, administração dos antirretrovirais para a criança, questões financeiras, necessidade de hospitalizações pela criança, vivência de preconceitos na própria família, pelas demais pessoas e pelos profissionais da saúde que lhes assistem e morte da mãe da criança. Quanto às facilidades da família para cuidar referiram o fato da criança aceitar o seu diagnóstico, a obtenção de benefício a que tem direito e o apoio da família, vizinhos e amigos.

Como limitação o estudo apresentou não possibilitar generalizações, embora não se tivesse esse objetivo, por tratar-se de pesquisa qualitativa. Outra limitação foi direcionar à temática apenas pelo ponto de vista dos familiares cuidadores. Espera-se que este estudo sirva de referência para outras pesquisas que abordem a temática do cuidado familiar e da criança com HIV/Aids, sob a perspectiva dos profissionais da enfermagem possibilitando novos olhares acerca da temática.

O estudo possibilitou evidenciar como complexo o cuidado familiar à criança com HIV/Aids. Espera-se sensibilizar aos profissionais da saúde/enfermagem que cuidam de crianças nessa condição para um novo olhar para seu familiar cuidador de forma a garantir-lhe acesso aos serviços de saúde e informações que os habilitem para o cuidado à criança. Assim, estaremos contribuindo para o surgimento de uma nova família, onde as crianças com HIV/ Aids sejam acolhidas e cuidadas de forma mais instrumentalizada.

Além disso, é necessário que assumamos o nosso papel educativo junto a essas famílias no sentido de auxiliá-las no desenvolvimento de estratégias efetivas de cuidado à criança. Os profissionais da saúde/enfermagem precisam atuar em conjunto com as famílias, desde o momento do recebimento do diagnóstico da criança, aprendizado do cuidado, atuando na rede básica e hospitalar, durante suas internações hospitalares, junto às escolas para que recebam essas crianças sem preconceito, construindo junto com a família uma rede de apoio social em torno da criança com HIV/Aids. As ações desenvolvidas pelos profissionais da saúde e/ou enfermeiros devem ser implementadas o mais precocemente possível como forma de instrumentalização da família para o cuidado e incentivo ao viver saudável da criança.

Conclui-se que o conhecimento das dificuldades e facilidades da família para cuidar à criança com HIV/Aids subsidia à prática dos profissionais de saúde, em especial do enfermeiro, visto que reforça a educação em saúde como proposta de prevenção, promoção e recuperação das reais necessidades de saúde desses indivíduos e grupos sociais, em busca da integralidade do cuidado.

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