versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.22 no.4 Rio de Janeiro 2018 Epub 27-Ago-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0448
O câncer é caracterizado por um comportamento anormal de células de crescimento rápido e desordenado, com capacidade de invasão de tecidos e órgãos. Tais células agressivas e incontroláveis formam os tumores malignos, e podem disseminar-se para diversas regiões do corpo.1
O câncer pediátrico, diferente do adulto, em que a prevalência está relacionada a fatores alimentares, hábitos de vida, etilismo, tabagismo, vírus, entre outros, é em grande parte associado a fatores genéticos, o que gera impotência com relação à prevenção. Quando o diagnóstico é precoce e o tratamento iniciado rapidamente, as possibilidades de controle e cura da doença são bem significativas, em torno de 70%.1,2
Há diversas modalidades de tratamento do câncer, tais como cirurgia, radioterapia, quimioterapia e transplante de medula óssea que, na maioria das vezes, são utilizadas de maneira conjugada. Quando as possibilidades de tratamento curativo se esgotam e a doença não regride, os cuidados paliativos tornam-se predominantes e todo esforço é feito para o paciente receber medidas de conforto, nesse momento de impossibilidade de tratamento modificador da doença.3
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define que os cuidados paliativos visam a melhor qualidade de vida dos pacientes, com problemas associados a doenças que limitam ou ameaçam a vida, e suas famílias, por meio da prevenção e alívio do sofrimento e da identificação precoce, avaliação adequada e tratamento da dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais.4
Tais cuidados devem ser iniciados no momento do diagnóstico da doença, de modo a acompanhar as medidas terapêuticas com objetivo de cura,5 e, caso esta não possa ser atingida, as medidas paliativas são implementadas com exclusividade, perpetuando-se após o óbito da criança, com a oferta de suporte e apoio à família.
O primeiro serviço de cuidados paliativos, no Brasil, surgiu no Rio Grande do Sul em 1983, seguido da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, em 1986, e logo após em Santa Catarina e Paraná.5 O Instituto Nacional do Câncer (INCA) inaugurou em 1998 a Unidade IV, exclusivamente dedicada aos Cuidados Paliativos.6
Com relação ao atendimento hospitalar, estudo destacou que, ao longo do tratamento do câncer, crianças e famílias passam por internações sistemáticas e, assim, vinculam-se aos profissionais de saúde, o que facilita as ações de cuidado desenvolvidas não apenas no momento de finitude, mas também ao longo do processo de adoecimento. Portanto, esse contexto da atuação pode se constituir em gerador de sofrimento para os trabalhadores da saúde que enfrentam esses momentos no cotidiano assistencial.7
O enfermeiro, como membro da equipe multiprofissional, está presente nas diferentes etapas de cuidado e deve buscar proporcionar conforto à criança e à família ao longo do tratamento até a finitude da criança, ajudando-os a vivenciar o processo de morrer com dignidade, com controle dos sinais e sintomas, bem como respeitar as diferenças, a fim de manter os níveis de saúde e qualidade de vida.
Contudo, a formação profissional, ainda hoje, é fundamentada no modelo biomédico, que busca a cura por meio do conhecimento técnico-científico e, devido à inovação tecnológica, a equipe de saúde fica cada vez mais refém dessa busca. Nesse contexto, a morte é reafirmada como algo indesejado que deve ser combatido.3,8
Se por um lado a formação é pautada no modelo biomédico com valorização da tecnologia, por outro o enfermeiro por ser o profissional que cuida do paciente mais tempo durante o dia, acaba por enfrentar situações que não são fáceis de vivenciar, uma vez que na graduação esses profissionais não são preparados para lidar com a morte, ainda mais em crianças, devido a questões emocionais e pessoais que permeiam a situação, mas também pela ausência de contato com o tema durante a formação.3,8
O cuidar em enfermagem exige que o profissional tenha um olhar abrangente e humanizado com o intuito de assistir a pessoa em sua integralidade, respeitando-a nos aspectos biopsicossociais e espirituais, deixando de valorizar somente a execução de técnicas e práticas específicas5 e passando a utilizar diversos meios de comunicação, que podem ser verbal e não verbal, para que a as particularidades de cada um sejam percebidas e compreendidas.9
Seguindo esse pensamento, a utilização da música como estratégia para o cuidado de enfermagem vem se desenvolvendo gradualmente no cenário brasileiro, podendo ser utilizada como ferramenta para trazer conforto, diminuir a dor, facilitar a comunicação e a relação cliente-profissional de saúde,9 além de diminuir a ansiedade dos pacientes, promovendo, assim, o cuidado humanizado.10
O êxito de experiências com a música traz à tona a necessidade de sensibilização do graduando de enfermagem quanto aos cuidados que serão prestados. Assim, considera-se a possibilidade de aplicação da dinâmica de criatividade e sensibilidade musical como possível ferramenta para a aprendizagem, pesquisa e comunicação enfermeiro-paciente.11
Nessa perspectiva, há estudos que avaliaram a percepção dos familiares sobre o uso da música com pacientes oncológicos. Entretanto, ainda não é visível sua aplicação em dinâmicas para sensibilização de graduandos de enfermagem para os cuidados paliativos de crianças com câncer.10 Nesse sentido, este estudo teve como objetivo analisar a aplicabilidade da dinâmica musical na sensibilização de acadêmicos de enfermagem frente os cuidados paliativos em oncologia pediátrica.
Pesquisa qualitativa, desenvolvida por meio do método criativo e sensível (MCS), fundamentado na discussão de grupo, observação participante e produção artística, que ocorrem simultaneamente no interior de cada dinâmica de criatividade e sensibilidade (DCS).12,13
A pesquisa foi realizada em uma Escola de Enfermagem de uma Universidade Federal localizada no estado do Rio de Janeiro, na qual o conteúdo teórico sobre oncologia e cuidados paliativos em pediatria é oferecido no sétimo período da graduação, na disciplina obrigatória que aborda a saúde da criança hospitalizada. Na matriz curricular, existe também uma disciplina eletiva sobre oncologia, mas que não aborda a temática sob a vertente da pediatria.
Participaram dez acadêmicos de enfermagem. Foram incluídos aqueles com idade superior a 18 anos, cursando o último período da graduação, pois nesse período já tiveram as disciplinas que abordam a Saúde da Criança e do Adolescente. Excluíram-se os com a matrícula trancada e os que trabalham como técnicos em enfermagem, visto que estes podem trazer experiências que não tenham sido construídas ao longo do curso de graduação.
Para o desenvolvimento desta pesquisa, utilizou-se a DCS intitulada "Corpo-musical", na qual se busca compreender a influência da própria dinâmica mediada por músicas para a sensibilização dos participantes sobre um determinado tema.
Com base nas diretrizes do MCS, para o desenvolvimento das dinâmicas de criatividade e sensibilidade, foram realizadas cinco etapas.12,13 Na primeira, fez-se a organização do ambiente e o acolhimento das participantes. Logo após a sala foi arrumada de forma que os participantes pudessem ver um ao outro, mas com espaço entre eles. Foram dispostas nas carteiras silhuetas de corpo humano desenhadas em folhas de papel pardo no tamanho 20x21cm e papéis adesivos coloridos (verde, amarelo e rosa) em ordem para facilitar seu uso em cada música que seria tocada.
Na segunda etapa, foi feita uma explicação sobre a operacionalização da dinâmica e apresentada a questão geradora de debate (QGD) oralmente e por escrito, e as produções artísticas foram elaboradas. Nesse momento, também foi proposto um exercício de respiração para relaxamento, induzido por uma música com sons de chuva e natureza por 2 minutos, sendo pedido que cada participante respirasse de forma profunda por três vezes para que cada um se preparasse para a audição das músicas.
Após, foi contada a seguinte história para situar cada participante na situação problema. "Você é enfermeiro(a) da oncologia pediátrica e chega para seu plantão de 12 horas. Na passagem de plantão, a enfermeira do turno da noite diz que o paciente Pedro (nome fictício) não passou bem a noite, sentiu muitas dores, desconforto e pedia sempre para que ela o ajudasse a parar de sentir aquilo. Ademais, que ele sabia que ia morrer, então que fosse logo para que ele não sentisse mais dor. Pedro tem 9 anos de idade e seu diagnóstico é de Leucemia Linfocítica Aguda (LLA), descoberta quando tinha 3 anos, sendo tratada até os 5 anos, quando obteve melhora. Teve recidiva aos 7 anos, fez os tratamentos curativos pertinentes, mas sem sucesso, e hoje se encontra internado em cuidados paliativos. A mãe, que é a sua acompanhante, disse que ele sempre enfrentou bem a doença, gostava de brincar com o irmão de 7 anos e de jogar bola. Este sente a falta do irmão mais velho, pois já faz um tempo que não se veem. Você vai até o quarto do paciente, a mãe dele está dormindo, ele está desperto, mas meio sonolento devido às medicações. Ele pede para que você se aproxime e então faz um pedido: 'Eu sei que vou morrer, eu tentei, mas agora não consigo mais, me ajuda!'. Você enfermeiro(a) do plantão precisa lidar com essa situação e ofertar os cuidados que Pedro merece receber para seu conforto."
Nesse momento, foi exposta a QGD para que eles elaborassem suas produções artísticas: de que forma a dinâmica musical pode sensibilizar o acadêmico de enfermagem para os cuidados paliativos na oncologia pediátrica?
Então, durante cada música, eles foram anotando nos papéis adesivos (verde, amarelo e rosa) o que sentiram de acordo com a ordem das respectivas músicas e foram colocando na silhueta do corpo colocada na carteira no início da dinâmica. Foram apresentadas três músicas de estilos diferentes: Cânon (Pachelbel) - Clássica; Somewhere Over the Rainbow (Israel Kamakawiwo'Ole) - Surf Music; Sweet Child O' Mine (Guns N' Roses) - Rock, respectivamente. As músicas foram escolhidas com base na leitura dos artigos que relataram estilos musicais diversos, a partir daí foi feita aproximação destas com o público-alvo da pesquisa.
Posteriormente, na terceira etapa, após o término das três músicas, iniciou-se a apresentação da produção artística de cada participante, na qual foi feita a exposição sobre o que foi escrito, sentido e representado na produção artística. Assim, foi apresentado ao grupo o material produzido individualmente e a pesquisadora registrou os assuntos convergentes e divergentes dos quais foram codificados os temas geradores. Na quarta etapa, ocorreu a análise e a discussão grupal; e na quinta etapa, realizou-se a síntese dos temas e subtemas emergentes com posterior e a validação dos mesmos pelos próprios participantes.
Para a operacionalização das dinâmicas, além do pesquisador, que atua como coordenador do grupo, existe a necessidade de um auxiliar de pesquisa para ajudar na condução da mesma, entre suas funções destacam-se a observação e descrição dos comportamentos dos participantes, como também o controle do gravador de áudio.12,13 Nesta pesquisa, esse papel foi assumido por uma graduanda previamente orientada sobre o passo a passo da dinâmica.
Destaca-se que todos os acadêmicos convidados aceitaram participar da dinâmica como voluntário da pesquisa e não houve desistência. Após transcrição e análise dos dados, não houve necessidade de novo recrutamento, pois o critério de encerramento do trabalho foi a saturação teórica.14
A duração da dinâmica de criatividade e sensibilidade foi de 44 minutos, sendo gravada por meio de um aparelho eletrônico gravador de voz, cujas falas foram transcritas na íntegra e analisadas segundo as três fases da Análise Temática:
pré-análise, com a aproximação do analista, por meio de leituras flutuantes, ao material empírico produzido nas dinâmicas;
fase de exploração, na qual se buscou a formação de unidades temáticas por agregação de fragmentos textuais e frases que apresentavam similaridade de sentido;
fase de tratamento e a interpretação dos resultados e fundamentações dos mesmos com base nas melhores evidências científicas sobre a temática.15
Pesquisa aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da instituição cenário (CAAE: 59605916.8.0000.5243. Parecer 1.786.838, em 20/10/2016 2). Em atendimento às prerrogativas da Resolução nº 466, de 12 de dezembro de 2012, do Conselho Nacional de Saúde, os participantes assinaram duas vias do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), uma via ficou com o pesquisador e outra, com o participante. Foi garantido o anonimato dos participantes por meio da utilização de códigos alfanuméricos. Todo material obtido, por meio da coleta de dados, será armazenado pelo pesquisador pelo período de 5 (cinco) anos e, posteriormente, destruído.
Participaram da dinâmica dez acadêmicos de enfermagem, dois homens e oito mulheres, com idades entre 21 e 27 anos de idade, de uma turma de 30 alunos do nono período de enfermagem, ou seja, o último período da graduação em Enfermagem da referida Escola de Enfermagem.
A partir da análise das respostas dos acadêmicos entrevis tados, emergiram as seguintes unidades temáticas: a dinâmica musical estimulando estratégias de cuidados paliativos em oncologia pediátrica e a dinâmica musical na sensibilização dos acadêmicos para os cuidados paliativos em oncologia pediátrica.
A dinâmica musical despertou nos acadêmicos pensamentos de medo por se verem na situação do enfermeiro, mas também os levou a pensar em estratégias para encarar o fato, como o uso de terapia alternativa, visita do irmão, conversar com a criança e a família.
Assim, pensar numa criança de 9 anos nessa situação, me dá medo, me assusta. Mas ao mesmo tempo me passou um pouco de coragem, de eu precisar fazer algo pra encarar isso (AE 01).
Eu acho que me ajudaria a tentar fazer algo melhor por ele, mesmo em cuidado paliativo, ele precisa de atenção, tentar fazer alguma terapia alternativa além da farmacológica pra tentar melhorar a questão da dor. Talvez trazer o irmão, de vez em quando para uma visita, ou até mesmo entrar em contato com o resto da equipe pra ver a possibilidade dele talvez ir pra casa (AE 02).
Tentar tornar a passagem dele um pouco menos pior, menos dolorosa. (...) E, também, para começar a conversar com a família. Sobre o que vai acontecer e como pode ser essa passagem dele, essa ida dele. Começar a trabalhar isso na cabeça dos familiares ou pelo menos o que o familiar quiser (AE 03).
Eu comecei a pensar que eu conversaria com esse paciente, tentar ouvi-lo da melhor forma possível, ver o que ele quer. (AE 08).
A proposta apresentada também desenvolveu sentimentos de esperança e a reflexão de que a cura nem sempre vai acontecer, mas que pode melhorar, e um meio de fazer isso acontecer seria a presença do enfermeiro ao lado da criança e da família.
Eu acho que eu tranquila, tanto como enfermeira como pessoa, eu vou conseguir cuidar melhor dessa criança, estar ali do lado dela nesse momento tão difícil, e dos familiares também. Também botei na produção artística que dá esperança, eu acredito que não acabou ali, que se a pessoa acreditar ela pode ir para um lugar melhor e que aquilo ali foi só uma passagem que ela teve que fazer, mas que o que tem pela frente é muito tranquilo, muito bonito, alegre (AE 04).
Eu pensei mais ou menos parecido com a AE 04, tipo nessa esperança, porque a gente pensa, poxa uma criança morrendo, vamos fazer alguma coisa pra tirar ela disso, mas às vezes a cura nem sempre vai acontecer, então a gente tem que pensar dessa forma, que pode melhorar, mas não necessariamente com a cura (AE 05).
Os acadêmicos de enfermagem destacaram a importância da dinâmica musical na prática assistencial, ponderando que com a rotina e os anos de atuação profissional pode haver uma perda da sensibilidade para o cuidado paliativo, e tal estratégia contribuiria para devolver a qualidade da assistência, bem como a dedicação ao cuidado, além de revigorar a equipe de saúde.
Com a prática essas situações começam a ser, assim, mais de rotina, e muita gente vai perdendo um pouco da sensibilidade. Uma dinâmica como essa faria você refletir sobre esses casos, pensar e não deixar que isso se perca assim, com os anos de profissão (...). Essencial para equipe manter a qualidade do cuidado (AE 01).
O cuidado paliativo é uma coisa muita pesada. E não parece, mas isso aqui (dinâmica) é essencial para uma equipe que está desgastada, muito tempo lá, entendeu? (AE 06)
Eu acho que uma dinâmica assim ajudaria na vida profissional, porque a música ela mexe com nossas emoções, então, às vezes a gente bota uma música pra se sentir melhor, para dar mais garra (AE 07).
A dinâmica musical levantou a discussão da necessidade de o profissional de saúde ter empatia, ou seja, colocar-se no lugar do outro, além disso, ela é importante ferramenta para facilitar a integralidade, uma vez que disseram que as disciplinas são fragmentadas sem momentos de reflexão sobre cuidados paliativos em oncologia pediátrica.
Todo profissional da área de saúde precisa trabalhar a empatia, quando a gente ouve essas músicas, a gente se coloca no lugar do paciente, então isso a gente leva para quando a gente tiver formado (AE 04).
Durante a graduação a gente tem as três frentes separadas. Uma disciplina que fala sobre morte que é psicologia aplicada à saúde, uma disciplina sobre criança e uma disciplina sobre terapias, porém não tem nada que vá integrar isso daí (...). Eu acho que falta esse momento de reflexão, que a dinâmica propiciou (AE 09).
Os acadêmicos levantaram a questão do despreparo e a falta de oportunidade de vivenciar a oncologia pediátrica e o luto, trazendo a dinâmica musical como forma de reflexão e proximidade com esta prática.
Acho que a gente não está preparado. Eu quero salvar vidas (AE 07).
A gente não tem contato com a oncologia pediátrica, mas eu acredito que todo mundo deva levar um pouquinho do que gente sentiu hoje. (...) Ninguém está preparado para o luto, nunca vai estar, mas uma dinâmica ou roda de conversa ajuda ficar um pouco mais preparado (AC 04).
A gente só é preparado pra aquilo quando a gente vive aquilo, porque aqui a gente não vive isso (...) E aqui na faculdade a gente nunca vai ver isso, porque o hospital que a gente atua, não tem essa oportunidade, entendeu? Então sentir, tá aqui e sentir, mesmo que não seja tão real, mas um pouco, acho que vai ajudar bastante (AE 06).
Então, assim, na prática tudo é diferente, e essas reflexões que aconteceram aqui (dinâmica) se fossem feitas com mais frequência seriam essenciais pra gente (AE 01).
Os participantes relataram que usariam a dinâmica apresentada para relaxar e acalmar, além de facilitar o pensar sobre as possibilidades terapêuticas. Mostraram-se dispostos a utilizar a dinâmica, quando forem enfermeiros de um setor, com a equipe de saúde.
Eu como enfermeira, uma chefe de equipe, eu até pensaria nessa dinâmica, colocar música, a gente relaxa e depois pensa nas possibilidades terapêuticas. Em qualquer situação, qualquer setor, se eu puder todo dia, vou iniciar meu plantão com minha equipe colocando uma música, pra todo mundo relaxar, início e término de plantão, eu usaria essa dinâmica (AE 10).
E eu acho que, eu como enfermeira, ficaria calma, seria mais pra relaxar, não me levaria a nenhum pensamento assim (AE 07).
Os resultados da presente pesquisa mostraram que a dinâmica musical pode ser utilizada como tecnologia para sensibilizar os enfermeiros/alunos e despertar aspectos criativos relacionados ao cuidado da criança com câncer em cuidados paliativos. A música é, assim, um potente canal de comunicação, expressão de sofrimentos e auxilia no enfrentamento dos últimos momentos de vida dos pacientes.16,17
Os cuidados paliativos englobam o atendimento multidisciplinar com objetivo de oferecer a melhor qualidade de vida para os pacientes e suas famílias, que pode ser melhorada com a valorização do binômio família/criança e criação de ambientes mais acolhedores,18 tais estratégias foram citadas pelos alunos participantes deste estudo.
Uma estratégia que foi pensada pelos acadêmicos e que está em coesão com a literatura foi a valorização do diálogo com a criança e a família, sendo atento às necessidades delas. Para isso, a escuta sensível é necessária, e ouvir o outro é algo que requer treino, inclusive para além das situações assistenciais.19
As falas dos participantes estão em conformidade com os achados na literatura, em que se ressaltou o valor da equipe e pais como fonte de confiança, suporte espiritual e solidariedade para a criança que está em cuidados paliativos, de modo a criar um ambiente promotor de qualidade de vida.18
Um estudo reportou a necessidade de o profissional de saúde priorizar sua assistência para atender às necessidades do paciente, sem desviar-se para o cuidado unicamente voltado à dimensão física, atento sempre à integralidade que compõe um ser humano. Trata-se, portanto, de mudar o foco da cura da doença e/ou da execução de procedimentos para o cuidado que proporciona restauração.19
Os acadêmicos sinalizaram que a dinâmica pode ser uma estratégia adotada na assistência como modo de revigorar a equipe, que, por vezes, encontra-se desgastada com o processo de trabalho. Estudo aponta que devido a esses desgastes muitos profissionais se afastam do serviço ou realizam o trabalho de forma mecânica, repetitiva e rotineira, seja por fuga dos sentimentos ou por excesso da carga de trabalho, o que pode acarretar perda ou redução na capacidade de produzir, influenciando, assim, negativamente na qualidade do cuidado prestado.20
Os participantes do estudo expuseram benefícios que estão acordados com a literatura, em que as benfeitorias da dinâmica musical percebidas na equipe vão desde a prevenção do estresse e desgaste psicológico até o maior comprometimento com as atividades profissionais e integração social.11
Com os benefícios citados, a equipe de saúde pode se sentir revigorada, de modo a prestar uma assistência de qualidade com dedicação ao seu paciente. Um estudo de revisão integrativa destacou que a enfermagem pode ser considerada o próprio ambiente de cuidado, e não apenas parte dele, assim, deve-se focar nela, assumindo que sua atitude perante o paciente pode fazer a diferença.16
Outro estudo confirmou que a enfermagem é capaz de acessar os aspectos emocionais e subjetivos por meio da comunicação e da empatia. Contudo, para o desenvolvimento do comportamento empático, faz-se necessário ter vontade de se preocupar com o comportamento alheio, sendo um ato consciente, visando aprimorar as relações interpessoais por meio do vínculo afetivo e das habilidades comunicacionais,19 o que requer uma formação profissional para além dos aspectos biológicos e da doença.
Corroborando com as falas dos participantes sobre a fragmentação das disciplinas existentes na grade curricular, um artigo trouxe a necessidade de se ter aulas sobre cuidados paliativos apresentadas de forma longitudinal durante todo o processo de formação, fortalecendo a noção de que a cura e o paliativismo andam lado a lado.21 Ademais, é preciso motivar os alunos para essa problemática, o que gera significados profundos em sua formação e atuação profissional. Nessa lógica, outro trabalho enfatizou, ainda, a importância da abordagem dos cuidados paliativos especificamente em oncologia pediátrica, considerando que esta é o primeiro passo para sensibilização e preparo do futuro profissional.3
Outra pesquisa retratou a importância da prática em cuidados paliativos na formação dos profissionais da saúde, demonstrando que os alunos que vivenciavam os cuidados no fim de vida de um paciente puderam transitar por um complexo de impressões, sentimentos e trocas que não são possíveis apenas com a teoria. Transformando, assim, as atividades práticas em um verdadeiro laboratório de criação de saberes individuais e compartilhados, complementando sua formação teórica.21
Para tentar minimizar a falta de oportunidade vivenciada pelos acadêmicos e levá-los à proximidade da realidade do cuidado paliativo em oncologia pediátrica, faz-se necessário o uso de estratégias. Um artigo evidenciou a qualidade da dinâmica musical no que tange a promoção do autoconhecimento, reflexão e percepção do outro, elementos indispensáveis para o desenvolvimento pessoal e a integração social,22 o que corrobora com os achados do presente estudo.
No que tange ao estímulo do pensamento para possibilidades de ações terapêuticas, citado pelos participantes, a dinâmica musical também concordou com trabalhos publicados, em que para o ensino a música demonstrou influenciar a atenção, a memória, o desenvolvimento do pensamento lógico, a criatividade, a maturação intelectual, a percepção,23 a expressão da emoção e a racionalidade, facilitando, portanto, o desenvolvimento de habilidades de aprendizagem e processos do pensamento.16
Estudos destacaram ainda, em conformidade com os participantes, que a dificuldade no manejo de crianças em cuidados paliativos tem como umas das principais justificativas a falta de ensino e treinamento para lidar com os aspectos que envolvem o final de vida, tais como fundamentos bioéticos, habilidades de comunicação e estratégias assistenciais. Esse despreparo acarreta no prolongamento da vida, e a complexidade do momento da perda associada a deslizes de postura ou de comportamento pode adquirir uma relevância inimaginável, deixando marcas muitas vezes perenes nessa família.3,18
Logo, o profissional de saúde que atua nos cuidados paliativos em pediatria precisa ter uma formação abrangente para que possa compreender que a terapia paliativa não é o oposto da terapia curativa, sendo necessária a integração dos dois modelos para a promoção da qualidade de vida às crianças e suas famílias. Entre suas ações estão o reconhecimento e manejo dos sintomas apresentados pelos infantes; habilidade para trabalho em equipe; manutenção de bom relacionamento com a família e a criança; e discussão das questões relacionadas à finitude da vida.24
Por fim, a atuação do enfermeiro junto à criança com câncer em cuidados paliativos deve ser permeada por atitudes promotoras de conforto e bem-estar físico, emocional e espiritual para as crianças e suas famílias.25 Portanto, a instrumentalização de acadêmicos de enfermagem para os cuidados paliativos em oncologia pediátrica não pode se restringir ao ensinamento de cuidados técnicos. É preciso ir além, por meio da utilização de estratégias, como a dinâmica musical, que abarquem os aspectos subjetivos que esse cuidado envolve.
A dinâmica musical demonstrou ser uma estratégia adequada para sensibilização dos acadêmicos de enfermagem para os cuidados paliativos em oncologia pediátrica. Os participantes conseguiram adentrar na história proposta e refletiram desde o desgaste profissional, causado pelos anos de profissão, até a falta de oportunidade de aprendizagem sobre o tema durante a graduação.
A necessidade de uma reformulação no currículo, que abranja o tema oncologia, de forma longitudinal, durante todo o processo de formação, foi um dos pontos discutidos pelos participantes. Além disso, foi salientada a importância da empatia no cuidado como forma de conquistar a confiança da criança e família para que o ambiente se torne harmônico e de estratégias de enfrentamento para lidar com a situação vivida pela criança.
Como contribuição para a enfermagem, este estudo forneceu meios para um aprofundamento na temática dos cuidados paliativos visando o público específico da oncologia pediátrica, ademais, evidenciou buscando introduzir falhas na grade curricular do profissional enfermeiro. Assim, espera-se que novas estratégias de ensino sejam utilizadas para o preenchimento das lacunas existentes no processo de formação dos futuros enfermeiros.
Foi uma limitação da pesquisa a escassez de publicações que destacam estratégias de abordagem dos cuidados paliativos, voltados às crianças, durante formação dos enfermeiros, para comparação deste estudo com outros.