versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.6 Rio de Janeiro jun. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015206.16312014
Segundo a OMS1, mais de 20 milhões de pessoas morrerão por doenças cardiovasculares em 2030. No Brasil, as doenças do aparelho circulatório foram responsáveis pela segunda maior taxa de mortalidade, a partir de internações pelo SUS, em 20122.
As dislipidemias são doenças crônicas que podem impactar o risco cardiovascular3 e a sua associação com a doença aterosclerótica é amplamente aceita pela comunidade científica4.
Fatores ambientais exercem um importante papel na gênese das dislipidemias. O monitoramento dos indicadores de risco deve ser uma ação constante, para fornecer dados que subsidiem as políticas de promoção da saúde, visando o incentivo à adoção de um estilo de vida saudável.
Estudos de prevalência de dislipidemias a partir de inquéritos populacionais no Brasil são escassos, provavelmente pelo elevado custo e pela pouca disponibilidade de participantes, por utilizar procedimento invasivo na aferição das medidas.
As pesquisas autorreferidas podem ser grandes aliadas nesse monitoramento. Estudos indicam que as medidas autorreferidas acompanham as medidas aferidas, gerando estimativas aproximadas5. No Brasil, o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) faz o monitoramento anual de doenças crônicas não transmissíveis nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal, desde o ano de 20066.
O objetivo desse estudo é estimar a prevalência de dislipidemia autorreferida na Região Centro-Oeste do Brasil, identificando seus fatores associados.
Estudo de corte transversal de base populacional, com dados individuais do Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL). Foram incluídos 7.975 indivíduos de ambos os sexos, com idade ≥ 18 anos, residentes nas capitais dos estados da Região Centro-Oeste do Brasil, no ano de 2009. A dislipidemia autorreferida foi investigada pelo VIGITEL entre os anos de 2006 e 2009. Em 2013 esse agravo foi reinserido, porém ainda não há microdados disponíveis para acesso. Sendo assim, os dados analisados neste estudo são os mais recentes para o desfecho em questão.
A amostragem do VIGITEL foi realizada por meio de amostras probabilísticas, com indivíduos que apresentavam idade ≥ 18 anos e que possuíam em sua residência, no ano vigente do estudo, pelo menos uma linha telefônica fixa. Em cada cidade, o tamanho amostral mínino é de 2.000 indivíduos, advindos de um sorteio de 5.000 domicílios. O detalhamento do plano amostral, os passos da amostragem e a aplicação de pesos estão disponíveis em outras publicações6,7.
Neste estudo foram incluídos indivíduos de ambos os sexos, com idade ≥ 18 anos e excluídas as mulheres que se autorreferiram grávidas quando entrevistadas. Em 2009, 54.367 indivíduos foram entrevistados pelo VIGITEL, sendo 8.046 na Região Centro-Oeste (2.010 no Distrito Federal, 2.011 em Goiânia, 2.012 em Cuiabá e 2.013 em Campo Grande). Após a exclusão de 71 gestantes, foram analisados os dados de 7.975 indivíduos.
A dislipidemia autorreferida foi a variável dependente do estudo, sendo confirmada pela resposta positiva dos participantes à questão: “Algum médico já lhe disse que o (a) sr (a) tem colesterol ou triglicérides elevado?” O desfecho refere-se portanto, ao diagnóstico médico anterior de dislipidemias para níveis elevados de colesterol ou triglicérides no sangue.
As variáveis independentes do estudo foram: 1) sociodemográficas (sexo, idade, raça/cor, escolaridade, estado civil, trabalho nos últimos três meses); 2) estilo de vida (consumo/consumo abusivo de bebida alcoólica, consumo de alimentos como feijão, carne vermelha, carne vermelha com gordura, pele de frango, leite integral, refrigerante ou suco artificial e outras variáveis do consumo alimentar como o consumo regular e recomendado de frutas e hortaliças, adição de sal na comida pronta e comer fora de casa). Outras variáveis do estilo de vida foram o hábito de assistir televisão e o tempo dispensado a essa atividade, tabagismo e a quantidade de cigarro fumada, prática de exercícios físicos, modalidades e atividades físicas no lazer e/ou no deslocamento; 3) autoavaliação do estado de saúde e classificação do peso.
O consumo abusivo de bebidas alcoólicas foi identificado pela ingestão de quatro ou mais doses de cerveja, vinho ou bebidas destiladas para as mulheres e cinco ou mais doses dessas mesmas bebidas para os homens, em uma mesma ocasião, nos últimos 30 dias.
O consumo de frutas e hortaliças (verduras e legumes) por cinco ou mais dias na semana foi considerado consumo regular, enquanto o consumo recomendado para esses mesmos alimentos foi de cinco ou mais porções diárias. Para o cômputo total diário de consumo recomendado de frutas e hortaliças, considerou-se cada fruta ou cada suco de fruta como equivalente a uma porção e um limite de três, o número máximo de porções diárias para frutas e uma porção para sucos. No caso de hortaliças, considerou-se até quatro porções diárias7.
A prática de atividade física no tempo livre (lazer) e/ou deslocamento, é considerada quando os indivíduos praticam pelo menos 30 minutos diários de atividade física de intensidade leve ou moderada em cinco ou mais dias da semana ou, pelo menos 20 minutos diários de atividade física de intensidade vigorosa, em três ou mais dias da semana. Também são considerados nessa variável, os deslocamentos para o trabalho ou escola, de bicicleta ou caminhando, que gastem pelo menos 30 minutos diários no percurso de ida e volta7.
A variável autoavaliação do estado de saúde foi classificada em cinco categorias (muito bom, bom, regular, ruim e muito ruim). Na análise múltipla essa variável foi recategorizada em duas categorias (bom, agrupando-se às categorias: muito bom/bom e ruim, considerando-se as categorias regular/ruim/ muito ruim).
O Índice de Massa Corporal (IMC) foi utilizado para a classificação do peso, segundo a faixa etária (adolescentes: 18-19 anos; adultos: 20-59 anos e idosos ≥ 60 anos), de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde8. Para os adolescentes, o IMC foi avaliado segundo sexo e idade e os mesmos foram classificados em: baixo peso (< −2); eutrofia (≥ −2 e ≤ +1); sobrepeso (> +1 e ≤ +2); e obesidade (> +2). Os valores foram expressos em z-score9. Para os adultos, os pontos de corte de IMC utilizados foram: < 18,5 kg/m2 (baixo peso); ≥ 18,5 e < 25,0 kg/m2 (eutrófico); ≥ 25,0 e < 30,0 kg/m2 (sobrepeso); e ≥ 30,0 kg/m2 (obesidade). Para os idosos, os pontos de corte do IMC adotados foram os propostos por Lipschitz10 e recomendados pela OMS8: < 22,0 kg/m2 (baixo peso); ≥ 22,0 e < 27 kg/m2 (eutrófico); e ≥ 27,0 kg/m2 (sobrepeso).
Para todas as análises utilizaram-se fatores de ponderação que levam em consideração as diferenças na composição sociodemográfica da amostra em relação à população com idade ≥ 18 anos de cada capital, de acordo com o Censo Demográfico de 2000. Os dados foram analisados pelo software Stata, versão 11, utilizando-se o comando survey, que aplica os fatores de ponderação. A distribuição da população para as variáveis foi descrita como proporção/prevalência (%) e intervalos de confiança (IC) de 95%.
A análise bivariada verificou a associação das variáveis sociodemográficas, de estilo de vida, estado de saúde e classificação do peso com a dislipidemia, estimando-se a prevalência de dislipidemia (P) e razão de prevalência bruta (RP) com seus respectivos intervalos de confiança de 95% (IC 95%).
A Regressão de Poisson foi utilizada na análise múltipla, sendo as variáveis de interesse incluídas em blocos, conforme a modelagem hierárquica proposta por Victora et al.11. As variáveis sociodemográficas foram consideradas como fatores mais distais e compuseram o nível 1, seguidas das variáveis de estilo de vida que constituiram o nível 2. Fizeram parte do nível 3 as variáveis autopercepção do estado de saúde e a classificação do peso. As variáveis que na análise bivariada obtiveram valor de p ≤ 0,20 foram selecionadas para compor os níveis. Para o modelo final, fixou-se o nível de significância em 5%.
O Vigitel foi submetido à aprovação do Conselho Nacional de Saúde por meio da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Ministério da Saúde. O consentimento livre e esclarecido foi realizado por meio de autorização verbal do entrevistado, uma vez que se tratava de entrevista telefônica. Esse estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário Júlio Müller.
Foram analisados dados de 7.975 indivíduos, de ambos os sexos (52,6% do sexo feminino), com idade média de 44,4 anos (dp = 16,4 anos), residentes nas capitais dos estados da Região Centro-Oeste. A prevalência da dislipidemia foi de 15% (IC 95% = 13,5 – 16,5).
A análise bivariada das variáveis sociodemográficas não mostrou diferença de prevalência entre os sexos (RP = 1,09; IC 95% = 0,89 – 1,34), mas evidenciou uma associação direta da doença com a idade, atingindo mais do que 1/3 da população com idade ≥ 55 anos. A escolaridade não se associou à dislipidemia (RP = 1,03; IC 95% = 0,84 – 1,25). Aqueles que não tinham nenhum trabalho formal nos últimos três meses apresentaram prevalência de dislipidemia 61% maior (RP = 1,61; IC 95% = 1,32 – 1,97), comparados aos que afirmaram possuir algum trabalho formal nesse período (Tabela 1).
Tabela 1 Características socioeconômicas e demográficas da população (%), prevalência de dislipidemia (%), razão de prevalência (RP), intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e p-valor. VIGITEL, Região Centro-Oeste, Brasil, 2009.
Variáveis | % | P (%) | RP (IC 95%) | P-valor | ||
---|---|---|---|---|---|---|
Sexo | ||||||
Masculino | 47,4 | 14,3 | 1 | |||
Feminino | 52,6 | 15,6 | 1,09 (0,89 – 1,34) | 0,40 | ||
Idade (anos) | ||||||
18 – 24 | 23,6 | 4,4 | 1 | |||
25 – 34 | 27,1 | 8,7 | 1,96 (1,17 – 3,30) | |||
35 – 44 | 21,6 | 16,4 | 3,72 (2,27 – 6,10) | |||
45 – 54 | 13,9 | 22,2 | 5,03 (3,17 – 8,01) | |||
55 – 64 | 7,7 | 34,5 | 7,83 (4,87 – 12,60) | |||
≥ 65 | 5,9 | 37,5 | 8,51 (5,36 – 13,54) | <0,01* | ||
Raça/cor | ||||||
Branca | 35,3 | 16,5 | 1 | |||
Outros | 64,7 | 14,1 | 0,85 (0,70 – 1,04) | 0,11 | ||
Escolaridade (anos) | ||||||
0 – 8 | 52,2 | 14,8 | 1 | |||
9 e + | 47,8 | 15,2 | 1,03 (0,84 – 1,25) | 0,79 | ||
Estado Civil | ||||||
Casado | 52,6 | 17,8 | 1 | |||
Outros | 47,4 | 11,8 | 0,67 (0,54 – 0,81) | <0,01 | ||
Cidade | ||||||
Cuiabá | 11,6 | 11,8 | 1 | |||
Campo Grande | 15,3 | 14,5 | 1,23 (1,00 – 1,51) | |||
Goiânia | 26,9 | 16,9 | 1,43 (1,16 – 1,75) | <0,01 | ||
Distrito Federal | 46,2 | 14,8 | 1,25 (0,98 – 1,59) | |||
Trabalho formal (três últimos meses) | ||||||
Sim | 69,9 | 12,6 | 1 | |||
Não | 30,1 | 20,4 | 1,61 (1,32 – 1,97) | <0,01 |
*p tendência linear (p < 0,01).
Entre as variáveis de estilo de vida analisadas, observou-se associação inversa das dislipidemias com a prática de musculação (RP = 0,66; IC 95% = 0,44 – 0,98) e futebol (RP = 0,32; IC 95% = 0,18 – 0,59). Outra variável marcadora de atividade física que se mostrou inversamente associada às dislipidemias foi a prática de exercício físico no lazer e o deslocamento ativo para o trabalho, sendo a prevalência de dislipidemia 29% maior naqueles que não praticavam essas atividades (RP = 0,71; IC 95% = 0,54 – 0,89). Maior prevalência de dislipidemia foi observada para os indivíduos que referiram assistir TV todos os dias (RP = 1,31; IC 95% = 1,01 – 1,68), em relação aos que afirmaram não ter esse hábito (Tabela 2).
Tabela 2 Características do estilo de vida da população (%), prevalência de dislipidemias (%), razão de prevalência (RP), intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e p-valor. VIGITEL, Região Centro-Oeste, Brasil, 2009.
Variáveis | % | P (%) | RP (IC 95%) | P-valor | |
---|---|---|---|---|---|
Consumo de bebida alcoólica | |||||
Não | 59,4 | 15,5 | 1 | ||
Sim | 40,6 | 14,2 | 0,91 (0,73 – 1,14) | 0,42 | |
Consumo abusivo de bebida alcoólica (> 4 d/mul/> 5 d/hom) | |||||
Não | 80,6 | 15,1 | 1 | ||
Sim | 19,4 | 14,3 | 1,06 (0,83 – 1,35) | 0,64 | |
Adição de Sal na comida pronta | |||||
Não | 89,7 | 14,9 | 1 | ||
Sim | 10,3 | 15,8 | 1,06 (0,75 – 1,51) | 0,73 | |
Atividade física (3 meses) | |||||
Não | 50,3 | 16,0 | 1 | ||
Sim | 49,7 | 13,9 | 1,15 (0,94 – 1,41) | 0,16 | |
Modalidades | |||||
Não | 50,3 | 16,0 | 1 | ||
Caminhada | 20,1 | 18,0 | 1,12 (0,92 – 1,37) | ||
Corrida | 2,5 | 19,4 | 1,21 (0,78 – 1,89) | ||
Musculação | 5,5 | 10,6 | 0,66 (0,44 – 0,98) | <0,01 | |
Ginástica | 2,8 | 15,8 | 0,98 (0,67 – 1,45) | ||
Futebol | 11,4 | 5,2 | 0,32 (0,18 – 0,59) | ||
Outras | 7,4 | 16,1 | 1,00 (0,60 – 1,68) | ||
Atividade lazer/deslocamento | |||||
Não | 69,1 | 16,5 | 1 | ||
Sim | 30,9 | 11,6 | 0,71 (0,54 – 0,89) | <0,01 | |
Hábito de assistir TV | |||||
Não | 20,3 | 12,0 | 1 | ||
Sim | 79,7 | 15,7 | 1,31 (1,01 – 1,68) | 0,04 | |
Horas assistindo TV | |||||
Nenhuma | 20,3 | 12,0 | 1 | ||
< 1 – 3 | 55,9 | 16,1 | 1,34 (1,04 – 1,72) | ||
> 3 | 23,8 | 14,8 | 1,23 (0,87 – 1,73) | 0,08 | |
Tabagismo | |||||
Não | 84,7 | 15,3 | 1 | ||
Sim | 15,3 | 13,5 | 0,87(0,58 – 1,32) | 0,52 | |
Quantidade de cigarros/dia | |||||
Não | 84,7 | 15,2 | 1 | ||
1 – 4 | 3,1 | 12,6 | 0,83 (0,46 – 1,50) | ||
5 – 9 | 3,1 | 6,4 | 0,42 (0,23 – 0,76) | 0,03 | |
≥ 10 | 9,0 | 16,0 | 1,05 (0,62 – 1,79) |
Com relação ao consumo alimentar, os que não consumiam feijão regularmente (≥ 5 dias na semana) apresentaram prevalência de dislipidemia 38% maior do que os que consumiam esse alimento com essa regularidade (RP = 1,38; IC 95% = 1,10 – 1,75). Presença de viés de causalidade invertida foi observada na medida não ajustada da associação da dislipidemia com o consumo regular (≥ 5 dias na semana) de frutas e hortaliças (RP = 0,82; IC 95% = 0,68 – 0,99) e de refrigerantes (RP = 0,60; IC 95% = 0,45 – 0,78). Não houve associação entre as dislipidemias e o consumo de alimentos como a carne, gordura da carne, pele do frango, leite integral e o hábito de comer fora de casa (Tabela 3).
Tabela 3 Características do consumo alimentar da população (%), prevalência de dislipidemias (%), razão de prevalência (RP), intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e p-valor. VIGITEL, Região Centro-Oeste, Brasil, 2009.
Variáveis | % | P (%) | RP (IC 95%) | P-valor | |
---|---|---|---|---|---|
Consumo de feijão (≥ 5 d/sem) | |||||
Não | 22,7 | 19,1 | 1,38 (1,10 – 1,75) | ||
Sim | 77,3 | 13,7 | 1 | <0,01 | |
Consumo de carne (≥ 5 d/sem) | |||||
Não | 54,2 | 15,9 | 1 | ||
Sim | 45,8 | 13,8 | 0,87(0,71 – 1,06) | 0,16 | |
Consumo de gordura da carne | |||||
Não | 70,4 | 15,8 | 1 | ||
Sim | 29,6 | 13,0 | 0,83(0,64 – 1,07) | 0,15 | |
Consumo de pele de frango | |||||
Não | 77,5 | 15,4 | 1 | ||
Sim | 22,5 | 13,5 | 0,88(0,66 – 1,16) | 0,35 | |
Frutas e hortaliças consumo regular (≥ 5 d/sem) | |||||
Não | 65,9 | 13,9 | 0,82 (0,68 – 0,99) | 0,04 | |
Sim | 34,1 | 16,9 | 1 | ||
Frutas e hortaliças consumo recomendado | |||||
Não | 78,3 | 14,6 | 0,90 (0,73 – 1,10) | 0,32 | |
Sim | 21,7 | 16,2 | 1 | ||
Refrigerante/Suco artificial (≥ 5 d/sem) | |||||
Não | 76,7 | 16,5 | 1 | ||
Sim | 23,3 | 8,3 | 0,60 (0,45 – 0,78) | <0,01 | |
Leite integral | |||||
Não | 44,6 | 16,3 | 1 | ||
Sim | 55,4 | 13,8 | 0,85 (0,69 – 1,04) | 0,11 | |
Comer fora de casa | |||||
Não | 49,0 | 16,1 | 1 | ||
Sim | 51,0 | 13,9 | 0,86 (0,71 – 1,05) | 0,14 |
Ainda na análise bivariada, nota-se aumento linear da prevalência de dislipidemia com a autoavaliação do estado de saúde, sendo essa prevalência 3 vezes maior entre os que perceberam sua saúde como muito ruim, comparada aos que classificaram seu estado de saúde como muito bom (RP = 4,48; IC 95% = 2,54 – 7,91). Da mesma forma, a prevalência do desfecho avaliado apresentou tendência de aumento linear (p < 0,01) com a classificação de peso dos participantes do estudo, sendo observado efeito dose resposta, de acordo com o grau de excesso de peso: sobrepeso – RP = 1,79; IC 95% = 1,43 – 2,25 e obesidade – RP = 2,18; IC 95% = 1,64 – 2,91 (Tabela 4).
Tabela 4 Autoavaliação do estado de saúde e classificação do peso corporal (%), prevalência de dislipidemias (%), razão de prevalência (RP), intervalo de confiança de 95% (IC 95%) e p-valor. VIGITEL, Região Centro-Oeste, Brasil, 2009.
Variáveis | % | P (%) | RP (IC 95%) | P-valor | |
---|---|---|---|---|---|
Autoavaliação do Estado de Saúde | |||||
Muito Bom | 20,5 | 8,9 | 1 | ||
Bom | 47,9 | 11,8 | 1,30 (0,93 – 1,83) | ||
Regular | 26,4 | 23,4 | 2,60 (1,83 – 3,67) | ||
Ruim | 4,2 | 21,5 | 2,40 (1,31 – 4,35) | ||
Muito Ruim | 0,9 | 40,4 | 4,48 (2,54 – 7,91) | <0,01 | |
Classificação do Peso | |||||
Baixo peso/Normal | 59,7 | 10,9 | 1 | ||
Sobrepeso | 30,3 | 19,6 | 1,79 (1,43 – 2,25) | ||
Obesidade | 10,0 | 23,8 | 2,18 (1,64 – 2,91) | <0,01 |
Na análise múltipla, no nível 1 (variáveis sociodemográficas), apenas a idade mostrou-se associada às dislipidemias, sendo essa associação direta e linear. A variável sexo foi mantida no modelo por seu poder de explicação para o desfecho, independentemente do nível de significância estatística observado. Após ajuste para as variáveis do nível 1, a variável do estilo de vida (nível 2) que se associou às dislipidemias foi o consumo de feijão. Os indivíduos que relataram consumo irregular (< 5 dias/semana) apresentaram prevalência de dislipidemia 32% maior (RP = 1,32; IC 95% = 1,06 – 1,65), quando comparada àquela observada entre os que não relataram consumo regular desse alimento (≥ 5 dias/semana). Os determinantes mais proximais que se mostraram associados às dislipidemias, após ajuste para as variáveis dos níveis 1 e 2 foram a classificação do peso e o estado de saúde. A prevalência da doença entre os classificados como sobrepeso foi 49% maior em relação aos de baixo peso/peso normal (RP = 1,49; IC 95% = 1,20 – 1,84) e 83% maior (RP = 1,83; IC 95% = 1,44 – 2,31) entre os obesos em relação à categoria de referência. Indivíduos que autoavaliaram sua saúde como ruim (regular/ruim/muito ruim) tiveram 56% a mais de prevalência de dislipidemia (RP = 1,56; IC 95% = 1,15 – 2,12), comparados aos que consideraram seu estado de saúde bom e muito bom (Tabela 5).
Tabela 5 Razão de prevalência ajustada (RPaj) da associação entre dislipidemias autorreferidas e variáveis de interesse do estudo. VIGITEL, Região Centro-Oeste, Brasil, 2009.
Nível | RPaj | (IC 95%) | P-valor | |||
---|---|---|---|---|---|---|
1 – Sociodemográfico | ||||||
Sexo | ||||||
Masculino | 1 | |||||
Feminino | 1,06 | 0,88 – 1,27 | 0,56 | |||
Idade (anos) | ||||||
18 – 24 | 1 | |||||
25 – 34 | 1,97 | 1,17 – 3,30 | ||||
35 – 44 | 3,72 | 2,26 – 6,10 | ||||
45 – 54 | 5,03 | 3,16 – 8,00 | ||||
55 – 64 | 7,82 | 4,86 – 12,6 | ||||
≥ 65 | 8,49 | 5,34 – 13,5 | <0,01 | |||
2 – Estilo de vida* | ||||||
Consumo de Feijão (> 5 d/sem | ||||||
Sim | 1 | |||||
Não | 1,32 | 1,06 – 1,65 | 0,01 | |||
3 – Classificação do Peso e do Estado de Saúde** | ||||||
Classificação do Peso | ||||||
Baixo peso/Normal | 1 | |||||
Sobrepeso | 1,49 | 1,20 – 1,84 | <0,01 | |||
Obesidade | 1,83 | 1,44 – 2,31 | <0,01 | |||
Autoavaliação Ruim do estado de Saúde | ||||||
Não | 1 | |||||
Sim | 1,56 | 1,15 – 2,12 | <0,01 |
*ajustado para sexo e idade
**ajustado para sexo, idade, consumo de feijão.
Este estudo identificou tendência de aumento linear das dislipidemias com a idade (p < 0,01) na Região Centro-Oeste do Brasil, não havendo diferença de prevalência entre os sexos. O excesso de peso e a autoavaliação negativa (ruim) do estado de saúde foram as variáveis proximais que se associaram diretamente com o desfecho em questão. Por outro lado, foi verificada associação inversa das dislipidemias com o consumo regular de feijão.
No Brasil, estudos sobre a prevalência de dislipidemia na população em geral e específica para as regiões são escassos12. Há apenas estudos com pequenas amostras que utilizaram o perfil lipídico para detectar essa prevalência13,14. Da mesma forma, publicações com dados autorreferidos sobre essa temática são limitadas a amostras muito específicas15,16.
Neste estudo, a prevalência de dislipidemia não diferiu significativamente quanto ao sexo, de forma semelhante aos resultados encontrados no estudo de coorte de Framingham, que mostrou razão de risco similar para o colesterol total em homens e mulheres17. A diferença entre gêneros para a prevalência de dislipidemias não está bem estabelecida na literatura. Há estudos a partir de perfil lipídico que encontraram prevalência maior no sexo feminino18,19 e outros que mostraram essa prevalência maior no sexo masculino14,20. Há que se destacar a alta prevalência das dislipidemias nas mulheres durante a menopausa21, provavelmente devido à perda de proteção hormonal22 que ocorre nessa fase da vida da mulher23.
A prevalência de dislipidemia aumentou linearmente com a idade. Vários estudos comprovam o aumento na prevalência de morbidades com o avanço da idade em ambos os sexos, sendo comum a coexistência de doenças, na medida em que a idade progride24-26.
No presente estudo, após ajustes para potenciais fatores de confusão, a única variável do estilo de vida que se manteve associada às dislipidemias foi o consumo regular de feijão. Observou-se menor prevalência de dislipidemia entre os indivíduos que relataram consumir feijão pelo menos cinco vezes na semana, confirmando o efeito benéfico desse alimento sobre o perfil lipídico. Este fato pode ser justificado pela presença de fibras solúveis no feijão, que contribuem para a redução dos níveis séricos do colesterol27. Diante dos benefícios que o feijão pode trazer para a saúde é importante incentivar o seu consumo regular, uma vez que entre os brasileiros tem sido detectada uma modificação do padrão alimentar tradicional à base de arroz e feijão28.
Importante gradiente dose-resposta foi observado na associação das dislipidemias com o excesso de peso (sobrepeso e obesidade). Entre os indivíduos com sobrepeso, a prevalência da doença foi 49% maior do que a observada para indivíduos com baixo peso ou peso normal, e 83% maior entre os obesos, se comparada à categoria de referência. Essa associação tem sido bem documentada na literatura29-30.
A autoavaliação de saúde é a percepção subjetiva individual do estado de saúde e está relacionada com componentes físicos e emocionais31. Uma forte associação entre essa variável e as dislipidemias foi observada neste estudo, sendo estimada prevalência 56% maior da doença entre os que referiram autoavaliação do seu estado de saúde como ruim. Essa variável é considerada um bom marcador de carência em saúde por parte da população26, mostrando-se preditor de morbidades e mortalidade32.
Como limitações deste estudo destaca-se, em primeiro lugar, o desenho transversal, que impossibilita inferir relação de causalidade, limitando-se a mostrar os fatores associados com a dislipidemia. Outra limitação é a consistência do dado autorreferido que está sujeito ao viés de informação, podendo gerar subnotificação ou superestimação. Porém, alguns estudos que compararam dados de inquéritos aferidos e referidos encontraram resultados semelhantes5,33.
Em contrapartida, destacam-se as vantagens da rapidez e menor custo dos inquéritos telefônicos no monitoramento de morbidades5. Esses estudos são relevantes, pois fornecem um mapeamento das prevalências de doenças crônicas, além de outras informações essenciais para o planejamento racional dos serviços de saúde. A continuação do monitoramento das dislipidemias é importante, pois ações in loco, tais como aconselhamento nutricional, podem ser eficazes para o controle de altas prevalências. Kinchoku et al.34 avaliaram a resposta do perfil lipídico ao aconselhamento nutricional em indivíduos dislipidêmicos e verificaram redução de até 36% de lípides e lipoproteínas plasmáticas, como resultado dessa intervenção.
Considerando-se a importante prevalência de dislipidemia encontrada neste estudo e sua associação com fatores tais como o excesso de peso (sobrepeso e obesidade) e autoavaliação do estado de saúde como ruim, torna-se primordial o monitoramento contínuo da dislipidemia, sugerindo-se a possibilidade de adoção de alguma estratégia de aconselhamento nutricional verbal, via telefone, como uma das formas de controle desse agravo na população.