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Diretrizes para a saúde da criança: o desenvolvimento da linguagem em foco

Diretrizes para a saúde da criança: o desenvolvimento da linguagem em foco

Autores:

Denyse Telles da Cunha Lamego,
Martha Cristina Nunes Moreira,
Olga Maria Bastos

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.23 no.9 Rio de Janeiro set. 2018

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018239.04892016

Introdução

Crianças com problemas de desenvolvimento são consideradas mais vulneráveis e requerem suportes específicos, como legislação e políticas adequadas ao atendimento integral às suas necessidades e à garantia de seus direitos1.

Nas Américas, não há dados estatísticos mostrando a verdadeira prevalência dos problemas do desenvolvimento em crianças, dada a complexidade da sua definição e as diferentes perspectivas teóricas sobre o desenvolvimento normal2.

Como um aspecto importante do desenvolvimento infantil, a linguagem e a comunicação começam a assumir nova relevância nas sociedades atuais, dada a sua centralidade para a socialização e a aprendizagem. Além disso, novos valores e exigências do mundo globalizado são apontados como fatores que acarretam mudanças nos padrões de empregabilidade, fazendo com que a capacidade de comunicar de forma eficaz seja vista como requisito para melhores oportunidades no mundo produtivo. Assim, as “doenças da comunicação” começam a ser apontadas como “um novo problema de saúde pública”3-5.

No percurso do desenvolvimento infantil, algumas desordens de linguagem podem ser consideradas primárias, envolvendo uma descrição ampla de habilidades, que se desenvolvem de forma distinta em comparação ao desenvolvimento considerado típico6. Compreendem os distúrbios específicos da linguagem oral (DEL), com prevalência de 7% em crianças pré-escolares7 e os da leitura/escrita, cuja taxa estimada é de 5 a 10% na população geral8. Essas condições são diagnosticadas por critérios de exclusão, ou seja, na ausência de patologia que as justifique9. No Brasil, não há dados em escala nacional sobre os problemas específicos do desenvolvimento da linguagem, mas um estudo de abrangência local indica taxas de 7% a 7,5% nas idades de 4 e 5 anos10.

A relação de interdependência entre linguagem oral e escrita e suas repercussões sobre a escolarização é amplamente relatada na literatura, e considera-se que fragilidades ou alterações severas nas competências linguísticas e de comunicação na fase pré-escolar, aumentam o risco de fracasso escolar, baixa autoestima, problemas psicossociais e habilidades sociais pobres11-14.

Assim, preocupações com o crescimento e o desenvolvimento saudáveis da criança conduzem à adoção de diferentes estratégias para este acompanhamento, tais como o rastreamento, a avaliação, o monitoramento e a vigilância do desenvolvimento15. Questões relacionadas às necessidades de linguagem vêm sendo discutidas e priorizadas, a partir de argumentos que incluem os efeitos sobre o desenvolvimento social e emocional da criança, os processos de alfabetização e letramento, vulnerabilidades e risco de exclusão social16,17.

Assim, em uma conjuntura de recente aprovação da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Criança (PNAISC)18, vale refletir sobre os problemas da linguagem, interrogando sobre as formas como estes são incorporados nas diretrizes nacionais para atenção à saúde da criança e sobre a pertinência desse tema na pauta da agenda da política da saúde da criança no Brasil.

Para fins deste artigo, objetivamos identificar como se situam no campo da saúde da criança, propostas sobre a atenção aos problemas de linguagem.

Metodologia

Realizou-se uma revisão documental19,20 para analisar os modos como são incorporadas questões relacionadas à linguagem em documentos direcionados à saúde da criança. Foram incluídos dois documentos nacionais e dois internacionais (Quadro 1). Os nacionais foram o Manual para Vigilância do Desenvolvimento Infantil do Contexto da Atenção Integrada às Doenças Prevalentes na Infância/AIDPI15; o Caderno de Atenção Básica (CAB-33): Crescimento e Desenvolvimento21. Os internacionais foram o Relatório Bercow22, do Reino Unido; e o Plano de Ação para Crianças Acometidas de Distúrbio Específico da Linguagem23, da França.

Quadro 1 Documentos políticos nacionais e internacionais examinados. 

País Documento Ano / Editora Atores envolvidos Objetivos
Brasil Manual para Vigilância do Desenvolvimento Infantil do Contexto da AIDPI16 OPAS/OMS (2005) OPAS, Secretarias estadual e municipal de saúde, Sociedade de Pediatria, Depto de Atenção à Criança com Necessidades Especiais, Universidade, Unidades de Saúde, Escola. Incorporar a perspectiva da Vigilância do Desenvolvimento Infantil à estratégia AIDPI para avaliar as condições de desenvolvimento da criança; apresentar material educativo para capacitar o profissional da atenção primária; fortalecer a visão integrada da saúde infantil: promoção e prevenção da saúde, detecção precoce, orientação e tratamento.
Brasil CAB 33: Crescimento e Desenvolvimento22 Ministério da Saúde Editora MS (2012) Profissionais de diversas categorias associado a depoimentos das famílias e evidências científicas. Apoiar e orientar equipes da atenção básica; qualificar o cuidado e a articulação em rede.
Reino Unido Relatório Bercow23 Depto. para Educação e Depto para Crianças, Escolas e Famílias. 2008 Parlamentar, Grupo consultor para necessidades de fala, linguagem e comunicação, Conselho de Necessidades Educativas Especiais, Conselhos e Associações de Fonoaudiologia, Consultor de Pediatria do desenvolvimento e Neurodisabilidade Gestores e reguladores, organizações de profissionais, e de voluntários, profissionais praticantes Recomendar ao Governo medidas mais eficientes e efetivas para transformar a oferta de cuidados e as experiências de crianças e jovens com necessidades de fala, linguagem e comunicação e suas famílias.
França Plano de Ação para Crianças Acometidas de Distúrbios Específicos da Linguagem24 Ministério da Saúde e da Solidariedade 2001 Ministérios da Saúde e da Educação e organizações vinculadas, Médicos e outros profissionais de saúde. - Representantes de associações de pais de alunos e de movimentos sociais, Pesquisadores nas áreas de saúde e educação, consultores. Propor soluções para responder às necessidades de crianças, famílias e profissionais de saúde e de educação face aos distúrbios da linguagem oral e escrita; contribuir concretamente para melhorar a prevenção desses distúrbios, a sua detecção, o diagnóstico mais ágil e seguro e o melhor suporte às crianças concernentes.

Os critérios para seleção desses documentos foram: (1) terem sido publicados por órgãos governamentais oficiais dos respectivos países; (2) no caso dos documentos nacionais, por incorporarem o compromisso com a saúde integral da criança brasileira, incluindo o aspecto do crescimento e desenvolvimento saudáveis na primeira infância, e por apresentarem orientações gerais para a realização deste acompanhamento; (3) para os documentos internacionais, por representarem, no marco dos anos 2000 do século XXI, os esforços de dois países para enfrentar os problemas de linguagem e comunicação na criança como questões maiores, com ações governamentais em âmbito nacional e elevando-os ao estatuto de “problema de saúde pública”.

O documento francês foi disponibilizado pelo Centro de Referência para Avaliação dos Distúrbios da Linguagem e das Dificuldades da Aprendizagem da Criança (Centro Hospitalar Universitário-CHU, Toulouse/França), mediante convênio interinstitucional entre essa instituição e o Instituto Fernandes Figueira/Fiocruz. O relatório inglês resultou de busca bibliográfica e foi selecionado por sintetizar os resultados de uma pesquisa de evidências relacionadas ao tema e de consulta pública, a fim de prover informações sobre os arranjos para a organização das redes de serviços para crianças e jovens com necessidades de linguagem e comunicação.

A sistematização do material de análise foi realizada a partir de três blocos de perguntas colocadas aos documentos: a) quem foram os atores e qual a finalidade (Quadro 1); b) quais os elementos contextuais e as motivações (Quadro 2); c) quais os argumentos e as justificativas (Quadro 3); quais proposições foram apresentadas (Quadro 4).

Quadro 2 Aspectos contextuais e motivacionais. 

Manual para Vigilância CAB 33 Relatório Bercow - Reino Unido Plano de Ação - França
Contexto - Século XXI: resultados positivos da estratégia AIDPI na redução da mortalidade infantil; compromisso com o crescimento e desenvolvimento saudáveis na primeira infância; deterioração das condições socioeconômicas, com condições de vida da infância aquém do esperado. Persistência de desigualdades regionais e sociais; mudanças demográficas e epidemiológicas forçando reorganização de prioridades na agenda da saúde pública brasileira; menor prioridade para a atenção à saúde da criança. Apoio e acesso a terapias de fala e linguagem são descritos como insatisfatórios, com muitas crianças e jovens sem atendimento; prevalência de 7% de crianças no Reino Unido apresentam distúrbios específicos da linguagem oral e escrita no momento da entrada na escola primária; 1% são casos severos. Reconhecimento do atraso deste país em comparação aos anglo-saxônicos e aos do Norte da Europa na abordagem aos distúrbios específicos da linguagem (DELs); grupos de opinião (indivíduos, associações) constituem vias de pressão, mas esta questão requer medidas nacionais.
Motivações Oportunizar o alcance máximo do potencial da criança; crescer e desenvolver como “adolescentes, jovens e adultos sadios e socialmente produtivos” Fornecer referências e orientações para o acompanhamento do crescimento e do desenvolvimento da criança menor de 10 anos e outros temas prioritários como imunizações, alimentação saudável, prevenção de acidentes, prevenção e cuidado à criança em situação de violência, entre outros. Experiência pessoal de um parlamentar; aumentar a visibilidade nacional às necessidades de fala, linguagem e comunicação; reformar a oferta de cuidados a crianças, jovens e famílias. Fazer deste campo de ação uma prioridade em Saúde Pública, com uma política nacional para integração e escolarização; identificar um posicionamento governamental específico, associando ministérios da educação, saúde e pesquisa sem ter que recorrer a uma Lei; propor ações, abrir perspectivas de trabalho para profissionais da saúde e da educação e de trazer esperança para as famílias e crianças.

Quadro 3 Argumentos e justificativas. 

Manual para Vigilância CAB 33 Relatório Bercow - Reino Unido Plano de Ação - França
Argumentos e Justificativas Maior exposição a agravos nos 2 primeiros anos de vida; maior plasticidade cerebral nesta fase, com melhor resposta a terapias e estímulos; desenvolvimento infantil satisfatório contribui para desenvolver potencialidades dos sujeitos, romper com o ciclo de pobreza e reduzir inequidades, desenvolver o capital humano e construir capital social. Identificar, diagnosticar e intervir precocemente sobre os problemas do desenvolvimento é fundamental para o prognóstico; atraso da fala, alterações relacionais, dificuldade no aprendizado, são mais difíceis de serem identificados; baixo peso ao nascer e prematuridade aumentam o risco de alterações no desenvolvimento, como distúrbios de linguagem, de aprendizagem e atraso neuropsicomotor; alterações de linguagem e cognitivas são mais difíceis de serem identificadas, mas têm maior correlação com o progresso do desenvolvimento. A capacidade de comunicar é essencial à vida e sustenta o desenvolvimento social, emocional e educacional de crianças e jovens; há insuficiente compreensão da centralidade da fala, linguagem e comunicação entre formuladores de políticas, gestores, profissionais, prestadores de serviços e famílias; há insuficiência de prioridade à abordagem das necessidades de fala, linguagem e comunicação; identificação e intervenção precoces são essenciais para apoiar crianças e famílias e oferecer melhores chances de lidar com os problemas; a ausência de intervenção precoce incorre em riscos, como menores habilitações literárias, problemas emocionais e de comportamento, menores perspectivas de emprego, desafios à saúde mental e descida à criminalidade. O domínio da linguagem é essencial ao sucesso escolar, à integração social e à inserção profissional; os DELs geram sofrimento para os alunos e famílias; dificuldades de aquisição da linguagem oral, da leitura, escrita e cálculo geram atrasos cumulativos e déficits que vão além da aprendizagem escolar; todas as perturbações severas da aquisição da linguagem oral devem ser consideradas preocupantes e demandam identificação e triagem; diante das lacunas científicas quanto a sinais de manifestação, diagnóstico e prognóstico, deve-se evitar o determinismo escolar e o risco de hipermedicalização.

Quadro 4 Propostas apresentadas. 

Manual para Vigilância CAB 33 Relatório Bercow - Reino Unido Plano de Ação - França
Proposições Adota a vigilância do desenvolvimento como princípio norteador da atenção à criança em articulação com a atenção primária, com o conceito de promoção de saúde e suas estratégias; apresenta critérios para a avaliação da criança com classificação: desenvolvimento normal, normal com fatores de risco, provável atraso no desenvolvimento; orienta condutas em cada caso: tempo entre consultas, orientação aos responsáveis, referência para avaliação do desenvolvimento. Acompanhar o desenvolvimento da criança na atenção básica visando sua promoção, proteção e a detecção precoce de alterações passíveis de modificação que possam repercutir na vida futura; realizar triagem audititva neonatal, orientar os pais a acompanhar os marcos do desenvolvimento no primeiro ano de vida e estimular a criança de acordo com a Caderneta de Saúde da Criança. Criar conselho e cargo de liderança em nível central para monitorar ações; estimular conscientização e disseminação de informação e boas práticas sobre necessidades de linguagem e comunicação; considerar financiamento a serviços de apoio locais, regionais e nacionais; promover trabalho conjunto entre atenção primária (AP) e gestores; garantir sistema consistente para identificação precoce, através da vigilância do desenvolvimento na AP, nas idades de transição e enfatizar a informação aos pais; melhorar o registro do desenvolvimento da linguagem da criança; capacitar profissionais para identificação, avaliação e apoio e para o trabalho multidisciplinar; estimar força de trabalho exigida para prestação de serviços adequados; reforçar foco nas necessidades de fala, linguagem e comunicação no ensino primário e a abordagem inclusiva para as necessidades de educação especial; fomentar pesquisas. Reforçar políticas particulares de cada ministério, dando relevância ao domínio da linguagem oral e escrita; prevenir desde a escola maternal pela identificação de sinais de alerta; realizar triagem em idades-chave em crianças com suspeita de distúrbios de linguagem oral e escrita, ficando a cargo do profissional de puericultura aos 4 anos e do médico escolar aos 7; realizar diagnóstico multiprofissional preciso em centros hospitalares universitários de referência, para melhores estratégias de apoio e tratamento; desenvolver em meio escolar normal dispositivos coletivos de escolarização para crianças com dificuldades moderadas e severas; melhorar divulgação e informação entre a sociedade, autoridades e profissionais da educação sobre esses distúrbios; capacitar profissionais de saúde e educação; assegurar o acompanhamento do plano de ação.

Realizou-se uma análise crítica a fim de explicitar os posicionamentos adotados pelos países e de colocar em discussão os argumentos que os sustentam, gerando reflexões sobre as formas de abordagem dos problemas relacionados ao desenvolvimento da linguagem da criança.

Resultados e Discussão

A produção de documentos políticos resulta de processos de mobilização que refletem determinados contextos sócio-históricos. Assim, identifica-se a ação em nível central dos três países para responder as demandas de saúde da criança e do desenvolvimento infantil, porém, com especificidades sobre o que se constitui como prioridade e as formas de fazê-lo.

No caso brasileiro, as referências contextuais da primeira década dos anos 2000 remetem ao cenário de um país em desenvolvimento, com grandes desigualdades e deterioração socioeconômicas, e mudanças demográficas e epidemiológicas que colocam ao Estado novos desafios. Desde a Constituição Federal de 198824, muitas mudanças foram observadas no setor saúde no Brasil, com modificações de paradigma e estruturais que marcaram a instituição de novos marcos regulatórios25, que passaram a valorizar ações de promoção e proteção, prevenção de doenças e atenção integral às pessoas, tendo por princípios a integralidade do cuidado, a interdisciplinaridade e a intersetorialidade.

Com os resultados positivos da estratégia de atenção integral às doenças prevalentes na infância (AIDPI)26 e a redução da mortalidade infantil por agravos agudos à saúde, outros focos de ação política se produziram em relação à saúde da criança no Brasil, e a necessidade do olhar sobre o desenvolvimento infantil nos dois primeiros anos de vida constituiu-se como meta governamental.

O Manual para Vigilância do Desenvolvimento no Contexto da AIDPI15 reconhece, então, a necessidade de ampliação do cuidado à criança brasileira, no sentido de lhes garantir o direito integral à saúde27.

Em seu texto, incorpora diferentes teorias e evidências científicas sobre o desenvolvimento infantil, entendendo-o como um processo vital, resultante da interação dos fenômenos de crescimento, maturação e aprendizagem, e influenciado por condições ambientais. Constrói argumentos que apontam para a maior vulnerabilidade da criança a agravos de saúde nessa fase de vida, mas com melhores respostas a estímulos em função da maior plasticidade cerebral. Assim, destaca a importância da vigilância do desenvolvimento nos dois primeiros anos de vida, pelo profissional da atenção básica, como ação essencial para favorecer o alcance do potencial máximo da criança e ampliar suas possibilidades de inserção social. Justifica, ainda, que essa estratégia pode ser central para a redução de iniquidades sociais e para o desenvolvimento do capital humano e social15.

O desenvolvimento da linguagem está contemplado pela inclusão dos marcos do aprimoramento dessa habilidade nas orientações propostas, e do alerta de que os problemas de linguagem e aprendizagem são mais difíceis de serem percebidos, podendo implicar em demora no diagnóstico e no encaminhamento para tratamento, e representar maior impacto para a qualidade de vida.

Ainda no contexto brasileiro, o Caderno de Atenção Básica: Crescimento e Desenvolvimento21 é atualizado e retoma a valorização da puericultura na atenção à saúde da criança, sobretudo em função do aumento na prevalência de doenças crônicas não transmissíveis. Com o objetivo de apoiar e orientar as equipes da atenção básica, qualificar o cuidado e a articulação em rede, o CAB-33 amplia as referências para o acompanhamento do desenvolvimento até a idade de dez anos, e contempla novos temas como alimentação saudável, prevenção de acidentes, redes de cuidado e proteção social, importância do brincar no desenvolvimento infantil21.

Como um marco importante diretamente relacionado à prevenção de problemas de linguagem, este documento faz referência à avaliação da audição através da Triagem Auditiva Neonatal, obrigatória no Brasil desde a Lei Federal nº 12.303/201028. Quanto ao adequado manejo dos problemas identificados, incluindo os de linguagem, as orientações mantêm-se situadas no campo da promoção e prevenção da saúde, com ênfase na abordagem interdisciplinar e intersetorial21.

Por essa ótica, podemos considerar que prover aos profissionais de saúde melhores informações e condições para reconhecer as necessidades globais de desenvolvimento e de saúde da criança, potencializa a capacidade de intervir de forma mais consistente sobre o processo saúde-doença, e transforma as práticas assistenciais em saúde em direção a uma atenção mais integral29.

Outro ponto a considerar são os referenciais teóricos e as evidências científicas de suporte aos documentos brasileiros, que contemplam abordagens bastante amplas e integradoras para a compreensão do curso normal e dos desvios do desenvolvimento, com presença marcante do campo da psicologia do desenvolvimento, mas também com referências dos campos biomédico, social, educacional15,21. Em ambos documentos nacionais, destaca-se a preocupação com a criança e a infância, por uma perspectiva da saúde integral, procurando situar esse período como de maior risco e vulnerabilidade, entendida como a chance ou oportunidade de sofrer prejuízos ou atrasos em seu desenvolvimento devido à influência de fatores de ordem individual, social e programática, os quais se constituem em situações adversas29.

Os fundamentos teóricos presentes nos documentos políticos fornecem indícios de como a criança é situada em relação ao lugar e papel que ocupa na sociedade. São colocados em valor aspectos do desenvolvimento e suas alterações, incluindo as de linguagem, com potencial de influenciar sobre as potencialidades do indivíduo e seu estatuto futuro, podendo favorecer ou reduzir o alcance do pleno exercício da cidadania e do capital econômico e social de uma nação5.

Nesse sentido, o olhar sobre a criança e a infância em diferentes momentos históricos nos ajuda a compreender os modos como se conformam as políticas e as estratégias de ação a elas direcionadas30. O contexto cultural, entendido como um sistema simbólico, estruturado e consistente, permite a formação e o reconhecimento de novos sentidos e significados, e o contexto social, como produtor de interações e relações, confere à sociedade a característica de ser constantemente produzida, pela agência dos seus atores sociais. Por essa perspectiva, a criança sai da condição de ser incompleto e passivo no processo de aquisição de competências e formação da personalidade, e ganha um novo protagonismo e legitimidade, passando a ter papel ativo na definição de sua própria condição. A construção social da infância e o seu reconhecimento como um período particular da vida, legitimam a criança como ator social e a instauram no campo dos direitos. Os conceitos de risco e vulnerabilidade passam a ocupar lugar central e estabelecem, no campo político, a necessidade de ampliação do cuidado.

Isto posto, podemos situar estes documentos como marcos importantes da posição política brasileira em relação à saúde da criança. Ao introduzir a estratégia da vigilância do desenvolvimento, não só ampliam o olhar sobre a criança e suas necessidades de saúde, como também a situa em relação às oportunidades sociais e produtivas futuras, fortalecendo a visão integrada da saúde infantil, contribuindo para a garantia dos direitos fundamentais de proteção, saúde, educação, cultura (ECA, 1990)31 e potencializando as modificações, em médio e longo prazos, do cenário de inequidades sociais no país.

O documento do Reino Unido – Relatório Bercow22 – é fruto dos resultados de ampla pesquisa encomendada por um parlamentar que mobiliza militantes do campo das necessidades de fala, linguagem e comunicação a explorar aspectos relacionados à eficiência e eficácia da provisão de cuidado para as crianças e jovens com dificuldades nestes domínios. Num contexto onde o apoio e o acesso a terapias de fala e linguagem são avaliados como insatisfatórios pela população e marcados por inequidades, e diante de uma prevalência de alterações específicas de linguagem da ordem de 7% no momento do acesso à escola primária neste país, foram ouvidos diferentes setores da sociedade, a fim de aumentar a visibilidade nacional para as necessidades de fala, linguagem e comunicação e propor recomendações para reformas ao sistema de atenção e cuidados a crianças e jovens com tais necessidades.

Como argumentos principais, há consenso sobre a centralidade da linguagem e da comunicação como habilidades essenciais à vida, que sustentam o desenvolvimento social, emocional e educacional de crianças e jovens. Além disso, o documento afirma haver insuficiente compreensão e pouca prioridade a essas questões por parte de formuladores de políticas, gestores, profissionais, prestadores de serviços e famílias. Os aspectos da identificação e da intervenção precoces, bem como os riscos subjacentes aos problemas de linguagem e comunicação são reforçados, com ênfase àqueles relacionados à aprendizagem escolar, efeitos no campo da saúde mental, inserção social e profissional, com repercussões nos planos social e econômico22.

Identificada a necessidade de um sistema mais eficiente de apoio à criança e à família, o documento apresenta 40 recomendações a instâncias políticas centrais, concentradas em cinco eixos: a centralidade da fala, linguagem e comunicação na vida da pessoa; a identificação e intervenção precoces e articulação dos sistemas de saúde e educação; a provisão de recursos para a continuidade dos serviços; o trabalho conjunto; a equação do problema da falta de equidade no acesso aos serviços22.

Apesar da ênfase dada aos maiores impactos dos problemas de linguagem e comunicação a partir do início do ciclo de aprendizagem formal e na vida futura do indivíduo, propostas de ação se localizam, como no caso brasileiro, nos anos iniciais da vida, privilegiando-se medidas de identificação precoce, através da vigilância do desenvolvimento na atenção primária, valorizando-se as idades de transição. Além do trabalho multiprofissional integrado, o documento destaca a necessidade de capacitação da força de trabalho para a atenção aos problemas do desenvolvimento da linguagem, assim como a necessidade de maior articulação com o setor da educação, com foco em abordagens inclusivas de educação especial22.

O Plano de Ação francês23 se insere num cenário de constatação do atraso deste país em comparação a outros países desenvolvidos no que se refere às estratégias de abordagem aos problemas da aquisição da linguagem oral e escrita, e representa o resultado do esforço conjunto interministerial, com participação e representação de diversos setores da sociedade, para produzir respostas a um relatório preliminar de diagnóstico de situação32. A partir da análise de consensos e dissensos, e buscando resguardar competências e validar democraticamente as propostas, este documento destaca que as pressões exercidas por grupos de interesse precisam ser consideradas e respondidas com uma ação estatal, fazendo do campo dos distúrbios do desenvolvimento da linguagem oral e escrita um elemento de política nacional e de prioridade em Saúde Pública. Tal intento requer um posicionamento governamental de integração ministerial com incorporação de estratégias comuns e objetivas, que promovam a articulação entre as áreas da saúde, educação e pesquisa23.

A argumentação gira em torno da centralidade do domínio da linguagem para o sucesso escolar, a integração social e a inserção profissional, e acrescenta especial ênfase ao aspecto do sofrimento gerado pelos efeitos cumulativos dos distúrbios do desenvolvimento da linguagem ao longo da vida de crianças e famílias. Considerando a necessidade de maior suporte aos 4 a 5% de crianças afetadas neste país, sendo 1% de casos severos, recomenda que, por volta dos 3 anos e 6 meses a 4 anos, no espaço da puericultura, todas as perturbações severas da aquisição da linguagem oral devem ser consideradas preocupantes e requerem identificação e triagem. Igualmente, na ocasião da alfabetização, esta orientação deve ser realizada pelo médico escolar para perturbações severas na aquisição da linguagem escrita23.

Outras medidas são propostas neste documento, incluindo a identificação de sinais de alerta desde a escola maternal, o diagnóstico multiprofissional em centros hospitalares universitários de referência, bem como o desenvolvimento e uso de dispositivos coletivos de escolarização para crianças com dificuldades moderadas e severas e a elaboração de programas personalizados de ajuda acadêmica, envolvendo a participação do aluno, da família, do professor e da equipe de saúde. A sensibilização e a capacitação de profissionais de saúde e educação, a organização da rede de atenção em saúde para responder de forma mais efetiva às demandas, assim como a divulgação e a informação à sociedade sobre tais problemas figuram, ainda, entre as principais estratégias23.

Na análise dos documentos internacionais, percebe-se que dentre os elementos colocados em valor, alguns são consensuais entre os três países, mas também levantam outras importantes problematizações. Os aspectos consensuais localizam-se, sobretudo, no reconhecimento dos anos iniciais da vida da criança como essenciais ao desenvolvimento do seu potencial máximo, devendo, para tanto, haver políticas públicas de proteção aos riscos biológicos e ambientais que representem vulnerabilidades à expressão do desenvolvimento infantil. Nessa direção, a vigilância do desenvolvimento na atenção primária em saúde se apresentou como uma estratégia potente para a identificação precoce dos problemas do desenvolvimento.

Os documentos internacionais vão além nessa proposta de abordagem e fazem um recorte específico para as necessidades de fala, linguagem e comunicação, no Reino Unido, e para os distúrbios do desenvolvimento da linguagem oral e escrita, na França, identificando linguagem e comunicação como aspectos centrais ao desenvolvimento humano e social. Assim, defendem a melhoria no registro do desenvolvimento da linguagem em idades-chave e a triagem nos casos mais severos, além da identificação de sinais de alerta na escola maternal.

Sobre a necessidade de melhor organização e articulação dos serviços e a capacitação dos profissionais de saúde na atenção básica, o documento inglês problematiza a necessidade de revisão das modalidades de atenção aos problemas de fala, linguagem e comunicação, bem como a regularização da oferta de serviços e a integração dos sistemas de cuidado. Valoriza que se conheça em maior profundidade o rol de necessidades de pessoas com essas dificuldades, como requisito para produzir modificações no cenário político direcionado a esses problemas. Incluem nessa discussão, não apenas o desafio das medidas estatísticas, pela insuficiência de dados epidemiológicos para a melhoria da qualidade da informação sobre essas necessidades, mas também o conhecimento dos fatores de risco ambientais e individuais, dos determinantes sociais de saúde, e da oferta e das condições dos serviços disponíveis às pessoas concernentes4,33,34.

Pode-se discutir, então, a necessidade de deslocamento de um modelo centrado na atenção terapêutica individual, que já não é suficiente para atender às demandas, para outro, cujo enfoque é o da atividade direcionada à comunidade, através de programas de promoção e prevenção em saúde4,35. Essa abordagem é referenciada a uma perspectiva mais “moderna” de saúde pública, que tende a concentrar seu olhar sobre o impacto de fatores preveníveis ou evitáveis, como aqueles decorrentes do nível de bem-estar socioeconômico, estilo de vida, exposição ambiental, localização geográfica, etnia, dentre outros, sobre a definição de necessidades de saúde e de acesso da população a diferentes serviços4.

Essas considerações reconduzem às reflexões sobre os programas brasileiros que, apoiados na redefinição política do modelo de atenção em saúde, adotam concepções mais ampliadas de saúde pública, com desenhos de atenção pautados em ações nos âmbitos individual e coletivo, mas que impacte na situação de saúde e autonomia das pessoas e também nos determinantes e condicionantes de saúde das coletividades, levando-se em consideração aspectos como gestão, participação e responsabilidades social, definição de territórios e suas necessidades25.

Os documentos também apresentam consenso ao situarem a criança numa perspectiva de futuro, ao evocarem as fases iniciais do desenvolvimento como períodos críticos e sensíveis, de maior vulnerabilidade, e que requerem, portanto, políticas de proteção, promoção, prevenção, ampliação e revalorização do cuidado, sob o risco de acarretarem impactos ainda maiores, do ponto de vista social e econômico15,21-23.

Ainda ganha relevo nos documentos internacionais o fato dos problemas do desenvolvimento da linguagem constituírem fenômenos de longa duração, que afetam a pessoa ao longo de todo o ciclo de vida, com impactos na inclusão social, no letramento e na capacidade de empregabilidade e acesso ao mercado de trabalho, de modo que pessoas com esses tipos de dificuldades são consideradas ainda mais vulneráveis do que aquelas com outros tipos de deficiência4,22,23. Nesse ponto, cabe a reflexão a partir de Sen35, que considera que diferentes tipos e graus de privação afetam as possibilidades de desenvolvimento, reduzem a liberdade para fazer escolhas, a igualdade de oportunidades, e afetam diretamente as capacidades de o indivíduo agir, participar e decidir no mundo social e econômico.

Numa perspectiva mais crítica de desconstrução de argumentos dominantes em contextos sócio-históricos, podemos tecer algumas considerações acerca da noção de risco36, seja ele compreendido como um perigo à saúde como consequência de estilos de vida, ou como risco impetrado pelas desvantagens sociais. Assim, como resultado de um constructo social que ganhou grande valor nas sociedades ocidentais, a noção de risco relacionado às necessidades e dificuldades de linguagem se evidencia de várias formas, quer seja pelo risco de não ser suficientemente competente para comunicar, o de não ser suficientemente competente para aprender, o de ser excluído, o de não conseguir emprego, o de não ser competitivo, dentre outros, limitando as chances de oportunidades. Por essa visão, são produzidas novas evidências científicas, a partir das quais as lógicas de cuidado centradas nos testes diagnósticos, na intervenção precoce diagnóstica e terapêutica e na prevenção encontram seus fundamentos para justificar programas de saúde pública voltados para o contingenciamento dos “novos problemas de saúde”.

Por fim, ainda como destaque ao documento francês23, e em direção à problematização e desconstrução de argumentos construídos a partir de contextos sócio-históricos particulares, a dimensão do sofrimento nos planos individual, familiar e societário gerado pelas dificuldades da linguagem merece atenção. Tanto o plano de ação francês quanto o relatório inglês defendem que estes sejam considerados problemas de saúde pública e que medidas de intervenção precoce sejam tomadas em nível nacional e de forma articulada, buscando-se minimizar os seus efeitos22,23.

Alguns aspectos desse debate colocam em evidência o fenômeno da “medicalização”37, na medida em que situam os problemas de linguagem como “comportamento desviante”, diferentes da norma, definindo-os como desordens ou distúrbios; demandam investimentos em pesquisa a fim de melhor compreender, definir e classificar tais desordens e estabelecer critérios para diagnóstico, prognóstico e modos de intervenção, fortalecem a perspectiva do rastreamento e da intervenção precoces como modo principal de enfrentamento do problema. E, ainda, promovem a mobilização de grupos de interesse (pais, professores) e de outros atores (profissionais de saúde, cientistas) na busca por soluções que carreiam, em seu bojo, a perspectiva do direito e de inclusão escolar e social.

Esses elementos mesclam vários fatores que são colocados em debate por Conrad37, que circunscrevem o fenômeno da medicalização da vida, podendo-se situar os mecanismos de delimitação da autoridade e da jurisdição médica para definir, classificar e tratar problemas, autoridade essa demarcada por pesquisas científicas que propõem modelos explicativos e determinísticos das alterações da linguagem e a medida do desvio em relação a normas e padrões estabelecidos a partir de critérios quantitativos, como no caso do uso de ferramentas de screening e testes diagnósticos de linguagem.

Observa-se, ainda, de forma bastante expressiva a participação de associações de pais de crianças com dificuldades de linguagem e comunicação, reivindicando não só maiores possibilidades de compreender e lidar com os problemas de seus filhos, mas também o direito de acesso a serviços e tratamentos e, principalmente, a garantia dos direitos à inserção, inclusão e suporte educacional. Dessa forma, ressaltam o que Conrad37 interpreta como um movimento da própria sociedade que, organizada através de movimentos sociais ou grupos de interesses, produz a medicalização, consolidando-a a partir da reinvindicação de acesso a tratamento, maior equidade e garantia de direitos civis.

Assim, cabe a ressalva do plano de ação francês23, quando destacam que os impactos que as desordens de linguagem representam no ciclo da vida da pessoa devem ser reconhecidos, porém deve-se atentar ao risco de hipermedicalização das respostas. Ou seja, cabe considerar o quanto a medicalização desse fenômeno, que inclui rastreamento precoce, diagnóstico, prognóstico, terapia, inclusão/exclusão (social e escolar) é útil às crianças acometidas, na medida em que também é um processo produtor de rótulos, marcas, estigmas, e que interfere no grau de responsabilização de vários atores, como professores, profissionais de saúde e famílias.

A análise desse material tornou possível a identificação de uma linha diferenciada de construção de posicionamento político para cada um dos países em tela, no que se refere a ações sobre a inclusão dos problemas de linguagem na agenda da saúde da criança.

No cenário brasileiro, evidencia-se o esforço político para a ampliação do olhar e do cuidado à criança e à infância, consideradas a complexidade e a inter-relação de outros marcadores sociais e de gestão pública, que impactam sobre as condições de saúde da criança, traduzidas em taxas ainda elevadas de morbimortalidade infantil por doenças prevalentes na nossa realidade38.

Em relação ao desenvolvimento infantil, a opção pela estratégia da vigilância do desenvolvimento no nível da atenção primária em saúde, melhor qualifica a agenda de compromissos brasileira para a atenção à criança. No entanto, as questões relacionadas à linguagem da criança são tratadas de forma genérica ou pontual, como no caso da lei que obriga a realização da triagem auditiva neonatal.

Poderíamos localizar o documento do Reino Unido22 em uma posição intermediária, ao realizar um diagnóstico de situação vivo e abrangente, cujo principal desafio foi problematizar e lançar luz, junto aos formuladores de políticas e tomadores de decisão, sobre o quão centrais são os problemas de linguagem e comunicação, o seu impacto nos planos individual e social, e as interfaces necessárias aos campos de ação chamados a dialogar politicamente e pragmaticamente.

O documento francês23 pode ser situado em outro ponto dessa linha de posição política, pois, além de reconhecer a centralidade da linguagem para o ciclo de vida do indivíduo e a necessidade de se olhar cedo e atuar sobre esses problemas, faz um recorte sobre as desordens específicas severas e persistentes da linguagem oral e escrita. Enfatiza o grau de sofrimento gerado a crianças e famílias com essas dificuldades, e que pode haver boas respostas quando são identificadas precocemente e tratadas adequadamente. Destaca-se o protagonismo do Estado, como ator principal na tomada de responsabilidade, com vistas à estruturação de um sistema de suporte a crianças e jovens com tais necessidades, através da instauração de mecanismos específicos, que busquem maior integração das redes de saúde e educação.

Conclusões

Neste artigo, procurou-se discutir aspectos contextuais, motivações, argumentos, justificativas e proposições que orientaram diferentes posições governamentais sobre diretrizes para acompanhamento do desenvolvimento infantil e, no âmbito de três experiências retratadas, abordou-se como a linguagem, que de forma tão marcante inscreve a criança como sujeito e ator social, vem sendo abordada nessas construções políticas.

O material analisado enfoca as primeiras faixas etárias do desenvolvimento, e apontam a saúde integral da criança e o seu desenvolvimento pleno como condições para a maior equidade social. A linguagem foi assinalada como um valor central para esta finalidade, tendo em vista a sua transversalidade em direção a outras etapas da vida, como adolescência e vida adulta. Considerando os diferentes contextos e realidades sociais, este aspecto do desenvolvimento infantil foi incorporado de forma diferenciada nas diretrizes políticas dos países.

O pensar e propor estratégias políticas e ações para a criança aproxima essas posições em vários aspectos, especialmente no que tange ao reconhecimento do período da infância como de grande vulnerabilidade e prioridade. A criança, compreendida em uma perspectiva de futuro, faz emergir a discussão sobre a competência básica da linguagem, e os efeitos que as alterações neste campo podem representar para a vida do indivíduo nos planos individual, social e econômico. Assim, a articulação desta discussão aos ideais de democracia e aos conceitos de ciclo de vida e desenvolvimento humano, pode ser também frutífera, no sentido de mobilizar ainda mais fortemente a agenda política voltada à criança e ao adolescente em seu processo de desenvolvimento e inserção social.

Alguns aspectos parecem centrais ao empreendimento de novos debates e aprofundamentos, dentre os quais podemos assinalar que a escolha pelas crianças até 10 anos, ou mesmo em momentos anteriores da vida, por serviços de reabilitação, represam demandas, comprometem autoestima e processos de vida e impactam outras esferas de atenção a crianças, em especial, a educacional. Problemas de linguagem atravessam, do mesmo modo, as fronteiras dos campos políticos, científicos e sociais, e colocam em perspectiva o imperativo do trabalho conjunto, interdisciplinar e intersetorial. Pautam, ainda, o desafio de fomentar respostas mais efetivas no campo da política pública para pessoas com tais necessidades, o que potencializaria uma maior abrangência e universalidade no acesso a serviços e a dispositivos terapêuticos, educacionais, de desenvolvimento das capacidades individuais e de inclusão social.

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