versão impressa ISSN 0066-782X
Arq. Bras. Cardiol. vol.103 no.2 supl.1 São Paulo ago. 2014
https://doi.org/10.5935/abc.2014S003
Com este documento, o Comitê Interamericano de Prevenção e Reabilitação Cardiovascular, em posição conjunta com a Sociedade Sul-Americana de Cardiologia, mostra seu interesse no desenvolvimento de estratégias, medidas e intervenções para a prevenção e a reabilitação cardiovascular. Com o objetivo de implementar na América Latina uma política de saúde regional e nacional dos países membros, tem-se o objetivo de promover a saúde cardiovascular e, consequentemente, diminuir a morbimortalidade. O grupo de estudos em Reabilitação Cardiopulmonar e Metabólica do Departamento de Exercício, Ergometria e Reabilitação Cardiovascular de Sociedade Brasileira de Cardiologia (DERC/SBC) criou uma comissão de experts para revisar a versão em português e adaptá-la à realidade nacional.
Este documento tem como missão principal auxiliar os profissionais de saúde a alcançarem medidas efetivas de prevenção e reabilitação cardiovascular (RCV) na prática clínica diária. Com a difusão deste documento, bem como com a sua implementação de forma mais abrangente, contribuiremos com a meta da Organização Mundial de Saúde de diminuir a mortalidade cardiovascular no mundo em 25% até o ano de 2025.
As prioridades deste grupo de trabalho são:
• Enfatizar o caráter prioritário da RCV como instrumento de prevenção secundária com importante impacto na morbimortalidade cardiovascular;
• Unir esforços para melhorar o conhecimento da RCV, sua difusão e aplicação na maioria dos centros e institutos cardiovasculares da América do Sul, priorizando a utilização de um método de prevenção cardiovascular integral, prático, de fácil aplicação e de custo/benefício comprovado;
• Melhorar a educação do pessoal da saúde e dos pacientes por meio de programas educativos dirigidos, que permitam envolver diretamente os sistemas de saúde, pessoal médico, pacientes e líderes comunitários sobre a importância dos serviços de RCV, a fim de diminuir as barreiras para a sua implantação.
In this document, the Inter-American Committee of Cardiovascular Prevention and Rehabilitation, together with the South American Society of Cardiology, aimed to formulate strategies, measures, and actions for cardiovascular disease prevention and rehabilitation (CVDPR). In the context of the implementation of a regional and national health policy in Latin American countries, the goal is to promote cardiovascular health and thereby decrease morbidity and mortality. The study group on Cardiopulmonary and Metabolic Rehabilitation from the Department of Exercise, Ergometry, and Cardiovascular Rehabilitation of the Brazilian Society of Cardiology has created a committee of experts to review the Portuguese version of the guideline and adapt it to the national reality.
The mission of this document is to help health professionals to adopt effective measures of CVDPR in the routine clinical practice. The publication of this document and its broad implementation will contribute to the goal of the World Health Organization (WHO), which is the reduction of worldwide cardiovascular mortality by 25% until 2025.
The study group's priorities are the following:
• Emphasize the important role of CVDPR as an instrument of secondary prevention with significant impact on cardiovascular morbidity and mortality;
• Join efforts for the knowledge on CVDPR, its dissemination, and adoption in most cardiovascular centers and institutes in South America, prioritizing the adoption of cardiovascular prevention methods that are comprehensive, practical, simple and which have a good cost/benefit ratio;
• Improve the education of health professionals and patients with education programs on the importance of CVDPR services, which are directly targeted at the health system, clinical staff, patients, and community leaders, with the aim of decreasing the barriers to CVDPR implementation.
Declaração de potencial conflito de interesses dos autores/colaboradores da Diretriz Sul-Americana de Prevenção e Reabilitação Cardiovascular Se nos últimos 3 anos o autor/colaborador das Diretrizes:
Nomes Integrantes da Diretriz | Participou de estudos clínicos e/ou experimentais subvencionados pela indústria farmacêutica ou de equipamentos relacionados à diretriz em questão | Foi palestrante em eventos ou atividades patrocinadas pela indústria relacionados à diretriz em questão | Foi (é) membro do conselho consultivo ou diretivo da indústria farmacêutica ou de equipamentos | Participou de comitês normativos de estudos científicos patrocinados pela indústria | Recebeu auxílio pessoal ou institucional da indústria | Elaborou textos científicos em periódicos patrocinados pela indústria | Tem ações da indústria |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Artur Haddad Herdy | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Carmen Pérez Terzic | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Claudia Victoria Anchique | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Claudio Gil Soares de Araújo | Não | Imbrasport | Não | Não | Imbrasport, Polar | Não | Não |
Claudio Santibáñez | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Francisco López Jiménez | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Gerard Burdiat | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Graciela González | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Juan Pablo Rodriguez Escudero | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Karina González | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Mauricio Milani | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Paula Cecilia Zeballos | Não | Não | Não | Não | Não | Não | |
Zeneca Argentina | |||||||
Ricardo Stein | Não | Não | Não | Não | Imbrasport | Não | Não |
Rosalia Fernández | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Salvador Serra | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Tales de Carvalho | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Nas últimas quatro décadas, tem se reconhecido a RCV como um instrumento importante no cuidado dos pacientes com doença cardiovascular (DCV). O papel dos serviços de RCV na prevenção secundária de eventos cardiovasculares é reconhecido e aceito por todas as organizações de saúde, porém não existem, até o momento, guias que direcionem a implementação da RCV adaptada às necessidades e aos recursos da América Latina. Por tal razão, a Sociedade Sul-Americana de Cardiologia teve a iniciativa de desenvolver esta diretriz.
As razões pelas quais se devem desenvolver uma estratégia preventiva na prática clínica, sendo esta baseada na reabilitação cardiovascular, são as seguintes:
As DCV são as principais causas de morte na maior parte dos países do mundo. São causa importante de incapacidade física e de invalidez e contribuem significativamente para o aumento de despesas com saúde;
A aterosclerose se desenvolve de forma insidiosa durante décadas e suas manifestações clínicas só se fazem notar nos estágios avançados da doença;
Em sua maior parte, as DCV possuem uma estreita relação com estilo de vida, assim como com fatores fisiológicos e bioquímicos modificáveis;
As modificações dos fatores de risco, promovidas pela RCV, reduzem a morbimortalidade por DCV, sobretudo para os indivíduos classificados como de alto risco;
A carga das DCV tem crescido nas últimas décadas, paralelamente ao incremento da prevalência de fatores de risco, como obesidade, tabagismo, diabetes melito (DM) e hipertensão arterial sistêmica;
Apesar do conhecido benefício da RCV para os pacientes com DCV, uma fração muito pequena, algo entre 5 a 30% dos pacientes elegíveis para participar de um programa de reabilitação, é encaminhada para o mesmo. É provável que cifras menores do que essas reflitam a realidade brasileira;
O baixo número de pacientes indicados para os programas de reabilitação cardiovascular, por parte dos médicos, ocorre tanto na América Latina quanto no restante do mundo;
Não existem diretrizes de RCV específicas que englobem e que considerem as particularidades dos países da América Latina;
Não existe atualmente um programa de certificação de serviços de RCV na América Latina.
O desenvolvimento desta diretriz inclui uma detalhada revisão dos diferentes temas expostos, bem como uma classificação das recomendações e níveis de evidências utilizadas (Tabela 1).
Tabela 1 Classificação de recomendações e níveis de evidência
Classes de recomendações |
Classe I: Há acordo geral de que o método ou procedimento é benéfico, útil e efetivo. Uma indicação classe I não significa que o procedimento seja o único aceitável |
Classe IIb: O peso da evidência não está muito bem estabelecido no que respeita à utilidade ou eficácia |
Classe III: Há acordo geral de que o método ou procedimento não está indicado ou justificado. Em alguns casos, pode até ser perigoso |
Níveis de evidência |
A: Evidência sólida, proveniente de múltiplos estudos clínicos aleatórios ou metanálises, com desenho adequado para alcançar conclusões estatisticamente significativas |
B: Evidência fraca, derivada de um simples estudo não aleatório, ou numerosos estudos não aleatórios |
C: Opinião de especialistas, pequenos estudos ou registros |
O comitê de redação foi nomeado em março de 2010 pela Sociedade Sul-Americana de Cardiologia, em um trabalho conjunto com a Clínica Mayo de Rochester, Minnesota, nos Estados Unidos da América. Esse comitê é constituído por um membro das seguintes Sociedades de Cardiologia de América Latina: Venezuela, Brasil, Argentina, Chile, Peru, Colômbia, Uruguai e Paraguai. Além destes, o comitê contou com a cooperação de um grupo de especialistas da Clínica Mayo.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a reabilitação cardiovascular é: "o conjunto de atividades necessárias para assegurar às pessoas com doenças cardiovasculares condição física, mental e social ótima, que lhes permita ocupar pelos seus próprios meios um lugar tão normal quanto seja possível na sociedade"1.
A evidência tem demonstrado que tanto o exercício formal quanto o incremento informal nos níveis de atividade física se associam a uma acentuada redução da mortalidade em indivíduos com e sem doença coronária2 -6. Roger e cols.7, em estudo realizado em Olmsted - Minnesota, arrolando pacientes que participaram de programas de RCV, constataram uma redução de 25% na taxa de eventos cardiovasculares para cada incremento de um equivalente metabólico (MET) na capacidade funcional. Sabe-se que o incremento por cada mL/(kg.min) do consumo máximo de oxigênio, mediante um programa de RCV, produz uma diminuição da mortalidade de aproximadamente 10%8,9. Os pacientes elegíveis para reabilitação cardiovascular em um contexto de prevenção secundária são aqueles que apresentaram pelo menos um dos seguintes quadros cardiovasculares no último ano:
Infarto agudo do miocárdio (IAM)/Síndrome coronariana aguda (SCA)
Cirurgia de revascularização miocárdica
Angioplastia coronária
Angina estável
Reparação ou troca valvular
Transplante cardíaco ou cardiopulmonar
Insuficiência cardíaca crônica
Doença vascular periférica
Doença coronária assintomática
Pacientes com alto risco de doença cardiovascular
O'Connor et al. realizaram uma metanálise de 22 estudos em pacientes pós IAM, observando uma redução de mortalidade total, mortalidade cardiovascular e IAM fatal de 20%, 22% e 25%, respectivamente10. Em estudo que incluiu 600.000 beneficiários do sistema Medicare americano, Suaya e cols.11 observaram que aqueles que participaram de programa de RCV apresentaram uma redução da mortalidade de 34% após um a cinco anos de seguimento.
As contraindicações para realizar exercício físico em programa de reabilitação cardiovascular têm se modificado e são cada vez menos definitivas com o passar do tempo. Ainda que listadas como contraindicações absolutas (Tabela 2), várias destas condições podem ser consideradas só como temporárias, já que depois de superado o quadro agudo, os pacientes poderão iniciar ou retomar programas regulares de exercício físico.
Tabela 2 Contraindicações absolutas para prática do exercício físico em programa de reabilitação cardiovascular extra-hospitalar (Fases 2, 3 e 4)
1. Infarto agudo do miocárdio muito recente (< 72 h) |
2. Angina instável (< 72 h da estabilização) |
3. Valvopatias graves sintomáticas com indicação cirúrgica – Reabilitar somente após o procedimento cirúrgico |
4. Hipertensão arterial descontrolada: PAS > 190 mmHg e/ou PAD > 120 mmHg |
5. Insuficiência cardíaca descompensada |
6. Arritmias ventriculares complexas, graves |
7. Suspeita de lesão de tronco de coronária esquerda, instabilizada ou grave |
8. Endocardite infecciosa, miocardite, pericardite |
9. Cardiopatias congênitas severas não corrigidas, sintomáticas |
10. Tromboembolismo pulmonar e tromboflebite – fase aguda |
11. Dissecção de aorta – tipo A ou fase aguda do tipo B |
12. Obstrução severa sintomática do trato de saída do ventrículo esquerdo com baixo débito esforço-induzido |
13. Diabetes melito descontrolada |
14. Todo quadro infeccioso sistêmico agudo |
PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica.
Os pilares da reabilitação cardiovascular e da prevenção secundária são: mudanças no estilo de vida com ênfase na atividade física programada, adoção de hábitos alimentares saudáveis, remoção do tabagismo e do uso de drogas em geral, além de estratégias para modular o estresse. Um programa de RCV deve ter como objetivo, não só melhorar o estado fisiológico, mas também o psicológico do paciente cardíaco, baseando-se em uma intervenção multidisciplinar (programa de exercício, educação, avaliação médica, avaliação nutricional etc.).
Por isso, os objetivos da reabilitação cardiovascular são:
Auxiliar àqueles pacientes com DCV conhecidas ou em alto risco de as desenvolverem;
Reabilitar o paciente de forma integral, oferecendo suporte nos aspectos físico, psíquico, social, vocacional e espiritual;
Educar os pacientes para que possam criar e aderir permanentemente à manutenção de hábitos saudáveis, com mudanças de estilo de vida associadas ou não ao tratamento farmacológico e/ou cirúrgico;
Reduzir a incapacidade e promover uma mudança no estilo de vida por meio de atitudes pró-ativas do paciente na sua saúde;
Melhorar a qualidade de vida;
Prevenir eventos cardiovasculares desfavoráveis;
Adequado controle dos fatores de risco em geral.
É essencial para o sucesso do programa de RCV, que as intervenções sejam realizadas de comum acordo com o provedor de saúde, o cardiologista e/ou o médico de família, a fim de otimizar e supervisionar as intervenções a longo prazo.
Para conhecer o risco de possíveis complicações durante o exercício, os pacientes devem ser estratificados mediante a classificação proposta pela Associação Americana de Reabilitação Cardiopulmonar (AACVPR)12 (Tabela 3).
Tabela 3 Estratificação para risco de eventos segundo AACVPR
Baixo risco |
1. Sem disfunção significativa do ventrículo esquerdo (fração de ejeção > que 50%) |
2. Sem arritmias complexas em repouso ou induzidas pelo exercício |
3. Infarto do miocárdio; cirurgia de revascularização miocárdica, angioplastia coronária transluminal percutânea, não complicados |
4. Ausência de insuficiência cardíaca congestiva ou sinais/sintomas que indiquem isquemia pós-evento |
5. Assintomático, incluindo ausência de angina com o esforço ou no período de recuperação |
6. Capacidade funcional igual ou > que 7 METS (em teste ergométrico incremental)* |
Risco Moderado |
1. Disfunção ventricular esquerda moderada (fração de ejeção entre 40% e 49%) |
2. Sinais/sintomas, incluindo angina em níveis moderados de exercício (5 - 6,9 METS) ou no período de recuperação |
Alto risco |
1. Disfunção grave da função do ventrículo esquerdo (fração de ejeção menor que 40%) |
2. Sobreviventes de parada cardíaca ou morte súbita |
3. Arritmias ventriculares complexas em repouso ou com o exercício |
4. Infarto de miocárdio ou cirurgia cardíaca complicadas com choque cardiogênico; insuficiência cardíaca congestiva e/ou sinais/sintomas de isquemia pós-procedimento |
5. Hemodinâmica anormal com o exercício (especialmente curva deprimida ou queda da pressão arterial sistólica, ou incompetência cronotrópica não medicamentosa com o incremento da carga) |
6. Capacidade funcional menor a 5 METS* |
7. Sintomas e/ou sinais, incluindo angina a baixo nível de exercício (< 5 METS) ou no período de recuperação |
8. Infradesnível do segmento ST isquêmico durante exercício (maior a 2 mm) |
Considera-se de alto risco a presença de algum dos fatores de risco incluídos nesta categoria |
*Se não se pode dispor da medida da capacidade funcional, esta variável não deve ser considerada isoladamente no processo da estratificação de risco. No entanto, é sugerido que se o paciente é capaz de subir dois lances de escadas apresentando boa tolerância, pode-se inferir que sua capacidade funcional é pelo menos moderada.
Os pacientes classificados como de baixo risco poderiam ser monitorados, durante as primeiras 6 a 18 sessões, através do uso do eletrocardiograma ou por frequencímetros e, preferencialmente, com supervisão clínica. A redução no monitoramento entre as sessões 8 e 12 é desejável, ocorrendo progressivamente. Esses pacientes de baixo risco, dependendo da avaliação individual, também poderiam ser candidatos a programas de RCV semissupervisionados ou com supervisão a distância.
Os pacientes classificados como de risco intermediário deveriam ser monitorados durante as primeiras 12 a 24 sessões, preferencialmente com monitoramento eletrocardiográfico contínuo e supervisão clínica permanente, com diminuição para uma forma intermitente depois da última sessão. A frequência e os métodos de monitoramento dependem também dos recursos disponíveis, da capacidade e volume de pacientes em cada instituição, além da evolução e estado do paciente12.
Uma supervisão maior dever ser realizada em pacientes estratificados como alto risco e quando existir alguma mudança no estado de saúde, surgimento de novos sintomas ou outra evidência de progressão da doença. O monitoramento também pode ser uma ferramenta útil para avaliar a resposta, especialmente quando se aumenta a intensidade do exercício aeróbico.
As possíveis complicações cardíacas durante os programas de reabilitação cardiovascular são: parada cardíaca, arritmias, infarto agudo do miocárdio (IAM), entre outras (Tabela 4). A incidência de parada cardíaca é relativamente baixa. De acordo com estudos realizados por Van Camp e Peterson13, com dados de 167 programas de RCV americanos, que incluíram 51.303 pacientes, mais de duas milhões de horas de exercício durante o período entre 1980-1984 foram realizadas. Nesse período, detectaram-se 21 paradas cardíacas, sendo 18 pacientes reanimados e tendo como desfecho sobrevivência (somente três eventos foram fatais)13. Estima-se que o risco de uma complicação maior, como parada cardíaca, morte ou IAM, seja de um evento por cada 60.000-80.000 horas de exercício supervisionado14.
Tabela 4 Taxa de eventos em reabilitação cardiovascular3
Em pacientes com doença cardíaca que realizam atividade física regular tem sido descrito: |
---|
Taxa de mortalidade de um por 790.000 pacientes/hora |
O risco de morte é de aproximadamente um por cada 60.000 participantes/hora durante os programas de reabilitação cardiovascular com exercício físico supervisionado e médico presente no local da mesma |
Para conseguir uma maior segurança durante o exercício físico em uma sessão de reabilitação, aconselha-se realizar avaliação integral do paciente, com o objetivo de conhecer o grau de risco cardiovascular, a prescrição individual do exercício e o monitoramento adequado. A supervisão médica é o fator de segurança mais importante na RCV. Durante a sessão de exercício, sugere-se preferentemente a presença de um médico especialista em RCV com conhecimento na gestão das complicações. Na ausência de tal especialista, é indicada a presença de pessoal capacitado na reanimação cardiovascular de emergência. É importante salientar que os pacientes devem ser educados quanto a sua autoavaliação, que inclui a presença de sintomas, percepção de esforço durante o exercício, bem-estar, limites de risco e medidas imediatas que deverão adotar, tais como informar ao grupo de reabilitação sua sintomatologia, assim como proceder com a suspensão imediata do exercício15,16.
As orientações relacionadas com a supervisão clínica dos pacientes durante os programas de prevenção secundária continuam sendo uma área de discussão12. O grau de supervisão médica está relacionado à idade, ao diagnóstico e às comorbidades do paciente que participa do programa de reabilitação, além do momento em que ele se encontra face ao evento cardiovascular e à evolução que ocorra durante as sessões.
O número de sessões monitoradas através do eletrocardiograma não é medida de valor clínico do programa de exercício. Este tipo de monitoramento serve como uma das técnicas que o grupo pode empregar para a supervisão dos pacientes12,15.
Segundo a declaração do consenso da Associação Americana do Coração, a Associação Americana de Reabilitação Cardiopulmonar e o Colégio Americano de Cardiologia (AHA/AACVPR/ACC)12, um programa de RCV compreende o cuidado integral de pacientes com DCV e insuficiência cardíaca crônica (evidência classe I). A RCV deve incluir uma abordagem multidisciplinar consistente, não somente em relação aos exercícios, mas também quanto ao trabalho educativo, visando o controle dos fatores de risco, mediante uma modificação do estilo de vida. Os componentes do programa de RCV estão na Tabela 5.
Tabela 5 Componentes de um programa de reabilitação cardiovascular
Intervenções | Classe (Nível de Evidência) | Metas/resultados | |
---|---|---|---|
Avaliação do paciente | • História clínica | I(A) | • No curto prazo, documentar evidências do atendimento ao paciente que guiem o desenvolvimento de estratégias de prevenção |
• Exame físico | |||
• Exames auxiliares: | I(A) | ||
• ECG, Teste de exercício* | |||
• Teste de Caminhada de 6 min* | II (B) | • Evitar complicações durante as sessões de reabilitação cardiovascular | |
• Análise de Laboratório** e outros*** | |||
• Informe psicológico de depressão e qualidade de vida | • Conseguir a adesão do paciente ao programa de Reabilitação Cardiovascular | ||
• Prescrição do exercício | |||
Education | • Conselho nutricional à família e ao paciente sobre: | • Controle do peso e modificação de fatores de risco | |
• Controle da diabetes | I (A) | • Abstinência de fumar a longo prazo | |
• Controle do peso | I (B) | ||
• Controle do tabagismo | • Conseguir uma PA < 130/80 | ||
• Controle da pressão arterial | |||
• Manejo psicológico | • Controle da glicemia em jejum < de 100 mg/dl | ||
• Dieta | I (C) | ||
• Em caso de obesidade, elaborar uma estratégia para redução de peso de no mínimo 5% a 10% do inicial | |||
Recursos Humanos: | |||
Médico cardiologista ou médico do exercício habilitado | • Dirige o programa e prescreve os limites de segurança do exercício; faz avaliação do paciente e elabora história clínica. Realiza o teste de exercício | • É importante que cada programa de reabilitação cardiovascular possua uma equipe formada, especializada e comprometida | |
Enfermeira | • Executa as indicações do médico | • O médico a cargo de reabilitação, preferentemente, deve estar presente durante as sessões de exercício ou Enfermeira disponível imediatamente | |
• Contribuí na educação do paciente em relação ao conhecimento da própria doença, sinais e sintomas, uso correto de medicações, adoção de hábitos de vida saudáveis e importância da prática regular dos exercícios, sempre em conjunto com a equipe multidisciplinar | |||
Especialista em exercício (Educador físico e/ou fisioterapeuta) | • Deve ter conhecimentos em reanimação cardiopulmonar básica e avançada | ||
• Educa os pacientes em relação aos exercícios e hábitos de vida saudáveis | |||
• Aplica o exercício físico aeróbico, de resistência muscular e de flexibilidade | |||
• Prescreve o modo de execução dos exercícios de acordo com os limites de segurança definidos pelo médico, quadro clínico do paciente, preferências individuais, experiências prévias com exercício e eventuais limitações osteo-mio-articulares | |||
Nutricionista | • Avalia e fornece ao paciente uma dieta individualizada para controlar os fatores de risco, além de abordar aspectos educativos sobre o assunto | ||
Psicólogo | • Realiza o exame de qualidade de vida e o teste de depressão, assim como proporciona apoio psicológico e terapias de relaxamento para os pacientes que as requeiram | ||
Assistente social | • Educa e aconselha o paciente e a família para enfrentar a doença | ||
• Coordena, com o paciente e a família, os problemas relativos à sua hospitalização ou ao seu trabalho, além de lidar com a suspensão do fumo | |||
Recurso materiais | Academia de reabilitação cardiovascular: | ||
• Esteiras ergométricas | |||
• Bicicletas estáticas | |||
• Simulador de caminhadas | |||
• Macas | |||
• Pesos | |||
• Ergômetro de mão | |||
• Bandas elásticas | |||
• Cronômetros | |||
• Carro de parada totalmente equipado | |||
• Esfigmomanômetros | |||
• Estetoscópios | |||
• Eletrocardiógrafo | |||
• Outros |
*Teste de exercício (ergometria, teste cardiopulmonar ou teste da caminhada dos 6 minutos): embora não seja indispensável para começar com a reabilitação, é um exame por demais recomendado, já que colabora com uma prescrição de exercício otimizada e ajuda a evidenciar as mudanças na capacidade funcional do paciente. O momento ideal para realizar o teste é no começo e no final da fase 2. Está claro que é mais útil em algumas patologias, tais como pós-infarto, insuficiência cardíaca, pós-transplante, e menos útil em pacientes que foram submetidos à cirurgia de revascularização cardíaca recente.
**Hemoglobina, glicemia, perfil lipídico, CPK, ácido úrico, hemoglobina glicosilada, transaminases hepáticas e outros exames bioquímicos segundo o caso.
***Ecocardiograma, se possível incluindo a avaliação da fração de ejeção.
Um programa de RCV é integrado por uma equipe multidisciplinar (Tabela 6), que requer as seguintes competências: conhecimento básico nas áreas cardiovascular, pulmonar e musculoesquelética, interpretação do eletrocardiograma, manejo de emergências médicas e conhecimentos em teoria e prática do exercício físico. O núcleo da equipe é formado por médicos, enfermeiras e especialistas em exercícios, com a opção de agregar especialistas em outras disciplinas para fornecer ao paciente atendimento e educação completa (Nutricionista, Psicólogo entre outros). O núcleo da equipe deve ter experiência no manejo de fatores de risco cardiovascular, avaliação e intervenção básica no aspecto psicossocial e modificação de condutas e estilo de vida.
Tabela 6 Competência do recurso humano em um programa de reabilitação cardiovascular
Recurso humano | Competência |
---|---|
Diretor médico | • Sua função principal é ser o líder da equipe multidisciplinar |
• Deve ser um médico com experiência em exercícios, de preferência cardiologista. Caso não haja esse profissional, será um médico com experiência em exercício e prevenção secundária, conhecedor do manejo das doenças cardiovasculares | |
• Experiência, treinamento e habilidades em gerenciamento | |
• Responsabilidade específica na avaliação e no manejo de pacientes que ingressam no programa | |
• Treinamento aprovado em reanimação cardiopulmonar avançada | |
Nurse | • Demonstrar competência e experiência em reabilitação cardiovascular |
• Demonstrar treinamento em reanimação cardiopulmonar | |
• Colaborar com os testes de esforço na preparação da pele para adesão dos eletrodos | |
• Embora preferentemente realizada pelo médico, poderá, em alguns casos específicos, realizar, individualmente ou com reuniões em grupo, a educação do paciente em relação ao conhecimento da doença, sinais e sintomas, uso correto de medicações, adoção de hábitos de vida saudáveis e a importância da prática regular dos exercícios, em conjunto com a equipe multidisciplinar | |
• Demonstrar conhecimentos básicos do exercício e treinamento físico | |
• Executar a prescrição do médico (somente a nível hospitalar em relação às medicações) | |
Especialista em exercício (Fisioterapeuta e educador físico) | • Possuir conhecimento do sistema cardiovascular e as suas doenças |
• Ter conhecimentos de prevenção cardiopulmonar primária e secundária | |
• Ter conhecimento de reanimação cardiopulmonar básica e avançada | |
• Saber reconhecer sinais e sintomas de instabilizações cardiovasculares | |
• Realizar a rotina de exercícios | |
• Dar informações ao paciente acerca dos problemas e benefícios do exercício e da atividade física | |
• Educar o paciente em relação à adoção de hábitos de vida saudáveis | |
• Ser o responsável pela coordenação e condução do programa supervisionado de exercícios | |
• Prescrever o modo de execução dos exercícios de acordo com os limites definidos de segurança estabelecidos pelo médico, quadro clínico do paciente, preferências individuais, experiências prévias com exercícios e eventuais limitações osteo-mio-articulares | |
Nutricionista | • Ter conhecimento do sistema cardiovascular e suas doenças, assim como sobre o exercício físico |
• Conhecer o programa de reabilitação cardiovascular e seus objetivos | |
• Avaliar o paciente e identificar seus fatores de risco | |
• Dar informações ao paciente acerca da modificação de fatores de risco e traçar metas para conseguir uma dieta saudável | |
Assistente social | • Possuir conhecimento do sistema cardiovascular e suas doenças |
• Possuir conhecimento em programa de reabilitação cardiovascular e seus objetivos | |
• Realizar a coordenação com o paciente e a família, a fim de manter as condições necessárias para a reabilitação do paciente | |
• Trabalhar com o psicólogo no apoio ao paciente | |
• Trabalhar com o psicólogo no apoio ao paciente |
Numerosas investigações têm demonstrado a importância da atividade física precoce e progressiva dentro de um programa de RCV, depois de um IAM ou procedimento de revascularização miocárdica. O programa consiste de 3 a 4 fases (Tabela 7), segundo as diferentes escolas12,17.
Tabela 7 Fases de um programa de reabilitação cardiovascular12
Fases | Duração | Objetivos | Recomendações | Alcance |
---|---|---|---|---|
Fase 1: | Inicia desde as 48 horas posteriores ao evento agudo até a alta hospitalar | • Prevenir perda de capacidade física | • Realiza-se na cama do paciente, no quarto ou corredor do hospital | |
• Evitar efeitos do repouso prolongado | • Pode-se utilizar monitoramento | |||
Hospitalizado depois de um evento cardiovascular: síndrome coronária aguda ou pós-intervenção (ACTP) ou uma cirurgia cardíaca de revascularização, prótese valvular ou correção de cardiopatia congênita | • Realiza-se uma avaliação prévia | |||
• Evitar a depressão | ||||
• Evitar complicações respiratórias e tromboembólicas | • Podem-se realizar várias sessões ao dia, mas de curta duração | |||
• Facilitar a alta precoce | • Inicialmente, os exercícios serão passivos e progredidos gradativamente, com exercícios ativos, caminhadas e outros, até a alta hospitalar | • Chegar em condições de iniciar a Fase II da reabilitação cardiovascular | ||
• Dar informações ao paciente e família sobre a doença e os cuidados básicos | ||||
Fase 2: | Média de duração de três meses, com três a cinco sessões semanais | • Melhorar a capacidade funcional do paciente | • Chegar em condições físicas e psicológicas adequadas para começar a fase 3 de reabilitação | |
Reabilitação cardiovascular após a alta | • Conseguir modificações dos fatores de risco | |||
Realiza-se em academia ou centro de reabilitação | • Conseguir recuperar a autoconfiança do paciente depois do evento cardíaco | |||
Fase 3: | Três a cinco sessões semanais e duração de três a seis meses (podendo se estender em alguns casos) | • Aumentar ou manter a capacidade funcional | • O paciente ingressa nesta etapa quando atinge estabilização do quadro e evolução nos exercícios | |
• Continuar com o plano de exercícios | ||||
• Controle da pressão arterial | • Os pacientes controlam a intensidade do exercício realizado segundo a escala de Borg (Tabela 10) e mediante o controle da frequência cardíaca | • Conseguir realizar atividade física de forma segura, com normas básicas de autocuidado | ||
Manutenção precoce | • Controle da glicemia e colesterol | |||
• Controle do peso e adequada nutrição | ||||
• É necessária a avaliação e seguimento da adesão ao tratamento medicamentoso e às medidas não farmacológicas | ||||
• Busca e garante o bem-estar psicológico | ||||
Seu término é indefinido e sua periodicidade dependerá do estado clínico, da patologia e da evolução de cada paciente, tal como dos componentes do seguimento | • Ajudar o paciente a manter um estilo de vida saudável | • Reforçar a educação dada | ||
Fase 4: | • Ajudar o paciente nas dificuldades para desprender-se dos maus hábitos | • Conseguir mudanças permanentes com um estilo de vida saudável, atividade física e controle adequado dos fatores de risco | ||
Manutenção tardia | ||||
Início depois de completar | ||||
Fase 2 e 3 | ||||
• Motivar e gerar estratégias para manter estilo de vida saudável |
A avaliação inicial do paciente, ao ingressar em um programa de reabilitação, deve incluir uma coleta de dados mediante uma exaustiva e minuciosa história clínica, que deve conter antecedentes do paciente que incluam cirurgias e comorbidades, tais como: doenças cardiovasculares, renais, pulmonares, musculoesqueléticas, depressão e outras. Caráter primordial na valoração inicial é a identificação de fatores de risco cardiovasculares: tabagismo, hábitos alimentares, pressão arterial, DM, dislipidemia, obesidade, sedentarismo e estresse. Além das informações sobre uso de medicamentos, é importante conhecer a situação econômica, educativa e social do paciente.
O exame físico incluirá uma avaliação do sistema cardiovascular completo: PA, frequência cardíaca, ruídos e sopros cardíacos, palpação de pulsos periféricos, mudanças da coloração da pele, além de descartar alterações musculoesqueléticas que impeçam seu ingresso ao programa ou gerem restrições à execução de alguns exercícios. Exame do sistema respiratório avaliará frequência respiratória, presença ou não de ruídos anormais, característicos de patologias pulmonares16,18.
Um "centro" é considerado centro de reabilitação quando conta com uma área para realizar atividade física, recursos humanos competentes e treinados, equipamentos adequados para a realização de exercícios físicos, equipamento para situações de emergência (material de suporte básico e avançado de vida com desfibrilador) e pessoal médico disponível na área para cobrir situações de emergência, além de considerar a implementação de protocolos de manejo de pacientes em reabilitação segundo a patologia.
A prescrição do exercício sempre deve ser considerada individualmente de acordo com cada etapa e levando em conta as limitações individuais ou comorbidades (ortopédicas, neurológicas, respiratórias, nefrológicas, entre outras).
Durante a Fase 1, ou seja, nos hospitais, temos a oportunidade de ver o paciente em um momento muito receptivo. Na maioria dos casos, as pessoas estão muito vulneráveis e contemplativas a novas propostas para a mudança do estilo de vida. Além dos exercícios, que se realizam sempre em baixa intensidade com o objetivo da movimentação precoce, também temos a oportunidade de trabalhar na educação, repassar informação sobre a doença e sobre a importância de controlar os fatores de risco19. Os exercícios podem ser iniciados imediatamente depois da estabilização da doença:
Nos casos de síndromes coronarianas agudas, depois das primeiras 24 a 48 horas, com ausência de sintomas;
Nos casos de insuficiência cardíaca, depois da melhoria da dispneia, exercícios suaves de movimentação e alongamentos também podem ser iniciados tão logo o paciente possa deambular;
Nos casos de cirurgias cardíacas, especialmente nos dias anteriores à intervenção, um programa de exercícios de respiração, alongamentos e movimentação progressiva, seguido da terapia física depois da cirurgia, proporciona uma redução significativa das complicações respiratórias, arritmias e a duração da permanência hospitalar depois do procedimento cirúrgico19-21.
Embora seja difícil generalizar a recomendação, no momento de começar os exercícios no hospital, pode-se avaliar o paciente e determinar os melhores exercícios a serem realizados naquele momento, desde exercícios passivos a ativos e caminhadas de intensidade leve, que serão progredidos individualmente até a alta hospitalar.
Nesta etapa, o paciente necessita vigilância e atendimento de forma individualizada, já que está na fase de convalescença e, com frequência, sem nenhum contato prévio com as atividades físicas formais. A prescrição de exercício deve incluir o tipo, intensidade, duração e frequência22. A duração da Fase 2 é variável, dependendo de cada paciente, mas em média dura de um a três meses23. Os exercícios devem ser iniciados com baixa intensidade e baixo impacto nas primeiras semanas, para adaptação inicial e prevenção de lesões musculoesqueléticas24,25.
Exercício aeróbico: a intensidade do exercício aeróbico deve se ajustar ao quadro clínico, estratificação de risco e objetivos do paciente. Idealmente, deve-se realizar um teste de esforço (teste ergométrico ou teste cardiopulmonar) para avaliar a resposta eletrocardiográfica, capacidade física, resposta cronotrópica e pressórica ao esforço para permitir melhor individualização da intensidade da prescrição dos exercícios físicos. Para não atrasar o início da reabilitação, as avaliações iniciais dos fisioterapeutas ou educadores físicos nas primeiras sessões de familiarização ajudam a prescrever o exercício antes da realização do teste de exercício22, caso este seja imediatamente indisponível.
A intensidade dos exercícios aeróbicos, os quais são orientados para a obtenção de maiores benefícios para o sistema cardiovascular e para o metabolismo, tem sido objeto de investigações26. Os exercícios mais intensos são mais eficazes na melhoria de resistência à insulina, redução da PA e para promover uma maior redução de peso em comparação com os moderados27,28.
Se o teste cardiopulmonar estiver disponível, a frequência de treinamento pode ser aquela frequência cardíaca observada neste exame, até que tenha sido atingido o limiar anaeróbico. Em caso de teste ergométrico sem análise dos gases expirados, utiliza-se 60-80% da frequência cardíaca máxima alcançada ou entre 50 a 70% da FC de reserva. Nas primeiras sessões, sugere-seexecutar os exercícios no limite inferior da prescrição para que ocorra posterior progressão nas sessões seguintes, de acordo com a resposta e evolução individual. Os exercícios também são realizados abaixo do limiar isquêmico, ou seja, abaixo da FC e carga que levem a indução de sinais clínicos e/ou eletrocardiográficos de isquemia miocárdica quando no esforço.
A duração deve ser de no mínimo 30 minutos, podendo progredir até uma hora de exercício contínuo ou intermitente. As sessões podem ser de duas a cinco vezes por semana, ficando em uma média de três vezes.
Exercício de resistência: exercícios de fortalecimento muscular devem ser iniciados gradativamente com cargas leves e progredidos ao longo das sessões12,22. Nesta fase, os objetivos são familiarizar-se com os exercícios, executando com a postura correta e a progressão gradual das cargas. Podem ser realizados de duas a três vezes por semana, com repetições de 6 a 15 por grupo muscular, a intervalos de 30 segundos a um minuto. Exercícios de flexibilidade: Também conhecido como alongamentos. Devem ser realizados de maneira progressiva e sem desconfortos, sempre respeitando as limitações musculoesqueléticas. Podem ser realizados no começo e, principalmente, no final das sessões de reabilitação29.
Estas fases têm uma duração indefinida23. A diferença entre ambas está, principalmente, no fato de que a Fase 4 se consegue com controle a distância, também conhecida como reabilitação sem supervisão. Em essência, a prescrição destas duas fases é muito similar porque os exercícios prescritos são parte da vida cotidiana. A prescrição deve ser atualizada periodicamente para adaptar-se ao perfil e comorbidades de cada paciente. Sugere-se, para iniciar a terceira fase, uma reavaliação, que se pode ser repetida a cada 6 a 12 meses.
Exercício aeróbico: Em pacientes assintomáticos, a FC de treinamento deve estar entre 70% a 90% da FC máxima alcançada no teste ergométrico, entre 50% a 80% da FC de reserva ou entre o primeiro e o segundo limiar obtido no TCP.
Os exercícios também são realizados abaixo do limiar isquêmico, ou seja, abaixo da FC e da carga que levem a indução de sinais clínicos e/ou eletrocardiográficos de isquemia miocárdica em esforço. Em casos selecionados de pacientes com sintomas como angina estável, a frequência cardíaca máxima pode ser logo abaixo àquela na qual apareçam os sintomas, mesmo que o ECG mostre sinais indiretos de isquemia.
Exercícios de resistência: Os exercícios de resistência devem ser executados em séries de 8 a 15 repetições, com cargas progressivas, suficientes para causar fadiga nas últimas três repetições, porém, sem falha do movimento. Idealmente, devem ser realizados três vezes por semana. Como alternativa ao exercício convencional com pesos livres ou aparelhos de musculação, pode-se utilizar o método Pilates, com práticas de resistência combinadas com flexibilidade e respiração12,30.
A flexibilidade deve ser parte das aulas de ginástica podendo ser no começo e/ou, preferencialmente, no final de cada sessão. Pode haver combinação de práticas como a Ioga, o Tai Chi Chuan ou outras, as quais podem auxiliar na redução da PA31, assim como o incremento no consumo máximo de oxigênio32.
Exercícios de equilíbrio: São de caráter fundamental e se recomenda realizá-los de duas a três vezes por semana, principalmente na população de idade avançada, com o objetivo de manter a autossuficiência nesse grupo etário e ajudar a prevenir fraturas em consequência de quedas13.
O programa de treinamento deverá levar em conta os seguintes pontos:
Frequência de treinamento: Ela deverá ser de, no mínimo, três vezes por semana. Seria ideal incentivar o paciente a realizar atividade física diária (caminhar, subir escadas, pedalar)12,22.
Duração de cada sessão: A duração aconselhada é de 40 a 60 minutos/dia.
Intensidade do treinamento: Esta pode ser controlada pela frequência cardíaca de treinamento (FCT). Nesta estratégia, busca-se realizar os exercícios prescritos entre 70% e 90% da frequência máxima (FCM) alcançada no teste de exercício. Outra prática comum é a utilização da FC de reserva, utilizando-se a fórmula de Karvonen (50% a 80% da FCR)33,34.
Fórmula de Karvonen: FCT = FC repouso + (0,5 a 0,8) x (FCM - FC repouso).
A percepção subjetiva do esforço por parte do paciente sempre deverá ser interrogada. Para isso, utiliza-se a escala de percepção de esforço de Borg35 (RPE ou Rating Perceived Exertion) (Tabela 8).
Tabela 8 Escala de Borg para classificar o esforço percebido35
6 | Nenhum esforço |
7 | Muito, muito leve |
8 | Muito leve |
9 | Muito leve |
10 | |
11 | |
12 | Moderado |
13 | |
14 | Forte ou duro |
15 | |
16 | Muito forte ou muito duro |
17 | |
18 | |
19 | Muito, muito forte |
20 | Exaustão total |
As equivalências entre a sensação subjetiva de esforço (Borg) e a intensidade de exercício poderiam resumir-se em: < 12: leve = 40-60% do máximo; 12-14: moderado, levemente forte = 60-75% do máximo; > 14: forte intenso = 75-90% do máximo.
Subjetivamente, também se pode considerar o teste da fala, com a percepção da própria ventilação, ou seja, os exercícios são realizados em intensidade em que se sente a respiração mais ofegante, porém, sem um grau de taquipneia que impeça o paciente de completar uma frase.
a) Aquecimento: Momento no qual se incorporam grupos musculares de forma progressiva; primeiro, pequenos grupos e, depois, são envolvidos grupos musculares de maior envergadura. Inicialmente, realizam-se exercícios de forma lenta, para depois aumentar as repetições cada vez em menor tempo. Depois de cinco minutos aproximadamente, realiza-se um aquecimento mais intenso, que inclui trote ou algum outro exercício de maior intensidade (duração de um a três minutos). Em geral, quando um paciente inicia a reabilitação, o aquecimento é mais prolongado. Antes da primeira sessão é conveniente que algum teste seja realizado. O objetivo do exame é o de permitir uma análise objetiva do estado atual do paciente (teste da caminhada dos 6 minutos, por exemplo)12,29,36,37.
b) Treinamento propriamente: Pode-se realizar com cicloergômetro, esteiras rolantes, escalador ou simplesmente com caminhadas/trote guiado por pessoal treinado. Habitualmente se começa com um treinamento de curta duração (15 minutos) durante a primeira sessão e com uma progressão semanal ou por sessão, de acordo com o caso. Esta fase deverá estar atrelada ao tempo e intensidade do exercício.
A frequência de cardíaca de treinamento é determinada de acordo com o método de prescrição e/ou resultado do teste de exercício, conforme discutido previamente. O objetivo é atingir e manter esta FC durante a execução dos exercícios aeróbicos contínuos ou intervalados. Além disso, é conveniente agregar exercícios de resistência a cada sessão12.
c) Volta à calma: Todas as sessões devem levar em conta que, nos últimos minutos, o paciente deve recuperar os valores de frequência cardíaca e PA iniciais. O método usado para conseguir este objetivo é variado, mas não devem faltar alguns elementos, tais como: redução gradual da carga de exercício aeróbico, utilização do alongamento, repouso em cadeira ou colchão e técnicas de respiração (respiração abdominal)12,29.
Os exercícios podem se dividir em isotônicos ou dinâmicos e isométricos ou estáticos:
O exercício isotônico ou dinâmico gera mudanças no comprimento muscular com contrações rítmicas, movimentos articulares e escasso desenvolvimento de força. Este exercício provoca um aumento importante no consumo de oxigênio, volume sistólico e frequência cardíaca. A pressão arterial sistólica aumenta e a diastólica pode diminuir pela queda da resistência periférica total16.
O exercício isométrico ou estático provoca um incremento da força muscular com pouca mudança no comprimento do músculo. Durante este exercício, a pressão arterial sistólica aumenta de forma significativa, a frequência cardíaca e o volume sistólico sofrem incrementos menores do que os observados no exercício dinâmico16.
Entretanto, na prática, a maioria das atividades apresenta uma combinação destes dois tipos de exercícios em magnitudes variadas e a resposta hemodinâmica depende de qual será executado com maior intensidade.
Quanto aos tipos de treinamento, os mais relevantes são o contínuo e o intervalado:
Treinamento contínuo: É aquele que se baseia em um esforço constante durante um tempo determinado. Preferentemente, é de moderada intensidade para que possa durar por mais tempo. Relaciona-se, geralmente, à caminhada ou à corrida de intensidade moderada constante, sendo que a velocidade de execução e o comportamento das variáveis cardiopulmonares dependerão do quadro clínico e da capacidade física individual. O tempo mínimo sugerido para se manter este tipo de esforço oscila entre 20-30 minutos por sessão38,39. O mesmo se pode realizar em diferentes intensidades (Tabela 9).
Tabela 9 Exemplos de treinamento contínuo
Tipo de atividade | Velocidade | Comportamento |
---|---|---|
Caminhada lenta | 4-5 km/hora | Consegue conversar |
Caminhada moderada | 5-6 km/hora | Mantém uma conversação com dificuldade |
Caminhada rápida | > 6 km/hora | Conversa com frases curtas |
Trote leve | 6 a 7 km/hora | Consegue conversar |
Trote mais intenso | 7 a 9 km/hora | Conversa com frases curtas |
Treinamento intervalado: Define-se como um exercício ou uma série deles, composto por períodos de esforço alternados com períodos de recuperação ativos ou passivos. Quando o esforço é de alta ou moderada intensidade, usam-se intervalos ativos, com exercícios iguais ou diferentes daqueles com os quais se está trabalhando, mas com intensidade menor40. Caso a capacidade funcional do paciente seja baixa, podem ser utilizados intervalos de recuperação passivos. Em tais pacientes, esse modo de treinamento com alternância de cargas pode ser a única forma de começar um programa de exercício em virtude da baixa tolerância à aplicação de cargas contínuas. A progressão realiza-se gradativamente, incrementando os períodos de atividade e diminuindo os de descanso ou substituindo-os por atividade de menor intensidade (mudança para recuperação ativa). Antes de iniciar esta atividade, é preciso realizar um pré-aquecimento prolongado e, ao terminar a sessão, uma recuperação de baixa intensidade38.
Como se mencionou anteriormente, um programa multidisciplinar de RCV não só inclui o plano de exercícios físicos programados, como também a educação que se proporciona ao paciente, seja ela em relação à prevenção cardiovascular, mas também no que diz respeito ao adequado manejo dos fatores de risco12.
O sobrepeso e a obesidade têm aumentado sua incidência e prevalência em todo o planeta em níveis alarmantes. A obesidade é considerada uma epidemia mundial, tanto em crianças quanto em adultos, alcançando quase um terço da população mundial. Segundo o estudo INTERHEART, o fator de risco cardiovascular mais prevalente é a obesidade abdominal, cuja prevalência é de 48,6% na América Latina, comparada com 31,2% dos outros países participantes41. A alimentação com excesso de calorias, rica em carboidratos simples e gorduras saturadas, associada ao sedentarismo são responsáveis por esta epidemia mundial.
O aumento da gordura se associa ao aumento dos ácidos graxos livres, hiperinsulinemia, resistência à insulina, DM, hipertensão arterial sistêmica e dislipidemia. Os efeitos da obesidade sobre o risco cardiovascular global impacta de forma muito marcada. O obeso tem maior frequência e incidência de outros fatores de risco. No entanto, o risco manifesta-se também de forma direta, uma vez que a gordura, particularmente a visceral intra-abdominal, é um órgão endócrino, metabolicamente ativo, que sintetiza e libera na circulação sanguínea diferentes peptídeos e outros compostos não peptídicos que participam da homeostase cardiovascular. O obeso perde em maior ou menor grau esse equilíbrio e assim o risco também aumenta.
O cálculo do índice de massa corporal (IMC) tem sido proposto pelo Instituto Nacional da Saúde dos Estados Unidos (NHLBI)42 e pela Organização Mundial da Saúde (OMS)43 como o método convencional para diagnosticar sobrepeso e obesidade. Em adultos, o sobrepeso é definido por um aumento do valor do IMC de 25 a 29,9 kg/m2 e obesidade quando o valor é igual ou superior a 30 kg/m242,43.
Embora o IMC seja um método simples para detectar sujeitos com aumento considerável de gordura corporal, particularmente em âmbito populacional, estudos recentes têm questionado a sua validade para diagnosticar obesidade individual44-46. Numerosos estudos têm demonstrado que medidas de obesidade central se correlacionam melhor com risco de DCV que o IMC47. Portanto, é mais importante determinar se existe aumento da gordura abdominal que definir peso corporal em relação à altura. Uma maneira simples de sabê-lo é medindo o perímetro de cintura com uma fita métrica, seja no nível do umbigo ou 2,5 cm acima da crista ilíaca. Os pontos de corte recomendados para diagnosticar obesidade central, usando a circunferência de cintura, são: ≥ 94 cm para o homem e ≥ 80 cm para a mulher. Se for utilizado o índice de cintura-quadril, os valores para
diagnosticar obesidade central são: ≥ 0,9 para o homem e ≥ 0,85 para a mulher. Todos estes cálculos têm sido estabelecidos para a raça branca. Outros parâmetros e outras determinações seriam necessários para a variedade de raças da América Latina48,49.
Outros métodos de medição da gordura corporal utilizados são a tomografia axial computorizada, o ultrassom, a ressonância magnética e a pletismografia corporal por deslocamento de ar. O perímetro de cintura tem a vantagem de ser uma medida simples e é superior ao IMC, mas deve se levar em conta que é propensa a erros de medição48-50.
A redução do peso está recomendada em pacientes com obesidade (IMC ≥ 30 kg/m2) ou com sobrepeso (IMC ≥ 25 e < 30 kg/m2).
Valores entre 94 e 101 cm para o homem e entre 80 e 87 cm para a mulher consideram-se como de alerta e representam um limiar a partir do qual não se deve ganhar mais peso. A restrição da ingestão calórica total e o exercício físico regular são as pedras angulares do controle do peso. É provável que com o exercício se produzam melhorias no metabolismo da gordura central, inclusive antes que ocorra uma redução do peso.
Educação alimentar é primordial, com ênfase na redução da quantidade calórica e diminuição drástica de gorduras e carboidratos simples. Estímulo ao consumo de mais frutas, vegetais, alimentos integrais e gorduras mono e poli-insaturadas deve ser feito. O hábito do consumo leve a moderado de álcool não deve ser desaconselhado, mas esta é uma área do conhecimento que ainda necessita de mais estudos para se definir a melhor conduta.
A frequência, duração, intensidade e o volume de exercícios empregados devem adequar-se à aptidão física do sujeito. Os exercícios prolongados e de intensidade moderada são preferidos, embora seja necessário iniciar os planos com intensidade leve e progressão de acordo com os resultados que forem sendo obtidos. Os exercícios preferidos são os dinâmicos, que empregam amplos territórios musculares e se realizam com metabolismo predominantemente aeróbico.
A percentagem da população inativa na América Latina oscila entre o 25% e 75%, faixa muito alta devido à diferença que existe entre os estudos realizados em cada região. As pessoas que permanecem sedentárias têm maior risco de morte e um risco duas vezes maior de padecer de doenças cardiovasculares se comparadas a pessoas fisicamente ativas51.
Iniciar, recondicionar e educar o paciente quanto à prescrição do exercício;
Motivar a manutenção do exercício de forma indefinida (30-60 minutos de exercício moderado de 5 a 7 dias por semana) (classe I, nível de evidência B);
Assegurar que a totalidade dos integrantes da equipe dos programas de RCV conheça, eduque e motive os pacientes sobre a realização do exercício conforme sua prescrição.
Realizar história clínica completa;
Determinar o risco cardiovascular de forma individual;
Realizar prescrição do exercício (aeróbico, resistência e flexibilidade);
Realizar supervisão do exercício de acordo com os riscos e prescrições.
(Vide a secção de Exercício Físico para mais detalhes no que se refere às recomendações e prescrições de exercício.)
O estresse tem sido definido como a "situação de um indivíduo ou de algum dos seus órgãos ou sistemas que, por exigir deles um rendimento superior ao normal, os põe em risco de adoecer". É uma resposta ou reação do organismo que obriga a adaptações nem sempre bem toleradas ou aceitas, podendo ser agudas ou crônicas52. Todas essas alterações incluem a ansiedade, a exaustão emocional, a despersonalização, a insegurança emocional, medo do fracasso, estresse laboral crônico, fatores de personalidade, caráter e isolamento social, que levam à depressão. O estresse elevado está claramente associado com o IAM. O estresse se considera na atualidade um fator de risco tão importante quanto a HAS, o tabagismo ou as dislipidemias.
Infelizmente, não existem dados suficientes para se saber com certeza a prevalência de estresse elevado, depressão e outros problemas psicossociais na América Latina. Dados do estudo INTERHEART mencionam que, na América Latina, a prevalência de estresse crônico e de depressão seja, respectivamente, 6,8% e 36,7%41.
As respostas ao estresse produzem aumento da atividade autonômica por ativação do sistema simpático e liberação de catecolaminas, ocasionando um aumento da frequência cardíaca, da contratilidade, do volume minuto e da resistência vascular periférica, além de promover inibição na secreção de insulina, aumentar a liberação de glicose hepática e de ácidos graxos na corrente sanguínea. Concomitantemente, ocorre incremento da aglutinação de plaquetas e uma diminuição do limiar para a fibrilação ventricular52.
É importante saber o grau de estresse e depressão que sofrem os pacientes em busca de um programa de RCV, para o qual se recomenda o uso de questionários padronizados, como o de depressão PHQ-9, que é grátis e disponível na Web. Uma vez que se conhece a situação do paciente, o mesmo deve ser encaminhado para a assistente social, psicólogo e/ou psiquiatra, segundo a gravidade do problema emocional que apresente.
As recomendações apontam pela identificação destes grupos de pacientes para intervir de forma prematura, mediante apoio de psicoterapia e mudanças do estilo de vida, não só dirigidos ao indivíduo especificamente, mas também a membros da família. Estas medidas podem incluir terapia de grupo, medicação específica, atividade física e apoio social, tudo a cargo de profissionais especializados53 (classe I, nível de evidência B).
O tabagismo é a dependência crônica ocasionada pelo consumo excessivo do fumo, desencadeada por seu principal componente, a nicotina. O tabagismo é um fator de risco independente da DCV54, além de ser considerado como uma das principais causas de mortalidade evitável no mundo55.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), um fumante é uma pessoa que tem exercido esse hábito, diariamente, durante o último mês, seja qual for a quantidade de cigarros, nem que seja um só. O fumante passivo, por outro lado, define-se como aquele que se expõe à fumaça do fumo nas suas diferentes formas, tais como cachimbo, cigarro e outros. Não há uma exposição mínima inócua à fumaça de cigarro: a "fumaça de segunda mão" aumenta o risco de DCV de 25% a 30%56.
Houve mudanças significativas com a implementação de políticas de zonas livres de fumo, conseguidas através de um convênio histórico da organização mundial da saúde e países da América Latina e Caribe57. A prevalência do tabagismo nesta zona se situa ao redor de 31% para homens e 17% para as mulheres, a qual nos motiva a seguir trabalhando em prol de melhorias nesta situação58.
O objetivo geral é conseguir a suspensão completa do consumo de cigarro59,60. Isto implica que os programas de RCV e de prevenção secundária incluam medidas integrais de cessação do tabagismo, além de se educar o cidadão fumante, promovendo e implementando medidas de saúde pública relacionadas à supressão do hábito56 (IB).
Toda história clínica deve incluir o diagnóstico de tabagismo, de acordo com a definição acima. Há que se verificar ainda se existe exposição ambiental, medição de dependência física, interesse de abandono, fazer um plano e manter seguimento e retroalimentação59,60.
Algumas recomendações úteis em relação ao tabagismo são:
Realizar questionário de rotina sobre hábitos de fumar;
Indicar a quantidade de fumo consumido e as tentativas para parar de fumar;
Classificar a escala de adição física, psicológica, social, gestual e dependência da nicotina (testes de Fagerstrom, de teste Glover e de Nilson)61;
Identificar a fase de interesse de abandono segundo Prochazka and Diclemente (Pré-contemplação, Contemplação, Preparação, Ação, Manutenção)62;
Estabelecer conversação para gerar consciência (IA);
Acompanhar o processo para parar de fumar ("5As"): Indague sobre o estado de fumador; Aconselhe que pare; Analise os desejos para tentar parar de fumar; Ajude no intento de parar; e Marque próxima consulta63;
Oferecer ajuda independentemente da motivação do paciente64;
Gerar intervenções que permitam ao paciente avançar nas fases de interesse de abandono do cigarro;
Oferecer e orientar as terapias farmacológicas para a cessação de tabagismo (troca de nicotina, Bupropiona, Vareniclina e/ou combinações correspondentes)65. Embora o uso de medicamentos para auxiliar os fumantes a deixarem de fumar tenha sido utilizado em pacientes cardiovasculares, sua prescrição deve ser deixada a cargo do cardiologista responsável;
Realizar terapias não farmacológicas, tais como:
- Assessoria prática (resolução de problemas/treinamento de habilidades);
- Apoio psicológico e social como parte do tratamento;
- A terapia de grupo é cerca de duas vezes mais eficaz que terapias de autoajuda64;
- Estabelecer estratégia de acompanhamento e seguimento integral para o paciente.
O alcance do manejo total para a cessação do fumo nos programas de RCV representa uma oportunidade para o resto dos integrantes do núcleo familiar. Desta forma, evitar-se-ia o início do consumo de cigarro (filhos, netos, irmãos, outros familiares) e/ou até considerar sua completa erradicação do núcleo familiar (IB).
As dislipidemias são um fator de risco maior para o desenvolvimento de aterosclerose. Cada redução de 1% no valor de proteínas de baixa densidade (LDL) se traduz em uma redução de risco de 1% de ocorrerem eventos cardiovasculares futuros. Um aumento de 1% nas lipoproteínas de alta densidade (HDL) está associado a uma redução de risco de 2 a 4%41. A prevalência de dislipidemias na América Latina é de 42%, segundo o estudo INTERHEART, comparado com 32% de prevalência dos outros países participantes do estudo41.
Estratificação de risco:
De acordo com a guia para o tratamento das dislipidemias no adulto, Adult Treatment Panel III (ATP-III)66, definem a classificação de LDL, HDL e colesterol total segundo seus valores plasmáticos (Tabela 10). Este documento também tem identificado no LDL o primeiro objetivo de tratamento (classe I, nível de evidência A).
Tabela 10 Classificação de HDL, LDL e colesterol total segundo ATP III66
Colesterol total (mg/dl) |
< 200 Desejável |
200-240 Limite alto |
≥ 240 Alto |
LDL (mg/dl) |
< 100 Ótimo |
100-130 Desejável |
130-160 Limite alto |
> 160 Alto |
> 190 Muito alto |
HDL (mg/dl) |
< 40 Baixo |
≥ 60 Desejável |
HDL: lipoproteínas de alta densidade; LDL: lipoproteínas de baixa densidade; ATP III: guia para o tratamento das dislipidemias no adulto, Adult Treatment Panel III.
O ATP-III identificou categorias de risco segundo a presença ou ausência de outros fatores de risco. A presença de DCV ou outras formas clínicas de aterosclerose, ditas categorias de risco, determina a meta de LDL-C que se deve alcançar (Tabela 11).
Tabela 11 Objetivos, níveis, mudanças no estilo de vida e tratamento nas diferentes categorias de LDL, segundo ATP III66
Categoria de risco | Objetivo LDL (mg/dl) | Níveis de LDL para início de mudanças no estilo de vida (mg/dl) | Níveis de LDL para iniciar tratamento farmacológico (mg/dl) |
---|---|---|---|
Risco de DC ou equivalente a DC (risco em 10 anos > 20% ) | < 100 | ≥ 100 | ≥ 130 (100-129: opcional) |
+2 fatores de risco (risco em 10 anos ≤ 20%) | < 130 | ≥ 130 | |
10-20% : ≥ 130 | |||
< 10%: ≥ 160 | |||
0-1 fatores de risco | < 160 | ≥ 160 | |
(160-189: opcional) |
LDL: lipoproteína de baixa densidade; DC: doença coronária.
Fica ainda por definir se as metas de colesterol LDL, em prevenção primária, seguirão sendo as mesmas, dado os resultados do estudo Jupiter67, no qual se randomizou para tratamento com rosuvastatina ou placebo pacientes sem doença coronária que apresentavam valores de LDL menor de 130 mg/dl e proteína C-reativa (PCR) ultrassensível maiores do que 2 mg/l. O referido estudo foi finalizado antes do tempo por ter exibido um benefício claro a favor do grupo tratado com rosuvastatina, mostrando uma redução de 44% no objetivo primário (desfecho combinado) de reduzir morte cardiovascular, acidente vascular encefálico não fatal, IAM não fatal, angina instável ou revascularização coronária.
Como já mencionado previamente, estratificar o risco global do paciente define os objetivos de LDL que devem ser alcançados de acordo com a categoria de risco. Para conseguir as referidas metas, muitas vezes devemos ser agressivos no tratamento. As opções terapêuticas são:
Medidas não farmacológicas: redução de carboidratos simples e em geral, da ingestão de gorduras saturadas e trans, e do peso em caso de obesidade, além de incremento da atividade física (classe I, nível de evidência B). O exercício de tipo aeróbico de intensidade moderada é considerado de maior impacto sobre os níveis de triglicérides, em menor medida sobre o HDL e menos ainda sobre o LDL66.
Medidas farmacológicas: a meta primária no manejo de dislipidemias é conseguir uma redução do nível LDL de acordo com as metas descritas na Tabela 11. As estatinas são as drogas mais utilizadas pelo impacto sobre a redução do risco. Além destas drogas, existem outras, tais como a niacina, fibratos, resinas e a ezetimiba66.
Outras metas de tratamento:
No caso de o valor de triglicérides estar entre 200 a 499 mg/dl, e depois que a meta de LDL for alcançada, pode-se aceitar a adição da medicação para se chegar à meta de colesterol não HDL (classe I; nível de evidência B), o qual deve ser menor que o valor de LDL+ 30. Isto pode ser conseguido intensificando a terapia com estatinas e somando ácido nicotínico ou fibratos66. Caso os triglicérides sejam > 500 mg/dl, deve-se priorizar a redução de seu valor como primeiro objetivo, a fim de diminuir o risco de pancreatite (classe I, nível de evidência C).
Outro objetivo importante é aumentar os valores de HDL, particularmente em pacientes com valores de HDL extremadamente baixos e DCV aterosclerótica. Pode-se utilizar niacina, a qual deve ser iniciada com dose baixa (500 mg) e aumentada de acordo com a tolerância (até a dose máxima de 2 g). As estatinas também aumentam os valores de HDL, mas em menor percentagem66. A evidência apoiada no uso de fármacos para aumentar o HDL não é forte, sendo que estudos recentes têm questionado o uso de niacina com este propósito, enquanto outros têm demonstrado que a elevação de HDL, utilizando inibidores da CTP, pode inclusive aumentar a mortalidade cardiovascular68.
Um dos problemas mais frequentes no atendimento médico primário é a falta de detecção, tratamento e controle da HAS, a qual é, sem dúvida, um dos fatores de risco com maior impacto nas doenças cardiovasculares.
A prevalência mundial é de aproximadamente um bilhão de indivíduos, causando algo em torno de 7,1 milhões de mortes ao ano69. Na América Latina, 13% das mortes podem ser atribuídas à HAS. De acordo com o estudo INTERHEART41, a prevalência de HAS na América Latina é de 29,1%, mais alta que os 20,8% encontrados nos outros países participantes. O problema da HAS também é que, aproximadamente, 30% dos adultos desconhecem serem portadores desta enfermidade. Mais de 40% dos hipertensos não estão tratados e dois terços não têm os níveis pressóricos controlados (níveis menores de 140/90 mmHg).
A Tabela 12 mostra a classificação da HAS segundo os lineamentos do VII Relatório do Comitê Nacional Conjunto (JNC VII) para adultos 69. A classificação está baseada na média de duas ou mais medidas de PA, efetuadas na posição sentado em duas ou mais visitas.
Tabela 12 Classificação da hipertensão arterial em adultos segundo JNC VII69
Classificação de PA | PAS (mmHg) | PAD (mmHg) |
---|---|---|
Normal | < 120 | < 80 |
Pré-hipertensão | 120-139 | 80-89 |
Hipertensão estágio 1 | 140-159 | 90-99 |
Hipertensão estágio 2 | ≥ 160 | > 100 |
PA: pressão arterial; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; mmHg: milímetro de mercúrio
O objetivo de tratamento para os hipertensos sem outras patologias associadas é PA < 140/90 mmHg (classe I, nível de evidência A). Já em pacientes hipertensos com doença renal ou DM, o objetivo da PA é < 130/80 mmHg, embora estudos recentes tenham demonstrado que conseguir tais níveis de controle, provavelmente, não seja tão crucial para reduzir o risco de DCV, particularmente em diabéticos70.
Para conseguir as metas, é fundamental implementar mudanças no estilo de vida (Tabela 13). Tais condutas devem ser recomendadas também às pessoas normotensas com carga genética hipertensiva (p. ex., ambos pais com idade < do que 60 anos medicados para HAS).
Tabela 13 Modificações de estilo de vida para prevenir e manejar a hipertensão arterial69
Medida | Objetivo | Redução da PA |
---|---|---|
Redução do peso | Manter IMC < 24,9 | 5-20 mmHg/10kg |
Adoção de dieta DASH* | Dieta rica em frutas, vegetais e baixa em gorduras totais e saturadas. | 8-14 mmHg |
Redução do consumo de sódio | Consumir < 2,4 g/dia de sódio** | 2-8 mmHg |
Atividade física aeróbica | 30-45 minutos/dia (a maior quantidade de dias por semana) | 4-9 mmHg |
Moderação do consumo de álcool*** | 2-4 mmHg | |
Não mais de uma porção (15 ml) em mulheres e pessoas de baixo peso |
*Dieta DASH: Tendência dietética para deter a hipertensão arterial71
**A Associação Americana do Coração recomenda um consumo diário de sódio menor de 1500 mg.
***Não se recomenda que uma pessoa abstêmia inicie o consumo de álcool como maneira de controlar a hipertensão.
PA: pressão arterial; IMC: índice de massa corporal; kg: kilograma; mmHg: milímetro de mercúrio; g: grama.
Quanto ao exercício físico, os ideais são aqueles com predomínio dos componentes dinâmicos. Seus benefícios começam a partir da terceira semana após iniciados. Os exercícios de força muscular não têm demonstrado benefício sobre a HAS como método isolado, já que devem somar-se aos exercícios dinâmicos (classe I, nível de evidência B)69.
Em relação ao tratamento medicamentoso, uma redução da PA deve ser considerada a meta do tratamento farmacológico da HAS, independentemente do fármaco utilizado. Como é habitual na prevenção cardiovascular, a decisão de começar com tratamento medicamentoso depende do risco global do paciente. Já que a maioria dos pacientes hipertensos requererá dois ou mais medicamentos anti-hipertensivos para conseguir o controle da pressão arterial, a adição de um segundo fármaco de uma classe diferente deveria ser indicada quando, apesar do uso de um agente individual em adequadas doses, a PA esteja mais de 20 mmHg acima da meta da PAS ou mais de 10 mmHg acima da meta da PAD69.
Denomina-se diabetes melito (DM) uma desordem metabólica de múltiplas etiologias, caracterizada por hiperglicemia crônica com distúrbios no metabolismo dos carboidratos, gorduras e proteínas, que resulta em defeitos na secreção e/ou na ação da insulina.
A principal causa de morte da pessoa com DM tipo 2 é cardiovascular e, portanto, prevenir a DCV implica um manejo integral de todos os fatores de risco. Todos os fatores de risco cardiovasculares, exceto o hábito de fumar, são mais frequentes nos diabéticos e o seu impacto sobre a DCV também é maior72. Ao redor de 25,1 milhões de pessoas padecem de DM tipo 2, cifra correspondente a 8,7% da população adulta na América Latina, conforme censo de 2011. Estima-se que esta cifra chegará a alcançar aproximadamente 40 milhões de pessoas (60% da população adulta) nos próximos 20 anos. Além disso, é importante mencionar que, atualmente, 15,1 milhões de pessoas (5,2% da população adulta) sofrem de intolerância à glicose, situação que deve ser tomada como alerta para determinar medidas mais eficientes para a prevenção deste flagelo72 (International Diabetes Federation).
Para o diagnóstico da DM, segundo a Associação Americana da Diabetes (ADA)73, podem ser utilizados quaisquer um dos seguintes critérios:
Valores de HbA1c ≥ 6,5.
Sintomas de DM mais uma glicemia casual medida em plasma venoso igual ou maior que 200 mg/dl (11,1 mmol/l).
Glicemia em jejum, medida, igual ou maior que 126 mg/dl (7 mmol/l).
Glicemia medida em plasma venoso igual ou maior que 200 mg/dl (11,1 mmol/l) duas horas depois de uma carga de glicose, durante um teste de tolerância oral à glicose (TTOG).
Para o diagnóstico na pessoa assintomática é essencial ter pelo menos um resultado positivo de glicemia igual ou maior que as cifras dos critérios 3 e 4.
Recomenda-se estrito controle da glicemia (classe I, nível de evidência A) (Tabela 14). O Estudo Prospectivo Inglês sobre DM (UKPDS)74 e o Estudo sobre o Controle e Complicações da DM (DCCT)75 mostraram que a relação linear entre a hemoglobina glicosilada estável (HbA1c) e o risco de complicações, sem poder identificar um nível em que o risco desapareça. Atualmente, a meta terapêutica de níveis da HbA1c é menor que 8%, podendo ser inferior a 7% em pacientes coronariopatas jovens. O estudo ACCORD demonstrou que, em pacientes com DM tipo 2, não existe benefício adicional quando se reduz a HbA1c a níveis estrito baixos (menor que 6,5%) e que, pelo contrário, poder-se-ia aumentar a mortalidade76.
Tabela 14 Metas para o controle dos parâmetros de controle glicêmico77
Nível | Normal | Adequado | Inadequado |
---|---|---|---|
Risco de complicações crônicas | Baixo | Alto | |
Glicemia jejum | < 100 (1) | 70-100 | ≥ 120 |
Glicemia 1-2 horas pós-prandial | < 140 | 70-140 (2) | ≥ 180 |
HbA1c (%) | < 6 (3) | <6,5 (4) | ≥ 7 (4) |
(1)O risco de hipoglicemia aumenta significativamente quando se mantêm níveis dentro da faixa de uma pessoa não diabética, mediante o uso de hipoglicemiantes. O risco deve ser evitado em idosos, permitindo metas menos estritas.
(2)A redução a limites normais da glicemia pós-prandial costuma ter menor risco de hipoglicemia. Por este motivo, ela é também uma meta adequada.
(3)A HbA1c normal também pode ser definida como o valor médio para a população não diabética de referência. + 2 desvios-padrão, usando-se o método de referencia do DCCT que é de 6,1%. A faixa normal não é a meta terapêutica em pacientes com DM.
(4)Com os novos tratamentos, já é possível obter e talvez manter uma HbA1c quase normal. Embora todas as Associações Internacionais de DM concordem que se deve tratar de alcançar esta meta, a maioria propõe que se baixe a menos de 7% e que um valor mais alto já obriga a atuar para iniciar ou mudar uma terapia.
Os valores de glicemia estão expressos em mg/dl (para converter a mmol/l, dividi-los por 18).HbA1c: hemoglobina glicosilada.
O tratamento da DM inclui medidas farmacológicas e não farmacológicas. As medidas não farmacológicas compreendem três aspectos básicos: plano de alimentação, exercícios físicos e hábitos saudáveis12. A redução de peso no obeso, em pacientes com DM e sobrepeso, continua sendo o único tratamento integral capaz de controlar simultaneamente a maioria dos problemas metabólicos da pessoa com DM tipo 2 (classe I, nível de evidência C). Deve-se iniciar tratamento farmacológico em toda pessoa com DM tipo 2 que não tenha alcançado as metas do controle nos níveis de glicemia mediante as mudanças terapêuticas no estilo de vida.
Na secção de Populações Especiais, estão recomendações adicionais para a reabilitação cardiovascular de pacientes diabéticos.
A síndrome metabólica representa em um aglomerado de fatores de risco que incluem obesidade central, PA elevada, níveis elevados de triglicérides, glicose e HDL baixo (Tabela 15). A fisiopatologia desta síndrome é constituída pela resistência à insulina. Isto significa que o metabolismo da glicose a nível celular está alterado e se faz necessária maior quantidade de insulina para metabolizar a mesma quantidade de glicose. Dito de outra forma: existe uma diminuição da sensibilidade dos tecidos periféricos, principalmente o músculo esquelético, à ação da insulina, produzindo-se então uma hiperinsulinemia secundária. Os pacientes com esta síndrome têm duas vezes mais risco de sofrer um evento cardiovascular e cinco vezes mais risco de desenvolver DM78,79. Além das anomalias metabólicas descritas, ultimamente se demonstrou que esta síndrome é acompanhada por um aumento do inibidor do ativador do plasminogênio (PAI-1), que provoca aumento potencial da trombogênese e, portanto, um elemento a mais que se soma ao risco de se sofrer um IAM66,80.
Tabela 15 Definição da síndrome metabólica segundo ATP III66
Deve cumprir pelo menos três dos seguintes cinco componentes: |
---|
• Obesidade central: perímetro da cintura > 102 cm em homens e > 88 cm em mulheres |
• Triglicérides elevados: ≥ 150 mg/dl ou em tratamento farmacológico |
• HDL baixo: < 40 mg/dl em homens e < 50 mg/dl em mulheres ou em tratamento farmacológico |
• Aumento da tensão arterial: PA sistólica ≥ 130 mmHg e/ou PA diastólica ≥ 85 mmHg ou tratamento de hipertensão previamente diagnosticada |
• Alteração da glicemia em jejum: glicose plasmática em jejum 110 mg/dl [≥ 100 mg/dl] ou DM tipo 2 previamente diagnosticado |
ATP III: guia para o tratamento das dislipidemias no adulto, Adult Treatment Panel III; PA: pressão arterial; HDL: lipoproteína de alta densidade; DM: diabetes melito.
Conseguir as metas propostas para cada componente da síndrome;
Medir o perímetro de cintura em todos os pacientes;
Conscientizar o paciente sobre a forte influência que exerce a mudança do estilo de vida nesta síndrome.
Redução do peso corporal;
Redução do perímetro de cintura;
Exercício predominantemente aeróbico de intensidade moderada, que procure atingir 80% da frequência cardíaca máxima (segundo teste de exercício), assim como exercício de resistência com repetições frequentes e séries que exercitem diversos grupos musculares;
Reduzir a ingestão de açúcar agregada, de bebidas adocicadas e de carboidratos simples.
A falta de confiança para realizar a atividade sexual, diminuição da libido, disfunção erétil e transtornos na ejaculação são pontos importantes a considerar após um evento cardiovascular. A orientação e o manejo terapêutico devem iniciar-se desde as primeiras fases dos programas de RCV81. A seguir, citamos algumas das recomendações práticas82:
Se o paciente é capaz de alcançar 6 METs de esforço físico num teste de esforço, ou o correspondente nas atividades do dia a dia, não deve ter restrições para atividade sexual, já que nem a duração ou a intensidade do esforço físico, durante a atividade sexual, são o suficientemente arriscados para provocar complicações cardiovasculares.
É aconselhável prevenir o consumo excessivo de alimentos e bebidas alcoólicas algumas horas antes da atividade sexual.
Recomenda-se realizar a atividade sexual com método apropriado, no qual o paciente se sinta tranquilo e com uma boa disposição para realizar a atividade. Além disso, é aconselhável adotar posturas que não resultem em um esforço exagerado do paciente. É importante que o paciente saiba que a maior parte dos infartos do miocárdio relacionados à atividade sexual parecem ocorrer em situações de infidelidade conjugal e/ou em uso concomitante de drogas ou em o paciente vivenciando episódios de alto nível de estresse.
A orientação psicológica é peça fundamental na recuperação da confiança do paciente.
O uso de sildenafil e outros inibidores da fosfodiesterase não estão contraindicados em pacientes cardiovasculares, a menos que exista angina classe IV, estenose valvular grave ou arritmias ventriculares persistentes. Tais medicamentos estão também contraindicados se o paciente usa nitroglicerina ou outros nitratos de maneira regular.
As patologias que geram a indicação de RCV neste tipo de paciente correspondem, em sua maioria, a doença coronária (pós-infarto do miocárdio, cirurgia de revascularização miocárdica, angioplastia, manejo médico de doença coronária, seguido de valvopatias, insuficiência cardíaca e cardiopatia congênita).
Este grupo etário tem características próprias que geram algumas recomendações específicas adicionais, somadas às descritas em cada uma das patologias mencionadas. Tais características incluem: maior probabilidade de estarem economicamente ativos, com atividades que podem requerer esforços físicos significativos; uma maior probabilidade de ter filhos em casa com as responsabilidades que isso implica; alta probabilidade de que os rendimentos financeiros sejam reduzidos durante o episódio agudo. Tudo isto gera barreiras importantes, tanto para o acesso aos programas de RCV, quanto para a manutenção deles, além de dificuldades na adesão aos hábitos saudáveis e ao tratamento farmacológico em geral83.
Diminuir as barreiras de acesso aos programas de RCV;
Fomentar e favorecer as estratégias que permitam melhorar a manutenção nos programas de RCV;
Implementar estratégias que consigam o conhecimento e a compreensão dos hábitos saudáveis, da prescrição do exercício e da importância do uso de medicamentos12,25.
As recomendações dentro do programa de RCV em geral são as mesmas que se realizam para cada patologia12.
Com frequência, os idosos, definidos como aqueles com idade superior a 65 anos de idade, são excluídos dos programas de RCV, porém, são conhecidos os benefícios obtidos em função da melhoria da capacidade funcional, qualidade de vida e modificação de fatores de risco nesta faixa etária84. É uma população com um nível de capacidade física reduzida, com diminuição da flexibilidade, que apresenta alteração dos sentidos e diminuição do equilíbrio. Nesse cenário, a implementação de recomendações específicas têm um papel primordial85,86.
Estimular o encaminhamento dos idosos para os programas de reabilitação cardíaca;
Minimizar as barreiras para a assistência e permanência no programa;
Manejar as comorbidades de forma integral;
Alcançar maior grau de independência, autocuidado e adaptação social;
Fomentar exercícios de resistência para prevenir ou reverter sarcopenia;
Considerar a possibilidade de que exista certa deterioração cognitiva que possa representar um desafio na aprendizagem de técnicas de exercício, dieta e outros princípios incluídos no programa de RCV.
Enfatizar a motivação pela aprendizagem, não só de exercícios, como também pela informação relacionada à sua doença;
Considerar que se devem repetir ordens, indicações e precauções;
Incluir exercícios que favoreçam o autocuidado;
Combinar o exercício aeróbico com prescrição individual e exercícios de alongamento, flexibilidade, coordenação e equilíbrio. Prescrever exercícios de resistência com baixa carga87 e múltiplas repetições, abrangendo diversos grupos musculares.
As patologias com indicação de RCV nessa população correspondem às derivadas de cardiopatias congênitas, com ou sem insuficiência cardíaca, além da síncope neurocardiogênica. Há evidência de que a atividade física regular pode ser benéfica, inclusive em crianças com cardiopatia congênita complexa, obtendo-se mudanças significativas na capacidade funcional, comportamento, autocuidado e o estado emocional87,88.
Diminuir as barreiras de inclusão deste grupo de pacientes;
Considerar o componente educativo relacionado aos hábitos saudáveis;
Alcançar o maior nível de autocuidado e adaptação ao contexto familiar e social do paciente.
Orientar e motivar a atividade física recreativa de predileção do paciente e que cumpra com as recomendações específicas para cada patologia e estado clínico;
As recomendações de nutrição devem contemplar tanto a idade dos pacientes, a etapa de crescimento em que se encontram, assim como a patologia de base, pelo qual é muito importante incluir assessoria e acompanhamento de especialistas em nutrição.
Existe limitação de informações específicas nas mulheres, pois elas se encontram sub-representadas nos estudos clínicos de investigação.
A recomendação atual de RCV para as mulheres em prevenção secundária é classe I, nível de evidência A (mulheres com evento coronário agudo recente, intervenção coronária, doença cardiovascular)89.
Na maioria dos países da América Latina, a DCV ocupa os primeiros lugares de morbidade, porém, é reconhecido que, em média, menos de 10% do total de participantes em programas de RCV são mulheres90,91.
Com relação aos fatores de risco para doença coronária, existem algumas características que podem ter diferença de gênero, como ocorre com a inatividade física, estresse e DM. Sabe-se que as mulheres chegam com mais idade aos programas de reabilitação cardíaca (com uma média de 10 anos a mais), além de manifestarem maior ansiedade que os homens e de terem condicionamento físico menor, assim como um maior número de comorbidades e pior qualidade de vida. Em geral, os benefícios dos programas de RCV são similares aos dos homens, embora alguns estudos sugiram que, nas mulheres, haja maior impacto da classe funcional na qualidade de vida. Ainda assim, a permanência no programa é menos provável que a dos homens92.
Aumentar a participação das mulheres com DCV nos programas de RCV;
Aumentar a permanência das mulheres no programa de RCV;
Manter os hábitos saudáveis posteriores à saída do programa de RCV.
A recomendação atual de atividade física para mulheres é 30 minutos diários de 5 a 7 dias por semana, aumentando para 60 a 90 minutos de atividade moderada durante a maioria dos dias da semana. O exercício deve incluir atividades de resistência, equilíbrio, coordenação, flexibilidade e alongamento (classe I, nível de evidência B).
Além disso, deve-se:
Ajustar a prescrição do exercício às comorbidades da paciente;
Colocar a paciente em um grupo compatível para realizar as sessões de exercício;
Levar em conta os sintomas atípicos que podem apresentar;
Determinar durante as sessões, o tipo de exercício aeróbico com o qual mais se identifica a paciente e assim favorecer sua realização como parte da sua rotina independente do programa (caminhada, dança, ciclismo, natação ou outros)87.
Um adequado diagnóstico e um tratamento da DM estão associados à redução da morbimortalidade. Parte do tratamento é o exercício físico, o qual se deve realizar de forma adequada e com os cuidados que este tipo de pacientes requer. Por isso, o grupo interdisciplinar participante de um programa de RCV deve conhecer a adequada abordagem de um paciente com esta patologia93,94.
O pessoal vinculado à RCV deve:
Conhecer a história clínica do paciente diabético, levando em conta:
- Presença de doença cardiovascular;
- Presença de comorbidades, retinopatia, neuropatia, nefropatia;
- Resultados dos últimos exames (glicemia em jejum, teste de tolerância oral à glicose, HbA1c, exame oftalmológico, controle lipídico, etc.);
- Medicação atual do paciente, destacando especialmente aquela medicação que gera hipoglicemia95 (Tabela 16). No caso de que o paciente esteja sob tratamento com insulina, o tipo, dose e forma de administração.
Tabela 16 Medicação hipoglicemiante e risco de hipoglicemia93
Neutra | Baixo | Moderado | Alto |
---|---|---|---|
• Biguanidas | |||
• Tiazolidinedionas | |||
• Acarbose | Metiglinidas | Sulfonilureias | Insulina |
• Análogos de GLP-1 e Gliptinas |
GLP-1: peptídeo similar ao glucagón tipo 1 DDP4.
Conhecer história de hipoglicemia prévia: Frequência, circunstâncias associadas que possam contribuir para a aparição da hipoglicemia, sintomas, tratamento de hipoglicemias prévias (uso de carboidratos)95,96. Recomenda-se que cada centro gere protocolos próprios de monitoramento glicêmico, desenvolva políticas e procedimentos adequados, adaptados a cada instituição;
Conhecer o uso do automonitoramento glicêmico: Frequência e momento do dia do automonitoramento glicêmico, interpretação e tratamento caso seja necessário95;
Educar o paciente acerca do cuidado com os pés: Deve-se aconselhar o paciente sobre a correta higiene nos pés e a importância de utilizar calçado cômodo para evitar a aparição de atritos, feridas, queimaduras e lesões que possam complicar o estado do paciente96.
Indicação do exercício:
O exercício deverá cumprir com as seguintes metas:
A curto prazo: mudar o hábito sedentário mediante caminhadas diárias no ritmo do paciente.
A médio prazo: a frequência mínima deverá ser três vezes por semana em dias alternados, com uma duração mínima de 30 minutos por vez.
A longo prazo: aumentar a frequência, se for possível diariamente, e com intensidade moderada, de 45 a 60 minutos de duração, conservando as etapas de aquecimento, manutenção e volta a calma. Recomenda-se o exercício aeróbico (caminhar, trotar, nadar, ciclismo, etc.)92.
O exercício intenso ou o esporte competitivo requerem medidas preventivas, tais como:
Avaliação do estado cardiovascular em pacientes com mais de 30 anos ou com DM com mais de dez anos de evolução (há risco maior em caso de existirem retinopatia proliferativa, neuropatia autonômica e outras).
Evitar exercício muito intenso se existir evidência de retinopatia proliferativa.
As pessoas insulino-dependentes devem consumir uma refeição ou merenda rica em carboidratos complexos antes de iniciar o esporte e ter à sua disposição uma bebida açucarada pelo risco de hipoglicemia. Eventualmente, o médico indicará um ajuste da dose de insulina para os dias da prática esportiva.
Não se recomendam os exercícios de alto risco, onde o paciente não possa receber auxílio de imediato (alpinismo, asa-delta, mergulho, entre outros).
Não existe consenso em relação à frequência nem à indicação do monitoramento da glicose prévia, durante ou posterior a uma sessão de RCV. Porém, é útil o controle glicêmico durante as primeiras sessões para se conhecer a resposta glicêmica ao exercício. Desta maneira, é possível se conseguir prevenir as hipoglicemias e ajustar adequadamente o exercício físico a cada paciente, definindo se é necessário o automonitoramento prévio ou posterior a cada sessão. Caso seja necessário o monitoramento da glicose posterior ao exercício, este deve ser tomado 15 minutos após o mesmo. Se o valor de glicemia obtido nas primeiras sessões for < 100 mg/dl ou > 300 mg/dl, deve-se informar ao médico de referência para que este indique o tratamento que considere adequado ao paciente. Aqueles pacientes que usam insulina ou hipoglicemiantes orais que possam gerar hipoglicemias devem manter uma glicemia prévia ao exercício maior que a 100 mg/dl.
Em caso de hipoglicemia:
Administrar ao paciente 15 g de carboidratos (p. ex: uma fruta ou um copo bebida com açúcar, suco adocicado ou uma xícara de leite). Avaliar o paciente 15 minutos depois da ingestão de carboidratos.
Em caso de hiperglicemias:
Paciente diabético tipo 1 com glicemia > 300 mg/dl e cetose, deve-se suspender o exercício físico, dado que este pode agravar a cetose. Não é necessário suspender o exercício, baseando-se simplesmente na hiperglicemia, se a cetose for negativa.
Paciente diabético tipo 2 com glicemia > 300 mg/dl pode realizar exercício, mas com precaução.
Recomendações e pontos chaves no manejo dos pacientes diabéticos na Tabela 17.
Tabela 17 Resumo de recomendações/pontos chaves no manejo de pacientes diabéticos em reabilitação cardiovascular94
Objetivos | • Uma das recomendações chaves para o paciente com diabetes tipo 1 e diabetes tipo 2 é o controle ótimo da glicemia; a qual tem demonstrado uma diminuição na incidência das complicações microvasculares relacionadas à diabetes97 |
Reabilitação Cardiovascular | • O exercício regular ajuda a manter níveis apropriados de glicemia e é uma indicação classe I no manejo dos pacientes com diabetes melito73 |
• O ambiente da reabilitação cardiovascular é uma excelente oportunidade para a equipe médica monitorar e manejar a diabetes melito, devido ao contato frequente e próximo que, tanto o pessoal médico como o paciente, necessitam desenvolver | |
• Os exercícios aeróbicos e de força podem desencadear hipoglicemia em pessoas com diabetes, particularmente naqueles indivíduos com controles estritos de glicemia. Isto fornece uma retroalimentação positiva com respeito aos efeitos do exercício quanto ao controle da glicemia98 | |
• Educação e orientação são dadas aos pacientes identificados com risco de hipoglicemia e hiperglicemia e se deve apropriadamente tratar a hipoglicemia, para, assim, evitar um consumo desnecessário de calorias e aumento de peso99 | |
Complicações | • Diabetes é um fator de risco maior para doença cardiovascular. Pessoas com diabetes são 2 a 4 vezes mais propensas a ter doença cardiovascular que pessoas não diabéticas. Além disso, a doença cardiovascular ocorre em pessoas mais jovens com diabetes, que tendem a desenvolver lesões mais difusas. Pessoas com diabetes têm uma alta prevalência de hipertensão (cerca do 50%) e dislipidemia, que contribui para incrementar seu risco de doença cardiovascular |
• Pessoas com diabetes, particularmente aqueles de longa data, são susceptíveis a neuropatias autonômicas e são menos prováveis de ter sintomas, por exemplo, angina, enquanto desenvolvem um infarto do miocárdio. Por isso, exercícios de treinamento adaptados para o reconhecimento de sintomas de infarto do miocárdio neste tipo de paciente não é fácil. Alguns pacientes podem ter extensas áreas de isquemia do miocárdio antes de desenvolver qualquer dor torácica ou o equivalente a uma angina | |
• Algumas pessoas com diabetes podem desenvolver complicações a longo prazo, o que torna ainda mais desafiante a reabilitação cardiovascular. Eis alguns exemplos: cegueira, nefropatias, neuropatia periférica com diminuição da sensibilidade, doença vascular periférica com claudicação significativa ou amputações de dedo(s)/membro(s), incapacidade de reduzir o ritmo cardíaco em resposta ao exercício e hipotensão ortostática100-102 |
A insuficiência cardíaca tem-se constituído em um problema de saúde maior, especialmente na população de idade avançada85 . Embora a patologia primária da insuficiência cardíaca resulte das anormalidades na função cardiovascular, as alterações no fluxo sanguíneo periférico, o metabolismo e morfologia muscular esquelética (na sua força e resistência) contribuem, em grande parte, para a sintomatologia (fluxo periférico).
Os resultados de estudos sistemáticos indicam que o exercício regular em pacientes com insuficiência cardíaca é seguro e se associa a um aumento de 16% do consumo de oxigênio pico. Em relação aos mecanismos hemodinâmicos centrais, os pacientes que ingressam na RCV apresentam incremento no débito cardíaco pico e frequência cardíaca máxima.
O treinamento físico induz a uma série de adaptações nos músculos esqueléticos, que inclui aumento da massa muscular, aumento do conteúdo de mitocôndrias, incremento da atividade das enzimas oxidativas, maior extração de oxigênio do sangue e mudança na distribuição do tipo de fibras.
As respostas inflamatórias e imunológicas desempenham um papel central no desenvolvimento e na progressão da insuficiência cardíaca: níveis circulantes aumentados de algumas citoquinas têm sido detectados nestes pacientes. O exercício afeta beneficamente tais marcadores inflamatórios, melhorando a tolerância à atividade física e atenuando o processo inflamatório. Assim, produz-se uma liberação de fatores de relaxamento derivados do endotélio, cujo principal representante é o óxido nítrico, que permite maior vasodilatação103.
Os pacientes com insuficiência cardíaca também apresentam múltiplas alterações na função respiratória, que pode ocorrer como resultado da força muscular diminuída, sendo esta secundária à inatividade, o que causa aumento no trabalho ventilatório, tanto em repouso quanto durante o exercício. Daí a necessidade de realizar treinamento dos músculos respiratórios, o qual melhora o fortalecimento e a resistência destes músculos, contribuindo para aumentar a tolerância ao exercício104.
Apesar dos benefícios conhecidos gerados pelo exercício físico, os pacientes com insuficiência cardíaca são poucos em programas de RCV. Tais pacientes têm baixa adesão a estes programas, dadas as limitações físicas que apresentam. Por isso, é importante aumentar a participação e permanência dentro do programa. Ademais, para uma mais acurada avaliação prognóstica, assim como para prescrição otimizada do exercício, é importante contar com um teste cardiopulmonar. Na ausência desta possibilidade, o teste ergométrico pode proporcionar informações úteis, ainda que menos robustas que as do TCP. A realização do teste de caminhada de 6 minutos com oximetria de pulso também pode contribuir para a avaliação e prescrição.
Neste tipo de pacientes, recomendam-se exercícios predominantemente aeróbicos, podendo utilizá-los tanto de forma contínua como em intervalos, com incrementos leves e gradativos da frequência e intensidade, regressando ao nível prévio quando exista tolerância reduzida ao se aumentar a intensidade. Também se podem realizar exercícios de resistência dinâmica, com um alto número de repetições e baixa carga105.
A prevalência das doenças valvulares tem mudado em nosso meio nas últimas décadas. Não obstante, a patologia valvular segue tendo uma importância relevante em qualquer serviço de cardiologia, sendo mais frequente a etiologia degenerativa ou não reumática, persistindo com menor incidência as valvopatias congênitas106. Apesar de a patologia valvular ser tão comum, e que, na maior parte dos casos, os sintomas têm como fator desencadeante e limitante o esforço, existem poucos trabalhos nos quais se estude a resposta e limitação destes pacientes aos exercícios.
É um desafio aumentar a participação de pacientes com valvopatias nos programas de RCV. Para isso, é importante conscientizar os médicos encaminhadores sobre a segurança destes programas, já que o temor é a principal causa da baixa indicação de atividade física indicada a esses pacientes.
As orientações ou recomendações sobre o exercício neste grupo de pacientes se dirigem fundamentalmente às lesões que têm um grau moderado ou severo, já que as leves e assintomáticas, sem repercussão hemodinâmica, não têm restrição para praticar atividade física não competitiva (Tabela 18)29 , 107.
Tabela 18 Exercício físico em valvopatias
Exercício aeróbico | Exercício isométrico | Exercício competitivo | Comentários | |
---|---|---|---|---|
Insuficiência aórtica | • Assintomático com boa função ventricular: exercício físico moderado | • Evitar | • Assintomático com boa função ventricular: aceito em muitos casos (prévia avaliação) | • Prévia avaliação com teste de esforço |
Estenose aórtica | • As recomendações estão baseadas na determinação da severidade hemodinâmica da estenose | |||
• Estenose aórtica leve assintomática: sem restrições | • Estenose aórtica leve assintomática: sem restrições | • Estenose aórtica leve assintomática: sem restrições | ||
• Estenose aórtica moderada a severa: exercício moderado | • Estenose aórtica moderada a severa: só exercícios com muito baixa carga | • Estenose aórtica moderada a severa: evitar | ||
• Deve-se realizar teste de esforço prévio | ||||
Estenose mitral | • O exercício está muito limitado pelos sintomas. | |||
Insuficiência mitral | • Assintomáticos, ritmo sinusal, boa função ventricular, dimensão auricular esquerda e pressão na artéria pulmonar normal, não têm restrições | • Assintomáticos, ritmo sinusal, boa função ventricular, dimensão auricular esquerda e pressão na artéria pulmonar normal, não têm restrições | • Assintomáticos, ritmo sinusal, boa função ventricular, dimensão auricular esquerda e pressão na artéria pulmonar normal, não têm restrições. | |
• Pressão atrial esquerda > 60 mm, hipertensão pulmonar, disfunção ventricular: evitar |
As doenças valvulares podem ser acompanhadas de certo grau de severidade de hipertensão pulmonar e, embora os pacientes possam ser beneficiados pelos programas de RCV, não existe suficiente evidência científica para recomendar sua utilização.
A aterosclerose nos membros inferiores, chamada habitualmente doença arterial ou vascular periférica, possui uma incidência anual que se calcula em 20 por 1.000 indivíduos maiores de 65 anos. Esta patologia gera dor isquêmica (claudicação intermitente) que pode provocar limitações físicas nos indivíduos afetados, com risco de perda da extremidade.
A claudicação intermitente dos membros inferiores se define como uma dor de suficiente intensidade que obriga a interromper a caminhada. Ela é causada pelo exercício, é aliviada pelo repouso e é originada por doença arterial oclusiva108.
A incidência do sintoma na população geral oscila entre 0,9% e 6,9% em homens e de 1% em mulheres109. É necessário considerar que o achado de claudicação intermitente em um paciente não deve ser tomado como um fato isolado, senão como a manifestação evidente nos membros inferiores de uma doença sistêmica, que tem agredido o sistema locomotor, e que, provavelmente, tal paciente tenha risco de outros eventos cardiovasculares não necessariamente relacionados a este sintoma. De fato, de 5% a 10% dos pacientes terão um evento cardiovascular não fatal em cinco anos.
Os Programas de RCV são parte do tratamento médico.
No momento do ingresso, os integrantes do serviço de RCV devem:
Realizar o interrogatório do paciente, conhecer os antecedentes pessoais dos pacientes: presença de fatores de risco cardiovasculares, coexistência de doença coronária, medicação habitual, etc;
Realizar e/ou solicitar um teste de esforço em esteira ergométrica com o objetivo de identificar:
O limiar de aparecimento da dor isquêmica nas extremidades;
A resposta hemodinâmica periférica ao exercício;
A coexistência de doença coronária.
É importante repetir tal teste para avaliar a melhoria do paciente. Concomitantemente, podem se realizar questionários de qualidade de vida e de percepção de dor no momento do ingresso na reabilitação e depois do término.
Em geral, 75% dos indivíduos melhoram a claudicação intermitente com exercício mais vasodilatadores periféricos e antiagregantes plaquetários, enquanto os 25% restante pioram. Deles, 5% requereram uma intervenção vascular e 2% sofrem uma amputação110.
Um dos erros mais frequentes neste grupo de pacientes é forçá-lo a caminhar em um ritmo próximo à dor máxima de claudicação. Isto abala o paciente, deixa-o com desconfortos que não cedem depois do repouso e lhe tira a vontade de aderir ao programa. Recomendações acertadas na caminhada programada no claudicante seriam111:
Intensidade: moderada e progressiva. Descansar por períodos breves até que a dor desapareça e depois reiniciar a progressão;
Duração: pode-se começar com 5 minutos de caminhada intermitentes, depois progredir até chegar a 50 minutos;
Tipo de exercício: esteira rolante e caminhada abaixo da dor máxima;
Os exercícios de resistência podem somar-se aos aeróbicos, mas não substituí-los;
Componentes de cada sessão: períodos de aquecimento e esfriamento, com uma duração de 5 a 10 minutos cada um, com caminhada em campo ou esteira;
Frequência: 3 a 5 vezes por semana. O ideal seria diariamente.
Os programas de exercício com caminhada são um sucesso quando apresentam uma duração não menor que meses22.
Apesar de receber um coração com função sistólica normal, o receptor experimenta intolerância ao exercício depois da cirurgia. Esta intolerância é devida à ausência de inervação simpática do miocárdio, anormalidades do músculo esquelético, desenvolvidas previamente ao transplante por conta da insuficiência cardíaca e da diminuição da força muscular esquelética112.
Os pacientes transplantados se caracterizam por ter:
Diferenças na resposta cardiopulmonar e neuroendócrina;
Elevada frequência cardíaca de repouso (acima de 90 batimentos por minuto);
Elevada PAS e PAS em repouso, devido ao incremento da norepinefrina plasmática e aos medicamentos imunossupressores, tais como a ciclosporina, fármaco que gera um incremento da PA em repouso e durante o exercício submáximo.
Conseguir a diminuição da frequência cardíaca basal com o treinamento;
Conseguir um incremento na frequência cardíaca durante o trabalho submáximo;
Evitar o sobrepeso ou diminuir o peso, obtendo deste modo um equilíbrio nos efeitos colaterais da terapia imunossupressora;
Conseguir manter a PA em cifras menores a 130/80 mmHg;
Oferecer ao paciente um suporte para seu manejo psicossocial.
O médico deve avaliar o paciente com ecocardiograma para descartar derrame pericárdico e avaliar a função ventricular, ademais de proporcionar informações ao paciente e à família sobre as mudanças nas suas funções vitais, derivadas do transplante.
Quanto à atividade física, o ideal é iniciar as suas caminhadas a passo lento, entre 1,5 a 2 km e ir aumentando a distância devagar, mantendo a percepção do esforço de acordo com a escala de Borg, entre 12-14. O exercício aeróbico deve ser realizado no início com uma intensidade menor que 50% do VO2 de pico ou 10% abaixo do limiar anaeróbico (guiado pela frequência cardíaca). O treinamento deve iniciar-se desde a hospitalização, seguindo na fase II entre a 2ª e 3ª semana pós-transplante.
Deve ser interrompido o exercício durante o período de administração de terapia com pulsos esteroides112.
O exercício de resistência será adicionado já ao se entrar na 6ª e 8ª semana. Em um primeiro momento, serão com banda elástica (2 a 3 circuitos com 10 a 12 repetições, com período de recuperação acima de um minuto entre cada circuito e com intensidade de 40 a 70% da contração voluntária máxima113).
A meta é chegar a fazer 5 sets de 10 repetições com 70% da contração voluntária máxima e uma recuperação total.
A duração total do exercício será de 30 a 40 minutos diários, combinando exercícios de resistência e aeróbicos, progredindo lentamente do aquecimento até as atividades de resistência.
Também é importante desenhar uma dieta para manter o peso ideal, assim como para controlar o colesterol, a DM e PA, dado que estes pacientes são muito sensíveis ao sal. Também é necessário informar o paciente em relação à adoção de medidas para reduzir o risco de infecção depois do transplante. Um adequado apoio psicossocial é de muita ajuda para manejar a depressão aumentada pelo uso de corticoides e o alto nível de ansiedade gerada pelo transplante112.
Reabilitação em pacientes portadores de marca-passo e cardiodesfribriladores
Já foi demonstrado o benefício destes dispositivos na diminuição de episódios de morte súbita e na melhoria na qualidade de vida, porém, tem se descrito uma importante incidência de depressão, síndrome de ansiedade e fobias. Por esta razão, a maioria dos trabalhos de investigação coincide quanto à recomendação de adequado e contínuo suporte e acompanhamento psicológico e educativo114,115.
Devido ao fato de que as mudanças fisiológicas do exercício possam aumentar a probabilidade de disparo do desfibrilador (CDI), existe temor por parte do grupo médico encarregado e mesmo do paciente para realizar exercícios. Por isso, é um desafio vencer esse medo e aumentar o número de pacientes encaminhados12.
Devemos conhecer antes de começar o exercício:
A patologia de base do paciente.
A informação básica do marca-passo, como o tipo de sensor que adapta a frequência cardíaca, dado que isto determinará, em alguns pacientes, a resposta da frequência cardíaca ao exercício, especialmente em pacientes sem resposta cronotrópica adequada. Este fator deverá ser levado em conta na hora de prescrever o exercício.
A programação do dispositivo, como a frequência máxima à que está programada o choque do CDI.
É importante determinar os limites de exercício (de 10 a 20 bpm abaixo da FC que está programado o choque do CDI). Mediante um teste de esforço, conheceremos a sua frequência cardíaca de treinamento, trabalhando com a mesma 75% no primeiro mês e a 85% no segundo mês.
O trabalho em grupo produz grandes benefícios psicológicos, facilita a troca de experiências e sensações, ajudando a perder o medo. A formação dos grupos se faz de forma paulatina, fazendo coincidir pacientes novos com outros. Estes últimos servem de guia para os novos, demonstrando-lhes que é possível realizar importantes esforços que melhoram o nível físico, sem riscos de complicações115.
Dependerão do tipo de marca-passo implantado:
Tipo Uni-cameral (VVI) sem frequência adaptável ®, mas com boa resposta cronotrópica: age-se de forma similar como com os pacientes convencionais. Pode-se antecipar melhoria no consumo máximo de O2 e no limiar anaeróbico, com aumento na capacidade funcional.
Tipo Uni-cameral VVI sem frequência adaptável e sem resposta cronotrópica: é indicado para treinamento físico sem restrições. Porém, nestes enfermos, embora melhore a capacidade funcional, existe um menor incremento no consumo de O2 pico e do débito cardíaco.
Tipo Uni-cameral VVIR (com resposta adaptável) se adequará à frequência cardíaca do exercício. Porém, se o sensor do marca-passo é baseado em acelerômetro que detecta movimento axial, é possível que a adaptação da frequência cardíaca não seja adequada em exercícios com intensidade moderada ou alta que não induzam movimento axial, como bicicleta estacionária.
Recomenda-se não realizar exercícios com pesos ou se elevem excessivamente os braços até pelo menos 6 semanas do implante. Deve-se manter sempre uma relação direta com o arritmologista encarregado pelo manejo do paciente, com o fim de definir ajustes de programação. Na maioria dos casos e principalmente nos sobreviventes de morte súbita, os efeitos psicológicos são muito importantes. Será necessário um tratamento específico e individualizado por parte dos psicólogos e psiquiatras da unidade, com o fim de melhorar a qualidade de vida e o prognóstico, já que existe evidência da relação entre afetação psicológica, arritmias ventriculares e descargas do CDI116.
É adequado realizar um teste de funcionamento do marca-passo em cada paciente, anterior ao ingresso no programa de RCV, de tal maneira que nos permita monitorar com certeza os sinais vitais, sintomas em resposta ao exercício e alterações do ritmo. Além de se considerar a programação do marca-passo, dependendo da idade e o nível de atividade física do paciente116 .
A percentagem de frequência cardíaca alcançada, os METS e a sensação subjetiva de esforço por parte do paciente, calculada por meio da escala de Borg, servirão para determinar o cálculo da intensidade do exercício. Uma adequada planificação do treinamento trará como resultado que a melhoria na capacidade funcional e na morbidade siga em relação direta com a etiologia e a gravidade da DCV subjacente. Para os pacientes que são incluídos em programas de RCV, um dos objetivos principais é dar-lhes confiança e segurança, ante a aparição de possíveis arritmias ou descargas durante o exercício ou durante a sua vida cotidiana e ajudá-los a superar seus medos e ansiedades, pela mudança na sua qualidade de vida115.
O paciente com doença cardíaca associada à doença pulmonar e estável não deve ser excluído de um programa
de RCV, requerendo-se apenas que estejam estáveis e com medicação adequada. Estes pacientes desenvolvem limitações progressivas, muitas das vezes, sem acometimento do coração. A doença pulmonar obstrutiva crônica danifica progressivamente o tecido pulmonar e as vias aéreas com o transcurso dos anos, resultando finalmente em deterioração da reserva ventilatória de curso lento. Este quadro se complica com hipoxemia e elevação das pressões vasculares pulmonares levando à disfunção do ventrículo direito.
Todos estes fatores contribuem para a sensação de dispneia e piora da capacidade ao exercício, o qual gera redução da atividade física diária. A ausência de exercício leva a uma perda de condição física periférica e, finalmente, à diminuição da resistência, aumento da fraqueza e atrofia muscular, gerando uma maior diminuição da capacidade funcional. Porém, pacientes com severa piora ventilatória e fraqueza dos músculos respiratórios beneficiam-se significativamente da reabilitação pulmonar intensiva. Da mesma forma, a hipoxemia ao exercício tem sido considerada por alguns como uma contraindicação para um programa de exercícios e isto pode ser um caso particular para o paciente com doença coronária agregada, mas pode ser feita com um paciente compensado e monitorizado adequadamente. É desejável contar com um oxímetro de pulso para medir a saturação de O2 durante o exercício. Uma diminuição da saturação abaixo de 88% é indicação de pausa transitória117 ou necessidade se suplementação de oxigênio durante o treinamento físico, seja com o uso de cateter nasal ou mesmo com máscara de Venturi.
Conseguir que o indivíduo tolere o programa de exercício prescrito;
Realizar uma avaliação conjunta com o pneumologista para conseguir uma medicação adequada que lhe permita realizar um programa de exercícios; Quantificar adequadamente o nível de incapacidade para, desta forma, prescrever a carga adequada de exercício;
Conseguir o controle dos fatores de risco cardiovascular;
Conseguir controlar a depressão e ansiedade produzidas pela sensação de dispneia;
Melhorar a resistência muscular e diminuir a atrofia muscular;
Melhorar a qualidade de vida do paciente mediante a melhora da capacidade funcional em função do exercício;
Conseguir reduzir o período de descanso entre cada período de exercício.
É importante a avaliação dos parâmetros respiratórios e cardiovasculares antes de começar com o programa. Aconselha-se realizar um exame físico, radiografia padrão de tórax, espirometria e ecocardiograma, além de teste cardiopulmonar ou a caminhada de 6 minutos. A realização de teste ergométrico convencional com suplementação de oxigênio pode ser útil em pacientes com hipoxemia significativa em repouso ou induzida no esforço.
O exercício deve estar balanceado em três tipos de exercícios: flexibilidade, exercícios de resistência e aeróbicos. O alongamento é parte de uma rotina de exercícios que desenvolvem flexibilidade, melhorando a faixa de movimento e ajudando o aquecimento geral. Podem se incluir exercícios com peso livre, de baixa intensidade e alta frequência, assim como caminhadas, remo, natação, hidroginástica, ciclismo, subir escadas e outros, capazes de produzir um nível de estresse cardiopulmonar importante118,119.
A carga inicial prescrita a partir do ponto de vista pulmonar deve ser de intensidade suficientemente baixa para que o paciente não sinta desconforto.
A intensidade apropriada de trabalho desejado para estes pacientes deve ser determinada com o treinamento, isto é, de 70 a 80% da frequência cardíaca máxima, se for possível118.
Nas primeiras semanas, as sessões não devem prolongar-se além de 20 minutos. Portanto, as estratégias com intensidades para alcançar o mais alto nível no exame de esforço inicial deve ser a última meta119,120.
O paciente com obstrução evidente deve ter indicação de uso de broncodilatador de ação rápida, 15 minutos antes de iniciar os exercícios.
Quando o paciente tolera cargas de exercícios, estas podem ser aumentadas em torno de 12,5 watts para a bicicleta ergométrica e 9 watts para o ergômetro de mão e aumentar a cada 6 sessões.
Manejo psicossocial: já que as alterações psicológicas são comuns nesses pacientes, é importante uma avaliação psicológica prévia ao ingresso no programa de RCV.
Depois de um evento coronário agudo, os pacientes começarão a realizar atividade física segundo a sua tolerância (caminhadas, cicloergômetro, etc.) e compatível com a gravidade do quadro. Geralmente, em uma semana, todos os pacientes estarão desenvolvendo uma atividade que, no começo, será suave e indicada pelo profissional a cargo do seu programa121.
O exercício baseado em RCV reduz os eventos fatais entre 25% a 40% a longo prazo. Apesar do indiscutível benefício da RCV, só 15 a 30% dos pacientes que têm sofrido um evento cardiovascular participam deste tipo de programas, além da diminuição da adesão que têm os pacientes que decidem participar. Desse modo, é importante fomentar a constância e permanência dos mesmos no programa12,122.
Recomenda-se realizar um teste de esforço e uma avaliação neuromusculoesquelética, quando o paciente começar com o programa de RCV. Caso o paciente inicie no programa antes do teste de esforço, este deve ser realizado nas primeiras 4 a 7 semanas, cujos resultados serão utilizados para ajuste da prescrição do exercício.
Todos os pacientes pós síndrome isquêmica aguda ou procedimento de revascularização devem submeter-se a um teste de exercício com análise do ECG (quando seja tecnicamente factível) ou a um teste equivalente não invasivo para avaliar a isquemia nas primeiras 4-7 semanas após a alta hospitalar (Nível de Evidência, IIa-C)29.
Como regra geral, a atividade física (atividade durante o lazer, atividade profissional e atividade sexual) deve reiniciar-se a 50% da capacidade máxima de exercício, expressa em METS, e ser aumentada gradativamente.
Um paciente que tenha a função sistólica ventricular esquerda preservada e não apresente isquemia induzível ou arritmias em um teste de esforço pode retornar à sua atividade profissional. Se o trabalho for de escritório, pode reiniciar uma atividade de oito horas diárias. Se o trabalho for manual e envolver atividade física com esforços moderados ou intensos, a carga de trabalho não deve exceder 50% da capacidade máxima de exercício avaliada no teste de esforço. A jornada de trabalho não deve exceder quatro horas no primeiro mês, com progressivos aumentos mensais de dois horas29.
Um paciente que apresente disfunção sistólica ventricular esquerda moderada ou com isquemia leve num teste de esforço pode reiniciar o trabalho de escritório, mas a sua atividade deve limitar-se a trabalho manual estático.
Um paciente com disfunção sistólica ventricular esquerda severa ou isquemia significativa em um teste de esforço pode realizar trabalho de escritório sempre que a capacidade de exercício seja > 5 METS sem sintomas. Se não for, o paciente deve abster-se de trabalhar29.
A síncope vagal ou neurocardiogênica é uma entidade comum com uma prevalência estimada em torno de 35%123-126.
O uso de líquidos e o sal têm sido amplamente recomendados para o tratamento desta patologia127,128. Alguns exercícios isométricos (contrapressão) têm sido utilizados como abortivos dos episódios que vêm precedidos por um pródromo. Esses exercícios são destinados a aumentar rapidamente a resistência arterial periférica e, portanto, prevenir uma síncope devido à queda da PA. Os principais exercícios de contrapressão são a empunhadura, a tensão das extremidades superiores, unindo as duas mãos e tratando de separá-las e a contração das extremidades inferiores129-131. Outro método eficaz para a prevenção de novos episódios são exercícios supervisionados, nos quais se permanece em posição ortostática, apoiado na parede, de duração progressiva, chegando a 30 minutos132. O exercício aeróbico regular deve ser recomendado porque são quase sempre eficazes na diminuição dos sintomas, uma vez que aumentam o volume de sangue, a massa muscular nas extremidades inferiores e melhoram o retorno venoso130. A evidência tem demonstrado que um programa regular de exercícios com atividade aeróbica e exercícios de resistência aumenta a sensibilidade dos barorreceptores arteriais, em comparação com o tratamento farmacológico133.
O custo eficiência mede os anos e a qualidade de vida ganha e expressa-se preponderantemente em termos monetários sobre os anos ganhos. Ao falar de custo/ benefício ou custo-efetividade, medem-se também os custos de uma intervenção, acrescidos aos custos relacionados com a doença em questão, incluindo complicações ou eventos a longo prazo. Os resultados se expressam em termos de benefícios clínicos (anos de vida ganhos) divididos pelo valor monetário (custo), resultando no custo que tem cada ano de vida a mais, em comparação com o tratamento alternativo ou à ausência de tratamento.
Vários estudos têm demonstrado que a RCV é custo-efetivo e, inclusive, pode chegar a ser custo-poupança, porque não só aumenta a sobrevida, como abaixa os custos. Ades e cols.134 analisaram o custo/benefício em 21 meses de RCV e encontraram um valor de U$ 739 a menos que o grupo controle, enquanto que Oldrige e cols.135 mostraram U$ 9.200 a menos que no grupo controle, em um período de 12 meses. Se quisermos comparar o custo/eficiência gerado por a RCV com o gerado por outras intervenções, como por exemplo, podemos citar o tratamento médio da HAS que tem um custo/efetivo de U$ 9000. Isto comprova que a RCV é útil em termos de sobrevivência, eventos cardiovasculares, qualidade de vida e também sob o ponto de vista econômico.
Hoje sabemos que a RCV é segura e eficaz, diminui a mortalidade total e de origem cardíaca, além do número de eventos cardiovasculares, diminui também as internações hospitalares, melhora os sintomas e a qualidade de vida, além de ser custo-efetiva. Ela é recomendada em todos os guias de prática clínica, porém, sua implantação em nosso meio é subótima e frustrante.
Devem-se garantir os recursos humanos e materiais para desenvolver estes programas de forma padronizada, acessível e universal. A atitude e a colaboração dos médicos na fase de hospitalização é elemento chave para o encaminhamento e co sucesso dos programas. Uma atitude favorável para a reabilitação facilitará a alteração de rotina de um maior número de pacientes.
O "desenho" dos programas e a atitude dos profissionais podem influir no abandono do programa, exatamente por não se ajustarem às circunstancias dos pacientes. Devem-se considerar programas reduzidos e/ou domiciliares semissupervisionados para casos que assim o requeiram. As mulheres se incorporam menos e abandonam antes os programas, por serem mais idosas, por apresentar patologias associadas à depressão, menor suporte social e mais cargas familiares. Algo parecido sucede com pacientes deprimidos e de baixo nível social. A falta de exercício físico e os maus hábitos alimentares estão criando uma mudança do perfil cardiovascular da população, o que implica em uma aparição mais precoce das manifestações clínicas da DCV e aumento da prevalência dos fatores de risco, como sedentarismo e sobrepeso. Estas circunstâncias acarretam grave problema de saúde pública, o qual deve ser corrigido com medidas de educação dirigidas a toda a população, fomentando predominantemente os programas de prevenção primária. Consideramos, portanto, que os governos, por meio de suas políticas de saúde, devem envolver-se mais, promovendo e realizando ações de real impacto na sociedade.
Em declaração feita no ano 1993, a Organização Mundial da Saúde (OMS) propunha que a reabilitação cardíaca não poderia ser considerada como uma terapia isolada, mas sim ser integrada no tratamento global da cardiopatia e ser parte ativa da Prevenção Secundária.