versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.34 no.6 Rio de Janeiro 2018 Epub 21-Jun-2018
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00074817
El cáncer de mama es la principal causa de muerte por cáncer en mujeres en Brasil. Las nuevas directrices para la detección precoz en Brasil fueron elaboradas basándose en revisiones sistemáticas de la literatura sobre riesgos y posibles beneficios de diversas estrategias de detección precoz. El objetivo del presente artículo es presentar las recomendaciones y actualizar la síntesis de evidencias, discutiendo las principales controversias existentes. Las recomendaciones para el tamizaje del cáncer de mama (mujeres asintomáticas) fueron: (i) fuerte recomendación contraria al tamizaje con mamografía en mujeres con menos de 50 años; (ii) baja recomendación favorable al tamizaje con mamografía en mujeres con edades entre 50 y 69 años; (iii) baja recomendación contraria al tamizaje con mamografía en mujeres con edades entre 70 y 74 años; (iv) fuerte recomendación contraria al tamizaje con mamografía en mujeres con 75 años o más; (v) fuerte recomendación favorable de que el tamizaje en las franjas etarias recomendadas sea bienal, cuando se compara con periodicidades menores a la bienal; (vi) baja recomendación contraria a la enseñanza del autoexamen de las mamas para tamizaje; (vii) ausencia de recomendación favorable o contraria al tamizaje con examen clínico de las mamas; y (viii) fuerte recomendación contraria al tamizaje con resonancia magnética nuclear, ultrasonografía, termografía o tomosíntesis, bien sea aisladamente, bien sea como complemento a la mamografía. Las recomendaciones para el diagnóstico precoz del cáncer de mama (mujeres con señales o síntomas sospechosos): (i) baja recomendación favorable a la implementación de estrategias de concienciación para el diagnóstico precoz del cáncer de mama; (ii) baja recomendación favorable al uso de señales y síntomas seleccionados en las presentes directrices como criterio de referencia urgente para servicios de diagnóstico mamario; y (iii) baja recomendación favorable de que toda la evaluación diagnóstica del cáncer de mama, tras la identificación de señales y síntomas sospechosos en la atención primaria, sea realizada en un mismo centro de referencia.
Palabras-clave: Neoplasias de la Mama; Detección Precóz del Cáncer; Tamizaje Masivo; Mamografia; Guías de Práctica Clínica como Asunto
O câncer de mama é o câncer que mais acomete as mulheres brasileiras, excetuando-se o câncer de pele não melanoma. Para 2017 foram estimados 57.960 casos novos da doença 1 e em 2014 o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) registrou 14.622 casos de óbitos em mulheres por câncer de mama, sendo a principal causa de morte por câncer em mulheres no Brasil. Na América Central e do Sul, as mais altas taxas de incidência e mortalidade foram verificadas na Argentina, Brasil e Uruguai 2. Nas últimas três décadas a mortalidade por esse tipo de câncer aumentou nas cinco macrorregiões brasileiras 3. Esse crescimento pode ser decorrente, em parte, do aumento da incidência devido a uma maior exposição das mulheres a fatores de risco consequentes do processo de urbanização e de mudanças no estilo de vida 4, agravados pelo envelhecimento populacional que ocorreu no Brasil de forma intensa 5. Os principais fatores de risco para a doença - idade avançada da primeira gestação, baixa paridade e amamentar por períodos curtos 6 - são menos passíveis a intervenções de saúde pública, principalmente nas sociedades modernas onde as mulheres têm aumentado sua participação profissional e social. Outros fatores conhecidamente de risco para a doença (o uso de álcool, o excesso de peso e a inatividade física após a menopausa) já são alvo de ações de prevenção para as demais doenças crônicas não transmissíveis 7. Dessa forma, a detecção e tratamento precoces são geralmente considerados os meios mais efetivos para a redução da mortalidade por câncer de mama.
As novas diretrizes para detecção precoce no Brasil foram elaboradas com base em revisões sistemáticas da literatura sobre riscos e possíveis benefícios de diversas estratégias de detecção precoce 8,9. O objetivo do presente artigo é apresentar as novas recomendações e a síntese de evidências das diretrizes, discutindo as principais controvérsias existentes à luz das melhores e mais atuais evidências disponíveis.
Os métodos detalhados utilizados para a definição do escopo, das perguntas de pesquisa, das estratégias de busca de evidências, da seleção dos estudos, da avaliação da qualidade das evidências e da formulação de recomendações das diretrizes podem ser encontrados em outras publicações 8,9.
Neste artigo, inicialmente apresentaremos a síntese de evidências das novas diretrizes e respectivas recomendações. Adicionalmente, atualizamos as buscas originais feitas para as diretrizes na base MEDLINE 8 até 31 de março de 2017. Os novos artigos foram avaliados segundo os mesmos critérios de elegibilidade usados originalmente, e seus resultados e implicações para as novas diretrizes foram incluídos nas seções de síntese de evidências e na discussão do presente artigo, com exceção dos novos resumos relativos às estratégias de diagnóstico precoce, cujos novos critérios de elegibilidade incluíram apenas revisões sistemáticas ou ensaios clínicos. Além disso, foram também buscadas publicações atualizadas com novos resultados de seguimento dos ensaios clínicos de rastreamento.
As diretrizes foram divididas em recomendações para rastreamento e para diagnóstico precoce, ou seja, estratégias destinadas respectivamente a mulheres assintomáticas e casos com sinais e sintomas sugestivos de câncer. Para o rastreamento foram avaliados a mamografia e os seguintes métodos isoladamente ou em conjunto com a mamografia: autoexame das mamas, exame clínico das mamas, ultrassonografia, ressonância nuclear magnética, tomossíntese mamária e termografia. As recomendações para o rastreamento não se referem à população com alto risco de desenvolvimento de câncer de mama. Para o diagnóstico precoce foram avaliadas as estratégias de conscientização sobre sinais e sintomas suspeitos de câncer de mama; critérios clínicos para a identificação de casos suspeitos na atenção primária; e confirmação diagnóstica em um único serviço 9.
As recomendações das novas diretrizes para o rastreamento estão descritas no Quadro 1 e as de diagnóstico precoce no Quadro 2. A explicação da interpretação de cada tipo de recomendação de acordo com o público-alvo das diretrizes (profissionais de saúde, população geral ou gestores) está detalhada no Quadro 3.
Quadro 1 Recomendações do Ministério da Saúde para rastreamento do câncer de mama.
Recomendações do Ministério da Saúde para rastreamento do câncer de mama | ||
Mamografia | < 50 anos | Contra o rastreamento com mamografia em mulheres com menos de 50 anos. (Recomendação forte: os possíveis danos claramente superam os possíveis benefícios). |
50 a 59 anos | Recomenda o rastreamento com mamografia em mulheres com idade entre 50 e 59 anos. (Recomendação fraca: os possíveis benefícios e danos provavelmente são semelhantes). | |
60 a 69 anos | Recomenda o rastreamento com mamografia em mulheres com idade entre 60 e 69 anos. (Recomendação fraca: os possíveis benefícios provavelmente superam os possíveis danos). | |
70 a 74 anos | Contra o rastreamento com mamografia em mulheres com idade entre 70 e 74 anos. (Recomendação fraca: o balanço entre possíveis danos e benefícios é incerto). | |
75 anos ou mais | Contra o rastreamento com mamografia em mulheres com 75 anos ou mais. (Recomendação forte: os possíveis danos provavelmente superam os possíveis benefícios). | |
Periodicidade | Recomenda que o rastreamento nas faixas etárias recomendadas seja bienal. (Recomendação forte: os possíveis benefícios provavelmente superam os possíveis danos quando comparada às periodicidades menores do que a bienal). | |
Autoexame das mamas | Contra o ensino do autoexame como método de rastreamento do câncer de mama. (Recomendação fraca: os possíveis danos provavelmente superam os possíveis benefícios). | |
Exame clínico das mamas | Ausência de recomendação: o balanço entre possíveis danos e benefícios é incerto. | |
Ressonância nuclear magnética | Contra o rastreamento do câncer de mama com ressonância nuclear magnética em mulheres, seja isoladamente, seja em conjunto com a mamografia. (Recomendação forte: os possíveis danos provavelmente superam os possíveis benefícios). | |
Ultrassonografia | Contra o rastreamento do câncer de mama com ultrassonografia das mamas, seja isoladamente, seja em conjunto com a mamografia. (Recomendação forte: os possíveis danos provavelmente superam os possíveis benefícios). | |
Termografia | Contra o rastreamento do câncer de mama com a termografia, seja isoladamente, seja em conjunto com a mamografia. (Recomendação forte: os possíveis danos provavelmente superam os possíveis benefícios). | |
Tomossíntese | Contra o rastreamento do câncer de mama com tomossíntese, seja isoladamente, seja em conjunto com a mamografia convencional. (Recomendação forte: os possíveis danos provavelmente superam os possíveis benefícios). |
Nota: essas recomendações não se dirigem a 1% da população feminina com alto risco de desenvolvimento de câncer de mama.
Quadro 2 Recomendações do Ministério da Saúde para o diagnóstico precoce do câncer de mama.
Recomendações do Ministério da Saúde para o diagnóstico precoce do câncer de mama | |
Estratégia de conscientização | Implementação de estratégias de conscientização para o diagnóstico precoce do câncer de mama. (Recomendação fraca: os possíveis benefícios provavelmente superam os possíveis danos). |
Identificação de sinais e sintomas suspeitos | Recomenda que os seguintes sinais e sintomas sejam considerados como de referência urgente para serviços de diagnóstico mamário (Recomendação fraca: os possíveis benefícios provavelmente superam os possíveis danos):
|
Confirmação diagnóstica em um único serviço | Recomenda que toda a avaliação diagnóstica do câncer de mama, após a identificação de sinais e sintomas suspeitos na atenção primária, seja feita em um mesmo centro de referência. (Recomendação fraca: os possíveis benefícios provavelmente superam os possíveis danos, quando comparados à organização tradicional dos serviços de investigação diagnóstica). |
Quadro 3 Interpretação dos graus de recomendação de acordo com o público-alvo.
Público-alvo | Graus de recomendação | |||
Favorável forte | Favorável fraca | Contrária fraca | Contrária forte | |
Gestores | A intervenção deve ser adotada como política de saúde na maioria das situações | A intervenção pode ser adotada como política de saúde em alguns contextos específicos, levando em consideração o balanço entre benefícios e danos de outras intervenções e as prioridades em saúde | A intervenção NÃO deve ser adotada como política de saúde. Contudo, em alguns contextos específicos, pode ser submetida a debate | A intervenção NÃO deve ser adotada como política de saúde |
Profissionais de saúde | A maioria dos pacientes deve receber a intervenção recomendada | Diferentes escolhas serão apropriadas para cada pessoa e o processo de tomada de decisão compartilhada e informada deve dar maior peso aos valores e às preferências dos pacientes | Diferentes escolhas serão apropriadas para cada paciente e o processo de decisão compartilhada e informada deve dar maior peso aos valores e preferências dos pacientes | A maioria dos pacientes NÃO deve receber a intervenção |
População | A maioria das pessoas, quando bem informada, desejaria a intervenção, apenas uma minoria não desejaria | A maioria das pessoas, quando bem informada, desejaria a intervenção, mas muitas não desejariam | A maioria das pessoas, quando bem informada, NÃO desejaria a intervenção, mas muitas desejariam | A maioria das pessoas, quando bem informada, NÃO desejaria a intervenção, apenas uma minoria desejaria |
Originalmente, seis revisões sistemáticas de ensaios clínicos contribuíram com resultados para a avaliação da efetividade do rastreamento mamográfico nas novas diretrizes 10,11,12,13,14,15,16. Nenhuma delas demonstrou redução estatisticamente significativa da mortalidade geral. Na metanálise que incluiu apenas os ensaios clínicos com randomização adequada ou subótima, houve 19% de redução na mortalidade por câncer de mama com o rastreamento mamográfico, em 13 anos de seguimento (RR = 0,81; IC95%: 0,74-0,87), correspondente a um benefício absoluto, ou seja, a uma diferença no risco de morte por câncer de mama entre os grupos rastreados e não rastreados de 0,05% 11,16.
Na atualização de evidências sobre riscos e benefícios do rastreamento mamográfico feita para o presente artigo, a estratégia de busca retornou 36 referências, das quais foram selecionadas três com resultados de revisões sistemáticas 17,18,19. Com relação à mortalidade por câncer de mama, a nova revisão sistemática da Força Tarefa de Serviços Preventivos dos Estados Unidos (USPSTF) continuou apresentando resultados similares aos da versão anterior, com exceção da perda da significância estatística no grupo de 40 a 49 anos (RR = 0,92; IC95%: 0,75-1,02) 17.
O dano mais comum do rastreamento mamográfico é o resultado falso-positivo, cuja probabilidade cumulativa de ocorrência após dez anos de rastreamento é de 61% quando a periodicidade é anual e de 42% quando a periodicidade é bienal, segundo dados dos Estados Unidos 19.
Já os danos mais graves do rastreamento são o sobrediagnóstico e o sobretratamento, isto é, diagnósticos e tratamentos desnecessários 9. Após 25 anos de seguimento dos ensaios clínicos canadenses, 50% dos casos de câncer invasivo impalpável, detectados apenas na mamografia de rastreamento, foram considerados sobrediagnóstico 20. Segundo metanálise da Cochrane, baseada nas informações dos ensaios clínicos que não introduziram rastreamento mamográfico no grupo controle na vigência do estudo, o rastreamento gera um excesso de 30% de mulheres tratadas desnecessariamente 11. O aumento de cirurgias de mama no grupo rastreado (incluindo mastectomia e cirurgias conservadoras) foi cerca de 30% (RR = 1,31; IC95%: 1,22-1,42) quando comparado às mulheres não rastreadas, mesmo sem considerar, provavelmente, as reoperações, uma vez que o excesso de cirurgias foi semelhante ao número de excesso de diagnóstico. Esse percentual de sobretratamento foi ainda maior nos ensaios com randomização subótima, chegando a mais de 40% (RR = 1,42; IC95%: 1,26-1,61) se analisado apenas o período anterior à introdução de rastreamento no grupo controle 11. Em termos absolutos seriam dez mulheres tratadas desnecessariamente e possivelmente uma morte evitada para cada 2 mil mulheres convidadas para o rastreamento ao longo de dez anos 11.
Nenhum ensaio clínico mediu diretamente a associação entre o rastreamento mamográfico e a indução de câncer pela radiação 21. Os dados disponíveis são extrapolações baseando-se em exposições agudas a doses mais altas de radiação ionizante 21. Segundo o estudo de modelagem citado pela Força Tarefa Canadense de Cuidados à Saúde Preventivos e pela nova revisão da USPSTF, mamografias anuais realizadas dos 40 aos 80 anos seriam capazes de induzir de 20 a 25 casos fatais de câncer em cada 100 mil mulheres rastreadas 19,21.
Os ensaios clínicos de rastreamento mamográfico incluíram mulheres com idades entre 39 e 74 anos, com variações entre os estudos 8. Todas as revisões sistemáticas de ensaios clínicos selecionadas demonstraram que o maior benefício do rastreamento ocorre em mulheres na faixa etária de 60 a 69 anos e o menor ocorre na de 40 a 49 anos, sendo que para esta última faixa ainda persiste controvérsia sobre a real efetividade na redução da mortalidade por câncer de mama.
Adicionalmente, os danos associados ao rastreamento são maiores na faixa etária de 40 a 49 anos, incluindo a necessidade de mais mamografias de rastreamento, exames de imagem e biópsias para a detecção de um caso adicional de câncer de mama invasivo 12. A proporção de resultados falso-positivos, por exemplo, é fortemente dependente da idade, sendo maior em mulheres mais jovens. Mesmo assumindo que o rastreamento de 40 a 49 anos reduz o risco de morrer por câncer de mama, para cada mulher que teoricamente poderia ter sua vida prolongada por ter participado de quatro rodadas de rastreamento, 2.108 mulheres precisariam ser rastreadas, 690 receberiam resultados falso-positivos e 75 seriam biopsiadas desnecessariamente. Para mulheres na faixa etária de 50 a 69 anos, esses números seriam, respectivamente, de 721, 204 e 26 21.
Nos ensaios clínicos de rastreamento mamográfico incluídos nas metanálises selecionadas, o intervalo entre os exames variou de 12 até 33 meses 21. Análises estratificadas de uma dessas revisões sistemáticas não demonstram diferença estatisticamente significativa na redução da mortalidade com diferentes intervalos de rastreamento para a população-alvo de 50 a 69 anos (entre os intervalos de dois anos ou mais e menor do que bienal) 21. Um ensaio clínico randomizado, desenhado especificamente para comparar diferentes intervalos, constatou que o risco de morte por câncer de mama não foi diferente entre intervalo anual e trienal, e o intervalo de três anos entre os exames passou a ser adotado no programa de rastreamento no Reino Unido 21. Por um lado, periodicidades menores do que a bienal não provaram trazer benefício adicional, por outro, evidências obtidas com base na modelagem sugerem que a redução da periodicidade de bienal para anual dobraria a magnitude dos danos associados ao rastreamento 12. Portanto, intervalos entre os exames de rastreamento de 24 a 30 meses, para mulheres entre 50 e 69 anos, são seguros em termos de manutenção dos possíveis benefícios e de redução de potenciais danos.
Todas as cinco revisões sistemáticas selecionadas sobre rastreamento com exame clínico das mamas concluíram que ainda não há evidências sobre a eficácia desta intervenção na redução da mortalidade por câncer de mama 12,22,23,24. Os ensaios clínicos randomizados de Kerala 25 e de Mumbai 26, na Índia, e um ensaio filipino 27 reportaram que a realização do rastreamento por meio do exame clínico das mamas resultou no diagnóstico de doenças com estádio clínico de melhor prognóstico 25, o que pode, contudo, ser atribuído a viés de duração, ao sobrediagnóstico ou ainda a um possível efeito da aplicação da estratégia de conscientização aplicada concomitantemente ao grupo de intervenção 9. Existem evidências de que o rastreamento com o exame clínico das mamas está associado a uma maior taxa de incidência padronizada de câncer de mama 25, o que pode ser um indício da existência de algum grau de sobrediagnóstico. Ademais, como o ensaio filipino foi suspenso e os dois ensaios clínicos indianos ainda não apresentam resultados definitivos de forma a permitir avaliar o desfecho sobre a mortalidade, ainda não é possível determinar se realmente o rastreamento com o exame clínico das mamas é eficaz.
Por outro lado, no ensaio clínico de Kerala os casos falso-positivos corresponderam a 99% de todos os casos positivos no rastreamento com o exame clínico das mamas 25. Nesse mesmo estudo, a sensibilidade do rastreamento foi de 51,7% (IC95%: 38,2-65,0), com alta proporção de casos falso-negativos, com o número de cânceres de intervalo praticamente idêntico ao de cânceres detectados no rastreamento 25. Existem evidências ainda de que, na prática clínica, a sensibilidade do exame clínico das mamas de rastreamento seja menor do que nos ensaios clínicos, girando em torno de 28 a 36% 23.
Na atualização das buscas em 2017, foi identificada uma metanálise que comparou os resultados dos ensaios clínicos de rastreamento mamográfico com ou sem o exame clínico das mamas suplementar 28. Os resultados mostraram menor estimativa pontual de redução de mortalidade nos ensaios com o exame clínico das mamas suplementar, embora os intervalos de confiança dos dois grupos apresentassem sobreposição 28.
Com relação ao ensino do método de autoexame das mamas para fins de rastreamento de câncer, nenhuma das revisões sistemáticas de ensaios clínicos selecionadas demonstrou eficácia na redução da mortalidade por câncer de mama 12,16,22,23,24,29. Por outro lado, essas revisões identificaram evidências sobre o excesso de intervenções desnecessárias para a investigação diagnóstica em função de resultados falso-positivos no rastreamento. Por exemplo, em um dos dois ensaios clínicos analisados nas revisões, praticamente o dobro de lesões benignas foi diagnosticado no grupo de intervenção, acompanhado de um aumento do número de biópsias 22.
Não foram encontrados ensaios clínicos avaliando o rastreamento com ultrassonografia com ou sem mamografia, termografia ou tomossíntese mamária 8. Sobre a tomossíntese, duas revisões sistemáticas de estudos de acurácia diagnóstica identificaram resultados heterogêneos de sensibilidade e especificidade entre os estudos e problemas de validade nos estudos 30,31. Portanto, ainda não existem evidências suficientes para avaliar se o rastreamento do câncer de mama com esses métodos é capaz de trazer algum benefício, e se estes possíveis benefícios seriam capazes de superar os danos à saúde associados aos mesmos.
Nenhuma das três revisões sistemáticas identificadas apresentou resultados de ensaios clínicos sobre a eficácia do rastreamento com ressonância nuclear magnética (RNM) na redução da mortalidade por câncer de mama 12,16,32. Por outro lado, estima-se que o número de casos com diagnóstico indeterminado na investigação inicial após o rastreamento, ou seja, nos quais seria necessário seguimento semestral com novas imagens, aumentaria em dez vezes com o rastreamento com a RNM 32. O rastreamento com a RNM também poderia aumentar potencialmente a magnitude do sobrediagnóstico, principalmente em função da sua maior sensibilidade na detecção do carcinoma ductal in situ (CDIS) 32. Na atualização das buscas em 2017 não foram encontradas evidências conclusivas sobre a eficácia do rastreamento com nenhum desses métodos de imagem na diminuição da mortalidade geral ou por câncer de mama, seja isoladamente, seja em conjunto com a mamografia 33,34,35.
Com relação à estratégia de conscientização 9, os estudos identificados incluíram outras intervenções paralelamente à conscientização sobre as mamas e sinais de alerta para o câncer, como por exemplo, o incentivo ao rastreamento mamográfico, impossibilitando a avaliação da eficácia desta estratégia per se ou consideraram desfechos intermediários sem relevância clínica direta 8,36. Por outro lado, não foram identificados riscos à saúde associados a essa estratégia. Diferentemente da técnica de autoexame, a proposta dessa estratégia não é ensinar um método de rastreamento, mas sim qualificar a demanda das mulheres por assistência médica, valorizando o autoconhecimento e a identificação precoce dos sinais de alerta para o câncer de mama em situações quotidianas 37. Na atualização das buscas em 2017 uma nova revisão sistemática foi selecionada 38. Nessa revisão dois ensaios clínicos sobre estratégia de conscientização foram identificados. Contudo, eles foram heterogêneos do ponto de vista de qualidade, intervenção e desfechos. No ensaio clínico de melhor qualidade - nível de evidência moderado pelo GRADE - a intervenção com o uso de folheto informativo, acompanhado de uma interação individual com um profissional de saúde, aumentou significativamente o conhecimento sobre os sinais de alerta do câncer de mama e sobre o aumento de risco com o avançar da idade 38.
No que se refere à estratégia de identificação de sinais e sintomas suspeitos na atenção primária e encaminhamento prioritário para a investigação diagnóstica 9, os estudos selecionados não avaliaram desfechos de relevância clínica para os pacientes. Contudo, indicaram que protocolos de referência prioritária na atenção primária têm uma taxa de detecção de câncer de cerca de 10% 39 e sensibilidade de cerca de 90% 39,40,41. O sinal mais comumente associado ao câncer de mama é o nódulo mamário, que está presente em 90% dos casos confirmados posteriormente como câncer 42,43,44.
No que tange à estratégia de confirmação diagnóstica em um único serviço 9, dois ensaios clínicos foram identificados 45,46, mas nenhum dos dois abordou os desfechos definidos no protocolo de revisão das novas diretrizes 9. Dois estudos observacionais foram identificados, mas apresentaram problemas importantes de qualidade 8.
As novas diretrizes nacionais são provavelmente as diretrizes governamentais mais críticas ao rastreamento já publicadas no mundo, e as melhores e mais recentes evidências disponíveis corroboram as novas recomendações 19. Três ensaios clínicos de rastreamento mamográfico publicaram novos resultados de seguimento nos últimos anos: o ensaio canadense, o de Gotemburgo (Suécia) e o UK Age Trial (Reino Unido). O ensaio canadense câncer de mama, mesmo após 25 anos de seguimento, não conseguiu demonstrar redução da mortalidade por câncer de mama com o rastreamento 18,20. Os novos resultados do UK Age Trial também não demonstraram redução de mortalidade no longo prazo, indicando que uma redução de mortalidade observada inicialmente pode ter significado no máximo que as mortes por câncer de mama foram apenas um pouco postergadas 47.
A nova publicação dos resultados do ensaio de Gotemburgo 48, ao contrário, apresentou efeito protetor estatisticamente significativo na mortalidade por câncer de mama em mulheres com menos de 50 anos no longo prazo de seguimento. De fato, é muito difícil explicar esse resultado, justamente em um ensaio clínico em que houve uma contaminação de aproximadamente 20% do grupo controle durante o período de intervenção, e onde mais de 50% das mulheres na faixa etária de 39 a 49 anos já haviam recebido pelo menos um exame de mamografia no início do estudo. Isso sem considerar o fato de que o rastreamento foi oferecido ao grupo controle e seria difícil determinar se mortes ocorridas 24 anos depois foram ou não associadas aos cânceres descobertos durante o período de intervenção. Toda essa contaminação tenderia a diminuir a eficácia da intervenção e não a aumentá-la. Por isso, a estranheza desses resultados, considerando-se o conjunto de ensaios clínicos existentes. Outro achado inesperado desse ensaio clínico é que a diferença da mortalidade por câncer de mama entre os grupos de intervenção aparece logo no início do seguimento. Uma das prováveis explicações para esses resultados seria a presença de vieses. Esse ensaio clínico tem pelo menos duas potenciais fontes de viés bem documentadas: viés de seleção em função de problemas na geração e ocultação da sequência aleatória de alocação. O resultado é que os grupos de intervenção não são totalmente comparáveis. Além disso, parte da redução da mortalidade por câncer de mama nos ensaios clínicos suecos deve-se, provavelmente, à maior conscientização das mulheres do grupo rastreado, bem como melhor padrão de diagnóstico e de tratamento 49.
De todos os ensaios clínicos de rastreamento, o canadense e o UK Age Trial foram os dois únicos desenhados especialmente para avaliar o impacto do rastreamento na faixa etária de 40 a 49 anos e são considerados estudos de boa qualidade 11,16. Na versão publicada em 2016 da revisão sistemática encomendada pela USPSTF, que incluiu novos resultados desses dois ensaios clínicos, a significância estatística da redução da mortalidade por câncer de mama, antes limítrofe, desapareceu completamente 17. Considerando-se os riscos envolvidos no rastreamento mamográfico de mulheres com menos de 50 anos, esses resultados sugerindo a ausência de eficácia reforçam ainda mais a recomendação contrária forte presente nas novas diretrizes. Esse tipo de recomendação comporta o processo de decisão compartilhada no caso em que houver demanda ativa da mulher pelo rastreamento nessa faixa etária, no qual as incertezas sobre benefícios e os riscos envolvidos deverão ser discutidos. Dessa forma, na prática essa recomendação é semelhante àquela das diretrizes da USPSTF que preconiza que esse procedimento não deva ser oferecido rotineiramente 50. A nova versão das diretrizes da USPSTF poderia ter se baseado nos resultados de sua revisão sistemática, para ter uma recomendação ainda mais desfavorável a essa prática dada a ausência de benefício estatisticamente significativo, contudo, isto implicaria a não cobertura do procedimento de acordo com o Affordable Care Act. É importante ressaltar que não se trata de falta de evidências. Ao contrário, a faixa etária de 39 a 49 anos foi a mais estudada em ensaios clínicos.
Alguns fatores explicam esses resultados desfavoráveis em mulheres com menos de 50 anos, como menor incidência de câncer de mama nesta faixa etária e maior densidade mamária. Além da menor prevalência de câncer de mama nas mulheres com menos de 50 anos, as mamografias realizadas em mulheres jovens apresentam menor sensibilidade e especificidade e maior proporção de resultados falso-negativos e falso-positivos também em virtude da maior densidade mamária, que diminui a sensibilidade da mamografia 51. O racional biológico dessa ausência de eficácia também encontra respaldo em outros achados, como a falta de redução de estádio por meio do rastreamento nessa faixa etária, ao contrário do que ocorre em mulheres com 50 anos ou mais 17. Mesmo que desconsiderássemos todas essas evidências e assumíssemos que existe alguma eficácia no rastreamento mamográfico de 40 a 49 anos, ainda assim o benefício absoluto seria sete vezes menor do que na faixa etária de 60 a 69 anos 17, e estes teriam de ser contrabalançados com os riscos relacionados ao rastreamento, que são maiores justamente para as mulheres mais jovens.
O uso da proporção de casos por estádio é causa frequente de viés na análise de estudos e programas de rastreamento, em virtude da redistribuição artificial por meio da inclusão dos casos de sobrediagnóstico e não deve ser usado como desfecho para a avaliação da efetividade do rastreamento. Uma publicação de 2016 do ensaio clínico canadense de rastreamento mamográfico revelou que, em mulheres com idades entre 40 e 49 anos, 100% dos cânceres detectados exclusivamente no rastreamento com mamografia - tumores impalpáveis - foram considerados sobrediagnóstico 52. Ou seja, nessa faixa etária a detecção precoce pelo rastreamento mamográfico só teria trazido danos à saúde das mulheres e uma ilusão de benefício. Essa proporção cai para 44% nas mulheres com idades entre 50 e 59 anos 52. As estimativas de sobrediagnóstico nesse ensaio clínico são consideradas de boa qualidade 17, podendo até estar subestimadas em virtude de contaminação do grupo controle, muito embora as mulheres desse grupo não tenham sido ativamente convidadas a participar do rastreamento, como ocorreu em outros ensaios clínicos 17,47.
O rastreamento anual a partir dos 40 anos, muito popular no Brasil, também está associado a um aumento da probabilidade de desenvolvimento de câncer radioinduzido. Quando o rastreamento bienal a partir dos 50 anos é comparado ao rastreamento anual a partir dos 40, o número de cânceres radioinduzidos pelo rastreamento aumenta em quase cinco vezes, correspondendo a mais de 100 casos adicionais de câncer radioinduzido em 100 mil mulheres rastreadas 53. Adicionalmente, esse número pode quase dobrar quando são consideradas mulheres com mamas muito volumosas, que necessitam de maior dose de radiação por exame 53. Tudo isso presumindo que existem programas de qualidade nos quais a dose de radiação ionizante dos exames é monitorada. Embora esse risco seja relativamente pequeno e as evidências sejam indiretas - com base em modelagem - deve ser considerado que a esses riscos somam-se outros como sobrediangóstico, sobretratamento, falso-positivos, falso-negativos e a ausência de evidência de benefícios do rastreamento anual a partir dos 40 anos. Por todos esses fatores, espera-se que, quando bem informadas, a maior parte das mulheres opte por não se submeter ao rastreamento mamográfico antes dos 50 anos.
Até mesmo a nova diretriz da Sociedade Americana de Câncer mudou a sua tradicional recomendação de início do rastreamento de rotina dos 40 anos para 45, e periodicidade de rastreamento a partir dos 50 anos de anual para bienal 54. Mesmo assim, a justificativa apresentada para o início aos 45 anos em vez de 50 foi frágil, com o uso de taxas de incidência por grupo etário para recomendar essa idade de início do rastreamento, já que tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil o início precoce do rastreamento disseminado e consequente introdução de viés de tempo de antecipação e sobrediagnóstico potencialmente aumentam a incidência antes dos 50 anos.
Com relação à recomendação de rastreamento em mulheres com 70 anos ou mais, enquanto que as presentes diretrizes fazem recomendações contrárias, a USPSTF recomenda favoravelmente o rastreamento de 70 a 74 anos e classifica como incerto o rastreamento de mulheres com 75 anos ou mais. Contudo, a própria USPSTF demonstra em sua revisão sistemática que nem sequer existe evidência de eficácia do rastreamento de mulheres com 70 anos ou mais 17. A possibilidade de recomendação forte contrária nesse caso está apoiada no GRADE, que prevê esse tipo de recomendação em situações de ausência de eficácia comprovada e de reconhecidos riscos 55. Embora as novas diretrizes brasileiras permitam a decisão compartilhada nesses casos (Quadro 3), é preciso considerar explicitamente nesse processo a incerteza sobre a existência de benefícios, bem como o aumento do sobrediagnóstico, por meio da detecção de cânceres de mama indolentes e pela maior incidência de causas de morte competitivas. O balanço entre riscos e possíveis benefícios fica mais desfavorável conforme diminui a expectativa de vida, que é refletido na classificação mais desfavorável para o subgrupo com 75 anos ou mais nas presentes diretrizes. Dessa forma, assim como ocorre para as mulheres com menos de 50 anos, espera-se que, quando bem informadas, a maior parte das mulheres com 75 anos ou mais opte por não se submeter ao rastreamento mamográfico (Quadro 3).
Parte do problema do sobrediagnóstico e sobretratamento no rastreamento mamográfico deve-se ao excesso de detecção e tratamento de casos de CDIS. No passado, a mastectomia era o tratamento de escolha nesses casos, mas quatro estudos randomizados conduzidos nas décadas de 1980 e 1990 mostraram significante redução de risco de recidiva com a lumpectomia seguida de radioterapia 56. O aumento de sobrevida com a adição de radioterapia foi sugerido em estudo de coorte de base populacional 57. Dois estudos randomizados mostraram redução da recidiva com tamoxifeno adjuvante no subgrupo com receptor de estrogênio positivo, sem aumento de sobrevida 56,58. Outros três ensaios avaliaram a inclusão da hormonioterapia com tamoxifeno à terapia adjuvante, com resultados indicando redução da incidência de CDIS ipsilateral e contralateral, mas sem impacto na incidência de tumores invasivos 58. Já o uso de anastrozol, em comparação ao tamoxifeno, nesse contexto não mostrou resultados superiores 59. Ainda que a cirurgia conservadora seguida de radioterapia e hormonioterapia tenha se consagrado no tratamento do CDIS, houve um importante aumento recente de mastectomias nos Estados Unidos, associado à disseminação do uso de RNM na avaliação diagnóstica dessas pacientes, e consequente descoberta de novos focos fora do quadrante e até mesmo na mama contralateral 60. Embora a terapia adjuvante não seja isenta de riscos, parece contraditório que o diagnóstico de CDIS esteja associado ao aumento de mastectomias, quando um dos argumentos geralmente usados em defesa do rastreamento mamográfico é a possibilidade de realização de cirurgias mais conservadoras. No futuro, o resultado de ensaios clínicos sobre o tratamento do CDIS e o desenvolvimento de novos testes para estratificar melhor o risco desses casos podem contribuir para diminuir o sobretratamento 61.
Uma crítica comum aos ensaios clínicos de rastreamento é a sua generalização para os dias atuais 62. O aumento da sensibilidade dos exames de mamografia ao longo das últimas décadas 63 pode ter resultado num crescimento do sobrediagnóstico, quando comparado ao da época em que os ensaios clínicos foram realizados. Já a evolução da terapia adjuvante nas últimas décadas melhorou a eficácia do tratamento de casos de câncer localmente avançado identificados em decorrência de sinais ou sintomas, tendendo a diminuir a efetividade do rastreamento mamográfico 64. A hormonioterapia tem tido papel de destaque nessa evolução da terapia adjuvante, inicialmente com tamoxifeno e posteriormente também com os inibidores de aromatase 65.
No Brasil, merece destaque a queda das taxas de mortalidade pela doença a partir do final da década de 1990 nas capitais das regiões Sudeste e Sul, que poderia ser associada à melhora de acesso aos meios diagnósticos e terapêuticos 66. Seria difícil atribuir essa queda de mortalidade ao rastreamento mamográfico, tendo em vista sua pequena difusão no país ao longo daquela década. Ao mesmo tempo, observa-se um grande aumento de óbitos entre mulheres de municípios do interior, principalmente nas regiões Norte e Nordeste. Esse fato sugere que as mudanças reprodutivas e sexuais podem ter sido rapidamente adotadas por mulheres que vivem fora das capitais federais, inclusive em áreas de baixa renda e com pior acesso a serviços de saúde.
Diante de todo o questionamento relativo ao rastreamento mamográfico, é natural que aumente o interesse sobre outros métodos de rastreamento. Contudo, uma nova revisão sistemática encomendada pela USPSTF não encontrou evidências sobre a eficácia do rastreamento com tomossíntese, RNM ou ultrassonografia mamária 50, a exemplo das novas diretrizes brasileiras 8 e de outras duas revisões sistemáticas anteriores 31,67. Também não foram identificados ensaios clínicos avaliando o impacto do uso de técnicas aplicadas à ultrassonografia, tais como a elastografia e o Doppler. Da mesma forma, não existem evidências conclusivas sobre uma maior eficácia da combinação da ultrassonografia com a mamografia no rastreamento do câncer de mama, quando comparada ao rastreamento mamográfico isolado 68. Por outro lado, existem evidências indiretas sugerindo que a realização de rastreamento com o exame clínico das mamas em conjunto com a mamografia apresenta maior eficácia do que o rastreamento mamográfico isolado 28, sendo que ainda faltam resultados de ensaios clínicos desenhados especialmente para responder a esta questão.
A percepção de falta de acesso aos serviços de saúde, o desconhecimento sobre os sinais de alerta de câncer e a existência de mitos sobre a doença, são fatores que podem gerar atrasos diagnósticos ligados aos usuários 69. As evidências sobre a diminuição do papel do rastreamento e o cenário nacional do controle do câncer de mama apontam para a importância do fortalecimento de estratégias de diagnóstico precoce de casos com sinais e sintomas iniciais, que podem atuar nesses determinantes de atraso diagnóstico. Contudo, ainda não existem evidências de boa qualidade sobre quais as melhores estratégias a serem adotadas. Por isso, as três estratégias propostas nas novas diretrizes devem ter seus resultados monitorados. A detecção de nódulo mamário suspeito na atenção primária apresenta-se como a alteração com bom valor preditivo positivo, mas faltam estudos que avaliem o valor preditivo da associação de vários sinais e sintomas 70. A estratégia de conscientização da população sobre sinais de alerta acompanhada de melhoria de acesso desses casos à atenção primária e confirmação diagnóstica, por meio de instituição de regulação clínica de vagas e de concentração da investigação diagnóstica em centros de referência, têm o potencial de vencer diversas barreiras de acesso e de melhorar o prognóstico dessas pacientes. Contudo, se não houver adesão às diretrizes de encaminhamento e priorização, e a maior parte dos casos continuar excluída dessas vias prioritárias para a investigação diagnóstica, pode haver um efeito paradoxal de aumento da dificuldade do diagnóstico justamente dos casos que mais precisam desse tipo de atendimento 71. Ter a confirmação diagnóstica no mesmo polo secundário pode contribuir para diminuir repetições de biópsias e problemas de demora no recebimento do laudo histopatológico, e reduzir intervalos entre consultas desnecessárias destinadas apenas a apresentar resultados de exames de imagem e biópsia.
Como as presentes diretrizes de rastreamento não estão direcionadas para a população de alto risco de desenvolvimento de câncer de mama, erros de julgamento sobre história familiar ou outros fatores de risco podem prejudicar a sua implementação. As presentes diretrizes se aplicam a 99% da população feminina, por não serem consideradas como de alto risco 72. As situações de alto risco ocorrem em mulheres com história de radioterapia supra diafragmática antes dos 36 anos de idade para tratamento de linfoma de Hodgkin 73, ou em mulheres com forte predisposição hereditária para câncer mamário. As mutações genéticas mais comumente associadas ao alto risco são as dos genes BRCA 1 e 2 (síndrome de câncer de mama e ovário hereditários), que representam de 70 a 80% dos casos 74, seguidas por TP53 (síndrome de Li-Fraumeni) e PTEN (síndrome de Cowden) 75. É importante ressaltar que a existência de histórico familiar de câncer não representa a presença de síndromes de câncer familial na maioria dos casos. Em um estudo de casos de câncer de mama selecionados aleatoriamente em unidades de saúde no Rio de Janeiro, 2,3% dos casos apresentaram mutação nos genes BRCA 1 ou 2 76. Existem diversas ferramentas para a triagem inicial a fim de classificar mulheres com provável alto risco familial 77,78, incluindo uma ferramenta validada no Sul do Brasil 79. Geralmente, os critérios considerados são história familiar de câncer de mama ou ovário em parentes de primeiro grau; casos de câncer de mama antes dos 50 anos; caso de câncer de mama e ovário em um mesmo familiar; câncer de mama bilateral; caso de câncer de mama em homem; e ancestralidade judaica asquenaze 77,78,79. A discussão sobre incertezas, controvérsias, riscos e benefícios de protocolos diferenciados de rastreamento e de outras possíveis condutas alternativas para a população de alto risco, tais como quimioprofilaxia e cirurgias profiláticas, foge do escopo das presentes diretrizes.
Outra limitação das presentes diretrizes é que a mesma se ateve às melhores evidências existentes, sem a realização de modelagem para a formulação de recomendações. Esse também pode ser considerado um ponto forte das presentes diretrizes, pois é comum que estudos de modelagem superestimem os benefícios do rastreamento e subestimem seus riscos 80. Algumas das principais lacunas nas evidências disponíveis são a ausência de resultados de efetividade do rastreamento na população brasileira e também a escassez de resultados na literatura sobre os danos à saúde resultantes do sobrediagnóstico e do sobretratamento. O uso de modelagem para suprir essas lacunas é uma das perspectivas para as futuras versões das diretrizes.
As melhores evidências disponíveis reforçam as recomendações expressas nas novas diretrizes nacionais. Atualmente, a única estratégia de rastreamento recomendada é a mamografia bienal de 50 a 69 anos e mesmo assim na forma de recomendação condicional, respeitando os valores e preferências de cada mulher. Para que o tênue equilíbrio entre benefícios e danos do rastreamento seja favorável é necessário, minimamente, que as recomendações de população-alvo e periodicidade das novas diretrizes sejam respeitadas. Estratégias de diagnóstico precoce dirigidas a casos com sinais e sintomas devem complementar o rastreamento, embora ainda seja necessário desenvolver mais estudos para comprovar sua eficácia.