versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.3 São Paulo mar. 2020 Epub 07-Fev-2020
https://doi.org/10.36660/abc.20190091
Uma proporção considerável de pacientes apresenta níveis discordantes de colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL) e de não alta densidade (não HDL).
Avaliar a relação da discordância entre colesterol LDL e não HDL com a gravidade da doença arterial coronariana (DAC).
Avaliamos retrospectivamente os dados de 574 pacientes submetidos consecutivamente à angiografia coronariana. Foram registrados os perfis lipídicos séricos em jejum, e depois foram calculados os escores SYNTAX e Gensini para estabelecer a complexidade e a gravidade da DAC. Determinamos as medianas para colesterol LDL e não-HDL para examinar a discordância entre ambos. Discordância foi definida como LDL maior ou igual à mediana e não-HDL menor que mediana; ou LDL menor que a mediana e não-HDL maior ou igual à mediana. Valor de p < 0,05 foi aceito como estatisticamente significante.
Os níveis de colesterol LDL estiveram forte e positivamente correlacionados com os níveis de colesterol não-HDL (r = 0,865, p < 0,001), mas 15% dos pacientes apresentaram discordância entre LDL e não-HDL. A porcentagem de pacientes com escore Gensini ou SYNTAX zero não diferiu entre os grupos discordantes ou concordantes (p = 0,837, p = 0,821, respectivamente). Escores médios de Gensini e SYNTAX, porcentagem de pacientes com escore Gensini ≥ 20 e SYNTAX > 22 não foram diferentes de grupo para grupo (p = 0,635, p = 0,733, p = 0,799, p = 0,891, respectivamente). Além disso, não houve correlação estatisticamente significativa entre os escores de cholesterol LDL e Gensini ou SYNTAX em nenhum dos grupos discordantes ou concordantes. Também não foi encontrada correlação entre cholesterol não HDL e escore Gensini ou SYNTAX.
Embora tenha havido discordância entre colesterol LDL e não-HDL (15% dos pacientes), não há diferença quanto à gravidade e complexidade da DAC entre os grupos discordantes e concordantes.
Palavras-chave: Doença da Artéria Coronariana,/fisiopatologia; Aterosclerose; Lipoproteinas LDL; Lipoproteinas HDL; Discordância
A sizeable proportion of patients have discordant low-density lipoprotein cholesterol (LDL-C) and non-high-density lipoprotein cholesterol (non-HDL-C).
We assessed the relationship between discordance of LDL-C and non-HDL-C and coronary artery disease (CAD) severity.
We retrospectively evaluated the data of 574 consecutive patients who underwent coronary angiography. Fasting serum lipid profiles were recorded, SYNTAX and Gensini scores were calculated to establish CAD complexity and severity. We determined the medians for LDL-C and non-HDL-C to examine the discordance between LDL-C and non-HDL-C. Discordance was defined as LDL-C greater than or equal to the median and non-HDL-C less than median; or LDL-C less than median and non-HDL-C greater than or equal to median. A p value < 0.05 was accepted as statistically significant.
LDL-C levels were strongly and positively correlated with non-HDL-C levels (r = 0.865, p < 0.001) but 15% of patients had discordance between LDL-C and non-HDL-C. The percentage of patients with a Gensini score of zero or SYNTAX score of zero did not differ between discordant or concordant groups (p = 0.837, p = 0.821, respectively). Mean Gensini and SYNTAX scores, percentage of patients with Gensini score ≥20 and SYNTAX score >22 were not different from group to group (p = 0.635, p = 0.733, p = 0.799, p = 0.891, respectively). Also, there was no statistically significant correlation between LDL-C and Gensini or SYNTAX scores in any of the discordant or concordant groups. Additionally, no correlation was found between non-HDL-C and Gensini or SYNTAX score.
While there was discordance between LDL-C and non-HDL-C (15% of patients), there is no difference regarding CAD severity and complexity between discordant and concordant groups.
Keywords: Coronary Artery Disease/physiopathology; Atherosclerosis; Lipoproteins, LDL; Lipoproteins, HDL; Discordance
O colesterol de lipoproteína de baixa densidade (LDL) é um fator de risco tanto para doença cardíaca coronária de início recente como para eventos coronarianos recorrentes.1 O principal objetivo da terapia hipolipemiante é prevenir eventos ateroscleróticos.1,2 No entanto, apesar da obtenção de baixos níveis de colesterol LDL com tratamento ou baixos níveis basais de LDL sem tratamento, alguns pacientes ainda têm eventos adversos.3
A lipoproteína de não alta densidade (não HDL) contém colestrol em todas as partículas lipídicas aterogênicas potenciais, incluindo LDL, lipoproteína de densidade intermediária e lipoproteína de densidade muito baixa (VLDL). Alguns estudos sugerem que o colesterol não-HDL é um preditor mais preciso de mortalidade por doenças cardiovasculares do que o LDL.4-6 A recomendação é reduzir o colesterol não-HDL como meta secundária para redução de lipídios.1,2 Mas nem todos os pacientes têm níveis concordantes de LDL e não-HDL. Estudos demonstraram que uma proporção considerável de pacientes apresenta baixo colesterol LDL e alto não-HDL, ou alto colesterol LDL e baixo não-HDL.7,8
Ainda não está claro se a discordância entre os níveis de colesterol LDL e não-HDL prediz a gravidade e o prognóstico da doença arterial coronariana (DAC). Portanto, detectamos a discordância entre LDL e não-HDL e avaliamos a relação entre essa discordância e a gravidade da DAC em pacientes submetidos a angiografia coronariana.
Este estudo retrospectivo avaliou dados de 892 pacientes submetidos a angiografia coronariana entre janeiro de 2017 e junho de 2018 em nosso laboratório de angiografia por suspeita de doença arterial coronariana estável. Dentre esses, 318 foram excluídos; 3 tinham dados incompletos, 8 apresentavam valores ausentes para qualquer medida lipídica, 6 apresentavam doença inflamatória sistêmica, insuficiência renal ou hepática, hipo/hipertireodismo ou malignidade e 301 tinham história prévia de revascularização coronariana. Por fim, incluímos os dados de 574 pacientes em nossa análise. Os parâmetros clínicos avaliados foram idade, sexo e fatores de risco coronariano. Hipertensão foi definida como pressão arterial sistólica ≥ 140 mmHg e/ou pressão arterial diastólica ≥ 90 mmHg e/ou tratamento em andamento com medicamentos anti-hipertensivos. Os pacientes foram considerados diabéticos se tivessem recebido esse diagnóstico antes do estudo e usassem medicação oral para diabetes ou fizessem tratamento com insulina no momento de admissão no estudo. O índice de massa corporal (IMC) foi calculado como peso corporal em quilogramas dividido pela altura ao quadrado em metros (kg/m2).
Os angiogramas diagnósticos baseline dos pacientes foram avaliados independentemente por dois cardiologistas intervencionistas experientes, cegos para os parâmetros lipídicos dos pacientes. O escore SYNTAX para cada paciente foi calculado através da pontuação de todas as lesões coronárias produzindo estenose ≥ 50% de diâmetro nos vasos ≥ 1,5 mm, usando o algoritmo SYNTAX, disponível no site da SYNTAX. O escore Gensini foi calculado atribuindo-se um escore de gravidade a cada estreitamento coronário com base no grau de estenose luminal e sua localização.9 Reduções no diâmetro luminal de 25%, 50%, 75%, 90%, 99% e oclusão total receberam escores 1, 2, 4, 8, 16 e 32, respectivamente.
O escore foi então multiplicado por um fator que simbolizava o significado funcional da área miocárdica suprida por esse segmento, ou seja, 5 para a artéria principal esquerda, 2,5 para a artéria descendente anterior proximal esquerda ou artéria circunflexa proximal, 1,5 para a artéria mediana anterior esquerda artéria descendente, 1 para a artéria descendente anterior distal esquerda, artéria coronária direita e artéria marginal obtusa, e 0,5 para todas as outras áreas. Em caso de desacordo em relação aos escores SYNTAX ou Gensini, um observador adicional foi consultado e a decisão final foi tomada por consenso. Escore SYNTAX baixo foi definido como ≤ 22 e escores SYNTAX intermediários e altos como > 22.10 Pacientes com escore Gensini ≥ 20 foram clasificados com DAC grave, equivalente a estenose de 70% ou mais na artéria descendente anterior proximal esquerda.11
As medições lipídicas foram realizadas em amostras de sangue coletadas dos pacientes em jejum antes da angiografia. As concentrações plasmáticas de colestrol total, LDL, HDL e triglicerídeos foram medidas por um Analisador Clínico de Bioquímica (Abbott Architect c 8000). O método colorimétrico enzimático foi utilizado para determinação quantitativa do colestrol total. O método colorimétrico terminal foi utilizado para determinação quantitativa do colesterol HDL. O colesterol LDL foi medido pelo método quantitativo colorimétrico. O método glicerol-fosfato oxidase foi utilizado para determinação quantitativa do nível de triglicerídeos. O colesterol não-HDL foi calculado subtraindo-se o nível HDL do colestrol total.
As variáveis categóricas foram expressas em números e porcentagens. A distribuição das variáveis contínuas foi considerada normal ou não com base no teste de Kolmogorov-Smirnov. Salvo indicação contrária, os dados contínuos foram descritos como média ± desvio padrão para distribuições normais e mediana (intervalo interquartil) para distribuições distorcidas. Primeiro, determinamos as medianas para colesterol LDL e não-HDL, para examinar a discordância entre elas. Categorizamos os pacientes em grupos de acordo com níveis inferiores, maiores ou iguais às medianas de colesterol LDL e não-HDL. Como não há um valor de corte padrão para discordância, escolhemos a mediana para definir a discordância e facilitar a aplicação na população estudada. Discordância foi definida como colesterol LDL maior ou igual à mediana e não-HDL menor que mediana; ou LDL menor que a mediana e não-HDL maior ou igual à mediana. Os grupos concordantes foram definidos como LDL e não-HDL maiores ou iguais à mediana, ou LDL e não-HDL menores que a mediana.
As diferenças entre as características baseline dos pacientes nessas categorias foram analisadas por meio do teste do qui-quadrado para comparar variáveis categóricas e o one-way ANOVA para comparar médias de medidas contínuas. O teste de Fisher Least Significant Difference (LSD) foi utilizado para comparações binárias. A correlação de Pearson foi usada para examinar a correlação entre variáveis contínuas, incluindo os escores de colesterol LDL, não-HDL, Gensini e SYNTAX na amostra. A correlação de Spearman foi usada para examinar as correlações desses parâmetros entre grupos concordantes e discordantes. A análise dos dados foi realizada no software SPSS for Windows, versão 22.0 (SPSS Inc., Chicago, IL, Estados Unidos). Valor de p < 0,05 foi aceito como estatisticamente significativo.
A idade média da população estudada foi 61,1 ± 11,4 anos e 57,5% dos 574 pacientes eram do sexo masculino. As características baseline são apresentadas na Tabela 1. Quase 50% dos pacientes tinham hipertensão, 30% diabetes mellitus, 32% histórico de tabagismo e um terço dos pacientes estavam em tratamento com estatina. O nível de colesterol LDL médio foi de 117,4 ± 38,3 mg/dl e o não-HDL foi 156,7 ± 46,8 mg/dl. A diferença média entre colesterol não-HDL e LDL foi de 39,2 ± 23,6 mg/dl. Pacientes com grande diferença entre os grupos não-HDL e LDL eram do sexo feminino, estavam em terapia com estatinas em menor proporção e tinham mais diabetes mellitus e altos níveis de triglicerídeos. O escore Gensini médio foi 25,3 ± 39,6, e a mediana foi 12 (0-191); o escore SYNTAX médio foi 7,1 ± 11,2 e a mediana foi 4 (0-53).
Características | |
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Características clínicas | |
Sexo masculino (%) | 57,5 |
Idade em anos (média ± desvio-padrão) | 61,1 ± 11,4 |
Tabagismo (%) | 32,1 |
Hipertensão (%) | 49,6 |
Diabetes (%) | 30,1 |
IMC (kg/m2) (média ± desvio-padrão) | 28,8 ± 4,1 |
Uso de estatina na admissão (%) | 33,3 |
Análise bioquímica (média ± desvio-padrão) | |
Colesterol total (mg/dl) | 198,5 ± 49,1 |
LDL (mg/dl) | 117,4 ± 38,2 |
HDL (mg/dl) | 41,8 ± 11,3 |
Triglicérides (mg/dl) | 163,2 ± 84,2 |
Não-HDL (mg/dl) | 156,7 ± 46,8 |
Glucose em jejum (mg/dl) | 114,6 ± 40,9 |
Creatinina (mg/dl) | 0,95 ± 0,48 |
Gravidade da DAC | |
Escore Gensini médio | 25,3 ± 39,6 |
Escore Gensini mediano (intervalo interquartil) | 12 (31,1) |
Escore SYNTAX médio | 7,1±10,2 |
Escore SYNTAX mediano (intervalo interquartil) | 4 (11,0) |
DAC: doença arterial coronariana; LDL: colesterol de lipoproteína de baixa densidade; HDL: colesterol de lipoproteína de alta densidade; Não‑HDL: colesterol de lipoproteína de densidade não-alta; IMC: índice de massa corporal.
Os níveis de LDL estiveram forte e positivamente correlacionados com os níveis de não-HDL (r = 0,865, p < 0,001), mas houve discordância entre ambos. Essa discordância foi encontrada em 15% dos pacientes. A magnitude da discordância e distribuição dos níveis de colesterol LDL e não-HDL de acordo com as medianas são mostradas na Figura 1. O colesterol não-HDL foi correlacionado com o triglicerídeo (TG) (r = 0,431, p < 0,001). O escore Gensini foi fortemente correlacionado com o escore SYNTAX (r = 0,927, p < 0,001). Porém, nem o escore Gensini nem o SYNTAX foram correlacionados com colesterol LDL (p = 0,9 e p = 0,9, respectivamente). Os escores também não foram correlacionados com o colesterol não-HDL (p = 0,4 e p = 0,4, respectivamente).
Para avaliar melhor as características dos pacientes com discordância e concordância entre colesterol LDL e não-HDL, classificamos os pacientes em 4 subgrupos. Grupo 1: LDL < mediana e não-HDL < mediana, grupo 2: LDL < mediana e não-HDL ≥ mediana, grupo 3: LDL ≥ mediana e não-HDL < mediana, grupo 4: LDL ≥ mediana e não-HDL ≥mediana. Os grupos 2 e 3 foram grupos discordantes (Tabela 2).
LDL < mediana não-HDL < mediana n = 245 (grupo 1) |
LDL < mediana não-HDL ≥ mediana n = 43 (grupo 2) |
LDL ≥ mediana não-HDL < mediana n = 43 (grupo 3) |
LDL ≥ mediana não-HDL ≥ mediana n = 243 (grupo 4) |
Valor de p | |
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Idade (anos) | 62,0 ± 12,5 | 58,6 ± 11,7 | 61,4 ± 10,8 | 60,7 ± 10,2 | 0,266 |
Sexo feminino (%) | 35,9 | 41,9 | 44,2 | 49,0 | 0,036 |
Tabagismo (%) | 34,3 | 30,2 | 30,2 | 30,6 | 0,818 |
Hiperensão (%) | 50,6 | 53,5 | 41,9 | 49,2 | 0,704 |
Diabetes (%) | 34,7 | 46,5 | 20,9 | 24,3 | 0,004 |
Tratamento com estatina (%) | 45,3 | 18,6 | 30,2 | 24,4 | 0,001 |
IMC (kg/m2) | 28,5 ± 4,0 | 29,1 ± 4,9 | 29,1 ± 3,0 | 29,0 ± 4,2 | 0,501 |
Colesterol total (mg/dl) | 156,4 ± 27,2 | 208,2 ± 20,4 | 190,1 ± 16,8 | 240,7 ± 35,3 | < 0,001a,b,c,d,e,f |
LDL (mg/dl) | 84,2 ± 18,9 | 103,0 ± 11,3 | 126,6 ± 8,5 | 151,8 ± 26,8 | < 0,001a,b,c,d,e,f |
HDL (mg/dl) | 40,1 ± 11,7 | 36,1 ± 9,5 | 46,6 ± 13,4 | 43,7 ± 10,1 | < 0,001a,b,c,d,e, f |
Não-HDL (mg/dl) | 116,4 ± 23,4 | 172,1 ± 19,2 | 143,4 ± 13,1 | 197,0 ± 34,6 | < 0,001a,b,c,d,e,f |
Triglicérides (mg/dl) | 132,0 ± 81,6 | 256,1 ± 118,3 | 127,8 ± 60,4 | 184,5 ± 96,5 | < 0,001a,,c,d,e,f |
Glicose em jejum (mg/dl) | 121,1 ± 50,4 | 119,4 ± 40,4 | 107,4 ± 20,9 | 108,5 ± 30,9 | 0,003 b,c |
Escore Gensini médio | 24,7 ± 38,1 | 28,2 ± 36,4 | 18,7 ± 28,1 | 26,5 ± 40,1 | 0,635 |
Escore SYNTAX médio | 7,1 ± 11,2 | 6,7 ± 11,3 | 5,4 ± 9,3 | 7,4 ± 11,6 | 0,733 |
Escore Gensini = 0 (%) | 24,9 | 30,2 | 23,3 | 23,9 | 0,837 |
Escore SYNTAX = 0 (%) | 55,1 | 60,5 | 58,1 | 54,3 | 0,821 |
Escore Gensini ≥ 20 (%) | 34,7 | 27,9 | 30,2 | 34,2 | 0,799 |
Escore SYNTAX > 22 (%) | 13,5 | 9,3 | 11,6 | 12,8 | 0,891 |
Dados expressos em porcentagem para variáveis categóricas; teste qui-quadrado foi utilizado. Dados expressos em média±desvio-padrão para variáveis contínuas; one-way ANOVA; Valores de p estatisticamente significativos estão em negrito. O teste LSD foi realizado para comparações binárias entre os grupos e o valor de p foi fixado em 0,05. Foram encontradas diferenças significativas entre a) grupo I e grupo II, b) grupo I e grupo III, c) grupo I e grupo IV, d) grupo II e grupo III, e) grupo II e grupo IV, f) grupo III e grupo IV. LDL: colesterol de lipoproteína de baixa densidade; HDL: colesterol de lipoproteína de alta densidade; Não-HDL: colesterol de lipoproteína de densidade não-alta; IMC: índice de massa corporal.
As variáveis idade, IMC, histórico de tabagismo e porcentagem de pacientes com hipertensão não foram diferentes entre os grupos. As porcentagens de pacientes com diabetes mellitus e em tratamento com estatina foram significativamente diferentes entre os grupos (p = 0,004 e p < 0,001, respectivamente). O grupo 2 (LDL < mediana e não-HDL ≥ mediana) teve a maior prevalência de diabetes mellitus e a menor de tratamento em andamento com estatina. A porcentagem mais alta de pacientes em tratamento com estatina foi do grupo 1 (LDL < mediana e não-HDL < mediana).
O sexo foi significativamente diferente de um grupo a outro (p = 0,036). O grupo 1 teve a menor porcentagem de mulheres (LDL < mediana e não-HDL < mediana), enquanto o grupo 4 teve a maior (LDL ≥mediana e não-HDL ≥ mediana). O colesterol total e o LDL estiveram presentes em altas proporções nos grupos com LDL ≥ mediana e não-HDL ≥ mediana, mas os níveis de triglicerídeos foram os mais altos no grupo com LDL < mediana e não-HDL ≥ mediana (p < 0,001, p < 0,001 e p < 0,001, respectivamente).
A porcentagem de pacientes com escore Gensini ou SYNTAX igual a zero não diferiu entre os grupos (p = 0,837 e p = 0,821, respectivamente). Os escores Gensini e SYNTAX médios, a porcentagem de pacientes com escore Gensini ≥ 20 e SYNTAX > 22 também não diferiram entre grupos (p = 0,635, p = 0,733, p = 0,799 e p = 0,891, respectivamente). Também não houve correlação estatisticamente significativa entre o colesterol LDL e o escore Gensini ou SYNTAX em nenhum dos quatro subgrupos. Também não foi encontrada correlação entre colesterol não-HDL e os escores Gensini ou SYNTAX nos subgrupos (Tabela 3).
LDL < median Não-HDL < mediana n = 245 (grupo 1) |
LDL < median Não-HDL ≥ mediana n = 43 (grupo 2) |
LDL ≥ median Não-HDL < mediana n = 43 (grupo 3) |
LDL ≥ median Não-HDL ≥ mediana n = 243 (grupo 4) |
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Escore Gensini | Escore SYNTAX | Escore Gensini | Escore SYNTAX | Escore Gensini | Escore SYNTAX | Escore Gensini | Escore SYNTAX | |
LDL | r = 0,118 | r = 0,101 | r = 0,088 | r = 0,18 | r = 0,127 | r = 0,029 | r = 0,031 | r = 0,002 |
p = 0,064 | p = 0,115 | p = 0,577 | p = 0,910 | p = 0,418 | p = 0,853 | p = 0,635 | p = 0,972 | |
Não-HDL | r = 0,046 | r = 0,031 | r = 0,190 | r = 0,165 | r = 0,104 | r = 0,183 | r = 0,025 | r = 0,034 |
p = 0,469 | p = 0,624 | p = 0,221 | p = 0,290 | p = 0,506 | p = 0,240 | p = 0,694 | p = 0,596 |
LDL: colesterol de lipoproteína de baixa densidade; HDL: colesterol de lipoproteína de alta densidade; Não-HDL: colesterol de lipoproteína de densidade não-alta.
No presente estudo, avaliamos a associação transversal entre gravidade/complexidade da DAC e discordância entre os níveis de colesterol LDL e não-HDL. Embora houvesse discordância entre colesterol LDL e não-HDL em pacientes submetidos a angiografia coronariana (15% da amostra), não houve diferença quanto à gravidade e complexidade da DAC entre os grupos discordantes e concordantes.
O colesterol não-HDL representa o conteúdo de colesterol de todas as lipoproteínas aterogênicas circulantes e não é influenciado pelas condições de jejum. Vários estudos indicaram que se trata de melhor preditor de risco cardiovascular e mortalidade que o LDL.4,5,12,13 Também foi relatado que o colesterol não-HDL esteve mais associado a eventos cardiovasculares do que o LDL em pacientes utilizando estatina.3,14 Existem algumas explicações para esses achados. Em primeiro lugar, o colesterol não-HDL inclui colesterol VLDL e LDL, e o VLDL também é aterogênico.15,16 Em segundo lugar, o não-HDL é uma medida indireta das partículas de LDL (LDL-p), e o risco aterosclerótico relacionado ao LDL é mais bem determinado pelo nível de LDL-p.17-19 Finalmente, o não-HDL está correlacionado com a apolipoproteína B (ApoB).20 As lipoproteínas portadoras de ApoB iniciam e mantêm o processo aterosclerótico dentro da parede arterial, de modo que o número total de partículas de ApoB é um determinante crítico do risco cardiovascular.5,21-23 Para calcular o colesterol não HDL, nenhuma medida adicional além dos parâmetros lipídicos de rotina é necessária; portanto, não há despesas adicionais, uma vantagem do colesterol não HDL em relação à ApoB.
O LDL-p pode ser empobrecido ou enriquecido com colesterol. Essa variação causa discordância entre LDL e não-HDL. A taxa de discordância em nosso estudo é semelhante à de estudos anteriores. Em um estudo com 27.533 participantes, houve 11,6% de discordância e, em outro com 1.757 pacientes, 14,6%.7,8 Também em estudo realizado com aproximadamente 1,3 milhão de adultos, a taxa de discordância foi semelhante (15%), principalmente com níveis mais baixos de LDL.24 A discordância é alta entre indivíduos com alto nível de triglicerídeos, HDL mais baixo, disglicemia e obesidade.7,25,26
O risco coronariano foi subestimado ou superestimado pelo colesterol LDL em indivíduos com discordância.7 Tanto o LDL quanto o não-HDL e a discordância com eventos cardiovasculares futuros foram avaliados em vários estudos. No entanto, dados sobre parâmetros lipídicos ou discordância que predizem com precisão a gravidade ou complexidade da aterosclerose coronariana são limitados e controversos.
Em estudo realizado por Budde et al.,27 não houve relação entre colesterol LDL e número, gravidade e extensão das lesões coronárias.27 Além disso, não houve relação entre o LDL e o volume da placa coronariana, doença coronariana principal de 3 vasos ou esquerda e estenose coronariana grave.28 No estudo de Onat et al.,29 O colesterol LDL não foi preditor de doença cardíaca coronária de início recente.29 Em dois estudos que avaliaram a relação entre escore Gensini e LDL, o LDL-C não teve diferença significativa quando comparado aos escores alto e baixo de Gensini.30,31 Em nosso estudo, o nível de LDL não se correlacionou com os escores Gensini ou SYNTAX. Verificou-se que o não-HDL não era maior em pacientes com escore Gensini igual ou superior a 50 em comparação a pacientes com escore Gensini inferior a 50.30 Houve uma fraca correlação (r = 0,113, p < 0,001) entre o não-HDL e o escore Gensini no estudo de Zhang e et al.8 Em nosso estudo, foi pequena a proporção de pacientes com altos escores SYNTAX e Gensini. A falta de associação entre gravidade da DAC e colesterol não-HDL pode ter resultado do número relativamente limitado de pacientes com DAC grave na amostra.
Há um número limitado de estudos que avaliam o efeito da discordância entre colesterol LDL e não-HDL na gravidade da aterosclerose coronariana. Verificou-se que o escore de Gensini foi superestimado entre os pacientes com LDL mais alto ou igual à mediana e não-HDL abaixo da mediana.8 Shiiba et al.,32 avaliaram a relação entre essa discordância e o resultado a médio prazo de implante de stent coronário. Verificou-se que a doença de três vasos ou doença do trato principal esquerdo não diferiu entre os grupos discordantes e concordantes, e a discordância entre os níveis de LDL e não-HDL não foi preditora de grandes eventos cardiovasculares adversos após o implante de sten.t32 Avaliamos a gravidade da DAC por meio do escore Gensini e a complexidade pelo escore SYNTAX, e estes não diferiram entre os grupos discordantes e concordantes em nosso estudo.
Este estudo tem várias limitações. Por exemplo, seu desenho retrospectivo abre caminho para a possibilidade de viés de fatores cofundadores não mensurados. Um terço dos pacientes estava em tratamento com estatinas e a falta de associação entre discordância e gravidade da DAC pode ter sido decorrente disso. Além disso, faltavam informações sobre doses, tipo e duração do tratamento com estatinas. Não há definição absoluta e valores de corte padrão para a discordância de colesterol LDL e não-HDL. Utilizamos valores medianos para a população estudada. Portanto, mais estudos prospectivos em larga escala seriam necessários para validar nossos resultados.
Houve discordância entre colesterol LDL e não-HDL (15% dos pacientes), porém não há diferença quanto à gravidade e complexidade da DAC entre os grupos discordantes e concordantes. No entanto, os pacientes com colesterol LDL < mediana e não-HDL ≥ mediana apresentam algumas características de alto risco, como diabetes mellitus e níveis mais altos de triglicerídeos, podendo necessitar de mais avaliações e um acompanhamento estrito.