Compartilhar

Disfagia após correção da hérnia de hiato

Disfagia após correção da hérnia de hiato

Autores:

Bruno ZILBERSTEIN,
Juliana Abbud FERREIRA,
Marnay Helbo de CARVALHO,
Cely BUSSONS,
Arthur Sérgio SILVEIRA-FILHO,
Henrique JOAQUIM,
Fernando RAMOS

ARTIGO ORIGINAL

ABCD. Arquivos Brasileiros de Cirurgia Digestiva (São Paulo)

Print version ISSN 0102-6720

ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.27 no.3 São Paulo July/Sept. 2014

https://doi.org/10.1590/S0102-67202014000300018

INTRODUÇÃO

A doença do refluxo gastroesofágico é condição crônica e frequente que acomete cerca de 10% da população geral22 e corresponde a cerca de 75% das afecções esofágicas, com aumento progressivo de sua incidência ao longo dos anos18. O tratamento cirúrgico é definitivo, na maioria das vezes, uma vez que a válvula confeccionada restaura a competência do esfíncter esofágico inferior e a hiatoplastia reduz e trata a eventual hernia hiatal associada. Trata-se de procedimento antigo, com os primeiros relatos descritos em 1956 por Nissen por laparotomia e em 1991 com as primeiras descrições por laparoscopia feitas por D'Allemagne. O tratamento cirúrgico por via laparoscópica demonstrou ser mais benigno ao longo dos anos, por apresentar melhora importante da dor pós-operatória, menor tempo de internação, retorno mais rápido às atividades e resultados estéticos mais satisfatórios4 , 8 , 13 , 30.

Atualmente não há dúvidas de que o tratamento cirúrgico da DRGE por videolaparoscopia é efetivo e seguro, com taxas de sucesso acima dos 85%2 , 6 , 7 , 11 , 12 , 17 , 21 , 26 , 28 sendo considerado o "padrão-ouro" da videocirurgia. Entretanto, algumas complicações e falhas têm sido descritas no pós-operatório3 , 9 , 16 , 23 , 24, dentre elas a estenose da junção esofagogástrica, a disfagia devido à hiatoplastia muito "apertada" ou fundoplicatura realizada com o corpo gástrico ou ainda migração da fundoplicatura para o tórax por deiscência da hiatoplastia. Além disto, pode ocorrer a recidiva do refluxo gastroesofágico, consequente à migração da válvula com deiscência total ou parcial de suturas. Contudo, nem sempre estas alterações anatômicas pós-operatórias apresentam sintomas típicos20.

É objetivo do presente estudo é descrever e relatar os métodos diagnósticos empregados na ocorrência de disfagia pós-operatória persistente após operação laparoscópica para correção de hérnia hiatal e da DRGE, assim como a conduta terapêutica empregada nestes casos.

RELATO DOS CASOS

Foram estudados três pacientes, dois homens com idade de 33 e 53 anos e uma mulher com 24 anos que foram submetidos há quatro anos, dois anos e oito meses respectivamente, a tratamento cirúrgico da DRGE, que evoluíram com disfagia persistente. Todos tinham sido submetidos a várias endoscopias pós-operatórias, sem diagnóstico conclusivo. Em função disto, foi indicado e realizado cinedeglutograma em todos, que revelou dificuldade de esvaziamento da substância de contaste para o estômago (Figura 1), com formação de imagem diverticular ao nível do fundo gástrico, com esvaziamento em forma de cascata para o estômago (Figura 2).

Figura 1 Dificuldade de esvaziamento do contraste para o estômago 

Figura 2 Imagem diverticular ao nível do fundo gástrico, com esvaziamento em forma de cascata para o estômago 

Feito este diagnóstico, todos foram re-operados, novamente por videolaparoscopia, tendo-se encontrado fundoplicatura à Nissen, feita com o corpo gástrico em vez do fundo gástrico. A operação consistiu em desfazer a fundoplicatura e reconstruir nova válvula do tipo Lind ou Toupet, ou seja, fundoplicatura parcial de 270º .

Todos os pacientes evoluíram sem intercorrências com alta hospitalar em 48 horas. A evolução em dois anos após mostrou desaparecimento dos sintomas de disfagia e ausência de refluxo gastroesofágico.

DISCUSSÃO

Após a correção cirúrgica laparoscópica ou convencional do refluxo gastroesofágico algumas queixas são comuns, como distensão pós-prandial, dificuldade de eructar e vomitar, e às vezes, disfagia1 , 10 , 14 , 25. Na maioria dos casos de disfagia o sintoma é intermitente e tende a desaparecer em até 30 dias após o procedimento, sem necessidade de tratamento específico ou nova intervenção cirúrgica15 , 19.

Porém, no caso de disfagia persistente, principalmente quando associada à perda de peso ou de disfagia importante também a líquidos, deve ser realizada investigação diagnóstica minuciosa30. Esta disfagia per sistente ocorre em aproximadamente 3% dos casos após o tratamento cirúrgico da DRGE por videolaparoscopia. Este quadro costuma levar à perda da qualidade de vida, emagrecimento e evidentemente muita insatisfação por parte dos pacientes operados5 , 29.

A investigação pós-operatória deve incluir endoscopia digestiva alta e sempre estudo contrastado do trato digestivo alto, devendo-se optar sempre que possível pela realização de cinerradiografia do esôfago, estômago e duodeno. A endoscopia embora nem sempre aponte para a real causa da disfagia, pode revelar dificuldade de passagem do endoscópio do esôfago para o estômago, e fundoplicatura torcida ou migrada para o tórax. O estudo radiológico contrastado dinâmico avalia a anatomia e a função do trato digestivo alto, auxiliando no reconhecimento das alterações anatômicas e funcionais da transição esofagogástrica. O aspecto radiológico normal, no caso de operação anti-refluxo bem sucedida, é a passagem rápida da substância de contraste do esôfago para o estomago sem falhas ou retenções, a visualização da fundoplicatura com imagem de bolha de ar e ausência de refluxo gastroesofágico às manobras para estimulá-lo20. No caso de alterações anatômicas da transição elas são facilmente evidenciadas por dificuldade de esvaziamento esofágico, dilatação a montante do esôfago com megaesôfago funcional ou ainda a formação de divertículo gástrico caracterizando fundoplicatura inadequada.

As causas anatômicas que justificam a disfagia persistente pós-operatória, são a realização da hiatoplas tia e/ou fundoplicatura apertada e válvulas mal posiciona das, especialmente a realização da válvula torcida pela utilização equivocada do corpo do estômago em vez do fundo gástrico, na confecção da válvula antirreflu xo27. Nos casos estudados observou-se a formação de divertículo logo abaixo da transição, com esvaziamento em cascata. Durante o exame pode-se perceber também a correlação do ato de deglutição com o quadro clinico, referindo ou não disfagia e dor no momento da deglutição.

Quando é feito este diagnóstico, impõe-se a correção cirúrgica do defeito. A re-operação atualmente é realizada também por videolaparoscopia e o inventário da cavidade geralmente revela a causa anatômica da disfagia.

Segundo Lafullarde et al.16 a necessidade de reoperação por falha da fundoplicatura ocorreu em 15% dos seus pacientes, os quais apresentaram no pós-operatório hérnia hiatal paraesofágica, disfagia severa e persistente e recorrência dos sintomas da DRGE.

Na fundoplicatura inadequadamente confeccionada com o corpo gástrico a cinerradiografia e/ou videodeglutograma é importante para orientar o diagnóstico.

Pode-se concluir que a disfagia grave e persistente no pós-operatório da cirurgia anti-refluxo é sintoma que pode indicar falha na operação e deve ser criteriosamente avaliada com endoscopia alta e exames radiológicos contrastados dinâmicos; reoperação com reconstrução da válvula é indicada para controlar os sintomas e re-tratar a DRGE.

REFERÊNCIAS

1. Anvary M, Allen Cj. Prospective evaluation of dysphagia before and after laparoscopic Nissen fundoplication without routine division of short gastrics. Surg. Laparosc. Endosc. 1996; 6:424-29.
2. Cattey RP, Henry LG, Bielefield MR - Laparoscopic Nissen fundoplication for gastroesophageal reflux disease: clinical experience and outcome in first 100 patients. Surg Laparosc Endosc 1996;6:430-433.
3. Collet D, Cadière GB - Conversions and complications of laparoscopic treatment of gastroesophageal reflux disease. Am J Surg 1995;169:622-626.
4. D'Allemagne B, Weerts JM, Jehaes C, et al - Laparoscopic Nissen Fundoplication: preliminary report. Surg Laparosc Endosc 1991; 1:138-139.
5. Dallemagne B, Weerts J, Markiewicz S, Dewandre JM, Wahlen C, Monami B, et al. Clinical results of laparoscopic fundoplication at ten years after surgery. Surg Endosc. 2006;20(1):159-65.
6. Demeester Tr, Bonavina L, Albertucci M. Nissen fundoplication for gastro-esophageal reflux disease. Evaluation of primary repair in 100 consecutives patients. Ann. Surg. 1986; 204:9-40.
7. Gama-rodrigues Jj. Hérnia hiatal por deslizamento. Esofagofundogastropexia associada à hiatoplastia - avaliação clínica, morfológica e funcional. São Paulo, 1974. (Tese - Livre-Docência - Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo).
8. Geagea T - Laparoscopic Nissen´s fundoplication: preliminary report on ten cases. Surg Endosc 1991; 5:170-172.
9. Hainaux B, Sattari A, Coppens E, Sadeghi N, Cadière G. Intrathoracic migration of the wrap after laparoscopic Nissen fundoplication: radiologic evaluation. AJR Am J Roentgenol 2002;178:859-62.
10. Hallerbäck B, Glise H, Johansson B. Laparoscopic Rosetti fundoplication. Scand. J. Gastroenterol. 1995;30 Suppl 208:58-61.
11. Hinder Ra, Filipi Cj. The technique of laparoscopic Nissen fundoplication. In: Paula Al, Hashiba K, Bafutto M. Eds. Cirurgia videolaparoscópica. Goiânia, Ed. Independente, 1994;85-87.
12. Hunter JG, Trus TL, Branum GD, et AL - a physiologic approach to laparoscopic fundoplication for gastroesofageal reflux disease. Ann Surg 1996;6:673-687.
13. Jamielson A - Laparocopic antireflux surgery. Ann Surg 1992; 200:148-150
14. Jamieson Gg, Watson Di, Britten-jones R, Mitchell Pc, Anvari M. Laparoscopic Nissen fundoplication. Ann. Surg. 1994;220:137-45.
15. Kamolz T, Bammer T, Pointner R. Predictability of dysphagia after laparoscopic Nissen fundoplication. Am J Gastroenterol. 2000 Feb;95(2):408-414.
16. Lafullarde T, Watson DI, Jamieson GG, Myers JC, Game PA, Devitt PG. Laparoscopic Nissen fundoplication: five-year results and beyond. Arch Surg. 2001 Feb;136(2):180-184.
17. Nano M, Redivo L, Fonte G, et AL - One year follow-up results in the surgical treatment of gastroesophageal reflux disease. Int surg 1996;81:27-31.
18. Ollyo JB, Monnier P, Fontolliet C, et al - The natural history, prevalence and incidence of reflux esophagitis. Gullet 1993; 3:3-10
19. Pessaux P, Arnaud JP, Delattre JF, Meyer C, Baulieux J, Mosnier H. Laparoscopic antireflux surgery: five-year results and beyond in 1340 patients. Arch Surg. 2005 Oct;140(10):946-951.
20. Reibscheid S et al. - Complicações pós-operatórias de cirurgia de Nissen laparoscópica. Rev Imagem 2007;29(3):97-100
21. Rosenthal R, Peterli R, Guenin MO, von Flüe M, Ackermann C. Laparoscopic antireflux surgery: long-term outcomes and quality of life. J Laparoendosc Adv Surg Tech A 2006;16:557-61.
22. Stein HJ, Barlow AP, DeMeester TR, et AL - Complications of gastro-esophageal relux disease. Ann Surg 1992; 216:35-43
23. Thoeni RF, Moss AA. The radiographic appearance of complications following Nissen fundoplication. Radiology 1979;131:17-21.
24. Trinh TD, Benson JE. Fluoroscopic diagnosis of complications after Nissen antireflux fundoplication in children. AJR Am J Roentgenol 1997;169:1023-8.
25. Watson Di, Jamieson Gg, Devitt Pg, et al. Changing strategies in the performance of laparoscopic Nissen fundoplication as a result of experience with 230 operations. Surg. Endosc. 1995;9:961-66a.
26. Weerts Jm, Dallemagne B, Hamoir E, et al. Laparoscopic Nissen fundoplication: detailed analysis of 132 patients. Surg. Laparosc. Endosc. 1993; 3:359-64.
27. Wills VL, Hunt DR. Dysphagia after antireflux surgery. Br J Surg. 2001;88(4):486-99.
28. Zaninotto G, Anselmino M, Costantini M, et al - Laparoscopic treatment of gastro-esophaeal reflux disease: indications an results. Int Surg 1995; 80:380-385.
29. Zilberstein B, Eshkenazy R, Pajecki D, Granja C, Brito ACG. Laparoscopic mesh repair antireflux surgery for treatment of large hiatal hérnia. Diseases of the Esophagus (2005) 18, 166-169
30. Zilberstein B, Ramos AC, Sallet JA, Engel FC, Tanikawa DYS. Esofagogastrofundoplicatura videolaparoscópica por técnica mista. Rev Col Bras Cir - Vol XXVI - nº6 - 345