versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.113 no.6 São Paulo dez. 2019 Epub 02-Dez-2019
https://doi.org/10.36660/abc.20190730
Mais de meio século se passou desde que o Prof. Tomisaku Kawasaki fez a primeira descrição de uma doença singular. Ele viu o primeiro paciente de 4 anos com febre e erupção cutânea em 1961. Naquela época, ele descreveu o diagnóstico como “desconhecido”. O título do artigo publicado foi “Síndrome do linfonodo mucocutâneo febril agudo infantil com descamação específica dos dedos das mãos e dos pés. Observação clínica de 50 casos.”1 A partir desse “diagnóstico desconhecido”, que agora chamamos de doença de Kawasaki (DK) até a era atual, essa vasculite de causa desconhecida tornou-se a principal causa de doença cardíaca adquirida em crianças nos Estados Unidos.2
Historicamente, a presença de anormalidades coronárias não era percebida até que os pacientes morressem repentinamente por complicações cardíacas. Um estudo angiográfico de 1.100 pacientes mostrou lesões na artéria coronária em 24%, com aneurismas em 8% e vários pacientes com estenoses e oclusões.3 Assim que as artérias coronárias se tornaram a estrutura chave para estratificação de risco, tratamento e desfecho, uma extensa pesquisa e um esforço mundial foram realizados visando o diagnóstico correto. Infelizmente, para tornar as coisas mais desafiadoras, existem formas de "DK incompleta", que se sobrepõem a outras formas de doenças exantemáticas febris em crianças.
Neste artigo original, o Dr. Reyna et al.4 enfatizam a dilatação das artérias coronárias no contexto de doenças exantemáticas febris, mas não classificadas como DK.4 Curiosamente, as apresentações e publicação de Kawasaki foram inicialmente recebidas com ceticismo pelo fato de seus casos constituírem uma doença recentemente reconhecida ou uma variante da escarlatina, síndrome de Stevens-Johnson ou eritema multiforme. Assim, o passo mais importante e fundamental é a definição e critérios claros da DK e das lesões da artéria coronária. Em reconhecimento aos desafios enfrentados no diagnóstico de DK “incompleta”, o Comitê de Pesquisa do Ministério da Saúde do Japão e a Japanese Circulation Society (JCS) e a American Heart Association (AHA) e a American Academy of Pediatrics (AAP ), em 2004, estabeleceram seus critérios.2,5 As definições e critérios para o diagnóstico da doença de Kawasaki diferem ligeiramente entre as diretrizes da AHA/AAP e as diretrizes japonesas. Os critérios de diagnóstico para a doença clássica de Kawasaki de acordo com as diretrizes da AHA /AAP incluem febre persistente por pelo menos 5 dias e pelo menos quatro dos outros cinco critérios. Os critérios das diretrizes japonesas incluem a febre como sexto critério igualmente importante, e os pacientes devem atender a cinco dos seis critérios para o diagnóstico, incluindo a febre, que desaparece dentro de cinco dias em resposta à terapia. É difícil comparar as lesões coronárias entre esses dois países, porque as definições são completamente diferentes nas respectivas diretrizes. As diretrizes japonesas da JCS para lesões nas artérias coronárias utilizam o diâmetro de cada segmento das artérias coronárias. Entretanto, nas diretrizes da AHA/AAP , os aneurismas são classificados utilizando escores z. Neste artigo, o autor utiliza o ecocardiograma para avaliar as dimensões luminais da artéria coronária, convertidas em escores z ajustados para a área de superfície corporal (ASC).
Como mencionado anteriormente, outro tópico importante relacionado a esta publicação é o conceito de DK atípica, que constitui um diagnóstico e tratamento muito desafiadores. As diretrizes japonesas afirmam que um diagnóstico de DK é possível mesmo quando cinco ou mais dos principais sintomas estão ausentes, se outras condições puderem ser excluídas e se houver suspeita de DK, uma condição conhecida como DK incompleta. De fato, aproximadamente 15 a 20% dos pacientes com DK apresentam DK incompleta no Japão.6 No entanto, mesmo que um paciente tenha quatro ou menos sintomas principais, a doença não deve ser considerada menos grave, porque anormalidades cardiovasculares não são raras em pacientes com DK incompleta.7 As diretrizes da AHA/AAP incluem um algoritmo para avaliação e tratamento de pacientes com suspeita de DK incompleta ou atípica. O algoritmo indica que a DK incompleta deve ser diagnosticada em um paciente com febre persistindo por pelo menos 5 dias, dois ou três critérios adicionais de diagnóstico clínico e valores laboratoriais anormais típicos da DK. A taxa de incidência de DK incompleta nos Estados Unidos é relatada como sendo aproximadamente 20 a 27%. A AHA/AAP especifica que o termo “atípico” deve ser utilizado para descrever pacientes que têm um sinal ou sintoma que normalmente não é observado na DK, como insuficiência renal.
Anteriormente, em um estudo piloto, Muniz et al.8 descreveram que as dimensões das artérias coronárias com doença febril não-DK são maiores do que aquelas em indivíduos afebris normativos, mas menores que as dimensões nos pacientes com DK.8 Algumas lacunas ainda precisam ser preenchidas, principalmente relacionadas à patologia da doença febril: a vasculopatia por DK envolve principalmente artérias musculares e é caracterizada por três processos interligados: 1 - arterite necrosante; 2 -vasculite subaguda/crônica e 3 -proliferação miofibroblástica luminal. Talvez uma melhor compreensão desse processo possa esclarecer por que as artérias coronárias se dilataram e não progrediram para aneurismas.
Portanto, a vasculopatia na DK e outras doenças exantemáticas febris permanece uma doença enigmática. Cinco décadas de novas descobertas e todas as pesquisas não foram suficientes. Ainda precisamos de mais pesquisas para nos dar mais respostas ...