versão impressa ISSN 2595-0118versão On-line ISSN 2595-3192
BrJP vol.1 no.1 São Paulo jan./mar. 2018
http://dx.doi.org/10.5935/2595-0118.20180009
Modalidades que exigem o uso constante do membro superior aumentam as sobrecargas articulares desse segmento, principalmente no complexo do ombro1. Tem sido bem documentado na literatura que os movimentos em alta velocidade, repetição e carga desencadeiam adaptações articulares como desproporção entre as amplitudes de rotação interna e externa do ombro e alterações no posicionamento umeral e escapular1-5. Especificamente a modificação no posicionamento da escápula, denominada discinese escapular, tem sido estudada por apresentar possíveis relações com a presença de dor e lesões no ombro em atletas2,6-8.
Grande parte dos estudos afirmam a relação entre dor/lesão no ombro e discinese escapulaR2,7,9-11. Tais pesquisas asseguram que alterações na cinemática escapular podem resultar em alterações estruturais e funcionais nas articulações glenoumeral e acromioclavicular, diminuição do espaço subacromial, mudanças na ativação dos músculos escapulares e, por consequência, levar a disfunções como síndrome do impacto no ombro, tendinopatias no manguito rotador, instabilidade glenoumeral, entre outras condições. Por outro lado, existe um corpo de evidências que indica que assimetrias escapulares também são observadas em indivíduos assintomáticos e por esta razão, não se pode inferir de forma clara e precisa uma relação de causa-efeito entre dor e discinese, impossibilitando afirmar qual desses fatores precede o outro12-16. Vale ressaltar que boa parte desses estudos12-16 que afirma existir uma relação entre dor e discinese refere-se à população adulta ou atletas de altos níveis de competição, o que possivelmente, pelo gesto motor de repetição e sobrecarga de treinamento podem deixar essa associação mais evidente. Assim, cabe especular se atletas mais jovens, e com menores exigências esportivas, teriam comportamento semelhante aos estudos prévios, porém evidências que suportam essa indagação ainda são insuficientes17,18.
Dessa forma, os objetivos deste estudo foram estimar a prevalência da discinese escapular em atletas amadores jovens, bem como avaliar a possível associação entre discinese escapular e dor no ombro e identificar se essa condição influencia a função do ombro dos atletas adolescentes.
O presente estudo apresenta um delineamento observacional, descritivo e correlacional de corte transversal. A amostra foi composta por adolescentes atletas do sexo masculino, praticantes das seguintes modalidades esportivas: voleibol, natação, handebol, basquete e judô da cidade de Petrolina, PE. Para inclusão no estudo, os voluntários deveriam ter idade entre 10 e 19 anos e ter prática esportiva por no mínimo um ano. Os critérios de exclusão recaíram para aqueles que não entregaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE) assinado pelos representantes legais junto à assinatura do Termo de Assentimento, que se recusaram a realizar os testes e/ou preencheram inadequadamente o questionário.
Foram avaliados 317 adolescentes, com idade entre 10 e 19 anos, de ambos os sexos, selecionados aleatoriamente após procedimento de amostragem probabilística que determinou uma amostra mínima de 290 atletas baseado na representatividade das cinco modalidades. No entanto, a amostra deste estudo foi composta apenas por adolescentes do sexo masculino (n=180), uma vez que as atletas do sexo feminino não se sentiram confortáveis para realizar a avaliação da discinese. Portanto, para fins desta análise, o cálculo do poder amostral foi realizado aposteriori por meio do programaGPower.
Inicialmente, um questionário contendo dados pessoais e esportivos (idade, modalidade esportiva, tempo total de prática esportiva, frequência do treinamento em dias por semana, duração da sessão de treinamento em horas por dia, presença de dor no ombro) foi aplicado. Para verificar a presença ou ausência de dor no ombro, os sujeitos responderam às perguntas do Diagrama do corpo de Corlett19. Além disso, o questionário Quick-DASH (Quick Disability Arm Shoulder Hand) foi aplicado com seu módulo opcional para praticantes de esportes (Quick-DASH opcional). Esse instrumento foi traduzido e validado para adolescentes20 que avalia o membro superior como uma unidade funcional e apresenta consistência interna dea=0,9120. As variáveis antropométricas (massa corporal e estatura) de acordo com a padronização daInternational Society for the Advancement of Kinanthropometry (ISAK) e o índice de massa corporal (IMC) foram calculados por meio da equação IMC = Massa Corporal/ (Estatura)2. Para a classificação do estado nutricional dos adolescentes foram utilizados os critérios sugeridos peloInternational Obesity Task Force (IOTF)21.
A amplitude de movimento de rotação interna do ombro foi mensurada por meio da técnica de movimentação passiva com goniômetro. Para isso, os sujeitos permaneceram em decúbito dorsal com joelhos e quadris fletidos, com braço abduzido e cotovelo fletido a 90º21,22. O eixo do goniômetro estava alinhado no processo do olecrano, o braço fixo de maneira perpendicular ao solo e o móvel paralelo ao processo estiloide da ulna do sujeito. Os critérios de amplitude de movimento final para rotação interna foram a combinação entre sensação final (end feel) e visualização de compensação escapular (tilt anterior). Nos casos dos sujeitos com dor no ombro, o limite de amplitude foi estabelecido pela sensação (relatada ou expressa) inicial de dor. A mensuração foi realizada por um único avaliador. Foram realizadas três medidas em ambos os membros e retirado um valor final a partir da média das angulações. Para cálculo do déficit de rotação interna glenoumeral foi realizada a subtração entre os valores de rotação interna do membro dominante com não dominante. Para categorização dos voluntários com déficit de rotação interna, foi estipulado uma diferença maior que 18° de acordo com Wilk et al.24.
A movimentação escapular foi avaliada pelo método observacional dinâmico. Nesse método, o voluntário foi solicitado a permanecer em posição ortostática e realizar três repetições do movimento bilateral de elevação do braço no plano escapular até 90° graus. A velocidade do movimento foi padronizada em três segundos para fase concêntrica e três segundos para excêntrica por meio do comando verbal dos examinadores. A execução do movimento foi registrada, em vista posterior, por uma filmadora digital com frequência de amostragem de 60 Hz (SONY modelo DCR-SX21), posicionada sobre um tripé com altura de 1,00m em relação ao solo e a uma distância de 2,85m do sujeito. Marcações no solo foram utilizadas para padronizar o posicionamento da filmadora e dos voluntários25.
A categorização do tipo de discinese escapular foi realizada de acordo com as orientações de Kibler et al.26. A visualização da proeminência do angulo inferior da escápula foi interpretada como tipo I; o tipo II representa o aumento na proeminência da borda medial; o tipo III caracterizada pela elevação excessiva do angulo superior; e o tipo IV que indica a ausência de discinese escapular. Uma vez identificada assimetria em vários planos, um avaliador devidamente habilitado classificou a discinese em um desses quatro tipos, com base no padrão predominante13. Em um segundo momento, todos os voluntários classificados com discinese escapular (tipos I ao III) foram agrupados em uma única categoria: "com discinese escapular" e aqueles classificados como tipo IV foram incluídos na categoria "sem discinese escapular"13.
Por fim, para avaliação da estabilidade do membro superior, foi solicitado ao voluntário a execução doClosed Kinetic Chain Upper Extremity Stability Test (CKCUES-Test). Nesse teste, os voluntários assumiram a posição dopush-upcom as mãos apoiadas sobre duas fitas fixadas no solo a uma distância de 36 polegadas (91,4cm). O voluntário deveria se manter nessa posição enquanto realizava alternadamente o movimento de tocar na mão oposta, durante 15 segundos. Três repetições máximas com intervalo de 45 segundos entre as tentativas foram realizadas. Antes da execução do teste, os voluntários realizaram três testes submáximos a fim de familiarizá-los com a tarefa. Um avaliador foi responsável por contar o número de toques e o outro por cronometrar o tempo e informar verbalmente ao primeiro avaliador o início e o fim do teste. A média de toques obtidas foi multiplicada por 68% do peso corporal em quilogramas e dividida por 15 para obtenção do escore de potência do teste27.
Previamente à coleta de dados, foi realizado um teste piloto com 25 adolescentes para verificar o nível de concordância interdias das medidas (com intervalo de uma semana entre as avaliações). Para as variáveis numéricas foi utilizado o teste de Coeficiente de Correlação Intraclasse (CCI) e para a categorização da discinese foi utilizado o índice de Kappa. As variáveis numéricas apresentaram coeficiente para massa corporal e estatura de 0,99, Quick-DASH de 0,81, Quick-DASH opcional 0,73, CKCUES-teste de 0,87 e rotação interna de 0,82 para o ombro direito e 0,91 para o ombro esquerdo. O índice de Kappa para presença ou ausência de discinese escapular foi de 0,99. Todas as medidas indicam uma excelente confiabilidade interdias. Esses 25 voluntários não fizeram parte da amostra final do estudo e o mesmo avaliador que realizou tais medidas foi responsável por realizá-las no estudo maior.
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade de Pernambuco: CAAE 38321114.0.0.0000.5207.
A análise estatística dos dados foi realizada por meio dosoftwareStatistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 20. A descrição dos dados categóricos foi representada pela frequência absoluta e relativa e valores de média/mediana e desvio padrão/amplitude interquartil foram utilizados para descrição dos dados numéricos a depender da normalidade de distribuição dos dados. Para isso, foi realizada a análise inferencial da distribuição dos dados pelo teste de Kolmogorov-Smirnov. Além disso, foram realizados os testes de Qui-quadrado, testetpara amostras independentes e Mann-Whitney a fim de observar as diferenças entre as variáveis analisadas e os indivíduos com e sem discinese escapular. Para verificar a associação entre presença de discinese e as características pessoais, esportivas e presença de dor, foi construído um modelo bivariado de associação entre presença de discinese e cada variável independente, a fim de observar quais variáveis entrariam no modelo (p<0,20). Nessa análise foi utilizada a estimativa da razão de chances (Odds Ratio = OR) e intervalos de confiança de 95%, para expressar o grau de associação entre as variáveis. Em seguida, realizou-se a regressão logística binária a fim de explorar possíveis fatores de confusão e interação, e identificar a necessidade de ajustamento estatístico das análises.
Optou-se por regressão logística binária com estratégia passo a passo para a análise. Somente as variáveis que apresentaram p<0,20 foram inseridas no modelo final. O teste Omnibus e o valor Hosmer-Lemeshow foram analisados para confirmar a validade do modelo. Finalmente, para comparação das medidas da função do ombro em adolescentes com e sem discinese escapular, utilizou-se o teste de Mann-Whitney. Todos os testes considerando um nível de significância inferior a 5%.
Foram incluídos no estudo 180 adolescentes atletas do sexo masculino, no entanto, dois voluntários recaíram nos critérios de exclusão por recusa em realizar a avaliação da discinese escapular, totalizando em uma amostra de 178 indivíduos. O poder amostrala posteriori, baseado no modelo final de regressão logística, indica que para uma=0,05 com quatro preditores no modelo final e R2=0,227, o poder estatístico deste estudo representa 99%. A média de idade foi de 14,58±2,16 anos e os esportes mais praticados pelos adolescentes foram handball e basquete. A descrição dos dados antropométricos, características esportivas e suas respectivas frequências de acordo com a presença ou ausência de discinese escapular é apresentada na tabela 1.
Tabela 1 Características pessoais e esportivas da amostra total e estratificada por ausência e presença de discinese escapular. Valores numéricos representados em média e desvio padrão e categóricos em frequência absoluta e relativa (n=178)
Características pessoais | Total | Sem discinese | Com discinese | Valor de p |
---|---|---|---|---|
Idade (anos) | 14,58 (2,16) | 14,78 (2,26) | 14,44 (2,07) | 0,206 |
Massa corporal (kg) | 63,27 (15,52) | 65,10(15,03) | 61,88 (15,82) | 0,167 |
Estatura (m) | 1,70 (0,12) | 1,70 (0,12) | 1,70 (0,12) | 0,639 |
Índice de massa corporal (kg/m2) | 21,62 (3,92) | 22,39 (3,94) | 21,03 (3,81) | 0,011* |
Características esportivas | ||||
Modalidades | ||||
Basquete | 44 (24,7%) | 13 (16,9%) | 31 (30,7%) | 0,012* |
Handebol | 48 (27,0%) | 21 (27,3%) | 27 (26,7%) | |
Judô | 18 (10,1%) | 7 (9,1%) | 11 (10,9%) | |
Natação | 32 (18,0%) | 14 (18,2%) | 18 (17,8%) | |
Voleibol | 36 (20,2%) | 22 (28,6%) | 14 (13,9%) | |
Tempo de prática | ||||
Há 1 ano | 43 (24,2%) | 25 (32,5%) | 18 (17,8%) | |
Mais de 1 ano | 135 (75,8%) | 52 (67,5%) | 83 (82,2%) | 0,037* |
Anos de prática | 4,76 (2,99) | 4,77 (3,04) | 4,75 (2,98) | 0,980 |
Frequência de treinamento (vezes/semana) | ||||
Até 3 | 135 (75,8%) | 58 (75,3%) | 77 (76,2%) | 1,000 |
Mais de 3 | 43 (24,2%) | 19 (24,7%) | 24 (23,8%) | |
Duração da sessão de treinamento (horas/dia) | ||||
Até 1 hora | 30 (16,9%) | 16 (20,8%) | 14 (13,9%) | 0,308 |
Mais de 1 hora | 148 (83,1%) | 61 (79,2%) | 87 (86,1%) |
*Diferença estatística.
A prevalência de discinese escapular nessa amostra foi de 56,7%. Destes, 46,5% foram classificados com discinese do tipo I, 43,6% com tipo II e 9,9% com tipo III. A tabela 2 revela a associação entre presença de discinese e as variáveis independentes. Apenas as variáveis idade (10 a 14: OR = 2,59; IC 95% = 1,27 - 5,26); IMC (eutrófico: OR = 2,43; IC 95% = 1,16 - 5,09); modalidade (basquete: OR = 3,82; IC 95% = 1,41 -10,35; handball: OR = 2,92; IC 95% = 1,09 -7,80; judô: OR = 4,45; IC 95% = 1,20 -16,52 e natação: OR = 2,95; IC de 95% = 0,96 - 9,05); e tempo de prática e duração da sessão (OR = 0,23; IC 95% = 0,08 - 0,66) permaneceram no modelo final. Nenhuma variável de confusão foi encontrada. A validade do modelo foi confirmada com o teste Omnibus (p=0,001) com poder explicativo de 89% pela Hosmer-Lemeshow.
Tabela 2 Associação das variáveis independentes com a presença de discinese escapular em adolescentes atletas (n=178)
Variáveis independentes | Presença de discinese n (%) | Ausência de discinesen (%) | OR bivariado[IC 95%] | OR multivariado[IC95%] | |
---|---|---|---|---|---|
Idade (anos) | |||||
10 a 14 | 51 (50,5) | 29 (37,7) | 1,69 | [0,92 - 3,09] | 2,59 [1,27-5,26] |
15 a 19 | 50 (49,5) | 48 (62,3) | 1 | ||
Índice de massa corporal | |||||
Abaixo do peso | 7 (6,9) | 1 (1,3) | 8,46 | [0,97 - 73,64] | 2,43 [1,16 - 5,09] |
Eutrófico | 70 (69,3) | 47 (61,0) | 1,8 | [0,94 - 3,47] | |
Acima do peso | 24 (23,8) | 29 (37,7) | 1 | ||
Modalidade | |||||
Basquete | 31 (30,7) | 13 (16,9) | 3,75 | [1,48 - 9,52] | 3,82[1,41-10,35] |
Handebol | 27 (26,7) | 21 (27,3) | 2,02 | [0,84 - 4,87] | 2,92[1,09-7,80] |
Judô | 11 (10,9) | 7 (9,1) | 2,47 | [0,77 - 7,88] | 4,45[1,20-6,52] |
Natação | 18 (17,8) | 14 (18,2) | 2,02 | [0,77 - 5,32] | 2,95 [0,96-9,05] |
Voleibol | 14 (13,9) | 22 (28,6) | 1 | ||
Tempo de prática | |||||
Há 1 ano | 18 (17,8) | 25 (32,5) | 0,45 | [0,22 - 0,91] | |
Mais de 1 ano | 83 (82,2) | 52 (67,5) | 1 | ||
Frequência de treinamento | |||||
Até 3 vezes | 77 (76,2) | 58 (75,3) | 1,05 | [0,53 - 2,10] | 0,23[0,08-0,66]* |
Mais de 3 | 24 (23,8) | 19 (24,7) | 1 | ||
Duração da sessão (horas/dia) | |||||
Até 1 hora | 14 (13,9) | 16 (20,8) | 0,61 | [0,28 - 1,35] | |
Acima de 1 hora | 87 (86,1) | 61 (79,2) | 1 | ||
Dor no ombro | |||||
Não | 46 (45,5) | 33 (42,9) | 1,12 | [0,61 - 2,03] | |
Sim | 55 (54,5) | 44 (57,1) | 1 | ||
DRIG | |||||
Ausência | 92 (91,1) | 67 (87,0) | 1,70 | [0,67 - 4,34] | |
Presença | 9 (8,9) | 10 (13,0) | 1 |
*Valor gerado a partir da interação "Duração por Frequência"; DRIG = déficit de rotação interna glenoumeral.
A comparação entre as variáveis de função do membro superior e a discinese escapular pode ser observada na tabela 3. Não foram encontradas diferenças estatísticas entre os grupos.
Tabela 3 Mediana (amplitude interquartil) das medidas de função do ombro entre adolescentes com e sem discinese escapular (n=178)
Medida de função | Com discinese | Sem discinese | Valor de p |
---|---|---|---|
Quick - DASH | 6,80 (9,10) | 9,10 (11,30) | 0,288 |
Quick - DASH Opcional | 0,00 (12,50) | 0,00 (12,50) | 0,979 |
CKCUES-test | 69,20 (35,60) | 60,40 (25,40) | 0,079 |
Déficit rotação interna | 8 (8) | 9,00 (10,00) | 0,563 |
Quick-DASH = Quick Disability Arm Shoulder Hand; CKCUES-Test = Closed Kinetic Chain Upper Extremity Stability Test.
As divergências a respeito da relação entre discinese e dor no ombro motivaram a realização deste estudo. Os resultados indicam que para uma população de atletas adolescentes com nível esportivo amador, a prevalência de discinese é alta, no entanto não está associada à dor e parece não afetar as medidas de função do membro superior.
Embora alguns estudos defendam a relação ente dor/lesão e discinese escapulaR2,7-11, mais da metade da atual amostra (56,7%) apresentou alterações na movimentação escapular sem, no entanto, apresentar associação com dor no ombro. Os resultados deste estudo corroboram os de Oliveira et al.28 que analisaram atletas masculinos amadores com síndrome de incidente no ombro e observaram que não houve associação entre discinese e dor no ombro. Em acréscimo, Uhl et al.13 analisaram a presença de discinese escapular por meio do método observacional e cinemático 3D entre grupos com e sem dor no ombro. Os autores revelam que as prevalências de discinese entre os dois grupos foram semelhantes e concluem que a presença dessa condição não deve ser considerada um sinal patológico, mas sim um mecanismo compensatório para os indivíduos que utilizam intensamente o membro superior. Além disso, é sugerido que a presença de assimetria não deve ser o único fator que determina a significância clínica da discinese escapular e que assimetrias bilaterais são frequentes. Dessa forma, especula-se que a discinese escapular em atletas amadores possa estar mais atribuída às atitudes de adaptação do gesto esportivo do que à presença de dor propriamente dita.
De fato, a carência de estudos longitudinais dificulta o discernimento se as alterações observadas no movimento escapular são atitudes compensatórias de uma lesão já instalada ou se o movimento descoordenado resulta em mecanismos lesivos. Nessa perspectiva, Myers, Oyama e Hibberd16 propuseram avaliar prospectivamente se a discinese escapular identificada na pré-temporada de atletas adolescentes de beisebol poderia ser um fator que predispõe ao risco de lesões no ombro em atletas, e puderam concluir que a presença de discinese não aumenta o risco de ocorrência de lesões no membro superior.
Fatores esportivos estão associados com a presença de alterações escapulares. No presente estudo foi possível observar que atletas adolescentes têm maiores chances de serem classificados com discinese conforme o maior volume de treinamento, e de uma forma geral, as modalidades esportivas também aumentam a probabilidade dos indivíduos apresentarem discinese. Adolescentes que treinam em menor magnitude (até três vezes na semana com duração inferior a uma hora diária) apresentam 64% menos chance de apresentar discinese escapular. No mesmo sentido, Madsen et al.15 propuseram avaliar a evolução da prevalência de discinese escapular durante uma única sessão de treinamento em jovens atletas de elite (14 a 22 anos) assintomáticos. Os autores utilizaram o método observacional para avaliar a ocorrência da discinese antes, e aos 25, 50, 75 e 100 minutos de treinamento. Seus resultados mostraram uma prevalência acumulada de discinese de 82% no último intervalo da sessão (100 minutos de treino), e sugerem que a discinese escapular pode ser resultado de fadiga muscular como consequência do alto volume de treinamento15.
Também foi constatado no presente estudo que as medidas de função do ombro são semelhantes entre os atletas com e sem discinese escapular. A presença dessa condição não foi suficiente para refletir em comprometimento funcional do membro superior de acordo com os questionários aplicados. Além disso, os valores de potência do CKCUES-teste e o déficit de rotação interna, condições que estão relacionadas com a presença de dor no ombro em estudos anteriores3,24,27 não foram diferentes entre os grupos com e sem discinese escapular. Sendo assim, especula-se que alterações funcionais podem estar ligadas à queixa álgica e não à modificação no posicionamento escapular. No entanto, a ausência de estudos a respeito da influência da discinese escapular sobre indicadores de função do membro superior em adolescentes atletas limita a discussão aprofundada desses resultados.
Uma vez que as habilidades motoras podem ser influenciadas por fatores como força, flexibilidade e resistência muscular, e essas são aperfeiçoadas com o decorrer da idade, diferenças cinemáticas na escápula e na ação muscular são encontradas em crianças e adolescentes atletas comparado aos adultos17,18,29. Na presente amostra, os atletas mais jovens (10 a 14 anos) tiveram 159% mais chances de ter discinese. Isso reforça a hipótese de que a discinese escapular em adolescentes pode ser, mais uma vez, atribuída a ações compensatórias através do gesto motor no esporte combinado com a imaturidade nas habilidades motoras. No entanto, o aparecimento de uma dor a médio ou longo prazo, como resultado dessa disritmia escapular é ainda um questionamento limitado e inconclusivo.
Na atual amostra, os adolescentes abaixo do peso e eutróficos, apresentaram maiores chances de serem classificados com discinese escapular. Esses resultados podem não estar atrelados às características antropométricas propriamente ditas, mas sim às limitações de instrumento proposto para análise da discinese escapular. Por tratar-se de um método visual, Uhl et al.13 confirmam a dificuldade em observar com precisão os movimentos escapulares sob o músculo subjacente e tecidos moles. Implica-se, portanto, que indivíduos que apresentam menos tecido adjacente à escapula, seja subcutâneo ou muscular, permitem melhor visualização das proeminências ósseas, o que tenha justificado as altas chances de identificação de discinese nesses indivíduos no atual estudo. Embora o método observacional apresente algumas limitações, ele é considerado o mais aplicável para a prática clínica e esportiva e apresenta boa confiabilidade e validade comparado com o método de análise cinemática 3D13,16.
O presente estudo preocupou-se em reduzir possíveis vieses diante das limitações encontradas. O delineamento transversal é um fator que restringe maiores conclusões a respeito da causa-efeito, no entanto as informações obtidas por meio de uma amostra com representatividade podem servir de subsídio para futuros estudos com desenhos longitudinais em adolescentes. Outra limitação refere-se à extrapolação dos resultados encontrados, a qual é direcionada a atletas adolescentes de nível amador do sexo masculino das modalidades avaliadas. Esta segunda limitação oferece campo para estudo com ambos os sexos e/ou com diferentes níveis esportivos. Outras variáveis, que não foram mensuradas neste estudo, também poderiam ter tido influência na discinese escapular, como a força do manguito rotador ou a movimentação cervicotorácica. Assim, nem todas as variáveis potenciais foram ou não puderam ser medidas, mas pode haver evidências de sua associação com discinese. Por fim, outra limitação está relacionada a não ter estabelecido um momento de ocorrência de sintoma da dor no ombro. No presente estudo, foram analisadas qualquer ocorrência de dor no ombro durante a vida do indivíduo, o que pode ter superestimado os resultados.
A discinese escapular não está associada à dor e não altera as medidas de função no ombro em atletas adolescentes amadores. Os esportes específicos para membros superiores, idade e volume de treinamento podem aumentar as chances de movimentação da escápula, assim, a presença de discinese pode ser atribuída aos mecanismos compensatórios do gesto do motor e não necessariamente à dor no ombro.