Print version ISSN 0102-6720
ABCD, arq. bras. cir. dig. vol.27 no.3 São Paulo July/Sept. 2014
https://doi.org/10.1590/S0102-67202014000300018
A doença do refluxo gastroesofágico é condição crônica e frequente que acomete cerca de 10% da população geral22 e corresponde a cerca de 75% das afecções esofágicas, com aumento progressivo de sua incidência ao longo dos anos18. O tratamento cirúrgico é definitivo, na maioria das vezes, uma vez que a válvula confeccionada restaura a competência do esfíncter esofágico inferior e a hiatoplastia reduz e trata a eventual hernia hiatal associada. Trata-se de procedimento antigo, com os primeiros relatos descritos em 1956 por Nissen por laparotomia e em 1991 com as primeiras descrições por laparoscopia feitas por D'Allemagne. O tratamento cirúrgico por via laparoscópica demonstrou ser mais benigno ao longo dos anos, por apresentar melhora importante da dor pós-operatória, menor tempo de internação, retorno mais rápido às atividades e resultados estéticos mais satisfatórios4 , 8 , 13 , 30.
Atualmente não há dúvidas de que o tratamento cirúrgico da DRGE por videolaparoscopia é efetivo e seguro, com taxas de sucesso acima dos 85%2 , 6 , 7 , 11 , 12 , 17 , 21 , 26 , 28 sendo considerado o "padrão-ouro" da videocirurgia. Entretanto, algumas complicações e falhas têm sido descritas no pós-operatório3 , 9 , 16 , 23 , 24, dentre elas a estenose da junção esofagogástrica, a disfagia devido à hiatoplastia muito "apertada" ou fundoplicatura realizada com o corpo gástrico ou ainda migração da fundoplicatura para o tórax por deiscência da hiatoplastia. Além disto, pode ocorrer a recidiva do refluxo gastroesofágico, consequente à migração da válvula com deiscência total ou parcial de suturas. Contudo, nem sempre estas alterações anatômicas pós-operatórias apresentam sintomas típicos20.
É objetivo do presente estudo é descrever e relatar os métodos diagnósticos empregados na ocorrência de disfagia pós-operatória persistente após operação laparoscópica para correção de hérnia hiatal e da DRGE, assim como a conduta terapêutica empregada nestes casos.
Foram estudados três pacientes, dois homens com idade de 33 e 53 anos e uma mulher com 24 anos que foram submetidos há quatro anos, dois anos e oito meses respectivamente, a tratamento cirúrgico da DRGE, que evoluíram com disfagia persistente. Todos tinham sido submetidos a várias endoscopias pós-operatórias, sem diagnóstico conclusivo. Em função disto, foi indicado e realizado cinedeglutograma em todos, que revelou dificuldade de esvaziamento da substância de contaste para o estômago (Figura 1), com formação de imagem diverticular ao nível do fundo gástrico, com esvaziamento em forma de cascata para o estômago (Figura 2).
Figura 2 Imagem diverticular ao nível do fundo gástrico, com esvaziamento em forma de cascata para o estômago
Feito este diagnóstico, todos foram re-operados, novamente por videolaparoscopia, tendo-se encontrado fundoplicatura à Nissen, feita com o corpo gástrico em vez do fundo gástrico. A operação consistiu em desfazer a fundoplicatura e reconstruir nova válvula do tipo Lind ou Toupet, ou seja, fundoplicatura parcial de 270º .
Todos os pacientes evoluíram sem intercorrências com alta hospitalar em 48 horas. A evolução em dois anos após mostrou desaparecimento dos sintomas de disfagia e ausência de refluxo gastroesofágico.
Após a correção cirúrgica laparoscópica ou convencional do refluxo gastroesofágico algumas queixas são comuns, como distensão pós-prandial, dificuldade de eructar e vomitar, e às vezes, disfagia1 , 10 , 14 , 25. Na maioria dos casos de disfagia o sintoma é intermitente e tende a desaparecer em até 30 dias após o procedimento, sem necessidade de tratamento específico ou nova intervenção cirúrgica15 , 19.
Porém, no caso de disfagia persistente, principalmente quando associada à perda de peso ou de disfagia importante também a líquidos, deve ser realizada investigação diagnóstica minuciosa30. Esta disfagia per sistente ocorre em aproximadamente 3% dos casos após o tratamento cirúrgico da DRGE por videolaparoscopia. Este quadro costuma levar à perda da qualidade de vida, emagrecimento e evidentemente muita insatisfação por parte dos pacientes operados5 , 29.
A investigação pós-operatória deve incluir endoscopia digestiva alta e sempre estudo contrastado do trato digestivo alto, devendo-se optar sempre que possível pela realização de cinerradiografia do esôfago, estômago e duodeno. A endoscopia embora nem sempre aponte para a real causa da disfagia, pode revelar dificuldade de passagem do endoscópio do esôfago para o estômago, e fundoplicatura torcida ou migrada para o tórax. O estudo radiológico contrastado dinâmico avalia a anatomia e a função do trato digestivo alto, auxiliando no reconhecimento das alterações anatômicas e funcionais da transição esofagogástrica. O aspecto radiológico normal, no caso de operação anti-refluxo bem sucedida, é a passagem rápida da substância de contraste do esôfago para o estomago sem falhas ou retenções, a visualização da fundoplicatura com imagem de bolha de ar e ausência de refluxo gastroesofágico às manobras para estimulá-lo20. No caso de alterações anatômicas da transição elas são facilmente evidenciadas por dificuldade de esvaziamento esofágico, dilatação a montante do esôfago com megaesôfago funcional ou ainda a formação de divertículo gástrico caracterizando fundoplicatura inadequada.
As causas anatômicas que justificam a disfagia persistente pós-operatória, são a realização da hiatoplas tia e/ou fundoplicatura apertada e válvulas mal posiciona das, especialmente a realização da válvula torcida pela utilização equivocada do corpo do estômago em vez do fundo gástrico, na confecção da válvula antirreflu xo27. Nos casos estudados observou-se a formação de divertículo logo abaixo da transição, com esvaziamento em cascata. Durante o exame pode-se perceber também a correlação do ato de deglutição com o quadro clinico, referindo ou não disfagia e dor no momento da deglutição.
Quando é feito este diagnóstico, impõe-se a correção cirúrgica do defeito. A re-operação atualmente é realizada também por videolaparoscopia e o inventário da cavidade geralmente revela a causa anatômica da disfagia.
Segundo Lafullarde et al.16 a necessidade de reoperação por falha da fundoplicatura ocorreu em 15% dos seus pacientes, os quais apresentaram no pós-operatório hérnia hiatal paraesofágica, disfagia severa e persistente e recorrência dos sintomas da DRGE.
Na fundoplicatura inadequadamente confeccionada com o corpo gástrico a cinerradiografia e/ou videodeglutograma é importante para orientar o diagnóstico.
Pode-se concluir que a disfagia grave e persistente no pós-operatório da cirurgia anti-refluxo é sintoma que pode indicar falha na operação e deve ser criteriosamente avaliada com endoscopia alta e exames radiológicos contrastados dinâmicos; reoperação com reconstrução da válvula é indicada para controlar os sintomas e re-tratar a DRGE.