versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192
BrJP vol.2 no.1 São Paulo jan./mar. 2019
http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20190013
A dor foi reconhecida como quinto sinal vital e citada pela primeira vez em 1996 por James Campbell (Presidente da Sociedade Americana de Dor)1. Um dos objetivos de Campbell era conscientizar os profissionais de saúde sobre os efeitos benéficos da adequada avaliação e do manuseio precoce da dor2.
Pelo fato da equipe de enfermagem estar próxima dos pacientes, assim como outros profissionais da área da saúde, como os médicos, é imprescindível que ela, juntamente com a liderança do enfermeiro, reconheça sua responsabilidade diante do indivíduo com dor, para que o enfermeiro possa fazer a sistematização da assistência de enfermagem e identificar as intervenções apropriadas para o seu alívio. Isso poderá minimizar seus efeitos, contribuir para melhor evolução do paciente e, consequentemente, favorecer um tratamento eficaz da dor3.
A partir do momento em que o profissional está capacitado para avaliar e registrar a queixa da pessoa, pode contribuir para melhor assistência ao paciente com dor4. Mas, na prática profissional, a equipe de enfermagem pode enfrentar algumas dificuldades na aplicabilidade da dor como quinto sinal vital4,5.
Mediante o exposto, justifica-se a realização do presente estudo, devido à necessidade de conhecer as dificuldades encontradas por esses profissionais para a avaliação da dor como quinto sinal vital, assim como apresentar os mecanismos/ações adotados na tentativa de solucioná-las ou reduzi-las para que haja uma melhora no manuseio, no controle, na avaliação e na assistência prestada aos pacientes que referem dor. Dessa forma, a avaliação da dor é de grande relevância para os enfermeiros, assim como para os demais profissionais da área da saúde, sendo imprescindível que tenham o conhecimento e o implementem nas instituições de saúde.
O objetivo deste estudo foi identificar e analisar na literatura brasileira e internacional, as dificuldades enfrentadas pela enfermagem na aplicabilidade da dor como quinto sinal vital e os mecanismos/ações adotados, por meio de uma revisão integrativa.
Trata-se de uma revisão integrativa da literatura e, para a condução da presente revisão foi adotado o referencial metodológico6. Esse referencial aborda seis fases a serem seguidas para a sua realização: elaboração de pergunta norteadora, busca ou amostragem na literatura, coleta de dados, análise dos estudos incluídos, discussão dos resultados e a apresentação da revisão integrativa.
A pergunta norteadora desta pesquisa foi: quais as dificuldades enfrentadas pela enfermagem na aplicabilidade da dor como quinto sinal vital? A busca de artigos científicos foi realizada nas seguintes bases e bancos de dados: LILACS, BDENF (Base de Dados de Enfermagem), Scielo, Pubmed, Scopus e Web of Science.
Para localizar os artigos que compuseram a amostra foram utilizados os Descritores em Ciências da Saúde (DECS): enfermagem, dor, manuseio da dor e sinais vitais, nos idiomas português, espanhol e inglês; e os descritores do MESH Database: nursing, pain, pain management e vital signs. Utilizou-se o operador booleano representado pelo termo conector AND e associações entre todos os descritores selecionados.
Como critérios de seleção foi definido o período de corte de 1995 a 2017. Foram selecionados artigos nos idiomas português, espanhol e inglês, nas bases e bancos de dados pesquisados que respondiam à questão proposta. As publicações que estavam duplicadas nas bases e bancos de dados foram excluídas.
Foi utilizado um instrumento de coleta de dados da revisão integrativa que contém variáveis como: dados de identificação do estudo (título do artigo, periódico, autores, ano, país de publicação e idioma) e caracterização do estudo (objetivos, tipo de estudo, sujeitos do estudo, resultados e conclusões)7.
Na busca nas bases e bancos de dados foram localizados 65.203 artigos. Sendo 21 artigos elegíveis no LILACS, 15 no Scielo, 13 na BDENF, sete na Pubmed, 14 na Scopus e 16 na Web of Science, totalizando 86 artigos elegíveis. Destacou-se que nove artigos estavam duplicados no LILACS, 15 no Scielo, 13 na BDENF, três na Scopus e oito na Web of Science, totalizando 48 artigos duplicados. E desses, 29 artigos foram excluídos pós-duplicidade e leitura na íntegra. Assim, na leitura crítica e analítica foram selecionados nove artigos, estando cinco no LILACS, um na Pubmed, e três na Scopus (Figura 1).
A síntese dos resultados obtidos nos artigos selecionados é apresentada na tabela 1, com relação às variáveis título do artigo, periódico, autores, ano e país de publicação e idioma.
Tabela 1 Características dos estudos incluídos
Autores | Título do artigo | Periódico | Ano | País de publicação | Idioma |
---|---|---|---|---|---|
Niekerk e Martin8 | O impacto da relação enfermeiro-médico nas barreiras encontradas pelos enfermeiros durante o manuseio da dor | Pain Management Nursing | 2003 | Austrália | Inglês |
Vallerand, Templin e Hasenau9 | Barreiras ao manuseio da dor por enfermeiras de cuidados domiciliares | Home Health Care Nurse | 2004 | Estados Unidos | Inglês |
Pedroso e Celich10 | Dor: quinto sinal vital, um desafio para o cuidar em enfermagem | Texto & Contexto Enfermagem | 2006 | Brasil | Português |
Blondal e Halldorsdottir11 | O desafio de cuidar de pacientes com dor: do ponto de vista do profissional de enfermagem | Journal of Clinical Nursing | 2009 | Estados Unidos | Inglês |
Saça et al.3 | A dor como 5º sinal vital: atuação da equipe de enfermagem no hospital privado com gestão do Sistema Único de Saúde (SUS) | Journal of the Health Sciences Institute | 2010 | Brasil | Português |
Bottega e Fontana12 | A dor como quinto sinal vital: utilização da escala de avaliação por enfermeiros de um hospital geral | Texto & Contexto Enfermagem | 2010 | Brasil | Português |
Wang e Tsai13 | Conhecimento dos enfermeiros e barreiras em relação ao manuseio da dor em unidades de terapia intensiva | Journal of Clinical Nursing | 2010 | Estados Unidos | Inglês |
Nascimento e Kreling5 | Avaliação da dor como quinto sinal vital: opinião de profissionais de enfermagem | Acta Paulista de Enfermagem | 2011 | Brasil | Português |
Araujo e Romero14 | Dor: avaliação do 5º sinal vital. Uma reflexão teórica | Revista Dor | 2015 | Brasil | Português |
Fonte: Elaborado pelos autores.
Dentre os artigos selecionados, apenas um foi publicado nos últimos cinco anos, cinco artigos nos últimos 10 anos e três foram publicados há mais de 10 anos. A maioria foi publicado no Brasil (cinco artigos), predominando o idioma português (cinco artigos), sendo quatro descritos no idioma inglês (Tabela 1).
Em relação ao tipo de estudo, observou-se o predomínio de pesquisas quantitativas (cinco artigos), mas vale ressaltar também o desenvolvimento de estudos qualitativos, mistos e de reflexão teórica. Dos sujeitos avaliados nos estudos selecionados prevaleceram os enfermeiros, porém há também a participação de técnicos/auxiliares de enfermagem e pacientes. Com relação ao nível de evidência das investigações analisadas nesta revisão, oito estudos possuem classificação de nível de evidência VI e um sem nível, evidenciando estudos com níveis de evidência baixos.
Mediante a análise dos resultados e das conclusões dos artigos selecionados foram elencadas duas categorias: 1) dificuldades enfrentadas pela enfermagem na aplicabilidade da dor como quinto sinal vital e, 2) mecanismos/ações adotados para amenizar as dificuldades enfrentadas pela enfermagem na aplicabilidade da dor como quinto sinal vital.
A dificuldade mais relatada nos artigos incluídos nesta revisão foi a falta de conhecimento dos profissionais da equipe de enfermagem. Alguns autores mencionaram que os enfermeiros possuem pouco conhecimento a respeito da dor aguda. Muitos afirmam que tiveram um conhecimento superficial durante a graduação e outros relatam que em nenhum momento tiveram acesso a essa informação, sendo algo novo15.
Outra dificuldade mencionada nos artigos avaliados refere-se à comunicação entre os profissionais. Nesse aspecto, cabe destacar que em algumas situações, a preferência dos profissionais da área da saúde pela prática autônoma pode gerar a falta de comunicação com os enfermeiros, desconsiderando, assim, suas opiniões ou decisões16,17.
A comunicação, muitas vezes complexa e ineficaz entre o enfermeiro e o médico, é associada a resultados inadvertidos dos pacientes, especificamente a permanência prolongada e lesões decorrentes de atrasos e de erros no tratamento18,19.
A sobrecarga de trabalho dos profissionais de enfermagem também foi uma dificuldade citada nos materiais avaliados. Cabe destacar que o enfermeiro não tem como função apenas a assistência ao paciente, mas também inclui o treinamento e a capacitação de profissionais de enfermagem, gerenciamento de insumos e materiais, articulação com outros profissionais da saúde e da administração, da organização, da orientação dos pacientes e familiares, promovendo então, a gestão multiprofissional em prol do paciente20. Frequentemente, esses profissionais possuem mais de um emprego e tem alta rotatividade nos ambientes de trabalho, diante da baixa remuneração e do elevado nível de estresse21.
Outra dificuldade encontrada na presente revisão foi a de compreender a dor no paciente. Os profissionais da área de saúde, incluindo a equipe de enfermagem, podem, em algumas situações, desvalorizar o relato de dor dos pacientes, dessa forma estimulando-os a suportar um pouco a dor. Há falta de sensibilização em escutá-los e esses fatores interferem na mensuração e avaliação da dor4,22. Com isso, considerando-se que a dor é uma experiência única, subjetiva e individual, cabe à equipe de saúde respeitar essa condição, interpretar e intervir de forma adequada12.
Outros fatores dificultadores encontrados nos artigos incluídos neste estudo foram a incompreensão da escala de intensidade por parte dos pacientes e dos profissionais e, muitas vezes, o profissional acredita que o paciente superestima a sua dor e possui dificuldade em expressá-la. Os profissionais também têm dificuldade em utilizar escalas de avaliação, seja pelo desconhecimento ou pela dificuldade de interpretação dos instrumentos de mensuração de dor5,23,24. Destaca-se, também, que muitos pacientes relutam em falar da dor porque sentem que podem ser classificados como frágeis e que só sabem reclamar25.
Nesse contexto sobre o uso de instrumentos para a avaliação da dor, destacam-se outras dificuldades como a falta desses instrumentos e a ausência de anotações e intervenções da enfermagem. Com isso, o déficit de conhecimentos e a falta de instrumentos de mensuração da dor são barreiras na realização de uma assistência efetiva e de qualidade por parte dos profissionais que prestam cuidados aos pacientes. Alguns profissionais desconhecem os instrumentos para a mensuração da dor e, com isso, se baseiam no senso comum, nas crenças religiosas e nas práticas vivenciadas por outros profissionais no manuseio da dor15,26.
A ausência de anotações da enfermagem relacionadas à dor do paciente pode comprometer a assistência. Sendo assim, o aperfeiçoamento dos registros é um objetivo a ser alcançado. Essas anotações também são consideradas uma forma de comunicação entre as equipes e entre os diferentes turnos, possibilitando uma melhor assistência27.
Dentre outras dificuldades encontradas nos artigos avaliados pode-se citar a falta de tempo para avaliar a dor, o esquecimento da avaliação pelos profissionais, o relato deles de que a dor não pode ser mensurada, a não consideração da dor como um sinal vital e ainda a avaliação inadequada da dor. A falta de tempo desses profissionais, principalmente da equipe de enfermagem que exerce várias atividades durante o turno de trabalho, o desconhecimento das técnicas de mensuração da dor, e a linguagem utilizada ao questionar a dor, que pode ser de difícil entendimento pelo paciente, também são fatores que contribuem para uma avaliação inadequada28.
Segundo um estudo realizado, os resultados mostraram que os enfermeiros do hospital pesquisado apresentaram conhecimento incipiente quanto às formas de avaliar a dor, assim como a não consideração da dor como o quinto sinal vital, uma vez que não tinham como prática avaliá-la sistematicamente15.
Dando continuidade às demais dificuldades encontradas na presente revisão, destacou-se que muitas vezes, a enfermagem presta cuidados no manuseio da dor de modo limitado e não domina o mecanismo do quadro doloroso. O manuseio da dor de modo limitado pode ocasionar o gerenciamento inadequado do sintoma álgico, podendo trazer prejuízos ao paciente. Frequentemente, os profissionais de enfermagem se baseiam em relatos verbais e não verbais para a identificação da dor nos pacientes14.
O mecanismo/ação mais citado foi instaurar processos educativos por meio de cursos contínuos de gerenciamento de dor, e em muitas situações de forma emergencial. A literatura mostra a necessidade de capacitação dos enfermeiros, e de toda a equipe de enfermagem com relação a vários temas relacionados à prática profissional. Assim, com a educação em saúde, promover ações de cuidado mais comprometidas, assegurando o desenvolvimento de uma assistência diferenciada e mais qualificada. A educação é a base que pode conduzir o enfermeiro a adotar e adquirir condutas que sejam benéficas tanto para seu próprio conhecimento quanto para o paciente que está sendo assistido29.
Outro mecanismo/ação abordado nos artigos incluídos na análise é a reestruturação dos currículos de graduação, incluindo a temática da dor e seus afins. Cabe destacar que alguns cursos de graduação não estão preparando adequadamente os futuros enfermeiros para o manuseio da dor, ou seja, o tema é abordado superficialmente no ambiente acadêmico. Assim, é necessário o desenvolvimento de uma política de mobilização de esforços que prepare os graduandos de enfermagem com foco no gerenciamento da dor como quinto sinal vital, relacionando os cuidados holísticos ao desenvolvimento de competências técnicas e comportamentais que reconheçam o trabalho em equipe e a interdisciplinaridade30.
Entre outros mecanismos/ações encontrados nos artigos pode-se mencionar a compreensão da importância na relação de trabalho entre os profissionais da área da saúde, que pode ter um efeito significativo sobre as barreiras para o melhor gerenciamento da dor. Assim, é necessário um aprimoramento da educação em comunicação durante a graduação dos profissionais de saúde para melhorar sua compreensão sobre o papel de cada um diante do paciente. Com isso, poder-se-á ampliar suas competências de modo a transmitir informações apropriadas e importantes sobre a assistência ao paciente por meio de comunicação verbal e não verbal31.
Outro mecanismo/ação citado refere-se à compreensão da importância do conhecimento multidimensional sobre o manuseio da dor, e também à adesão de uma perspectiva mais holística no atendimento. O enfermeiro, assim como todos os profissionais da área da saúde, tem papel fundamental no controle da dor, desempenhando uma avaliação diagnóstica, intervenção, monitorização dos resultados do tratamento e na comunicação das informações sobre a dor. Portanto, os conhecimentos teóricos e práticos devem estar associados com a finalidade de prestar um cuidado mais qualificado ao paciente com dor, oportunizando o atendimento humanizado10,15.
Alguns artigos avaliados mencionaram como mecanismo/ação para amenizar essas dificuldades, a participação do enfermeiro na implementação da dor como quinto sinal vital em seu ambiente de trabalho, com parcerias de todos os profissionais da saúde e com a realização de estudos de casos. O profissional deve incentivar e promover a equipe o repensar dos seus papéis e atribuições, levando como base a referência do cuidado e tendo por objetivo alcançar a eficiência no trabalho de enfermagem32. Assim, o enfermeiro também deve orientar, realizar e estimular a equipe quanto à necessidade de realizar estudos de casos, no intuito de avaliar a temática da dor em sua prática profissional, para que os resultados desses estudos sejam utilizados como parâmetros que possam ser adotados na assistência prestada33.
Finalizando, o mecanismo/ação referente ao uso de escalas é de grande relevância para a prática clínica. Destaca-se, então, que as instituições de ensino médicas e de enfermagem devem oferecer disciplinas ou cursos com o objetivo de ensinar e disseminar o uso de instrumentos e/ou escalas de avaliação e mensuração da dor com uma perspectiva humanística10.
Concluiu-se que é restrita a quantidade de estudos nessa temática, e que muitos profissionais enfermeiros têm dificuldades na aplicabilidade da dor como quinto sinal vital; mas também existem alguns mecanismos/ações que podem ser adotados por todos os profissionais da área da saúde para amenizar essas dificuldades.
Diante das dificuldades na aplicabilidade da dor como quinto sinal, que foram apresentadas no presente estudo, recomenda-se a realização de educação continuada dos profissionais de saúde no ambiente de trabalho, o desenvolvimento de pesquisas, a reestruturação dos currículos de graduação, incluindo a temática dor, a adesão de uma perspectiva mais holística no atendimento, assim como o uso das escalas na prática clínica.
Com isso, há necessidade também de conscientização da equipe de enfermagem, assim como de todos os profissionais da área da saúde, quanto à importância do seu comprometimento, e juntamente com a equipe multidisciplinar, serem bem-sucedidos no controle e no manuseio da dor do paciente, abordando-a como quinto sinal vital, com vistas a um atendimento humanizado que poderá influenciar na melhoria da saúde e da qualidade de vida dos pacientes.