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Disartria e Qualidade de Vida em idosos neurologicamente sadios e pacientes com doença de Parkinson

Disartria e Qualidade de Vida em idosos neurologicamente sadios e pacientes com doença de Parkinson

Autores:

Camila Lirani-Silva,
Lúcia Figueiredo Mourão,
Lilian Teresa Bucken Gobbi

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.27 no.3 São Paulo maio/jun. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20152014083

INTRODUÇÃO

O número de idosos vem crescendo em todo o mundo como resultado do aumento da expectativa de vida e da redução da taxa de mortalidade em conjunto com a queda da fecundidade, proporcionando, dessa forma, uma desaceleração no ritmo de crescimento populacional e um processo acelerado de envelhecimento( 1 ). No Brasil, estima-se que em 2020 o número de idosos alcance 32 milhões de habitantes( 2 ).

O maior desafio deste século será cuidar dessa população, que apresenta, entre diversas características, elevada prevalência de doenças crônicas e incapacitantes( 2 ). A doença de Parkinson (DP) é um exemplo, pois sua incidência aumenta com a idade e afeta de 1 a 2% da população acima de 65 anos de idade( 3 ).

A DP é uma doença crônica neurodegenerativa, caracterizada pela morte dos neurônios dopaminérgicos da substância negra parte compacta do mesencéfalo. Os neurônios dopaminérgicos são, dentre outros, os responsáveis pelo controle da atividade motora. As principais características clínicas da doença são tremor em repouso, bradicinesia (lentidão no movimento), rigidez muscular (diminuição da amplitude do movimento) e alterações dos reflexos de manutenção da postura, ocasionando instabilidade postural( 4 , 5 ).

Além disso, estima-se que 70 a 90% dos pacientes com DP apresentam alterações de fala e voz, denominada disartria hipocinética. Os sintomas mais comuns da disartria encontrados na DP são redução da intensidade vocal, modulação restrita, voz monótona, alteração de entonação, velocidade de fala alterada, redução da variação de frequência, qualidade vocal rouco soprosa e imprecisão articulatória( 6 , 7 ).

A DP é a segunda doença neurodegenerativa mais comum em idosos, com prevalência estimada no Brasil de 3,3% de habitantes. Por tratar-se de uma doença que afeta principalmente a velhice, fazem-se necessários estudos que identifiquem e diferenciem as características da DP e do processo normal de envelhecimento, uma vez que é sabido que alterações fonoarticulatórias também ocorrem durante esse processo( 8 ). Além disso, a incapacidade gerada pela doença limita as atividades do paciente e sua participação social, comprometendo a Qualidade de Vida (QV)( 9 ). O estudo do impacto que tais alterações acarretam à QV dos pacientes com DP é necessário em razão das consequências subjetivas de se viver com um distúrbio de fala devido a uma condição neurológica progressiva( 10 ).

Nesse sentido, o presente estudo teve como objetivo analisar e comparar as características da voz e da fala de pacientes com DP com as de indivíduos neurologicamente sadios, na tentativa de diferenciar as mudanças relativas à doença das relacionadas ao processo normal de envelhecimento. Além disso, objetivou-se investigar o impacto que a disartria acarreta à QV desses sujeitos.

MÉTODOS

O presente estudo é uma pesquisa transversal, inserido em um estudo mais amplo chamado "Disartria e qualidade de vida nas doenças dos gânglios da base", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, sob parecer no 710/2011.

Seleção dos sujeitos

Participaram do estudo 25 sujeitos, sendo 13 pacientes do grupo com DP (GP) e 12 indivíduos neurologicamente sadios do grupo controle (GC). Os pacientes envolvidos eram acompanhados no Programa de Atividade Física para Pacientes com DP (PROPARKI), do Laboratório de Estudos da Postura e da Locomoção (LEPLO), do departamento de Educação Física - Instituto de Biociências - da Universidade Estadual Paulista (UNESP). Os participantes do GC foram selecionados de acordo com faixa etária e nível de escolaridade semelhantes aos dos sujeitos do GP.

Os critérios de inclusão foram pacientes previamente diagnosticados com DP; classificados nos estágios 1; 1,5; 2; 2,5 e 3 da doença na escala de Hoehn & Yahr( 11 ); em tratamento medicamentoso e que durante avaliação estivessem na fase on da medicação.

Os critérios de exclusão foram pacientes diagnosticados nas fases 4 e 5 da doença( 10 ); submetidos a tratamento cirúrgico; pacientes que realizaram ou estavam em atendimento fonoaudiológico e pacientes com quadros de demência ou alteração cognitiva. Para o GC, indivíduos com doenças neurodegenerativas não foram recrutados.

Todos os participantes da pesquisa tiveram participação voluntária e, após anuência, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

Procedimentos

A coleta de dados ocorreu no prédio da pós-graduação do Instituto de Biociências da UNESP em sala com baixo nível de ruído ambiental.

A avaliação da disartria foi realizada seguindo o "Protocolo de Avaliação da Disartria", adaptado às características fonéticas e linguísticas do português falado no Brasil, e formulado com componentes de fala mais alterados na DP( 12 ). Os dados coletados foram gravados por meio de áudio e vídeo, sendo utilizada uma placa de som externa (marca M-audio), microfone (SM-58), software PRAAT (Programa de Análise Acústica) e câmera Sony Cyber-shot 7.2 megapixels.

Os pacientes, durante a coleta de dados, encontravam-se sentados, com o microfone a uma distância aproximada de 15 centímetros da boca. Antes da realização de cada prova, os pacientes foram orientados sobre a maneira correta da realização.

De acordo com a descrição do protocolo, as provas realizadas pelos participantes foram: a filmagem de um minuto respirando, para verificação dos ciclos respiratórios durante esse tempo; número de palavras por expiração, por meio da contagem de números; a emissão das vogais /a/ e /i/ e das consoantes /s/ e /z/ em tempo máximo fonatório; reprodução de fonemas, sílabas, palavras e frases afirmativas, interrogativas e exclamativas( 12 ). Essas provas foram realizadas sempre mediante a explicação prévia do avaliador.

As amostras de fala dos sujeitos foram avaliadas por meio de análise perceptivo-auditiva e acústica da voz. Na análise perceptivo-auditiva, foram avaliados os parâmetros respiração, fonação, ressonância, articulação e prosódia, por meio de uma escuta e observação atenta do avaliador. No final de cada parâmetro, o avaliador pontua de zero a seis, sendo zero ausência de alteração e seis alteração grave.

Na análise acústica, foram coletadas a frequência habitual, intensidade habitual, tempo máximo fonatório (TMF) e presença ou não de sub-harmônico, retirados da produção da vogal /a/ sustentada. Além disso, coletou-se a extensão de frequência e intensidade, e taxa de elocução (sílabas por segundo) da frase "É proibido fumar aqui". Ambas as tarefas estão inclusas no "Protocolo de Avaliação da Disartria".

As medidas acústicas foram realizadas mediante a análise da voz pelo software PRAAT. Os dados utilizados foram selecionados dos trechos mais estáveis da vogal /a/ sustentada dos sujeitos, e os cálculos foram realizados manualmente, sem a utilização dos valores calculados pelo programa, para maior fidedignidade dos dados. Além disso, as medidas acústicas da extensão de intensidade na frase "É proibido fumar aqui" foram analisadas nas vogais, para padronização dos dados, sendo que a vogal "u" posterior ao fonema fricativo /f/ foi excluída da pesquisa, devido à interferência desse fonema. Para verificação da extensão foi realizado o cálculo da diferença entre a maior e a menor frequência e intensidade.

As avaliações perceptivo-auditiva e acústica das amostras de fala dos sujeitos da pesquisa foram analisadas de forma randômica, e a análise foi realizada por dois avaliadores com experiência em disartria, por consenso. Dessa forma, as avaliações de todos os participantes da pesquisa foram vídeo gravadas, para que os dois avaliadores pudessem juntos observar os parâmetros que necessitassem da imagem do participante, como os ciclos por minuto, palavras por expiração, ressonância e articulação. Ressalta-se que para as análises perceptivo-auditiva e acústica da voz os avaliadores estavam às cegas, ou seja, não fazendo uso das imagens vídeo gravadas.

Para avaliação do impacto da disartria na Qualidade de Vida dos pacientes e idosos foi utilizado o questionário "Vivendo com Disartria", elaborado pelo Instituto Vardal, traduzido para o Português Brasileiro e adaptado culturalmente por Behlau e Padovani( 10 , 13 ). Esse instrumento tem como objetivo avaliar a percepção das dificuldades de fala dos indivíduos com disartria, ou seja, como os sujeitos percebem a si mesmos e as suas dificuldades de fala( 10 , 13 ).

Esse questionário conta com dez seções, e cada seção contém cinco afirmações, nas quais o sujeito deve responder de um a seis, sendo o menor número "discordo totalmente" e o maior número "concordo totalmente". Para análise desse questionário, realizou-se a mediana das respostas das cinco afirmações de cada seção (um a dez) e também a soma dos escores de todas as afirmações, totalizando 50. O escore total pode alcançar valor mínimo de 50 e máximo de 300 pontos. Somente na seção de número um, relevantes aos aspectos da fonoarticulação (respiração, fonação, articulação e prosódia), as afirmações foram analisadas individualmente, além de se comparar a mediana entre os grupos.

Análise dos dados

Os dados obtidos por meio do "Protocolo de Avaliação da Disartria" e do questionário "Vivendo com Disartria" foram analisados para comparação entre o GP e o GC.

Para análise estatística, foi utilizado o software Statistical Package for the Social Sciences versão 13.0 para Windows, utilizando-se o teste χ2 para variáveis categóricas e o teste Mann-Whitney para variáveis numéricas, atribuindo-se como nível de significância valores de p<0,05.

RESULTADOS

As características clínicas foram semelhantes entre os grupos, o que permite afirmar que os grupos são comparáveis clinicamente. Além disso, o grupo com DP apresentou, segundo escala de Hoehn & Yahr( 11 ), estádios de leve a moderado da doença, com dois indivíduos no estágio 1; cinco no estágio 1,5; cinco no estágio 2 e um no estágio 2,5 (Tabela 1).

Tabela 1. Caracterização da amostra de acordo com idade, gênero, escolaridade e tempo de doença no Grupo com Parkinson e Grupo Controle 

Variáveis Grupos
GP (n=13) GC (n=12)
Idade (anos)
Mediana 68 68
Mínima–Máxima 40–76 40–77
Gênero
Feminino 7 7
Masculino 6 5
Escolaridade (anos)
Média 8,9 7,4
Mínima–Máxima 0–16 0–16
Tempo de doença (anos)
Média 5,5
Mínimo–Máximo 2–12

Legenda: GP = Grupo com Parkinson; GC = Grupo Controle

Na avaliação da disartria (Tabela 2), observou-se que o GP apresentou diferença significativa em relação ao GC na análise acústica para a frequência habitual nos gêneros feminino (p=0,025) e masculino (p=0,028), na qual ambos tiveram frequência mais aguda que o GC. Além disso, o GP apresentou maior média de extensão de intensidade que o GC (p=0,039).

Tabela 2. Comparação dos valores médios e desvio-padrão das análises perceptivo-auditiva e acústica e da porcentagem do número de indivíduos com presença de sub-harmônico entre Grupo Parkinson e Grupo Controle 

Análise GP
Média±DP
GC
Média±DP
Valor
de p
Acústica
Frequência habitual - F (Hz) 212,7±34,3 179,2±34,7 0,025*
Frequência habitual - M (Hz) 168,2±33,2 128,2±21,4 0,028*
Intensidade habitual (dB) 74,9±8,6 80,4±4,8 0,149
Extensão de frequência (Hz) 109,5±33,1 130,0±49,7 0,480
Extensão de intensidade (dB) 8,6±3,9 5,7±4,3 0,039*
Taxa de elocução (sil/seg) 6,2±1,0 6,1±1,1 0,806
TMF (seg) 14,5±7,3 12,5±3,1 0,807
Sub-harmônico 61,5%** 41,6%** 0,320
Perceptivo-auditiva
Respiração 1,8±1,2 1,1±1,0 0,621
Fonação 2,4±0,5 2,2±0,6 0,506
Ressonância 0,6±1,1 0,08±0,2 0,287
Articulação 0,9±1,0 0,08±0,2 0,092
Prosódia 1,4±1,0 0,1±0,3 0,012*
Grau da disartria 7,0±3,3 3,6±1,4 0,327

*Valor de p significativo;

**Porcentagem de indivíduos com presença de subharmônico - Teste de Mann-Whitney e ?2 Legenda: GP = Grupo com Parkinson; GC = Grupo Controle; X = média; DP = desviopadrão; F = feminino; M = masculino; Hz = hertz; Db = decibel; sil/seg = sílabas por segundos; TMF = tempo máximo fonatório; seg = segundos

Na avaliação perceptivo-auditiva, somente o parâmetro prosódia mostrou diferença significativa na comparação entre os grupos (p=0,012), demonstrando maior alteração nos padrões de ênfase, entonação e velocidade de fala no GP. Os demais parâmetros estudados (respiração, fonação, ressonância e articulação) não apresentaram diferenças estatísticas entre os grupos.

No questionário "Vivendo com Disartria" (Tabela 3), os pacientes com DP apresentaram de forma geral impacto mais negativo na QV, quando observado o escore total do questionário (p=0,005). Os pacientes têm uma percepção subjetiva do impacto das alterações da comunicação pior quando comparados ao grupo de indivíduos neurologicamente sadios.

Tabela 3. Comparação das medianas das seções, das afirmações do tema 1 e do escore total do questionário "Vivendo com Disartria", no Grupo Parkinson e Grupo Controle 

Seções do Questionário GP GC Valor de p
1 - Comunicação relacionada à fala 5 1 0,002*
A - Eu fico sem ar quando falo 3 1 0,979
B - Eu fico rouco 4 1 0,123
C - Minha fala é lenta 4 1 0,046*
D - Minha fala é arrastada 5 1 0,002*
E - Eu tenho que repetir o que falo porque as pessoas não me entendem 5 1 0,002*
2 - Comunicação relacionada à linguagem e cognição 4 1 0,026*
3 - Comunicação relacionada a cansaço 1 1 0,068
4 - Efeitos da emoção 4 1 0,077
5 - Efeitos em diferentes pessoas 1 1 0,011*
6 - Efeitos em diferentes situações 3 1 0,123
7 - Minhas dificuldades de comunicação prejudicam minhas possibilidades de.... 1 1 0,068
8 - O que você acha que contribui para as mudanças em sua comunicação? 4 1 <0,0001*
9 - Como a minha comunicação está alterada? 3 1 0,046*
10 - Como você percebe mudanças e a possibilidade de mudar seu jeito de falar? 4 1 0,004*
Escore total 148 87 0,005*

*Valor de p significativo - Teste de Mann-Whitney

Entre os aspectos que mais se apresentaram significativos, destacam-se: os aspectos relacionados à fala, em que os pacientes se percebem com fala mais lenta e arrastada, tendo que repetir as palavras para que os outros as entendam; os aspectos da linguagem e cognição; a forma como as pessoas veem e se comunicam com os pacientes com DP; o que os pacientes acreditam que contribua para suas dificuldades de fala e como eles acham que ela está alterada; e a percepção e as possibilidades de mudanças da voz.

DISCUSSÃO

A maioria dos parâmetros da avaliação da disartria revelou resultados semelhantes entre os grupos estudados. Os principais parâmetros que diferenciaram os grupos foram a frequência fundamental e a prosódia.

Ao identificar que a maior parte dos parâmetros estudados foi semelhante entre o grupo de pacientes com DP e o GC, o presente estudo aponta que tais modificações podem estar mais relacionadas ao processo normal de envelhecimento dos aspectos fonoarticulatórios (presbifonia) do que aos aspectos propriamente ditos da disartria em decorrência da DP.

Esses resultados tornam-se relevantes por considerarem que as modificações da fonoarticulação podem ser decorrentes do envelhecimento, especialmente em pacientes com DP nos estágios clínicos iniciais da doença (1 a 3) da escala Hoehn & Yahr( 11 ).

No entanto, o presente estudo revelou que a frequência fundamental e a prosódia estão alterados no grupo de pacientes com DP. Esses dois aspectos podem ser considerados como os principais parâmetros da fonoarticulação que diferenciam os grupos, como também os que representam os primeiros a estarem afetados na DP.

Estudos que correlacionaram a fonoarticulação de pacientes com DP com o estágio da escala de Hoehn & Yahr( 11 ) referem diferentes resultados, desde a ausência de resultados significativos entre pacientes nos estágios iniciais e avançados até estudos que relatam desvios da frequência fundamental de vogais, alteração de velocidade de fala e da intensidade( 14 ).

Dessa forma, é importante ressaltar que alterações fonoarticulatórias não ocorrem somente em decorrência da DP. Durante o processo de senescência, as estruturas laríngeas também são acometidas, ou seja, alterações anatômicas e fisiológicas normais do envelhecimento vão atingir a laringe e estar relacionadas a modificações vocais, que nomeamos de presbifonia. Modificações na qualidade vocal são relativamente comuns entre os idosos. Estudos apontam que aproximadamente 29% das pessoas com idade acima de 66 anos relatam diferentes tipos de problemas vocais( 14 ).

As modificações em decorrência da presbifonia incluem modificações na mucosa da prega vocal, com diminuição da quantidade de fibras elásticas, ocasionando menor elasticidade e diminuição da onda de vibração da prega vocal; calcificação das cartilagens; atrofia muscular; diminuição da transmissão do controle muscular, resultando em instabilidade e tremor vocal; fadiga vocal; rouquidão; e diminuição da intensidade( 15 - 17 ).

Alterações nas análises perceptivo-auditiva e acústica da fonoarticulação também ocorrem no processo de envelhecimento, no qual se observam diminuição dos harmônicos, modificação de coordenação pneumofonoarticulatória, redução do tempo máximo de fonação e ressonância nasal( 15 , 16 , 18 ).

As alterações do processo de envelhecimento justificam as semelhanças entre os grupos nos parâmetros de respiração, fonação, ressonância e articulação (análise perceptivo-auditiva), e intensidade habitual, taxa de elocução, extensão de frequência, tempo máximo fonatório e presença de sub-harmônico.

Porém, estudos realizados em idosos identificam que a voz presbifônica tende a acarretar modificações na frequência habitual, na qual os homens passam a apresentar vozes mais agudas e as mulheres vozes mais graves( 14 ). No presente estudo, o GP, tanto no gênero feminino quanto no masculino, apresentou frequência habitual mais aguda quando comparado ao grupo de sujeitos neurologicamente sadios.

A frequência habitual trata do número de vibrações por segundo das pregas vocais em determinado momento. Ela apresenta relação direta com o comprimento, tensão, rigidez e massa das pregas vocais( 19 ).

A frequência aguda é produzida pelo alongamento das pregas vocais associada a uma vibração rápida da onda da mucosa. Em decorrência da rigidez, um dos aspectos clínicos da DP, pode ocorrer uma ativação constante da musculatura das pregas vocais e, consequentemente, um alongamento dos músculos interaritenoídeos, causando assim a emissão dos sons em uma frequência mais aguda( 20 ).

Além disso, estudos relatam que a elevação da frequência habitual pode ser possível nos pacientes com DP em decorrência do período on da medicação derivada da levodopa, que apresenta discreta melhora nas medidas acústicas( 19 ).

Em relação à prosódia, que consiste no ritmo e na velocidade de fala, articulação, pausas no discurso e variações de intensidade( 4 ), pacientes com DP podem apresentar velocidade de fala variável, sendo acelerada em alguns trechos de emissão, podendo alternar com trechos mais lentos( 20 ). Alterações na velocidade de fala associadas à DP têm sido justificadas por meio da presença de padrões anormais de atividade muscular, redução da amplitude dos movimentos articulatórios, força deficiente e tremor das estruturas orofaciais( 20 , 21 ).

Além disso, outros estudos têm justificado as alterações prosódicas não somente em razão da rigidez muscular mas também em decorrência da disautomonia. A dopamina desempenha papel importante no tronco cerebral na regulação autonômica; sendo este o neurotransmissor afetado na DP, os pacientes podem apresentar alterações tanto nas vias centrais quanto nas periféricas do Sistema Nervoso Autonômico. Ademais, estudos relatam que a levodopa, medicação usual de pacientes com DP, não gera benefícios relevantes na prosódia( 22 , 23 ).

Dessa forma, as alterações na frequência habitual e na prosódia, encontradas no presente estudo, mostraram-se diferentes entre o grupo com DP e o grupo de idosos neurologicamente sadios, e tais alterações podem ser os primeiros achados da disartria em grupo de pacientes com DP nos estágios iniciais.

Assim, o presente estudo destaca a importância da avaliação desses parâmetros em ambos os grupos, podendo auxiliar precocemente a diferenciação de idosos e pacientes com DP.

Ao analisar a prosódia por meio da avaliação da qualidade de vida relacionada à disartria, verificou-se que as impressões relacionadas à fala sofreram grande impacto, principalmente evidenciado na seção um, afirmações "C" e "D", com repercussão na comunicação dos pacientes com DP e consequente necessidade dos pacientes repetirem o que dizem para serem compreendidos (afirmação "1E").

Esses achados demonstram que, por mais que a maioria dos parâmetros estudados seja semelhante entre os grupos, os parâmetros alterados (frequência fundamental e prosódia) proporcionam impacto negativo na QV desses pacientes.

No entanto, não se descarta o fato de os pacientes com DP sofrerem com o diagnóstico de uma doença crônica, neurodegenerativa, incurável e progressiva, o que pode acarretar medo e desespero, refletindo diretamente na QV desses sujeitos( 9 ). Isso pode fazer com que alguns pacientes encarem alguns sinais típicos do envelhecimento como possíveis alterações proporcionadas pela progressão da DP.

Sabe-se que a QV é multidimensional e envolve diversos aspectos, como o grau de satisfação na vida familiar, amorosa, social e ambiental, sendo indiscutível a influência da saúde do indivíduo na avaliação de sua QV( 24 ). Especificamente, no que se trata da comunicação, não somente os aspectos de fala e voz são importantes como também outros aspectos podem estar associados ao impacto negativo da QV na comunicação dos pacientes com DP.

As questões relacionadas à linguagem e à cognição também revelaram impacto negativo na QV para o grupo com DP, como observado na seção dois do instrumento.

Pacientes com DP podem apresentar alterações cognitivas já nas fases iniciais da doença, mesmo com sintomas motores leves( 25 ). Entre os déficits cognitivos mais destacados pelos estudos, encontram-se alterações de memória, atenção, funções executivas, capacidade visuoespacial, linguagem e diminuição da capacidade de abstração. Outros estudos ressaltam que a depressão na DP é apontada como um dos aspectos que mais causam impacto na cognição e exerce grande influência na QV desses pacientes( 26 ).

Durante a senescência, no entanto, alterações em relação à linguagem e à cognição também podem ocorrer, como dificuldades na organização das informações temáticas das narrativas, alterações na recuperação rápida do léxico em situações de nomeação, dificuldades no acesso aos sistemas de informações conceituais e perceptuais (linguísticos e não linguísticos), alterações na memória de trabalho, entre muitos outros( 27 ).

Portanto, não é possível afirmar, no presente estudo, se as alterações de linguagem e cognição são em decorrência da DP ou do processo de envelhecimento, sendo necessária uma investigação mais detalhada dos grupos. Porém, é evidente que tais aspectos influenciaram negativamente na QV de pacientes com DP.

Além disso, outros aspectos estão envolvidos. Com a progressão da doença, alterações na postura e na marcha contribuem para o elevado risco de quedas desses pacientes. Isso levará os pacientes a diminuírem o nível de atividade e a aumentarem o nível de dependência de outras pessoas. A partir desse momento, os pacientes tendem ao isolamento social, em decorrência do medo de sair de casa, permanecendo a maior parte do tempo no ambiente domiciliar e sozinhos, ocasionando, assim, um comprometimento do suporte social, com seus familiares e na relação com a sociedade( 9 ), afastando-os e gerando diferentes reações nas pessoas.

Dessa forma, os possíveis contribuintes para as mudanças na QV, voltada para a comunicação do paciente com DP, podem ser atribuídos ao domínio social (como problemas de relacionamento e com as pessoas do seu ambiente social), dificuldades de mobilidade e nas atividades de vida diária (AVDs), o aumento do risco de quedas, bem-estar emocional, desconforto corporal, cognição e alterações de fonoarticulação( 24 ).

Como abordado nas últimas duas seções do questionário de QV, os pacientes com DP estão insatisfeitos com o modo e com a qualidade de sua comunicação, apresentando necessidade de auxílio de outras pessoas para manter sua função comunicativa. Além disso, apresentam poucas esperanças em relação à melhora na comunicação, voz e fala, uma vez que, a partir do momento que eles têm o diagnóstico e a notícia de uma doença crônica e neurodegenerativa, frustram-se ao saber que o tratamento medicamentoso é paliativo e que não há tratamento capaz de interromper o curso da doença e evitá-la( 28 , 29 ).

Dessa forma, o presente estudo infere que as alterações prosódicas e da frequência habitual nos sujeitos com DP, em conjunto com os problemas físicos, cognitivos, o isolamento social e a percepção de mudança e insatisfação com a comunicação, são fatores determinantes para uma visão negativa da QV.

Especificamente em relação à comunicação, as alterações prosódicas e da frequência habitual mostram-se relevantes, uma vez que, mesmo com os demais parâmetros sendo semelhantes entre os grupos (Parkinson e controle), o GP apresentou impacto mais negativo na QV voltada para comunicação, ou seja, o comprometimento da prosódia e da frequência habitual geram impacto na QV dos sujeitos com DP.

Acrescenta-se que outro dado significativo na avaliação vocal foi a extensão da intensidade, na qual o GP apresentou maior média de extensão. Segundo estudos já realizados, tal achado poderia se justificar pelo fato de os pacientes terem consciência das suas dificuldades e, devido a isso, realizarem maior variação da intensidade como forma de compensar a redução da tessitura vocal( 30 ).

A partir desses resultados, destaca-se a importância da fonoterapia na reabilitação e na QV de pacientes com DP. Ressalta-se também a importância de um planejamento terapêutico interdisciplinar com essa população, uma vez que não somente os aspectos da fonoarticulação interferem na QV voltada para comunicação destes pacientes.

O presente estudo fornece importantes informações a respeito das diferenças entre os aspectos da fonoarticulação em pacientes com DP e o processo normal de envelhecimento e o seu impacto na QV. No entanto, novas pesquisas são necessárias, necessitando da ampliação da amostra estudada e de estudos longitudinais, uma vez que a DP é progressiva.

CONCLUSÃO

A análise acústica e perceptivo-auditiva de indivíduos com DP demostrou parâmetros semelhantes aos presentes no processo normal de envelhecimento. No entanto, a prosódia e a frequência habitual podem ser algumas das primeiras alterações da disartria em pacientes com DP.

Além disso, fica evidente que as questões da comunicação e da fala influenciam negativamente na QV dos sujeitos com DP, sendo a prosódia e a frequência habitual os parâmetros mais relacionados, com outros fatores, como os problemas de linguagem e cognição e socialização.

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