versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.5 Rio de Janeiro maio 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017225.16722015
A legislação sanitária brasileira define os medicamentos fitoterápicos como aqueles obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais cuja segurança e eficácia estejam baseadas em evidências clínicas e que sejam caracterizados pela constância de sua qualidade1. Essa mesma legislação também abrange os produtos tradicionais fitoterápicos que são obtidos com emprego exclusivo de matérias-primas ativas vegetais cuja segurança e efetividade sejam baseadas em dados de uso seguro e efetivo publicados na literatura técnico-científica, e que sejam concebidos para serem utilizados sem a vigilância de um profissional médico para fins de diagnóstico, de prescrição ou de monitorização1.
No Brasil, a implantação da fitoterapia nos serviços públicos de saúde começou a intensificar-se a partir da década de 1980, sendo um dos marcos principais a publicação das resoluções da Comissão Interministerial de Planejamento e Coordenação (CIPLAN), que fixaram as normas e as diretrizes para o atendimento em práticas complementares2. Posteriormente, a publicação da Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 17 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em fevereiro de 2000, buscou normatizar o registro de medicamentos fitoterápicos junto ao Sistema de Vigilância Sanitária, estabelecendo diretrizes para a garantia da qualidade, eficácia e segurança destes fármacos. Por sua vez, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 971 de maio de 2006, aprovou a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) no Sistema Único de Saúde (SUS), incluindo a fitoterapia3. Neste mesmo ano, foi aprovada a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), que incentiva a pesquisa de ambas priorizando a biodiversidade do país e estimula a adoção da fitoterapia nos programas de saúde pública3-5. Seu objetivo geral foi garantir à população brasileira o acesso seguro e o uso racional de plantas medicinais e fitoterápicos, promovendo o uso sustentável da biodiversidade, o desenvolvimento da cadeia produtiva e da indústria nacional3. A consequente estruturação e fortalecimento destas práticas no nível de atenção básica trouxe a necessidade de estudos sobre o conhecimento dos profissionais da saúde sobre essa modalidade terapêutica e intenção de uso6, a aceitação por parte da população usuária do sistema7, a discussão antropológica sobre integralidade8, os critérios para o acesso seguro da população às plantas medicinais9, e outros aspectos que vão além dos ensaios clínicos exigidos para a regulamentação dos fármacos10 e que envolvem profissionais, população e órgãos do governo. Após as publicações da PNPIC e da PNPMF, o Ministério da Saúde, por meio da portaria nº 886 de abril de 2010, instituiu no âmbito do SUS a Farmácia Viva, que se destina a realizar todas as etapas, desde o cultivo, a coleta, o processamento, o armazenamento de plantas medicinais, a manipulação e a dispensação de preparações magistrais e oficinais de plantas medicinais e fitoterápicos11. Maiores detalhes sobre a evolução da legislação brasileira sobre fitoterápicos são encontrados nos artigos de Batista e Valença12 e de Figueiredo et al.13.
Oliveira et al.14 conduziram estudo baseado em dados obtidos das DIR (Direção Regional de Saúde, estruturas regionais de gestão), com o objetivo de descrever a situação da terapêutica fitoterápica no Estado de São Paulo em 2003, ano anterior à publicação da PNPIC. Estes autores identificaram que 12 municípios paulistas utilizavam a fitoterapia com incentivo do Governo Municipal na Rede Pública (Campinas, Cunha, Guaratinguetá, Herculândia, Pindamonhangaba, Piquete, Roseira, São José do Barreiro, Ribeirão Preto, São Lourenço da Serra, Cruzeiro e Dobrada) e outros 13 municípios desenvolviam ou tiveram desenvolvidos projetos de fitoterapia por profissionais da área da saúde.
Verificou-se um expressivo aumento de publicações sobre a inserção da fitoterapia na atenção básica a partir de 200315, talvez estimuladas pelas legislações que regulamentaram a prática no Brasil4 e pelas publicações da PNPIC e da PNPMF, ambas em 2006. Em 2014, Oliveira et al.14 realizaram um amplo levantamento bibliográfico de artigos de periódicos, teses e dissertações sobre a inserção da fitoterapia em ações e programas na atenção primária à saúde no Brasil, e identificaram 53 estudos originais sobre ações, programas e aceitação de uso de fitoterápicos e plantas medicinais na atenção primária do SUS. Este estudo permitiu esboçar um panorama da situação atual da fitoterapia no SUS, chamando a atenção para a escassez de literatura acerca dessa temática, talvez como consequência de um baixo interesse acadêmico e dos órgãos de fomento à pesquisa, da desvalorização das plantas medicinais como tema de pesquisa e da falta da integração de pesquisadores de diferentes áreas de conhecimento, agravada pelo fato da fitoterapia ser uma área de pesquisa pouco desenvolvida pelos cientistas brasileiros da área de saúde coletiva. Como resultados, os autores destacaram a necessidade de estímulo à interação entre usuários e profissionais de saúde, bem como o desenvolvimento da visão crítica dos profissionais e da população sobre o uso adequado destes medicamentos.
Dentre algumas iniciativas recentes que podem trazer novos conhecimentos para a disponibilidade e o uso de fitoterápicos e plantas medicinais na atenção primária, encontra-se o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ), do Ministério da Saúde16. O PMAQ foi instituído pela portaria de nº 1.654 GM/MS de 19 de julho de 2011, e tem por objetivo amplo avaliar as condições de infraestrutura das unidades e a qualidade da atenção básica em saúde e desenvolver tecnologias para a avaliação desta no Brasil. Em seu módulo de observação na Unidade de Saúde, encontra-se um bloco de questões sobre a disponibilização de plantas medicinais ou medicamentos fitoterápicos pelas unidades. Estas questões incluem informações sobre a disponibilidade da planta seca, fresca, medicamento fitoterápico manipulado ou industrializado, e sobre a disponibilidade de oito medicamentos fitoterápicos do elenco da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME, edição de 2004) para uso no SUS17. Estes medicamentos são obtidos da espinheira-santa (Maytenus officinalis), guaco (Mikania glomerata), alcachofra (Cynara scolymus), cáscara-sagrada (Rhamnus purshiana), aroeira (Schinus terebenthifolius), garra-do-diabo (Harpagophytum procumbens), isoflavona-de-soja (Glycine max) e unha-de-gato (Uncaria tomentosa).
Assim, o objetivo do presente estudo é descrever a disponibilidade de medicamentos fitoterápicos e plantas medicinais nas unidades de atenção básica do estado de São Paulo, a partir dos resultados do primeiro ciclo do PMAQ, desenvolvido nos anos de 2011 e 2012 e disponibilizados em 2014.
A avaliação de políticas, programas ou serviços de saúde do primeiro ciclo do PMAQ utiliza um desenho transversal e multicêntrico, de abrangência nacional. O instrumento utilizado para a obtenção dos dados é organizado em três módulos18,19: Módulo I – observação de variáveis para a realização de um censo de infraestrutura das unidades básicas de saúde; Módulo II – entrevista com um profissional sobre processo de trabalho da equipe de atenção básica e verificação de documentos na unidade; e, Módulo III – entrevista com usuários na unidade sobre a experiência de uso, condições de acesso, utilização de serviços de saúde e satisfação. Considerando os três módulos, o instrumento compreende aproximadamente 1.600 variáveis. O Ministério da Saúde conta com a parceria de diversas universidades para a operacionalização do projeto, sendo os dados repassados aos seus parceiros em uma etapa prévia à divulgação nacional, que ocorrerá em seu segundo ciclo. Os autores do presente trabalho tiveram acesso aos dados por serem colaboradores da iniciativa.
O Módulo I inclui um trabalho em campo com coleta de informações sobre a infraestrutura das unidades básicas de saúde em visitas locais, sendo entrevistado o responsável ou o coordenador de cada unidade. O instrumento deste módulo organiza estas informações em diferentes seções, que iniciam na identificação da unidade de saúde, modalidade e profissionais da equipe de atenção básica, sinalização externa, acessibilidade da unidade e suas ações e serviços, horário de funcionamento e características estruturais. Em seguida, o instrumento inclui seções sobre os medicamentos componentes da farmácia básica, disponibilidade de imunobiológicos, testes diagnósticos e equipamentos de tecnologia da informação e telessaúde, além de outros materiais e insumos. O presente estudo utiliza principalmente a seção intitulada “Medicamentos componentes da Farmácia Básica” deste instrumento, onde se encontra o bloco de 25 questões sobre medicamentos fitoterápicos e plantas medicinais. No estado de São Paulo pode-se considerar que as respostas ao Módulo I representam um censo, dado que as suas questões foram aplicadas a todas as unidades básicas de saúde.
O Módulo II do PMAQ tem por objetivo a obtenção de informações sobre o processo de trabalho da equipe e a organização do cuidado com o usuário, e inclui a verificação de documentos que apoiarão a avaliação da implantação de padrões de acesso e qualidade. No estado de São Paulo, profissionais de 2.285 unidades de 413 municípios responderam a este módulo, que contém um bloco de questões sobre práticas integrativas e complementares. O Módulo II não é entendido como um censo, dado que a participação envolve as equipes de saúde da atenção básica que voluntariamente e formalmente aderiram ao programa, mediante a contratualização de compromissos e responsabilidades entre as equipes, o gestor municipal e o Ministério da Saúde. Uma questão deste módulo indaga se a equipe realiza atividades de educação em saúde abordando o uso de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos.
Dentro da metodologia do PMAQ e buscando maior equidade na certificação das equipes de atenção básica participantes, os municípios são classificados em seis estratos que consideram aspectos sociais, econômicos e demográficos, de acordo com os seguintes indicadores primários: produto interno bruto (PIB) per capita, percentual da população com plano de saúde, percentual da população com Bolsa Família, percentual da população em extrema pobreza e densidade demográfica. De acordo com pesos específicos, estes indicadores compõem um índice que assume valores de zero a dez, sendo os estratos definidos segundo os critérios apresentados no Quadro 1.
Quadro 1 Critérios para a classificação dos municípios em estratos.
Estrato | Critérios da Estratificação |
---|---|
1 | Municípios com pontuação menor que 4,82 e população de até 10 mil habitantes. |
2 | Municípios com pontuação menor que 4,82 e população de até 20 mil habitantes. |
3 | Municípios com pontuação menor que 4,82 e população de até 50 mil habitantes. |
4 | Municípios com pontuação entre 4,82 e 5,4 e população de até 100 mil habitantes; e municípios com pontuação menor que 4,82 e população entre 50 e 100 mil habitantes. |
5 | Municípios com pontuação entre 5,4 e 5,85 e população de até 500 mil habitantes; e municípios com pontuação menor que 5,4 e população entre 100 e 500 mil habitantes. |
6 | Municípios com população acima de 500 mil habitantes ou com pontuação igual ou superior a 5,85. |
Fonte: http://dab.saude.gov.br/sistemas/pmaq/estratos_para_certificacao.php.
Como informações adicionais, os dados do tamanho populacional de cada município paulista foram obtidos da página eletrônica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de acordo com as informações do censo demográfico de 2010. Para uma caracterização dos municípios paulistas segundo um indicador composto, utilizou-se o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M), proposto pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). O IDH especifica três dimensões básicas de desenvolvimento: renda (IDH-R), educação (IDH-E) e saúde (IDH-S). Os dados de IDH dos municípios paulistas foram obtidos da página eletrônica do PNUD (www.pnud.org.br).
Foram identificadas 4.249 unidades de saúde, distribuídas entre os 645 municípios do estado de São Paulo. Dentre estas unidades, 637 (15%) são identificadas como postos de saúde, 3.260 (76,7%) como centros ou unidades básicas de saúde, 60 (1,4%) como posto avançado e 292 (6,9%) como outro tipo de unidade. Em um único município paulista, Bom Jesus dos Perdões, não foi identificada a participação de uma unidade de saúde no Módulo I do PMAQ. Na capital do estado foram incluídas 427 unidades.
Dentre o total de 4.249 unidades do estado de São Paulo abrangidas neste estudo, em 467 (11%) havia a disponibilidade de medicamentos fitoterápicos e ou plantas medicinais, correspondendo a 104 (16,1%) dos 645 municípios paulistas. Considerando os municípios com 30 ou mais unidades de saúde, destacam-se os de Marília, onde 44 em um total de 45 disponibilizam medicamentos fitoterápicos e/ou plantas medicinais (97,8%); Campinas, onde a disponibilidade ocorreu em 41 dentre 63 unidades (65,1%) e Sorocaba, cuja disponibilidade ocorreu em 15 dentre as 30 existentes (50%).
O mapa da Figura 1 destaca os municípios com disponibilidade de medicamentos fitoterápicos e/ou plantas medicinais em ao menos uma unidade de saúde. Nos municípios em que havia esta disponibilidade, a mediana do tamanho populacional é 28.440 habitantes, segundo o censo demográfico de 2010 (intervalo interquartil, 7.042 a 87.270). Nos municípios que não disponibilizavam estes medicamentos em seu sistema básico de saúde, a mediana do tamanho populacional é 11.290 habitantes (intervalo interquartil, 4.959 a 30.920). Em adição, nota-se que em 46,2% dos municípios com mais de 200 mil habitantes há a disponibilidade de fitoterápicos e/ou plantas medicinais. Observa-se no estado de São Paulo, portanto, uma tendência de haver uma relação entre a disponibilidade de medicamentos fitoterápicos e a dimensão da população do município.
Figura 1 Mapa do estado de São Paulo destacando em cor escura os 104 municípios em que ao menos uma unidade de saúde disponibiliza medicamentos fitoterápicos e/ou plantas medicinais.
Os coordenadores ou responsáveis de 24 unidades de saúde relataram disponibilizar a planta fresca (5,1% do total de 467 que disponibilizam fitoterápicos), sendo quatro localizadas em Campinas, quatro em Mauá, três em Ribeirão Preto, três em Pindamonhangaba, duas na capital do estado, duas em Presidente Prudente e uma em cada um dos seguintes municípios: Cruzeiro, Santos, Presidente Venceslau, Presidente Bernardes, Cabrália Paulista e Marília. O reduzido registro do uso de plantas medicinais na forma in natura, pode estar relacionado a falta de interação entre profissionais da área da saúde e da agricultura. Esta realidade pode ser alterada, na atualidade, com a implantação do programa Farmácia Viva, regulamentado pela Anvisa11.
A planta seca é disponível em 47 unidades de saúde (10,1% do total de 467 unidades), sendo 16 localizadas em Campinas, 15 em Marília, três em Ribeirão Preto, três em Mauá, duas em Santos, duas em Porto Feliz, e em uma de cada um dos seguintes municípios: Borá, Cruzeiro, Lorena, Piracicaba, Santa Bárbara d’Oeste e São Carlos. Disponibilizam a planta em forma de medicamento manipulado 126 unidades de saúde (27% do total de 467 unidades), e o medicamento industrializado é disponibilizado em 318 (68,1% do total de 467).
O gráfico da Figura 2 compara, por box-plots, as dimensões do índice de desenvolvimento humano (IDH) de municípios que disponibilizam medicamentos fitoterápicos e/ou plantas medicinais, em ao menos uma unidade de saúde, e municípios em que não há esta disponibilidade. Ao comparar as medianas do IDH, exibidas na parte inferior do gráfico, evidencia-se uma tendência da fitoterapia estar presente em municípios com melhores indicadores de desenvolvimento humano.
Figura 2 Box-plots para o índice de desenvolvimento humano municipal (IDH-M) e seus componentes de educação (IDH-E), longevidade (IDH-L) e renda (IDH-R), de municípios que disponibilizam medicamentos fitoterápicos e/ou plantas medicinais em ao menos uma unidade de saúde e municípios em que não há esta disponibilidade. Na parte inferior do gráfico, Q1 e Q3 referem-se ao primeiro e terceiro quartis, respectivamente.
De acordo com os estratos definidos pelo PMAQ para o processo de certificação das equipes de atenção básica, em 17 municípios paulistas classificados no estrato 1 há disponibilidade de medicamentos fitoterápicos e/ou plantas medicinais em ao menos uma unidade de saúde, o que equivale a 11,3% do total. Este percentual é de 11,1% no estrato 2, 33,3% no 3, 13,8% no 4, 14,1% no 5 e 36,0% no 6. Estes percentuais reforçam a tendência de que a disponibilidade da fitoterapia é superior em municípios maiores e com melhores condições sociais e econômicas.
A Tabela 1 descreve o número de unidades de saúde que disponibilizam os medicamentos fitoterápicos do elenco da RENAME e lista os municípios que relataram a disponibilidade em pelo menos uma unidade. Nesta tabela, destaca-se o município de Mauá, localizado na Região Metropolitana de São Paulo, que ofereceu à sua população oito medicamentos da RENAME. Entretanto, esta relação de municípios é incompleta, considerando que, em 60 deles, os responsáveis ou coordenadores das unidades de saúde relataram ao PMAQ que a sua unidade de saúde disponibilizava medicamentos fitoterápicos e/ou plantas medicinais, mas não souberam informar a planta utilizada.
Tabela 1 Disponibilidade dos medicamentos fitoterápicos do elenco da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) para uso no SUS nas unidades de saúde e nos municípios do Estado de São Paulo.
Medicamento | Unidades de Saúde | Municípios que relataram a disponibilidade em pelo menos uma unidade de saúde | |||
---|---|---|---|---|---|
| |||||
nº | % | nº | Relação | ||
Espinheira santa | 61 | 13,1 | 12 | Araçatuba, Borá, Cabrália Paulista, Campinas, Juquiá, Laranjal Paulista, Marília, Mauá, Porto Feliz, Registro, Santa Rita do Passa Quatro e São José do Rio Preto | |
Guaco | 200 | 42,8 | 35 | Adamantina, Anhumas, Araçatuba, Borá, Cabrália Paulista, Campinas, Campo Limpo Paulista, Cândido Mota, Cotia, Cruzeiro, Itariri, José Bonifácio, Laranjal Paulista, Lorena, Marília, Mauá, Narandiba, Ourinhos, Paraguaçu Paulista, Pindamonhangaba, Piracicaba, Pompéia, Porto Feliz, Praia Grande, Presidente Prudente, Registro, Ribeirão Preto, Roseira, Sandovalina, Santa Rita do Passa Quatro, São José do Rio Preto, Sorocaba, Taquaritinga, Teodoro Sampaio e Tupi Paulista | |
Alcachofra | 49 | 10,5 | 12 | Borá, Cabrália Paulista, Campinas, Cruzeiro, Ipauçu, Laranjal Paulista, Marília, Mauá, Paraguaçu Paulista, Registro, Ribeirão Preto e Santa Rita do Passa Quatro | |
Cáscara-sagrada | 53 | 11,4 | 17 | Alvinlândia, Borá, Cabrália Paulista, Cândido Mota, Cotia, Ipauçu, Itápolis, Laranjal Paulista, Marília, Mauá, Paraguaçu Paulista, Pindamonhangaba, Piracicaba, Registro, Ribeirão Preto, Santa Rita do Passa Quatro e São Carlos | |
Aroeira | 22 | 4,7 | 3 | Borá, Mauá e Ribeirão Preto | |
Garra-do-diabo | 23 | 4,9 | 4 | Cabrália Paulista, Laranjal Paulista, Mauá e Registro | |
Isoflavona de soja | 109 | 23,3 | 26 | Alvinlândia, Anhumas, Borá, Cabrália Paulista, Cândido Mota, Dobrada, Ipauçu, Laranjal Paulista, Lorena, Marília, Mauá, Narandiba, Ouroeste, Paraguaçu Paulista, Porto Feliz, Praia Grande, Presidente Prudente, Registro, Ribeirão Preto, Salto Grande, Santa Rita do Passa Quatro, São Carlos, São José do Rio Preto, Sorocaba, Teodoro Sampaio e Tupi Paulista | |
Unha de gato | 49 | 10,5 | 9 | Cabrália Paulista, Ipauçu, Laranjal Paulista, Mauá, Presidente Prudente, Registro, Ribeirão Preto, Santos e São José do Rio Preto |
Dentre os 2.285 profissionais das equipes de atenção básica que responderam ao Módulo II do PMAQ, 273 (12%) afirmaram que sua equipe realiza atividades de educação em saúde abordando o uso de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos. Estes profissionais estão distribuídos em 43 municípios paulistas, incluindo São Paulo, Guarulhos, Campinas, São Bernardo do Campo, Santo André, Santos, Mauá, São José do Rio Preto, Diadema, Praia Grande, São Carlos, Marília, Jacareí, Araraquara e Presidente Prudente (municípios estes com população superior a 200 mil habitantes).
Os resultados do PMAQ são baseados nas respostas fornecidas pelos coordenadores ou responsáveis pelas unidades de saúde, e não em programas municipais que oficializem ou divulguem o uso de fitoterápicos. Portanto, no presente estudo, a identificação de um município onde há o uso de medicamentos fitoterápicos na atenção primária pode ser o reflexo de práticas isoladas da equipe de saúde de uma ou mais unidade, não descrevendo políticas oficiais que estruturem tal prática médica. No entanto, os resultados aqui obtidos são suficientes para esboçar o atual panorama do uso dos medicamentos fitoterápicos no estado de São Paulo, sendo sugerido que as futuras coletas de informações do PMAQ incluam questões adicionais sobre a existência de programas oficiais para uma caracterização mais detalhada destas práticas terapêuticas.
Desta forma, o presente estudo evidenciou que, segundo os dados da PMAQ, 104 municípios do Estado de São Paulo disponibilizam medicamentos fitoterápicos ou plantas medicinais. Este é um número expressivamente maior que aquele mostrado no estudo de Oliveira et al.14, que identificou apenas 12 municípios paulistas que utilizavam, em 2003, a fitoterapia com incentivo do Governo Municipal na Rede Pública. O estudo de Oliveira et al.14 é anterior à publicação da PNPIC. A disponibilidade dos fitoterápicos do elenco da RENAME depende de diversos fatores, que incluem o interesse do município em comprar esses medicamentos, médicos com formação para prescrevê-los, o custo, a disponibilidade dos mesmos no mercado, e até mesmo a prevalência de enfermidades que justifiquem sua oferta. O fitoterápico mais disponibilizado é o guaco (Mikania glomerata) (Tabela 1), que apresenta ampla tradicionalidade de uso por sua ação expectorante e broncodilatadora20. Não há restrições de matéria prima desse fitoterápico no mercado brasileiro21, sendo produzido por vários laboratórios. Os medicamentos menos prescritos foram a garra-do-diabo (Harpagophytum procumbens) e a aroeira (Schinus terebenthifolius). A garra-do-diabo é uma espécie que não ocorre no Brasil e os custos da importação de sua matéria prima impedem que seu uso seja mais intenso22. Embora a aroeira seja uma espécie nativa, ela ainda não é cultivada em larga escala, sendo então reduzido o número de laboratórios que produzem fitoterápicos a partir dessa espécie.
Costa et al.23 relatam que os medicamentos fitoterápicos constituem uma das principais opções terapêuticas usadas pela população de Campinas, o que pode ser explicado pela implementação da Política Municipal de Fitoterapia, que incentiva o uso desta terapêutica e oferece acesso à fitoterapia nas farmácias municipais. Nagai e Queiroz24 descrevem que Campinas foi pioneira na introdução da homeopatia e da fitoterapia na atenção primária, sendo as primeiras iniciativas tomadas nos anos 1990, por pressão de médicos com interesse em introduzir estas formas terapêuticas nas unidades de saúde. A organização, a estruturação e o fortalecimento da fitoterapia no SUS em Campinas são descritos detalhadamente por Silva25, que relata que o uso de plantas medicinais e fitoterápicos na atenção básica do município constitui um instrumento relevante para o estabelecimento de vínculos entre usuários do sistema e profissionais da saúde, além de favorecer uma abordagem integral da saúde e resgatar e fortalecer a cultura popular. No presente estudo, observa-se que, dentre 63 unidades de saúde do município de Campinas que participaram da PMAQ, 41 (65,1%) relatam a disponibilidade de medicamentos fitoterápicos e/ou plantas medicinais. Na pesquisa realizada por Nagai e Queiroz24 no primeiro semestre de 2004, também em Campinas, foi identificado que 29,4 % das unidades ofereciam a fitoterapia à população. Estes números demonstram o expressivo crescimento dessa prática terapêutica nessa cidade.
Um fator importante que certamente contribui para a utilização de plantas medicinais e fitoterápicos nos municípios são as leis municipais, as quais garantem de alguma forma que os programas subsistam independente da mudança de gestões políticas, a exemplo da lei nº 13.888 de 19 de julho de 2010, que dispõe sobre a implantação do Programa Municipal de Fitoterapia na Rede Pública de Saúde no município de Campinas, da lei nº 14.903, de 6 de fevereiro de 2009 que dispõe sobre a criação do Programa de Produção de Fitoterápicos e Plantas Medicinais no município de São Paulo, e da lei 8254 de 12 de setembro de 2007 que dispõe sobre a implantação das Terapias Naturais no munícipio de Sorocaba. Este tipo de ação política geralmente é um movimento liderado pela população e profissionais da área da saúde interessados na implantação da fitoterapia no âmbito municipal.
Extrapolando as questões que envolvem a possibilidade de redução de custos, defendida por alguns autores10,26,27, e incremento das possibilidades terapêuticas em geral, e considerando que os serviços de atenção primária possuem como valor fundante o estabelecimento de vínculos entre usuários e equipes de saúde e forte apelo comunitário e familiar, acrescenta-se que o uso da fitoterapia compatibiliza-se à premissa de que o conhecimento e respeito à cultura das pessoas agrega significado à produção do cuidado e maior adesão às suas práticas, singularizadas por serem construídas a partir das referências genuínas dos sujeitos.
Como um comentário adicional, observa-se que na edição de 2013 da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME) foram acrescentadas outras quatro plantas na lista para uso do SUS: hortelã (Mentha x piperita), plantago (Plantago ovata), salgueiro (Salix alba) e babosa (Aloe vera)28. No segundo Ciclo de Avaliação Externa do PMAQ, realizado no ano de 2014 e com bancos de dados em fase de organização final pelo Ministério da Saúde, essas plantas já estão incluídas no instrumento de avaliação das unidades de atenção primária à saúde convencionais e nas da Estratégia Saúde da Família. Desse modo, a utilização da fitoterapia no país poderá ser periodicamente acompanhada para possibilitar um incremento do uso deste recurso medicinal como estratégia de cuidado à saúde.
O presente estudo evidencia um crescimento do uso de fitoterápicos na rede básica de atenção à saúde no estado de São Paulo, após as publicações da PNPIC e da PNPMF, ao comparar os resultados do PMAQ com as pesquisas anteriormente publicadas. Além disso, observa-se que a disponibilidade destas práticas à população tende a ser maior em municípios de maior dimensão populacional e com indicadores sociais e econômicos mais favorecidos. Isto demanda ações que favoreçam maior oferta e distribuição da fitoterapia considerando a dimensão do estado de São Paulo, exigindo investimentos na formação de profissionais de saúde em relação às práticas fitoterápicas, a sensibilização de gestores, as práticas conjuntas entre profissionais e instituições, além de novos estudos sobre a aceitação e conhecimento das práticas entre população, profissionais e gestores em saúde.
Em adição, o estudo evidencia também que, no SUS, há um maior uso de fitoterápico industrializado quando comparado à droga vegetal e ao medicamento fitoterápico manipulado, o que sinaliza uma necessidade de expansão da indústria farmacêutica brasileira especializada na produção destes produtos, para que a crescente utilização deste recurso não fique comprometida por falta de medicamento no mercado.